Zurk
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Zurk - Robson Carlos Gomes
O VALE DE GAMBU
H
á mundos que não conhecemos, apesar de, de alguma maneira, sonharmos com eles. Muitos desses sonhos e desses mundos podem ser tão reais quanto uma parede de concreto e vergalhões, contra os quais, muitas vezes, batemos. Gambu faz parte de um sonho em que podemos viver a vida, em sua beleza mais expressiva, mas, que de alguma maneira, fica ofuscada por algo que nos atrai, prometendo o que nunca poderá ser entregue fora dele.
O percurso que pretendo percorrer com você tem início neste mundo em que, um dia, dizem os antigos, foi o lugar onde fomos mais felizes, mesmo que, de alguma maneira, não tenhamos consciência dele.
Muitas das nossas escolhas partem de uma visão apaixonada de um lugar, de uma fantasia ou mesmo de uma loucura que nos atrai para uma realidade paralela. Cuidado! Muitas dessas aventuras, no fim, podem nos levar a ter que encarar uma realidade pouco desejada.
Bem-vindo ao Vale de Gambu, onde sinalizaremos os primeiros personagens de nossa história. Eles até podem parecer estranhos, mas, são muito parecidos conosco. Basta apenas observar o que eles sentem e desejam.
A SAÍDA
N
as altas montanhas de Gambu, todos os membros da família de Zurk estavam reunidos no topo da Grande Árvore. A vista era fantástica e a imensidão de árvores menores fazia Zurk imaginar um lugar nunca visto por ele antes.
O pai de Zurk sempre contava histórias emocionantes recheadas de aventuras perigosas, as quais seu bisavô Gatok havia vivido quando andara em outro mundo.
A história contada por Beruk, pai de Zurk, sobre seu bisavô Gatok falava de um lugar onde monstros sem piedade aprisionavam os gambuzés (nome dado a todos os que nasciam em Gambu) e os submetiam a trabalhos forçados.
Dizia ainda Beruk:
– Aqueles que conseguiam escapar, como aconteceu com seu bisavô Gatok, eram perseguidos com um animal extremamente rápido que dificilmente perdia as pegadas deixadas pelos fugitivos.
Entre uma e outra história, das muitas que Beruk contava, as emoções fluíam de cada palavra penetrando a mente e o coração dos gambuzés, que entre os galhos da Grande Árvore ficavam quase hipnotizados pela habilidade que ele tinha em contar histórias.
Zurk estava entre os que ouviam essas histórias e, a partir delas, criava suas próprias. Ele era um jovem que nascera para o desconhecido. Sonhava com outros mundos sempre que olhava da copa da Grande Árvore. Do seu ponto mais alto, segurando firme um dos seus galhos, olhava para o leito do rio, que deslizava com suas longas curvas, igual à grande Gutum.
Gutum era uma serpente gigante que amedrontava todos os moradores de Gambu. Sempre que ela aparecia naquela região, provocava pânico entre os gambuzés. Zurk, entretanto, imaginava um dia montar nas costas da grande serpente e descer a grande montanha em direção ao desconhecido, para conferir se as histórias de seu bisavô Gatok eram, de fato, como seu pai contava.
A imaginação tomava conta da alma de Zurk. Numa ocasião, enquanto todos comiam entre os galhos da Grande Árvore, Zurk deixou escapar para todos que um dia iria andar nas pegadas de seu bisavô Gatok e soltar todos os gambuzés que, porventura, estivessem presos no outro mundo.
O pai de Zurk, ao ouvir isso, não se conteve e soltou uma imensa gargalhada, que se espalhou por todos os braços da Grande Árvore.
– Hahahaha!
Nesse momento, os olhares se voltaram para Zurk, que ficou visivelmente desconcertado. Sorriu disfarçando como se estivesse dizendo em tom de uma brincadeira. Beruk, percebendo que deixara o filho constrangido, começou a contar uma história e, assim, os olhares se dispersaram dele.
Mas a mãe de Zurk, Keirok, ficou muito preocupada com o que ouvira. Passados vários dias, Keirok o chamou para uma conversa em particular. Ela conhecia Zurk melhor do que Beruk. Com bastante sabedoria, disse a ele:
– Filho, sei que o desconhecido encanta sua alma e sei que um dia você vai em direção a ele. Não poderei evitar sua jornada e muito menos estar presente quando estiver em perigo. O que vou lhe dizer agora, você precisa guardar em sua mente e em seu coração. Seu lar é o lugar mais seguro para você. Aqui você tem de tudo o que precisa. Gambu é o ponto mais alto de todo o mundo. Aqui temos a Grande Árvore, que supre todas as nossas necessidades. Oferece abrigo seguro, diversão, alimento e uma vista que você não vai encontrar em nenhum outro lugar.
Zurk a fitou com aquele olhar sonhador e curioso. Seus olhos fixos no rosto de sua mãe pareciam discordar de tudo que ela dizia, mas, permaneceu em silêncio.
Keirok continuou:
– Filho, se um dia você deixar este lugar e se decepcionar com o desconhecido e desejar voltar, olhe para a direção de onde o sol nasce e caminhe nela. Devo dizer que o caminho de volta não será fácil. Na jornada do retorno, perigos de todas as espécies estarão entre você e a Grande Árvore, aqui em Gambu.
Com um silêncio desconcertante, ela se recompôs enxugando as lágrimas que começaram a brotar de seus olhos. Segurou bem firme as duas mãos de seu filho e disse:
– Filho, quando você sair em busca do desconhecido, acredite, eu estarei no mais alto de todos os galhos da Grande Árvore esperando avistar qualquer sinal que indique um pedido de socorro.
Com um abraço apertado e longo, Keirok beijou-o carinhosamente e disse olhando fixo em seus grandes olhos:
– Eu amo você, meu filho.
Zurk sorriu para sua mãe e a tranquilizou, afirmando que jamais faria algo que lhe causasse tristeza ou dor. Antes de se levantarem, ele disse:
– Eu sei que um dia vou andar nas pegadas do meu bisavô Gatok.
Os dias se passaram e Zurk evitou qualquer conversa sobre deixar as altas montanhas de Gambu. Apenas seus pensamentos conheciam os desejos de seu coração. Reservadamente, subia no mais alto galho da Grande Árvore e contemplava por horas a imensidão do vale do desconhecido.
Esses eram os seus momentos favoritos. Sozinho e sem a incredulidade do seu pai, fazia grandes viagens em seus pensamentos, pois estava fascinado pelo desconhecido. Sua alma estava embriagada de imagens e personagens que criava a partir das histórias que ouvia sobre seu bisavô.
Ele estava