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Resiliência e deslealdade constitucional: uma década de crise
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Resiliência e deslealdade constitucional: uma década de crise
E-book741 páginas13 horas

Resiliência e deslealdade constitucional: uma década de crise

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Sobre este e-book

A Editora Contracorrente tem a satisfação de anunciar a publicação do livro Resiliência e deslealdade constitucional: uma década de crise, organizado por Rubens Glezer e Ana Laura Pereira Barbosa. Esta obra reúne uma seleção de análises sobre a conjuntura política e democrática do Brasil ao longo dos últimos dez anos, com um olhar atento e específico para o diagnóstico da "resiliência" da Constituição de 1988, realizado por Oscar Vilhena Vieira e outros autores em 2013.

Os autores convidados para esta obra foram provocados a pensar nesses últimos 10 anos de crise democrática, o que estimulou uma variedade de vozes e enfoques, contribuindo para uma análise profunda da realidade contemporânea. O contexto político brasileiro da última década foi repleto de desafios, desde junho de 2013 até as eleições conturbadas de 2022. O livro revisita a noção de "resiliência constitucional" proposta na obra de Oscar Vilhena Vieira, explorando minuciosamente as questões de desenho institucional à luz dos eventos recentes. O desafio de manter a lealdade constitucional em meio à turbulência política é central para esta obra.

Mais do que uma análise retrospectiva, o livro se apresenta como uma contribuição significativa para o debate contemporâneo sobre a Constituição de 1988 e o futuro da democracia brasileira. Nas palavras de Oscar Vilhena: "O compromisso acadêmico, inteligência e integridade desses pesquisadores, que combina sofisticada reflexão teórica com cuidadosa pesquisa empírica, tem contribuído muito para qualificar nosso debate constitucional. Para mim, tem sido um enorme privilégio trabalhar e aprender com ambos".
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de ago. de 2023
ISBN9786553961296
Resiliência e deslealdade constitucional: uma década de crise

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    Resiliência e deslealdade constitucional - Rubens Glezer

    PARTE I

    RECONSTRUÇÃO DA TESE ORIGINAL DA RESILIÊNCIA CONSTITUCIONAL

    CAPÍTULO I

    O CONCEITO E AS BASES TEÓRICAS DA RESILIÊNCIA CONSTITUCIONAL¹

    OSCAR VILHENA VIEIRA

    DIMITRI DIMOULIS

    Introdução

    A Constituição de 1988 é ideológica e retoricamente carregada. Isto não significa, no entanto, que tenha assumido uma clara diretriz política ou mesmo econômica. A fragmentação político-partidária, a multiplicidade de grupos de interesses presentes no processo constituinte e a intensa participação da sociedade geraram uma Constituição que abrigou interesses distintos ou mesmo contrapostos. Sua marca distintiva, portanto, não é o caráter desenvolvimentista, liberal, chapa-branca, neoconstitucional, simbólico ou ubíquo, mas sim o compromisso maximizador, em que todos os setores que foram capazes de se articular no processo constituinte tiveram satisfeitos ao menos parcela de seus interesses. A Constituição entrincheirou direitos, protegeu interesses, distribuiu poderes, realizou promessas, delineou objetivos de mudança social e determinou políticas públicas.

    Evidentemente, tais direitos e interesses não são harmônicos. Mas o compromisso maximizador permitiu a aprovação do documento por uma ampla maioria de parlamentares. A Constituição de 1988 não cristalizou, assim, a vontade de um restrito e homogêneo grupo sociopolítico, como tipicamente ocorreu com a Constituição dos EUA 1787 ou no Brasil com as Constituições do século XIX. Certamente, nessas ocasiões houve divergências políticas fortes e grupos minoritários que protestaram das opções (autoritárias, federalistas, escravocratas etc.). Mas o resultado final expressou determinada hegemonia política.

    Ao contrário, a Constituição de 1988 foi produto de um intenso processo de conciliação entre as forças políticas que moldaram a transição brasileira (sem ruptura) com as arraigadas estruturas de poder. Por conciliação não se deve compreender, no entanto, um processo de negociação entre forças razoavelmente igualitárias na sociedade para firmar um pacto simétrico de mútuo interesse. Trata-se de uma estratégia de estabilização de certa ordem assimétrica, pela qual as novas instituições buscam simultaneamente preservar o poder e os interesses dos mais poderosos, cedendo benevolentemente a demandas sociais, em troca de lealdade ao novo pacto político.

    A Constituição de 1988 não foi um pacto social entre iguais, mas também não pode ser confundida com uma simples carta de fachada ou simbólica, voltada a encobrir um rústico modelo de dominação. Temos um pacto assimétrico. Isso gerou um documento igualmente assimétrico no reconhecimento de direitos, na proteção de interesses e mesmo na preservação de esferas de poder. A Constituição estabelece direitos que devem ser respeitados, esferas de participação a ser preenchidas e metas que devem ser alcançadas. Prevê também mecanismos orçamentários que buscam assegurar a eficácia de algumas de suas promessas. Essas previsões que fazem a Constituição contraditória permitem que vários setores da sociedade exerçam pressão, juridicamente justificada, para concretizá-las.

    Em resumo: a Constituição brasileira procurou satisfazer os diversos setores organizados da sociedade, ainda que de forma não simétrica, transferindo para o sistema político e para o Judiciário a responsabilidade de sua concretização ao longo do tempo.

