Das Mangueiras às Sombras Daqueles Eucaliptos: Um Caminho Possível para Formação de Leitores Autônomos
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Das Mangueiras às Sombras Daqueles Eucaliptos - Victor Silva Rodrigues
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É preciso que a leitura seja um ato de amor.
(FREIRE, 1983, p. 11)
Pesquisas sobre o desenvolvimento do hábito leitor, ou sobre a construção de um sujeito leitor, como, por exemplo, a realizada pela Fundação Pró-livro¹, intitulada Retratos da Leitura no Brasil
, têm sido recorrentes nos últimos anos, uma vez que diversos estudos já observaram que muito do déficit educacional de nosso país relaciona-se ao fato de que grande parcela da população ainda não é leitora proficiente.
Iniciamos nossa trajetória leitora ainda na infância, com o incentivo, ora direto ora indireto, de uma tia. Aos 10 anos, viajava para o interior de São Paulo onde assistia à tia em seu hábito diário de leitora, que, em interação com o livro, chorava, ria, se aborrecia, sorria. Eu, menino, vislumbrava essa ação leitora. Com o tempo, a tia começou a interrogar-me sobre quais assuntos gostava de conversar, sobre o que me despertava a atenção em um filme. Logo ganhei o meu primeiro livro, O Pequeno Príncipe, que li a partir da indicação em destaque na contracapa do livro Você é responsável por aquele que cativas e este livro o cativará...
. Depois dele, outros livros vieram durante a adolescência, tardes e mais tardes foram ganhas lendo Agatha Christie, Sidney Sheldon, Série Vagalume. Já no ensino médio, deu-se o mergulho nas literaturas brasileira, portuguesa e inglesa.
Ao ingressar no curso de Letras, passei a refletir sobre o processo de aquisição da leitura, questão que sempre me incomodara e permanecia instigante. Por que não se consegue ter alunos leitores, se a leitura é atividade prazerosa? Graduado, comecei a lecionar nas 7.ª e 8.ª séries de uma escola estadual em São Paulo, na extinta disciplina Leitura e Produção de Textos
.
Foi nesse laboratório da realidade, a sala de aula, a partir de conversas com alunos, que observei que a situação de vida deles era fragilizada por questões familiares de diferentes ordens: alcoolismo, drogas, morte/ausência de pai/mãe, privações socioeconômicas, prisões etc. A partir desses dados, tracei com o grupo de alunos um roteiro de leitura, a fim de verificar de que forma a literatura refletia e tratava de questões semelhantes às que eles vivenciavam. Nessa experiência, foram lidos: A outra Face, de Deborah Ellis; Os miseráveis, de Victor Hugo; e O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas.
Os livros foram lidos e as aulas ficaram emocionantes. Vários alunos enxergaram nos enredos das obras lidas (ou comentadas pelos colegas) alguma similaridade com suas vidas, e os que não tiveram essa identificação acabaram se comovendo com as histórias dos colegas. Os alunos foram para o ensino médio e parte deles não mais parou de ler; alguns dos que antes quase não liam chegaram a frequentar aulas de Recuperação Paralela, para poder continuar a participar das atividades de leitura.
No final de 2014, na Cidade Tiradentes, extremo da zona leste de São Paulo (bairro marcado por alto índice de violência e com falta de espaços e de opções de cultura e lazer), lecionava (já havia 5 anos) em uma escola pública municipal de ensino fundamental, onde enfrentava dificuldades ao propor leituras aos alunos. Foi lá que uma colega me apresentou a AEL² – Academia Estudantil de Letras, e, em parceria com outros colegas, resolvemos implantar o projeto naquela escola. Como resultado, em pouco tempo, verificou-se que os rumos da leitura na escola mudaram.
As vivências nas aulas de leitura e produção de textos e nas capacitações oferecidas pela SME (Secretária Municipal de Educação) evidenciavam a necessidade de novas práticas leitoras, em todos os anos da escolarização e em todas as disciplinas, para que se pudesse garantir os objetivos estabelecidos na Lei de Diretrizes e Bases (LBDN n.º 9.394/1996). A referida Lei preconiza, como finalidade da educação escolar, o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania, a qualificação para o trabalho. Além disso, deve facultar o acesso ao conhecimento veiculado na forma escrita e garantir o ato de ler tanto como entretenimento quanto como instrumento de transformação, de inserção em diversas culturas e de contato com diferentes literaturas.
Com as necessidades e dificuldades de levar o aluno a ler, dentro e fora da escola, e com a inquietação e a frustração de ver essa missão educativa não acontecer, investi na curiosidade ingênua do buscar caminhos, métodos, práticas, estratégias para a tarefa de formação do leitor. Neste trabalho, contudo, tenho a oportunidade de vê-la transformar-se em curiosidade epistemológica, nascida na prática, pautada em teorias diversas e que aqui vai refletida e apresentada como caminho construído a várias mãos, fruto de sonhos e aberto para a intervenção do que