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Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português
Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português
Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português
E-book222 páginas9 horas

Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português

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Sobre este e-book

Há muitas expressões que usamos no nosso dia-a-dia e que várias vezes ouvimos dizer que estão erradas. Estarão mesmo? Será que posso dizer «amigo meu», «beijinhos grandes», «fazer a barba», «bicho-carpinteiro», «mal e porcamente», «copo de água», «saudades tuas»?
Marco Neves defende que sim! Este é um dicionário diferente – ao mesmo tempo útil e divertido, é uma homenagem à língua portuguesa, tal como ela existe nas mãos de quem escreve e nos lábios de quem fala. O autor ataca tabus, desmonta mitos e defende com unhas e dentes a riqueza da língua em toda a sua variedade social.
Eis um livro para todas as mentes curiosas que gostam de olhar com prazer e atenção para a língua que falam. Tenha-o sempre à mão e esclareça dúvidas sobre o uso de certas expressões e as situações em que são ou não adequadas. Livre-se de preconceitos e defenda a nossa língua!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de out. de 2021
ISBN9789897026928
Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português
Autor

Marco Neves

Nasceu em Peniche e vive em Lisboa. Tem sete ofícios, todos virados para as línguas: tradutor, revisor, professor, leitor, conversador e autor. Não são sete? Falta este: é também pai, com o ofício de contar histórias. É professor na NOVA FCSH, investigador na área das línguas e tradução e director da empresa de tradução Eurologos-Lisboa. Escreve regularmente artigos na área da linguística na página Certas Palavras (www.certaspalavras.pt) e crónicas semanais no Sapo 24. Este é o seu décimo segundo livro.

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    Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português - Marco Neves

    9789897026928.jpg

    DICIONÁRIO DE ERROS FALSOS E MITOS DO PORTUGUÊS

    Título: Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português

    Autor: Marco Neves

    © Autor e Guerra e Paz, Editores, S. A., 2021

    Reservados todos os direitos

    A presente edição não segue a grafia do novo acordo ortográfico.

    Revisão: Inês Figueiras

    Design: Ilídio J.B. Vasco

    Isbn: 978-989-702-692-8

    Guerra e Paz, Editores, Lda

    R. Conde de Redondo, 8–5.º Esq.

    1150­-105 Lisboa

    Tel.: 213 144 488 / Fax: 213 144 489

    E­-mail: guerraepaz@guerraepaz.pt

    www.guerraepaz.pt

    Aos meus pais

    índice

    Lista de mitos

    Introdução

    Qual é a língua mais estranha do mundo?

    Como usar este dicionário?

    O que é um erro falso?

    Capricho

    Literalismo

    Logicismo

    Reducionismo

    Simplificação

    Xibolete

    Fetiche

    Mas é assim tão fácil criar erros falsos?

    Mas os erros falsos fazem algum mal?

    Já agora, o que são erros verdadeiros?

    Não podemos não gostar duma palavra?

    Como escrever bem?

    Breve glossário

    Língua

    Dialecto

    Sociolecto

    Idiolecto

    Registo

    Gramática

    Hipercorrecção

    Regra de etiqueta

    Norma

    Erros Falsos e Mitos do Português

    A gente Como resolver ambiguidades com o corpo

    A lua está maior Questões de tamanho

    Acabou de terminar O mistério da redundância fantasma

    Amigo meu O pleonasmo invisível

    Atravessar a Mancha Disparates de português

    BEIJINHOS GRANDES As voltas da língua

    Belo (substantivo) Pense bem, se faz favor

    Bicho-carpinteiro Parem com isso!

    Brutal (com sentido positivo)Uma questão pessoal

    Comer (substantivo)A língua de pijama

    Copo de água Aventuras com uma preposição

    Deslargar A incrível história do pronome com duas vidas

    Detento As palavras dos outros

    Dica O medo das palavras navegantes

    Dum A queda duma contracção

    Espaço de tempo O medo da confusão dos outros

    Espanhol Uma língua com dois nomes

    Estájaver? (oralidade)A mulher que insistia em pronunciar os espaços

    Estivéramos Disparar primeiro, perguntar depois

    Fazer a barbaA ilusão da superioridade

    Garantir que fazemos isto A complexidade da língua

    Imensos dicionários A norma dá um pequeno salto

    Já agora Qual é o sentido das expressões idiomáticas?