    Há uma longa tradição de crítica a Constituições extensas, detalhistas e ambiciosas em seus projetos de transformação, como a brasileira. A crítica considera como medida ideal as Constituições liberais, em especial a concisa Constituição Norte-americana de 1787. O ceticismo em relação às Constituições detalhistas e dirigentes advém de múltiplos planos, partindo da hipótese central de que existiria uma correlação causal entre o conteúdo minimalista do texto e sua efetividade, aplicabilidade e longevidade:

    – Constituições ambiciosas e transformadoras teriam maior dificuldade de realizar seus projetos normativos, o que levaria necessariamente a perda de autoridade e legitimidade ao longo do tempo.

    – O fato de serem detalhistas certamente geraria problemas de antinomias, o que dificultaria sua aplicação.

    – Textos extensos e detalhistas ficariam obsoletos mais rapidamente, gerando a necessidade de constante reforma ou mesmo adoção de novos textos constitucionais.

    A Constituição brasileira de 1988 foi, desde sua adoção, criticada com base neste triplo diagnóstico negativo.

    Em primeiro lugar, considerou-se que sua ambição normativa levaria a uma enorme frustração social, na medida em que o Estado não fosse capaz de cumprir com as promessas constitucionais (crítica da ineficácia material).

    Em segundo lugar, alertava-se para os problemas decorrentes da amplitude e detalhamento de seu conteúdo, que a tornaria rapidamente obsoleta e, portanto, condenada a um falecimento precoce (crítica do engessamento).

    Em terceiro lugar, a crítica apontava o seu caráter ora contraditório, que levaria a constantes crises e conflitos interpretativos, ora incompleto, o que demandaria constante complementação legiferante. Em face do baixo grau de desconfiança no legislador, isso certamente contribuiria para tornar a Constituição inoperável (crítica da ausência de fio condutor).

    1 Do compromisso maximizador ao constitucionalismo resiliente²

    O projeto normativo da Constituição de 1988 não naufragou nem pela sua ineficácia material, nem pela obsolescência ou a paralisia decisória. Mas isto não significa que a Constituição não tenha tido dificuldades de realizar seu projeto normativo.

    Nossa hipótese é que o projeto normativo da Constituição de 1988 tem alcançado um alto grau de resiliência, vem sendo implementado incrementalmente e que este processo de efetivação se deve a uma multiplicidade de fatores, entre os quais inúmeros elementos intrínsecos ao modelo constitucional adotado. Logo, o desenho institucional adotado pela Constituição tem contribuído para que a vontade normativa adquira efetividade. Destacamos os seguintes elementos desse desenho institucional:

    1. Delegação normativa. O texto constitucional inclui um amplo conjunto de princípios muito abstratos que exigem complementação legislativa. Incompletude e abertura do texto impõem, por um lado, uma constante atuação do legislador para mediar a tensão entre princípios e complementar a vontade constitucional, por outro lado, também reclama uma ampla atuação do Judiciário, solucionando conflitos não resolvidos no decorrer do processo constituinte e alimentados pela luta de diversos setores da sociedade em implementar as ambiciosas e muitas vezes ambíguas metas constitucionais.

    2. Mecanismos de autoexecução. Apesar da Constituição sistematicamente transferir a responsabilidade pela sua complementação, implementação e garantia aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, respectivamente, ela mesma inclui uma longa série de programas normativos densos, concretos, inclusive com cronogramas e porcentagens orçamentárias vinculantes. Assim sendo, ao lado das proclamações gerais e dos princípios abstratos, temos regras densas que exigem e permitem sua aplicação imediata. Esse fenômeno de convivência do abstrato e genérico com o específico e vinculante, em síntese, a convivência de princípios com regras, permitiu que vários programas constitucionais fossem implementados pelo Executivo e/ou do Judiciário de maneira célere e eficiente. É evidente que essa característica aumenta a força normativa da Constituição e permite que certos grupos sejam diretamente beneficiados pelas previsões constitucionais, sem que seja necessária uma longa e incerta campanha junto ao Legislativo para atendimento de seus pleitos.

    3. Consensualismo do sistema político. A Constituição criou e a prática consolidou um sistema político altamente consensual que, ao dar voz aos diversos seguimentos da sociedade brasileira (inclusive no âmbito federativo), favoreceu, além de um alto grau de lealdade constitucional, também um razoável padrão de eficiência decisória, evitando uma paralisia política, que muitos temiam. O desenho constitucional, por outro lado, tem sido capaz de evitar a predominância de apenas um grupo político sobre os demais, no que poderia ter gerado um desvio autoritário. As mudanças políticas se realizaram sob um pano de fundo de estabilidade política avalizada pela Constituição, fortalecendo a demanda pelos mais diversos setores da sociedade sobre a necessidade de manter o sistema constitucional. Isto não significou, no entanto, que o sistema político tenha sido incapaz de agir de forma efetiva para implementar mudanças institucionais em face de novos contextos internacionais, macroeconômicos, ou mesmo de pressões políticas domésticas. A intensidade pela qual o texto constitucional foi reformado mostra que o sistema político não se deixou paralisar.

    4. Judiciário moderador. O Poder Judiciário, depositário de enormes responsabilidades na implementação do texto constitucional, também não se deixou paralisar. Assumiu o papel de calibração do sistema constitucional sem contrariar opções políticas fundamentais de coalizões políticas consistentes. Vem atuando como guardião dos elementos fundamentais do sistema constitucional e dos mecanismos habilitadores para a tomada de decisão democrática. O exercício dessa função não o colocou em posição contramajoritária, característica de cortes constitucionais que zelam por Constituições liberais. Responsável por preservar uma Constituição dirigente, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, é uma instância legitimadora das mudanças induzidas pelo legislador e pelo Executivo na implementação da Constituição. Isso não significa, no entanto, que em circunstâncias específicas tenha abdicado de exercer uma função de legislador negativo.

