Olhos-Grandes, o camaleão que vestia cor-de-mar
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Esta estória começa no deserto por que talvez lá não haja estrutura para agarrar vivências artificiais. Talvez, fugindo para lá, seja possível o amor e o sonho. Mas isto não é mais do que uma miserável e não fundamentada opinião.
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Olhos-Grandes, o camaleão que vestia cor-de-mar - Mariana Pereira
O deserto
Dizem que não se vai ao deserto almoçar, que não se marcam encontros apaixonantes num areal cheio de nada.
Dizem que só é possível viver em lugares perto de água e com alguma vegetação. Areia e céu não chegam.
Mas, é, sobre esse horizonte despido, que se fantasia, que eu fantasio.
Contam-se estórias de heróis que jejuaram e deambularam pelo deserto dias sem fim, de aviões que por lá se resumiram a pó, de génios que tornaram sonhos possíveis. Contam-se estórias de miragens que engaram o coração e embalaram o que não é carne para algum outro lugar.
Contam-se estórias e algumas, mas poucas, histórias.
Quando se contam estórias podem acrescentar-se pontos, vírgulas e cores. Podem acrescentar-se deuses e sereias. Música vinda do nada. Alegria e gargalhadas. Mas parece que quem tem contado estórias sobre o deserto, mesmo que lhe ofereça um fundo de esperança, não lhe sabe imaginar felicidade.
É como se a areia desses lugares não sustentasse mais do que oásis mentirosos, uns quantos catos e interações desastrosas, trágicas e solitárias.
Que diacho de lugar que, sem lhe tirar todo o proveito, tem de viver com tão má fama.
Vou assumir-me como contadora de estórias e prontifico-me a mudar a fama dos desertos.
Todos os lugares aceitam os horrores e a solidão, mas querem mais, querem tudo a que há direito. Como folhas brancas, limpas e perfeitamente esticadas, os desertos são capazes de tudo, são sedentos do traço da caneta, da cor da aguarela.
Esta estória começa no deserto: porque eu vivo na cidade, mas sinto-me sozinha.
As grandes cidades estão cheias de informação, pensadas, estruturadas, embelezadas, teatralizadas. Um enxame de luzes e o seu efeito psicadélico. Encontramos simbolismos em qualquer canto, mas sem certeza de significado, sem certeza de essência. Tanta informação, mas tão desprovida de conteúdo. Encontra-se tudo nas cidades e às vezes não se encontra nada. Uma descaracterização humana. Uma crise de valores. Uma perda salubridade. E o pior de tudo: falta vontade ou espaço para as relações interpessoais. As condições humanas são esquecidas, abolidas, desenvolvendo dentro da cidade um cancro de desumanidade.
Esta estória começa no deserto por que talvez lá não haja estrutura para agarrar vivências artificiais. Talvez fugindo para lá, seja possível o amor e o sonho. Mas isto não é mais do que uma miserável e não fundamentada opinião.
De facto, eu nunca vivi num deserto, nunca almocei por lá, mas, já o sonhei e já o desejei.
Creio que nos desertos também há céu, também há vida, também há amor que se entranha. O sol também nasce por lá, e quando nasce, um tesouro maravilhoso: a vida de mais um dia.
Esta é uma estória de esperança.
Esta é uma estória de sonhos.
Esta é uma estória de amor.
Esta é a estória de um pequeno camaleão cor-de-mar que vivia num deserto onde era possível voar, ou pelo menos era possível acreditar que se pode voar.
Esta é a estória de um pequeno camaleão que aprendeu a sentir.
Esta é a história de Olhos-Grandes.
A serpente, a raposa e a estaca
Na imensidão indefinida e vaga do deserto Sírio viviam uma serpente, uma raposa e uma estaca.
A estaca, muito poderosa, tinha a capacidade de criar uma atmosfera peculiar no meio de toda aquela homogeneidade, gerando um espaço que eficientemente era um