    Mais pequeno Uma língua desarrumada

    Mal e porcamente A língua mexe-se

    Míster A língua em jogo

    Não há nada Lógica e pensamento

    Obrigada! O género do agradecimento

    Para além disso Os cortadores implacáveis

    Pelos vistos Pelos vistos, há quem não goste

    Português de Portugal Uma redundância?

    Queria um copo de água Lógicas de algibeira

    Solar (verbo)Arranjar sapatos em cima do palco?

    Sorriso nos lábios Uma bela redundância

    Tem dias O estranho caso do pronome desaparecido

    Tenho saudades tuas Um erro está onde um homem quiser

    Terramoto As superstições da língua

    Tirar as impressões digitais Fazer piscinas e outros prazeres

    Você A Grande Guerra

    Volta à França Uma volta pela língua

    Voltar atrás A língua e o passado

    Epílogo

    O estranho caso do português que pensava que sabia inglês

    Notas e agradecimentos

    Introdução

    Qual é a língua mais estranha do mundo?

    Este livro foi escrito para todos os que gostam de saber mais sobre a língua portuguesa. Ora, antes de começarmos o percurso por alguns espantosos recantos da nossa língua, peço que me acompanhem numa viagem à Índia. Já veremos a razão deste desvio…

    Os linguistas e os antropólogos, de vez em quando, trazem-nos notícias de línguas cheias de palavras com um significado tão esmiuçado que ficamos a pensar: por que razão alguém criou uma palavra para dizer precisamente aquilo? Outras vezes, é a gramática dessas línguas exóticas que nos espanta: há línguas com milhões de formas diferentes para cada verbo; outras em que os verbos são todos irregulares; umas quantas que dividem os nomes entre animados e inanimados; entre muitas outras maneiras de nos espantar.

    Pois, ali escondida num recanto da Índia, há uma língua chamada bodo – tem uma gramática complexíssima e um sem-número de palavras peculiares, com sentidos que nos deixam a coçar a cabeça. Repare o leitor, por exemplo, nestas três palavras:

    egthu: um verbo que indica o momento em que começamos a sentir um certo conforto no meio de um grupo de pessoas que não conhecíamos;

    goblo: um verbo que indica a troca de um objecto por objectos de valor inferior que, em conjunto, têm o mesmo valor que o objecto original;

    khonsay: o momento exacto em que um casal numa relação duradoura tem relações sexuais pela primeira vez.

    Palavras estranhas, não é? Por que carga de água há-de esta língua ter uma palavra para a primeira relação sexual de um casal?

    A gramática do bodo é ainda mais estranha: a língua divide todos os nomes entre a categoria azul e a categoria vermelha. Os linguistas chamam «género» a esta divisão, mas, ao contrário das línguas que nos são mais habituais, não é uma divisão por sexo, mas por cor: os nomes dos objectos azuis terminam em «-o» e os nomes dos objectos vermelhos terminam em «-a». Quando um nome não é nem azul nem vermelho (por ter outra cor ou por ser um conceito abstracto), é integrado num dos géneros de forma aparentemente aleatória. Há ainda casos em que um objecto vermelho é integrado no género azul, não se sabe bem porquê.

    Há mais surpresas: algumas palavras são objecto de tabus peculiares. São usadas por uma grande parte dos falantes de bodo, mas não podem ser ditas em contextos formais. Por exemplo, a palavra «goblo», que descrevi acima, é considerada imprópria para muitas situações. No entanto, não é um palavrão nem descreve nada de embaraçoso. É apenas considerada imprópria, sem grande razão para tal…

    E a gramática da língua? Há um tempo verbal próprio para nos referirmos a qualquer coisa que aconteceu repetidamente nos dias anteriores ao momento da fala: «nhote ladofa moc lee» significa que o sujeito falou regularmente com outra pessoa nos últimos tempos. Há ainda um tempo verbal que indica alguma coisa que ocorreu no futuro de um acontecimento passado. Ou seja, se eu falo de uma revolução que aconteceu em 1990 e quero referir-me a qualquer coisa que aconteceu cinco anos depois (no futuro da revolução, mas no nosso passado), tenho um tempo verbal próprio nesta língua da Índia. Ah, e se tivermos a certeza do que estamos a dizer, usamos uma certa conjugação verbal, mas, se tivermos dúvidas, usamos outra. É um espanto, a gramática desta língua.