    5. Rigidez complacente. O texto constitucional brasileiro, embora extenso e ambicioso, é razoavelmente flexível, permitindo que coalizões minimamente consistentes possam alterar normas constitucionais sem maiores dificuldades. A flexibilidade textual encontra limite no sistema de proteção de princípios fundamentais da Constituição. De acordo com o artigo 60, § 4º, não podem ser discutidas propostas tendentes a abolir a forma federativa, a democracia, a separação de poderes e os diretos e garantias fundamentais. A facilidade em reformar dispositivos específicos do texto, assegurando a preservação dos princípios basilares da arquitetura constitucional, permite a atualização do texto, sem que este perca sua identidade. Comparando a versão do texto constitucional de 1988 e a de 2012, podemos perceber que a essência e a estrutura permanecem intactas, ainda que amplas reformas tenham sido levadas a cabo.

    Resumindo essas cinco características: ao adotar uma estratégia de incorporação de diversos interesses sociais, a Constituição alcançou um grau de lealdade constitucional desconhecido na história brasileira. A sua incompletude, por sua vez, convoca os atores políticos para uma interminável disputa sobre o sentido da Constituição, reforçando a sua centralidade não como norma acabada, mas como eixo ou agenda sob a qual a política se realiza. Ao reproduzir a lógica de maximização de interesses na institucionalização das regras que organizam o jogo político, a Constituição mais uma vez concedeu espaço para os diversos setores da sociedade, ampliando a lealdade constitucional no contexto da disputa política. A resiliência textual, associada ao consensualismo político, por sua vez, tem contribuído para que o processo político possa constantemente atualizar um texto extensamente ambicioso, mas razoavelmente fácil de ser reformado. Essa resiliência textual, no entanto, não autorizou que elementos centrais de nossa arquitetura constitucional fossem alterados. Por fim, o ambicioso projeto constitucional convocou o Judiciário para servir como elemento de calibração da política, passando a Suprema Corte a exercer um papel quase moderador na articulação e mediação da atuação dos demais poderes.

    Isso se deve ao fato que a Constituição detalhista incorpora interesses de muitos grupos heterogêneos e promove a lealdade de todos ao texto. Permite que aspectos pontuais sejam negociados, sem que isto coloque em risco o todo. Os mecanismos de atualização e reforma da Constituição, adotados pelo texto de 1988, favoreceram um alto grau de resiliência fática do pacto constitucional brasileiro.

    Tomando livremente emprestado um conceito da física, entenda-se por resiliência a propriedade que possuem alguns materiais de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse sem ocorrer ruptura, ou modificação permanente. Perduram no tempo, retornando ao ponto de equilíbrio. Não são rígidos no sentido da intolerância a certas pressões. Tampouco são flexíveis no sentido de sua modificação radical em razão de certas pressões. Acomodam estímulos e pressões, preservando sua função e identidade em diferentes ambientes.

    Do ponto de vista da história política, a detalhista e ambiciosa Constituição brasileira se demonstrou capaz de assimilar mudanças de rumo determinadas por consensos políticos consistentes, sem perder sua identidade. Viabiliza a sua reforma para a adaptação em novas situações, mas impede que elementos básicos do pacto constitucional sejam abandonados. Esta resiliência textual contribuiu para garantir a estabilidade do pacto político conciliador e a paulatina realização das promessas constitucionais de longo prazo.

    2 Compromisso maximizador e sistema político consensual³

    O objetivo desta seção é descrever de que modo o compromisso maximizador se manifestou na configuração de um sistema político altamente consensual, pelo qual o poder foi distribuído entre várias agências e atores, de forma a que governabilidade exige a constante construção de consensos. As principais novidades referem-se à pulverização do poder e à transformação das fronteiras que separam a função legislativa da executiva, afastando-se do paradigma madisoniano.

    Conforme relatado no capítulo anterior, o processo constituinte brasileiro, embora reativo a um passado imediato de autoritarismo e de uma longa história de desigualdades, não se desvincula de um contexto histórico do Estado federal, com forte presença de oligarquias locais, multipartidário, corporativo, patrimonialista e de uma ideologia desenvolvimentista, que perpassa inúmeras clivagens políticas. Elementos essenciais para compreender o processo constituinte foram o significativo grau de fragmentação partidária da Assembleia, assim como a mudança do pêndulo de poder, entre o primeiro, dominado por setores democráticos nacionalistas que enfrentaram o regime militar, e o segundo turno, onde o domínio da Assembleia passou às mãos do chamado Centrão, grupo mais conservador, liderado pelo Presidente Sarney, que havia apoiado o regime militar. Isso é particularmente importante para entender a configuração do sistema político adotado pelo texto de 1988.

