Introdução à Teoria da Relatividade
De Mario Goto
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Introdução à Teoria da Relatividade - Mario Goto
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO ENSINO DE CIÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
O grande progresso da ciência atual é calcado no reconhecimento de que o ser humano não é a peça mais importante nem ocupa nenhuma posição central no universo e as leis da natureza devem ser independentes da localização ou da orientação de um eventual observador, dando fundamento às teorias da relatividade tanto newtoniana como einsteiniana.
O universo físico como conhecemos consiste em duas partes, um meio ambiente geométrico (espaço e tempo) e outra representada pelo seu conteúdo material (matéria e energia). Na física newtoniana o espaço e o tempo têm propriedades triviais, o espaço descrito pela geometria euclidiana tridimensional e o tempo absoluto. A matéria tem como sua principal propriedade a massa inercial e interage entre si por meio de forças de origens diversas que determinam os movimentos relativos definidos pelas três leis de Newton. A energia, que pode se manifestar de diferentes formas, é considerada como uma das propriedades dinâmicas da matéria.
O conceito de referenciais inerciais introduzido na formulação das três leis de Newton e a equivalência de todos esses referenciais define a hoje denominada Relatividade Newtoniana. No entanto, o eletromagnetismo, baseado nas equações de Maxwell, que interpreta a luz como uma onda eletromagnética, viola a Relatividade Newtoniana em dois aspectos fundamentais: a necessidade de um referencial inercial em repouso absoluto e a propagação da luz com velocidade constante independente de movimentos relativos fonte-observador. Como a teoria eletromagnética assim como a constância da velocidade de propagação da luz são baseadas em observações experimentais sólidas, existe um conflito aparentemente insolúvel entre a mecânica newtoniana e o eletromagnetismo.
Essa dificuldade levou Einstein à formulação da Relatividade Restrita, posteriormente generalizada para a Relatividade Geral necessária para acomodar a interação gravitacional. Para a Relatividade Einsteiniana, um dos pilares da física contemporânea, o espaço e o tempo são componentes de um mesmo ente geométrico, coordenadas do espaço-tempo quadridimensional de Minkowski.
A componente material do universo (matéria e energia) tem como entidades primárias as partículas fundamentais e os campos de interação e tem as suas propriedades dinâmicas descritas pelo outro pilar da Física, a Teoria Quântica dos Campos. A conexão entre as propriedades do espaço-tempo e as propriedades dinâmicas das partículas e campos é dada pelo princípio da relatividade, que estabelece a equivalência de todos os referenciais; inerciais na Relatividade Restrita e inerciais e não-inerciais na Relatividade Geral.
Na Teoria Quântica dos Campos, as partículas fundamentais são representadas por campos com propriedades específicas para cada tipo de partícula, incluindo os bósons vetoriais resultantes da quantização dos campos de interação. Em resumo, o universo como um todo, além do espaço-tempo que o engloba, contém dois tipos de constituintes fundamentais, a matéria, representada pelas partículas fundamentais (férmions) e as partículas mediadoras das interações (bósons vetoriais). Há duas classes de partículas fundamentais, cada qual replicada em três pares (dupletos) de léptons - - elétrons, múons e léptons mais os respectivos neutrinos e os quarks em outros três pares similares - - quarks up, dowm, charm, strange, top e bottom.
A estrutura de dupletos é a responsável pela interação eletrofraca, que atua sobre os léptons e os quarks intermediada pelos bósons vetoriais , , (interação fraca) e os fótons (interação eletromagnética). Inicialmente construída unificada na interação eletrofraca, essa estrutura necessita de um mecanismo conhecido como quebra espontânea de simetria para dar origem às atuais interações fraca e eletromagnética. Essa quebra pode ter ocorrido como consequência do resfriamento causado pela expansão do universo.
A interação forte é definida pela estrutura de tripletos dos quarks e as suas cargas denominadas cargas de cores, em três valores com denominações emprestadas das três cores primárias. Os bósons vetoriais intermediadores da interação forte são denominados glúons, em oito combinações de cargas de cores. Ao lado das interações nucleares forte e fraca (de curto alcance), as interações gravitacional e eletromagnética (de longo alcance) compõem as quatro interações fundamentais conhecidas. As estruturas de dupletos e de tripletos definem as simetrias internas responsáveis pelas interações eletrofraca e forte, respectivamente.