    ***

    Talvez o leitor tenha percebido o truque… As descrições acima não são da tal língua indiana (que existe e é interessante, mas não tem estas características). Muito do que descrevi acima aplica-se, com algumas alterações, ao nosso português!

    Vá, peço desculpa pela malandrice. Foi uma maneira de espicaçar a curiosidade de quem me lê…

    Sim, há um tempo verbal que indica uma acção que se repete várias vezes: «Tenho falado com ele.»¹ É o pretérito perfeito composto, que, neste caso, tem um sentido iterativo.

    Este pretérito perfeito composto também é usado em certas construções condicionais: «Se eu tenho falado com ele ontem, nada disto acontecia!» Há quem veja neste uso alguma informalidade – ou mesmo um erro –, mas tudo dependerá dos hábitos de cada um. O certo é que este tempo verbal até já aparecia com este sentido nesta estrofe do Canto IX d’Os Lusíadas:

    Todas de correr cansam, ninfa pura,

    Rendendo-se à vontade do inimigo;

    Tu só de mi só foges na espessura?

    Quem te disse que eu era o que te sigo?

    Se to tem dito já aquela ventura

    Que em toda a parte sempre anda comigo,

    Oh, não na creias, porque eu, quando a cria,

    Mil vezes cada hora me mentia.²

    Ah, a conjugação verbal do português, vista de fora, é um espanto. O próprio presente do indicativo é qualquer coisa de deixar um linguista marciano a coçar a cabeça. Parece simples: é um verbo que indica uma acção que está a decorrer agora. Só que não: se quero indicar uma acção que está a decorrer neste momento, digo «eu estou a falar com o Pedro» ou, por outras paragens, «eu estou falando com o Pedro». O presente do indicativo do verbo «falar» é uma ferramenta que tem outros usos: para dizer que falamos todos os dias com aquela pessoa («Eu falo com o Pedro todos os dias.»); para dizer que sabemos falar uma língua («Eu falo japonês na perfeição!»); para dizer que, no futuro, falaremos com aquela pessoa («Não se preocupem, eu falo com ele.»). E não termina por aí…

    Reparemos ainda: dizer «tenho falado com o Pedro todos os dias» e «falo com o Pedro todos os dias» parece quase a mesma coisa. Mas há uma diferença subtil: no primeiro caso, estamos a dizer algo como «nestes últimos tempos, não há dia que passe sem que eu fale com o Pedro»; já a segunda construção significará que eu costumo falar com o Pedro todos os dias desde há muito tempo (e vou continuar).

    Quanto ao tal tempo verbal que indica o futuro do passado, claro que existe em português: é o futuro do pretérito, que habitualmente chamamos de condicional: «Anos depois, encontrá-lo-ia no mesmo lugar.» Hoje em dia, usamos mais um tempo composto: «Anos depois, viria a encontrá-lo no mesmo sítio.» Mas esse é o mesmo fenómeno que nos leva a dizer «vou encontrá-lo amanhã»: o verbo «ir» é um auxiliar que permite construir tempos compostos para expressar o futuro. É uma outra complicação da nossa língua, que aprendemos sem pestanejar.

    Esta transformação do verbo «ir» numa peça da gramática da língua é um exemplo de «gramaticalização», ou seja, o processo através do qual uma palavra normal, com um sentido próprio, começa a ser usada sem esse sentido original, mas com uma função morfológica ou sintáctica. Deixa de ser parte do léxico da língua e começa a funcionar como peça da gramática da língua.

    O próprio futuro do português foi criado pela transformação do verbo haver num morfema (uma peça da gramática): «amar hei» > «amarei».