    Rompendo com a tradição presidencial brasileira, a versão aprovada pela assembleia constituinte no primeiro turno estabelecia um sistema parlamentarista, ainda que com inúmeras atribuições governamentais-decisórias conferidas ao Presidente da República, como no caso da Quinta República francesa. Este sistema era articulado, ainda, com um sistema pluripartidário, assegurado por um sistema eleitoral federativo de natureza proporcional. No segundo turno de deliberação o modelo parlamentarista é derrubado, sobretudo, por uma enorme pressão da Presidência da República, representada na Assembleia pelo Centrão. A parte os interesses do Presidente em exercício, havia dois discursos voltados a justificar a escolha do presidencialismo: o primeiro pautado na maior governabilidade/estabilidade oferecida pelo regime presidencial, especialmente num contexto de pluralismo partidário; o segundo discurso buscava enfatizar que o aspecto mais democrático (majoritário) da eleição presidencial, que havia galvanizado a energia da sociedade no movimento das diretas-já; o que não deveria ser frustrado.

    O regime presidencialista adotado em 1988 se distingue do regime estabelecido pelas Constituições de 1891 e de 1946 em muitos sentidos, especialmente no que se refere às relações entre Executivo e Legislativo. Conforme Sérgio Abranches, o Brasil adotou em 1988 um modelo muito peculiar de sistema político, que poderia ser caracterizado como presidencialismo de coalizão, por combinar presidencialismo bonapartista, multipartidarismo e proporcionalidade eleitoral num contexto federativo.

    Esse tipo de regime estabeleceria ao Presidente eleito uma necessidade imperativa de engajar-se continuamente num processo de formação de coalizões voltadas a sustentar o governo. Essas coalizões, no entanto, não se restringiriam apenas a formação de alianças partidárias majoritárias, mas de alianças que dessem conta também da dimensão federativa, ou seja, dos interesses regionais, que não necessariamente se encontram articulados por partidos. Como nos demais setores da Constituição, não teria havido na Assembleia uma decisão que desse prevalência aos interesses de um único grupo hegemônico, sendo, portanto, representativo da natureza compromissária do restante texto. Onde todos ganham ninguém prevalece. Esta característica traria, seguindo a previsão clássica de Sartori, grandes empecilhos para a governabilidade.⁶ Conforme Abranches, o presidencialismo de coalizão seria um

    sistema caracterizado pela instabilidade, de alto risco e cuja sustentação baseia-se, quase exclusivamente, no desempenho corrente do governo e na sua disposição de respeitar estritamente os pontos ideológicos ou programáticos

    de sua coalizão, que teria tanto um eixo partidário como um regional.

    As dificuldades encontradas pelo governo Sarney para cumprir o restante de seu mandato, assim como a crise que levou ao impeachment do Presidente Collor, pareciam dar razão para aqueles que atribuíam uma forte inadequação das instituições criadas em 1988, ainda que não se pudesse atribuir à dimensão federativa da coalizão as dificuldades de governança ou mesmo instabilidade dos governos.

    Os governos Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula e Dilma mostram que o modelo institucional adotado em 1988 não trazia, em si, obstáculo à capacidade dos governos de ver realizados seus programas e muito menos comprometia a governabilidade do país. Em análise seminal sobre as relações entre Executivo e Legislativo, Angelina Figueiredo e Fernando Limongi mostram que a taxa de sucesso do Executivo brasileiro na aprovação de seus projetos junto ao parlamento era bastante elevada, equiparando-se ao dos regimes parlamentares europeus.

    Os Presidentes conseguem formar sólidas coalizões de partidos que sustentem o governo, não ficando sujeitos ao controle eleitoral das oligarquias regionais. Mais do que isso. Foi possível observar que diversos mecanismos institucionais colocados nas mãos do Executivo, como a iniciativa legislativa, o domínio sobre a elaboração orçamentária, as medidas provisórias e a possibilidade de controle da agenda por intermédio da prerrogativa de solicitação do regime de urgência, davam ao Presidente uma enorme capacidade de fazer prevalecer os seus projetos dentro do parlamento. Por fim, a criação do sistema de colégio de líderes demonstrou-se um instrumento extremamente eficaz para coordenar a ação dos parlamentares da base do governo, que apresentam altos níveis de fidelidade partidária. Nesse aspecto, foi possível estabelecer incentivos claros para que a coalizão oferecesse estabilidade e eficiência ao Executivo.

    Por desconhecer os detalhes da Constituição de 1988 e não dispor de um período mais longo para análise da experiência de sua explicação, autores como Sartori e Abranches – sem mencionar os juristas que se arvoraram em análises políticas – estabeleceram juízos negativos sobre o sistema político organizado pela Constituição de 1988.

    Uma leitura mais detida do texto indica que ao Presidente foi atribuída a prerrogativa de iniciativa legislativa sobre matérias altamente relevantes, que incluem a legislação orçamentária (artigos 61 e 165 da CF). Em paralelo, o Presidente tem a competência para editar medidas provisórias, com iniciativa própria e com força de lei, em casos de relevância e urgência (artigo 62 da CF), havendo, contudo, necessidade de posterior aprovação pelo Congresso para serem convertidas em lei. O Presidente tem ainda a prerrogativa de pedir urgência na votação de seus projetos (artigo 64 par. 1º). A apreciação de medidas provisórias, a solicitação de urgência e o grande número de projetos de lei do Executivo, de fato travam a pauta deliberativa do Congresso, restringindo significativamente sua liberdade de ação.