As partículas fundamentais em condições adequadas de energia e intermediadas pelos campos de interação dão origem a sistemas cada vez mais complexos, tais como os nucleons (prótons e nêutrons), os núcleos atômicos, os átomos e as moléculas, as constituintes primárias das estruturas macroscópicas. A formação de sistemas e estruturas está ligada à evolução do universo em expansão a partir de um começo particularmente quente quando a matéria (na sua forma mais fundamental) e a radiação coexistiam em equilíbrio térmico. A formação de estruturas estáveis torna-se possível com o gradativo esfriamento do universo devido à expansão, numa série de transições de fase que ocorrem à medida que a energia térmica do meio passa a ser insuficiente para repor os pares partícula-antipartícula e, posteriormente, para superar a energia de ligação de sistemas atômicos e moleculares que vão se formando.
Em particular, os mésons (píons, káons etc.) são sistemas quark-antiquark, e os bárions (prótons, nêutrons etc.) são sistemas formados por três quarks, ligados pela interação forte, necessitando de uma energia muito grande para que sejam dissociados, de modo que devem ter se formado, nos primórdios da evolução do universo, restos das aniquilações de pares partícula-antipartícula devido a algum mecanismo que leva a uma assimetria matéria-antimatéria, cujo resultado é a existência do universo atual. Conforme a temperatura ambiente vai decrescendo, prótons e nêutrons se estabilizam em estruturas nucleares e, mais adiante, quando a temperatura ambiente atinge em torno de 3000K, os elétrons são capturados formando os átomos neutros. A formação dos átomos neutros dissocia a matéria da radiação eletromagnética, dando origem a um universo transparente e à radiação de fundo que persiste até o presente na região de micro-ondas, numa perfeita distribuição de Planck da radiação de corpo negro. Testemunha da sua origem quando matéria e radiação estavam em equilíbrio térmico, a temperatura atual de 3K é devido ao esfriamento causado pela expansão do universo.
A interação gravitacional é de natureza diferente das demais interações, universal no sentido de exercer o mesmo efeito sobre todas as partículas conhecidas, independentemente das massas ou da natureza dos objetos físicos. Esse fato leva ao Princípio da Equivalência (versão fraca), que postula a igualdade entre as massas inercial e gravitacional. Essa particularidade permite transferir o efeito gravitacional para a geometria do espaço-tempo se considerar o Princípio da Equivalência na versão forte, que postula a equivalência entre o efeito devido à aceleração do referencial e o efeito devido ao campo gravitacional.
O Princípio da Equivalência na versão forte garante a existência dos referenciais inerciais locais em queda livre na presença de um campo gravitacional, em que são válidas as leis da Relatividade Restrita. O campo gravitacional presente no referencial do observador vai definir, via transformações gerais de coordenadas, as conexões entre os referenciais inerciais em queda livre e o referencial do observador.
A parte inicial do livro (capítulos 1 a 6) é uma coletânea das notas de aulas da disciplina de Relatividade Restrita ofertado no último ano do curso de Física. Ressalte-se que o livro contém muito mais material do que efetivamente pode ser dado numa aula de graduação, sendo necessária uma seleção prévia dos tópicos a serem desenvolvidos nas aulas. A sequência (capítulos 7 e 8) trata da Teoria Clássica dos Campos Relativísticos cujas propriedades, específicas de cada campo, refletem as propriedades do espaço-tempo e, consequentemente, definem as propriedades de cada uma das partículas fundamentais representadas pelos campos. A interação eletromagnética serve de modelo para as demais teorias das interações fundamentais, essencialmente as interações forte e fraca.
Para a Relatividade Geral e aplicações, em especial a Cosmologia (capítulos 9 a 11), os dois capítulos anteriores não são pré-requisitos.
Em todos os capítulos o desenvolvimento das equações, nem sempre triviais, são apresentados de forma sistemática e devem ser sempre conferidos passo a passo, inclusive para se certificar da sua exatidão.