    Se o verbo «haver» acabou por ser comido pelo verbo principal, o verbo «ir» ainda nos aparece bem separado na escrita – mas o processo é semelhante.

    Na descrição ficcional da gramática do bodo, algum leitor mais atento terá também percebido que, em português, também há um modo verbal para a dúvida (o conjuntivo) e outro para a certeza (o indicativo). Note-se que o uso dos dois modos é muito mais complexo do que parece ao fazer esta divisão tão limpinha (como veremos na entrada «garantir que fazemos isto») – nada é simples no que toca à língua.

    ***

    Já quanto ao género… Aquela descrição do género com base na cor é fantasiosa (mas não garanto que não exista numa língua perdida num vale da Papua-Nova Guiné). Mas, se virmos bem, e ao contrário do que sentimos ao falar a nossa língua, o género dos substantivos que usamos não segue qualquer lógica: por que razão havemos de considerar uma mesa como um ser feminino e um banco como um ser masculino? A divisão por género de todos os substantivos é um pedaço de gramática absolutamente aleatório.

    Aleatório e, ouso dizer, inútil – há línguas que passam bem sem um sistema de género, como o inglês, onde há substantivos (e pronomes) que se referem a seres de determinado sexo, mas onde não é preciso atribuir um género aos outros nomes todos. Para um inglês, uma árvore é apenas «a tree» ou «the tree», sem género que se veja ou sinta. É assim no inglês, como noutras línguas. Há línguas com um género, dois géneros, outras com três. À nossa calhou ter dois.

    Disse que o género gramatical é aleatório e há línguas que passam bem sem ele. Que haja esta divisão em português é um problema? Claro que não: as gramáticas das línguas estão a transbordar deste tipo de divisões e subtilezas deliciosas que outras línguas dispensam sem mal – estas arbitrariedades são a própria massa com que se constrói a gramática da língua.

    A gramática não é lógica: é uma floresta cheia de esplendorosas árvores de troncos engalfinhados uns nos outros, uma floresta que vem do princípio dos tempos e vai mudando devagar. Uma floresta complexa, de que ninguém tem um mapa completo e que, vejam lá isto bem, todos reconstruímos no nosso cérebro nos primeiros anos da nossa vida. Não apetece partir à aventura?

    ***

    Quanto às três palavras lá atrás, na verdade, são portuguesas:

    enturmar-se: um verbo que indica o momento em que começamos a sentir um certo conforto no meio de um grupo de pessoas que não conhecíamos;

    destrocar: um verbo que indica a troca de um objecto por objectos de valor inferior que, em conjunto, têm o mesmo valor que o objecto original;

    consumação: o momento exacto em que um casal numa relação duradoura tem relações sexuais pela primeira vez.

    Foi uma malandrice? Foi, claro.³ Mas é esta a explicação daquelas listas de palavras exóticas ou «intraduzíveis» que por vezes aparecem por aí: se escolhermos um dos significados da palavra e o explicarmos de maneira esmiuçada, a descrição parecerá incrível e quase intraduzível.

    Quando o leitor encontrar uma lista de palavras intraduzíveis, desconfie: provavelmente, cada palavra tem um sentido mais genérico, mas o falante com quem o criador da lista conversou escolheu um sentido particular, porque na vida real as palavras são usadas em frases, com sentidos precisos, e não nos dicionários, onde as definições têm de ser abrangentes. As palavras são uma espécie de nuvem de significados e só adquirem o sentido preciso em cada frase (às vezes com a ajuda de um gesto ou de um piscar de olho). É assim que todas as línguas funcionam, e, por isso, nenhuma palavra é inteiramente traduzível por outra palavra exacta, mas as frases já são bichos bem mais fáceis de domar nas mãos treinadas do tradutor.

    Uma nota em relação a esta brincadeira toda: os tempos verbais de que falei anteriormente ou as palavras que enumerei não são exclusivas do português – não é esse o objectivo deste jogo. Foi uma maneira de nos obrigar a olhar com outros olhos para a nossa língua, com tudo o que tem dentro (exclusivo ou nem por isso). É uma forma de começarmos a olhar para o português com olhos de linguista

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