    Essas ferramentas constitucionais colocadas nas mãos do Presidente, somadas a uma alta taxa de fidelidade partidária, que ultrapassa 90%,⁹ permitiu que 85,6% dos projetos de lei aprovados pelo parlamento brasileiro no período entre 1988 e 2006 tenham sido de iniciativa do Presidente da República, sendo que a taxa de sucesso dos projetos apresentado pelo Presidente superam os 70% (sucesso mensurado apenas em termos de projetos aprovados ao longo do mandato).¹⁰ Esses dados aproximam em muito o sistema político brasileiro, ao menos no que se refere ao padrão de eficácia decisória, aos regimes parlamentares europeus, onde uma autêntica fusão entre Executivo e Legislativo permite que o Executivo também atinja altas taxas de sucesso decisório.¹¹

    O fato que o sistema político brasileiro se mostrou não apenas estável, governável, mas também eficaz, na perspectiva decisória, não significa que ele não se depare com problemas relevantes. Temos o alto custo para a formação das coalizões, a baixa accountability dos governantes e a dificuldade para propor leis ou reformas da Constituição em temas de entrincheirados interesses dos Estados-membros, como a segurança pública ou o sistema tributário.

    Conforme mostra Moisés,¹² o Congresso teve seu poder reduzido em relação aos regimes anteriores, perdendo sua capacidade legislativa, sua representatividade, assim como sua capacidade de controlar o Executivo. Eleito o Presidente, dispondo este de mecanismos muito fortes (orçamento, concessão de emendas parlamentares e cargos públicos) para a criação de uma leal coalizão que dê sustentação ao governo, os riscos ficam bastante reduzidos. Daí porque escândalos de corrupção ocorridos nas várias gestões (exceção do governo Collor, que foi objeto de impeachment) não geram mais do que sobressaltos políticos, rapidamente contornados com uma ação dos líderes partidários em consonância com os ministérios políticos do governo.

    Limongi observa que dificilmente primeiros-ministros de democracias parlamentaristas sobreviveriam em situações semelhantes ao que tivemos no mensalão, ou mesmo do primeiro ano de governo Dilma (2011), onde um número expressivo de ministros foi afastado por problemas de corrupção. Uma segunda questão que poderia ser levantada refere-se à possibilidade de que o sucesso do Executivo esteja sendo superestimado, na medida em que seus índices de sucesso não levam em consideração aquilo que não é proposto, ou é proposto de forma muito mitigada, em face das complexidades internas da coalizão, inclusive no que se refere a sua dimensão federativa. Esse fenômeno, designado lei da resposta antecipada, por Carl Friedrich,¹³ pode encobrir um custo de governar a partir de coalizões extremamente fragmentadas. Ou seja, o Presidente seria bem-sucedido na medida em que fosse capaz de antecipar o que seria aprovado por aqueles que lhe dão sustentação (coalizão multipartidária), mas que têm interesses muito distintos.

    Limongi busca enfrentar essa objeção, a meu ver, de forma insatisfatória, pois analisa a questão tomando por referência a possibilidade de que minorias (logo adversas a base do governo) pudessem exercer um poder silencioso, que levasse o Presidente a se conduzir de uma maneira que não deseja,¹⁴ o que não é exatamente o que se está objetando em relação ao caso brasileiro.

    Aqui não se está discutindo o poder silencioso das minorias, mas sim o poder silencioso de setores internos à coalizão, portanto, da base da maioria. Qual seria, por exemplo, a capacidade do antigo PFL, formando a ala direita da coalizão no Fernando Henrique Cardoso, de silenciosamente impedir a proposição de reformas pretendidas pelo PSDB do Presidente Cardoso? E qual é atualmente a capacidade do PMDB ou de partidos ligados a lideranças historicamente conservadoras no Brasil, de restringir projetos de reforma da Presidenta Dilma pelo fato de ser componentes politicamente importantes da coalizão liderada pelo PT?

    A resposta é de que este é um problema constantemente enfrentado pelas alianças governamentais tanto no presidencialismo como no parlamentarismo, devendo lidar com as demandas e contradições de sua base de sustentação necessariamente composta por facções com distintos interesses. A questão, no entanto, seria compreender se a taxa de inércia do Legislativo, decorrente da natureza das coalizões brasileiras, marcadas não apenas pela alta fragmentação partidária e pelas divergências no federalismo, são maiores ou menores que o observado em outras democracias com diferente estrutura partidária e desenho constitucional.

    Pensemos em exemplos recentes: Qual é a força de facções conservadoras e com clara influência religiosa da base de sustentação do governo para impedir a proposição de um projeto de lei de descriminalização do aborto que certamente tem a simpatia da Presidente e de vários parlamentares? Como explicar a dificuldade do governo em ver aprovado um código florestal nos moldes defendidos pelos seus mais próximos colaboradores? O que significa a impossibilidade dos sucessivos governos em propor reformas mais abrangentes para a segurança pública e o sistema tributário, temas nos quais há um choque de interesses entre os Estados-membros da Federação?

    Isso indica um sistema político que, em função do desenho constitucional, tem natureza consensual e suficientemente eficaz, envolvendo negociações e compromissos, muitas vezes tácitos.

    3 Rigidez complacente e contínua atualização constitucional¹⁵

    Um elemento-chave para entender a função da Constituição Federal de 1988 é o estudo dos mecanismos de reforma constitucional que ela institui. Em geral, as Constituições dirigentes apresentam mecanismos de forte rigidez constitucional. Esse é o caminho imposto para garantir a efetiva e duradoura vinculação do legislador ao projeto constitucional de transformação.