Sumário
CAPÍTULO I
RELATIVIDADE NEWTONIANA 15
1.1 Referenciais inerciais 16
1.2 Transformações de Galileu 18
1.3 Grupo das transformações de simetria 20
1.4 Transformações infinitesimais 22
1.5 Simetrias e leis de conservação 26
CAPÍTULO II
POSTULADOS DA RELATIVIDADE RESTRITA 33
2.1 Relatividade da simultaneidade 34
2.2 Relatividade do tempo 38
2.3 Relatividade do espaço 41
CAPÍTULO III
TRANSFORMAÇÕES DE LORENTZ 47
3.1 Consequências imediatas 50
3.2 Referenciais próprios e impróprios 53
3.3 Lei de adição das velocidades 56
3.4 Eventos e intervalos entre eventos 57
CAPÍTULO IV
ESPAÇO-TEMPO DE MINKOWSKI 65
4.1 Espaço euclidiano tridimensional 65
4.2 Espaço-tempo pseudoeuclidiano 68
4.3 Espaço-tempo de Minkowski 70
4.4 Quadrivetores e tensores 73
4.5 Transformações gerais de Lorentz 74
4.6 Tensores de Minkowski 77
4.7 Quadrivetores velocidade e aceleração 81
4.8 Operadores diferenciais 85
4.9 Quadrivetor de onda 87
CAPÍTULO V
DINÂMICA RELATIVÍSTICA 95
5.1 Equação de movimento 95
5.2 Massa e energia 98
5.3 Transformações de Lorentz 101
5.4 Força e aceleração 103
5.5 Colisões 115
5.6 Referencial de Centro de Massa 120
CAPÍTULO VI
RELATIVIDADE E ELETROMAGNETISMO 125
6.1 Densidade de corrente elétrica 125
6.2 Campo eletromagnético 131
6.3 Campo de uma carga em movimento arbitrário 140
CAPÍTULO VII
CAMPOS RELATIVÍSTICOS 165
7.1 Equações de movimento 168
7.2 Transformações de simetria. Geradores 174
7.3 Transformações de Lorentz 178
7.4 Grupo de Poincaré 184
CAPÍTULO VIII
INTERAÇÕES FUNDAMENTAIS 199
8.1 Correntes Conservadas 204
8.2 Teorias da gauge 210
8.3 Interação forte 214
8.4 Quebra Espontânea de Simetria 217
CAPÍTULO IX
RELATIVIDADE GERAL E GRAVITAÇÃO 227
9.1 Princípio da Equivalência 228
9.3 Equações de Einstein 243
9.4 Campo gravitacional uniforme 246
9.5 Transformações de Rindler 253
CAPÍTULO X
INTRODUÇÃO À COSMOLOGIA 281
10.1 Cosmologia Observacional 284
10.2 Equação de Friedmann 295
10.3 Modelo Cosmológico Padrão 311
CAPÍTULO XI
ASSIMETRIA DE CARGAS 323
11.1 Distribuição uniforme de cargas 325
11.2 Referencial comóvel 327
11.3 Equação de Friedmann 341
11.4 Desvio para o vermelho 344
Referências bibliográficas 349
CAPÍTULO I
RELATIVIDADE NEWTONIANA
Pode-se perceber que a ideia da relatividade sempre esteve presente no desenvolvimento da física, expressa formalmente na mecânica newtoniana pela introdução dos referenciais inerciais, todos equivalentes entre si. No contexto filosófico e científico atual, é consenso que o ser humano não ocupa nenhuma posição privilegiada no universo, assim como nada indica que haja alguma orientação espacial privilegiada. Em relação ao tempo, acredita-se que a causalidade seja o fator de ordenamento temporal, a causa sempre precedendo o efeito. Do ponto de vista da cosmologia, é aceito que o próprio universo seja espacialmente homogêneo e isotrópico (uniforme), isto é, a distribuição de matéria, energia e de qualquer outra grandeza física, em escala cosmológica, deve ser uniforme. Significa também que campos vetoriais, que definem direções, devem ser nulos em escala cosmológica.
As teorias da relatividade se inserem no contexto desses princípios básicos que norteiam as principais ideias da física teórica, impondo a equivalência de todos os referenciais inerciais. Significa que as leis da natureza, da física em particular, devem ser as mesmas em todos os referenciais inerciais e independentes de observadores. Os referenciais inerciais estão ligados entre si por transformações contínuas que envolvem translações, rotações e deslocamentos uniformes e transformações discretas como a reflexão espacial.
A restrição aos referenciais inerciais justifica o termo Relatividade Restrita, que na prática significa na ausência da gravitação. Diz-se que as leis da natureza são invariantes por translações, rotações e deslocamentos relativos uniformes e baseia-se na crença de que não devem existir pontos ou direções privilegiados no espaço que contém o universo, ou seja, o espaço deve ser homogêneo e isotrópico. Isso significa também que as leis da natureza que regem um determinado sistema são as mesmas, independente da sua localização e ou orientação no universo.
Devido à formulação matemática das leis da física, em geral baseada em equações diferenciais, a equivalência dos referenciais inerciais pode ser expressa pela invariância na forma (covariância) dessas equações quando submetidas às transformações que relacionam os referenciais inerciais entre si. Na procura pela generalização das teorias físicas, essa invariância ou simetria tem sido usada como um guia de importância fundamental. Consequências físicas importantes da equivalência dos referenciais inerciais são as leis de conservação, a conservação do momento linear ligado à simetria translacional, a conservação do momento angular à simetria