    De maneira oposta, as Constituições liberais-sintéticas não se preocupam com a rigidez porque confiam no legislador e desejam mesmo a atualização, que, aliás, ocorre constantemente nos amplos espaços não regulamentados pelo texto constitucional. Certamente não há homogeneidade, havendo Constituições liberais que protegem um núcleo duro de normas constitucionais, notadamente aquelas que garantem direitos de liberdade, a forma de Estado e as regras do jogo democrático. Outras Constituições liberais não estabelecem cláusulas pétreas, mas dificultam o processo de revisão com a previsão de maiorias exigentes e de múltiplos exames da proposta. De toda forma, a rigidez no procedimento de reforma e a existência de cláusulas pétreas são um mecanismo muito mais utilizado nas Constituições transformadoras.

    A Constituição de 1988 adota uma estratégia peculiar.

    Em primeiro lugar, a verdadeira ubiquidade do texto constitucional, que regula as mais variadas esferas da vida e do Direito, foi matizada pela flexibilização dos procedimentos de reforma. A reforma é deixada nas mãos da maioria do Congresso:

    – sem participação do Executivo;

    – sem controle e necessidade de aprovação pelos Estados-membros da Federação;

    – sem previsão de controle popular, mediante referendo.

    Em razão disso, a reforma constitucional tornou-se jurídica e politicamente fácil se for comparada, por exemplo, com a prevista pela Constituição liberal dos EUA. Assim sendo, os partidos políticos são os Senhores não só das políticas públicas, mas também da reforma constitucional. Isso se manifesta na profusão de emendas constitucionais pontuais, que permitem reformas da maneira rápida e sem necessidade de colaboração interinstitucional.

    Essa flexibilidade procedimental tem a sua contrapartida. Para que a reforma seja realizada devem concordar forças políticas que, por mais que participem da coalizão governamental ou estejam próximas ao governo, perseguem projetos diferentes e representam interesses em parte antagônicos. Em razão disso, como dissemos ao analisar as teses centrais da resiliência constitucional brasileira, propostas de reforma de maior importância acabam sendo abandonadas por medo de que uma mudança radical modifique o próprio chão constitucional, altere o equilíbrio de satisfação de interesses e afete o sistema político.

    Em segundo lugar, o sistema brasileiro de reforma constitucional estabeleceu um amplo conjunto de cláusulas constitucionais intangíveis (art. 60, §4º, CF). A lista das cláusulas pétreas engloba não só princípios gerais do federalismo, da democracia e da separação de poderes, mas também os numerosos direitos fundamentais em sua integralidade.

    Isso pode ser obstáculo de qualquer discussão de projeto de emenda, pois sempre alguém pode alegar que contraria as cláusulas pétreas. O Judiciário, em particular o STF, pode fiscalizar as reformas constitucionais, freando aquelas que considerar contrárias a certa cláusula pétrea. Isso complica o jogo da reforma, dando papel de destaque ao Judiciário, situação essa excepcional no direito estrangeiro.

    Uma terceira característica é a válvula de escape do art. 60 § 4º. Entre os artigos protegidos não há verdadeiras cláusulas de imutabilidade. Só se proíbem reformas que tendem a abolir essas normas, autorizando reformas que limitam direitos fundamentais ou modificam o funcionamento das instituições, desde que se considere que a norma não corre o risco de abolição.

    Considerações finais

    Em resumo. Sob a Constituição de 1988 houve estabilidade constitucional, apesar da presença de um sistema de reforma constitucional pouco exigente. Devemos analisar esse complexo mecanismo que inclui elementos contraditórios de rigidez e flexibilidade. Um fato é que o Judiciário também é agente de reforma constitucional mediante o controle de constitucionalidade.

    Referências bibliográficas

    ABRANCHES, Sérgio Henrique. O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, Rio de Janeiro, vol. 31, nº 1, 1988.

    FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999.

    LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos estudos, São Paulo, nº 76, 2006.

    MOISÉS, José Álvaro. Desempenho do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão (1995/2006). Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, vol. 2, 2011.

    SARTORI, Giovanni. Engenharia constitucional. Brasília: UnB, 1996.

    VIEIRA, Oscar Vilhena; DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto et al. Resiliência constitucional: compromisso maximizador, consensualismo político e desenvolvimento gradual. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2013. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/10959. Acessado em: 01.06.2023.


    1 Os trechos reproduzidos neste capítulo foram originalmente publicados no livro Resiliência constitucional: compromisso maximizador, consensualismo político e desenvolvimento gradual, reunindo o conteúdo dos capítulos intitulados Do compromisso maximizador ao constitucionalismo resiliente e Rigidez complacente e contínua atualização constitucional, respectivamente, nas páginas 18-24 e 41-43 do referido livro. A preservação da redação original pode trazer alguma artificialidade na concatenação, mas tem o benefício de fazer justiça à literalidade da tese original e não causa prejuízo na compreensão. Para aqueles que desejarem se aprofundar no conteúdo do livro, de acesso livre e gratuito, cf. VIEIRA, Oscar Vilhena; DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto et al. Resiliência constitucional: compromisso maximizador, consensualismo político e desenvolvimento gradual. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2013. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/10959. Acessado em: 01.06.2023.

    Parte destes trechos são de autoria exclusiva de Oscar Vilhena Vieira, e parte, coautoria com Dimitri Dimoulis.

    2 Texto de autoria exclusiva de Oscar Vilhena Vieira.

    3 Texto de autoria exclusiva de Oscar Vilhena Vieira.

    4 LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos estudos, São Paulo, nº 76, 2006, pp. 17-41.

    5 ABRANCHES, Sérgio Henrique. O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, Rio de Janeiro, vol. 31, nº 1, 1988, p. 21.

    6 SARTORI, Giovanni. Engenharia constitucional. Brasília: UnB, 1996.

    7 ABRANCHES, Sérgio Henrique. O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, Rio de Janeiro, vol. 31, nº 1, 1988, p. 22.

    8 FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999.

    9 MOISÉS, José Álvaro. Desempenho do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão (1995/2006). Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, vol. 2, 2011, p. 26.

    10 LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos estudos, São Paulo, nº 76, 2006, p. 23.

    11 LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos estudos, São Paulo, nº 76, 2006, p. 30.

    12 MOISÉS, José Álvaro. Desempenho do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão (1995/2006). Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, vol. 2, 2011, pp. 15-32.

    13 Apud LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos estudos, São Paulo, nº 76, 2006, p. 31, nota de rodapé 28.

    14 LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos estudos, São Paulo, nº 76, 2006, p. 32.

    15 Texto em coautoria entre Oscar Vilhena Vieira e Dimitri Dimoulis.

    PARTE II

    A CONSTITUIÇÃO DE 1988 AINDA SOBREVIVE?

    CAPÍTULO II

    A RESILIÊNCIA CONSTITUCIONAL E A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

    ANA LAURA PEREIRA BARBOSA

    Introdução

    Durante os mais de trinta anos de existência, a Constituição de 1988 recebeu centenas de emendas. Se inicialmente podia haver dúvida a respeito da capacidade de sobrevivência da Constituição, logo demonstrou-se que grande parte dessas modificações não afetavam regras materialmente constitucionais, e tinham, na verdade, relação com a execução de políticas públicas.¹ Em 2013, Vieira sugeriu um conceito para explicar a longevidade da Constituição, argumentando que ela decorreria de um atributo denominado resiliência constitucional: a maleabilidade para admitir repactuações no compromisso constitucional, mas sem perder sua essência.²

    O conceito de resiliência não encerrou o profícuo debate. O processo de emendamento seguiu atraindo a atenção da literatura. Modificações recentes suscitaram a tese de ocorrência de um possível fenômeno de desmembramento constitucional,³ ou a leitura de que a Constituição persiste existindo por mera inércia dos atores políticos.⁴ Todos esses debates envolvem, de alguma forma, um elemento: a identificação da essência da Constituição. E este elemento também é central para a própria tese da resiliência. O conceito de resiliência constitucional pode ser uma ferramenta útil neste debate. Argumento, contudo, que uma lacuna dificulta sua operacionalização: a dificuldade em determinar o que consistiria na essência da Constituição. Para essa questão, não convence o argumento de que a essência da Constituição seriam as cláusulas pétreas. Apresento neste artigo uma leitura alternativa, segundo a qual a essência da Constituição é o pluralismo social, cultural e político, tal como previsto na Constituição.

    Na primeira seção, sintetizo a tese da resiliência e sua relação com a noção de compromisso maximizador. Em seguida, decomponho cada um dos elementos trazidos na seção anterior, identificando suas implicações para o conceito e sua aplicação. Identifico, com isso, que a identificação de qual é a essência da Constituição persiste um ponto em aberto na teoria. Na terceira seção, descrevo a leitura segundo a qual as cláusulas pétreas seriam, elas próprias, a essência da Constituição; leitura que, como argumento na quarta seção, é repleta de limites e nem mesmo parece ser compatível com o conceito de resiliência. Na quinta seção, apresento uma proposta de leitura alternativa, segundo a qual a essência da Constituição de 1988 seria a noção de pluralismo social, político e cultural. Por fim, na sexta seção, discuto as implicações do reconhecimento do pluralismo como essência da Constituição.

    1 A tese da resiliência

    A Constituição de 1988 foi fruto de um pacto do qual participaram múltiplos atores políticos e institucionais. Esse arranjo resultou em um documento que foi sintetizado por Oscar Vilhena Vieira na expressão compromisso maximizador: uma Constituição que entrincheirou direitos, interesses e poderes, de modo a conseguir satisfazer todos os grupos que tiveram chance de se articular e participar do processo constituinte.

    O processo de transição democrática no Brasil foi marcado por uma atmosfera de desconfiança na classe política. Ao lado dessa desconfiança, o modo como foram desenhadas as regras da assembleia constituinte favoreceu a participação de uma multiplicidade de atores na primeira etapa do processo, com implicações para o texto final. Além disso, a fragmentação partidária e o forte corporativismo também favoreceram que o consenso fosse atingido pela inclusão de diversos direitos e interesses, mesmo que, em alguns casos, de forma incompleta ou em sentidos aparentemente contraditórios. Este pacto, pontua Vieira, foi desigual, pois alguns interesses conseguiram ser mais representados que outros. Ainda assim, o documento não expressou a vontade específica de uma hegemonia política, mas sim o produto de uma conciliação em troca da lealdade ao pacto político.

    O fato de ser um texto longo e inclusivo levou a muitas críticas. Para esses críticos, o texto estaria, seja por ineficácia, seja por engessamento, seja pela amplitude interpretativa, fadado a ruir. De um modo ou de outro, a natureza do projeto constitucional faria com que ele tivesse um curto prazo de validade. Não foi, felizmente, o que ocorreu. Mais de trinta anos depois de sua promulgação e submetida a duros testes, a Constituição de 1988 segue viva. Para Vieira, o sucesso e a longevidade do texto constitucional seriam consequência de um atributo presente na Constituição, que ele denomina resiliência constitucional. A resiliência, inspirada em uma terminologia da física, diria respeito à

    propriedade que alguns materiais possuem de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse, sem que ocorra ruptura ou modificação permanente de sua natureza. Perduram no tempo, retornando ao ponto de equilíbrio.

    A resiliência constitucional, inspirada neste conceito, diria respeito à maleabilidade para se acomodar a estímulos e pressões, sem rigidez excessiva que leve a uma ruptura, e sem a flexibilidade que leve à descaracterização de sua natureza. Resiliência é, portanto, uma característica do texto constitucional. É resiliente um texto constitucional com grande capacidade de adaptação formal, sem perder a sua essência.

    Essa maleabilidade da Constituição seria, para Vieira, consequência de incentivos institucionais previstos na própria Constituição. Em outras palavras, a própria Constituição desenhou as regras do jogo político de modo a criar ferramentas de proteção e autopreservação. A principal dessas ferramentas institucionais seria o sistema de reforma constitucional, dotado do que Vieira denomina rigidez complacente. Nesse sistema, com 3/5 dos votos é possível reformar a Constituição, o que torna relativamente fácil a modificação do texto constitucional. Apesar disso, há um bloco constitucional super-rígido: qualquer proposta tendente a abolir as cláusulas pétreas previstas no §4º do art. 60, CF não será nem mesmo objeto de deliberação. As cláusulas pétreas permitiriam que a Constituição fosse largamente emendada, mas sem perder sua essência.

    Ao lado das cláusulas pétreas, Vieira também lista outros quatro fatores institucionais relevantes para incentivar a existência do atributo da resiliência: (i) delegação normativa, que consistiria em deixar conflitos interpretativos sem resolução, para que eles sejam futuramente objeto de disputa; (ii) mecanismos de autoexecução, que consistem em diversos programas normativos muito específicos e vinculantes, como é o caso das determinações relativas à educação e saúde; (iii) consensualismo do sistema político, que demandaria negociações e evitaria a predominância de um grupo específico sobre os demais; e (iv) um Judiciário no exercício do papel de calibração do sistema constitucional, com protagonismo do Supremo Tribunal Federal como órgão com o poder de legitimar mudanças trazidas pelos representantes eleitos, mas também assegurar a consecução dos direitos e garantias previstos na Constituição e, portanto, também os direitos de minorias.

    Todos esses elementos incentivariam que a Constituição se adaptasse, sem perder sua essência. Essa adaptabilidade, por sua vez, benéfica aos atores políticos e sociais, asseguraria a manutenção da lealdade ao texto constitucional.

    2 Decompondo a tese da resiliência

    O resiliência seria, portanto, um atributo de Constituições que conseguem ter a maleabilidade para sofrer modificações, mas sem perder a sua essência. O uso do substantivo resiliência se referiria a este atributo. Ele decorreria de um conjunto de fatores institucionais que trazem incentivos para que a Constituição seja maleável, mas sem perder a sua essência. E sua consequência seria a longevidade da Constituição e a razão pela qual, depois de tanto tempo, os atores políticos seguem leais a ela. Constituições longevas em razão do atributo da resiliência seriam Constituições resilientes.

    A partir desse conceito, uma questão pode ser colocada: como avaliar se uma Constituição é dotada de resiliência? Tornar a resiliência uma unidade de análise aplicável depende de uma decomposição do seu conceito. Em primeiro lugar, (i) longevidade e resiliência não são sinônimos. Uma Constituição é resiliente quando apresenta uma longevidade qualificada, decorrente de uma (ii) base que permite a maleabilidade para adaptação sem perder sua essência. Esse arranjo asseguraria (iii) a lealdade dos atores políticos à Constituição e, consequentemente, a preservação do documento. A seguir, cada uma dessas etapas do raciocínio será explorada.

    2.1 Resiliência e longevidade

    Uma forma útil de iniciar essa decomposição é explicitando, a partir dos elementos trazidos por Vieira, o que a resiliência não é. A resiliência, em primeiro lugar, não é sinônimo de longevidade da Constituição.

    Em seu sentido mais literal – que é também o sentido usado por Elkins e Melton,⁸ – uma Constituição é longeva enquanto ela perdurar no tempo. É verdade que a longevidade é consequência natural de uma Constituição resiliente. Ou seja, se o texto constitucional é detalhista e possui mecanismos de autopreservação, ele terá uma expectativa de vida maior. Mas isso não significa que todas as Constituições longevas sejam resilientes. A Constituição dos Estados Unidos, por exemplo, é longeva sem ser resiliente, porque é altamente rígida e com um processo de emendamento muito difícil.

    Além disso, experiências de países como Colômbia e Hungria mostraram que textos constitucionais podem ser modificados até que sejam substancialmente distintos e ataquem a democracia, o que tem sido denominado pela literatura constitucionalismo abusivo.⁹ É possível, portanto, que uma Constituição seja formalmente longeva, mas, na prática, não seja mais o mesmo documento.

    Consequentemente, é pouco produtivo usar a longevidade de uma Constituição para avaliar se ela tem resiliência. Se uma Constituição é resiliente, ela será longeva. Mas é possível que uma Constituição seja longeva sem que possua o atributo da resiliência.

    2.2 A base da resiliência

    A resiliência, na verdade, é construída a partir da combinação de dois elementos: (i) a maleabilidade para se adaptar e (ii) a capacidade de fazê-lo sem que perca sua essência.

    A maleabilidade permitiria uma constante acomodação de interesses dos atores políticos, viabilizando uma permanente redefinição dos termos do pacto político. Os atores poderiam seguir negociando e alterando elementos do dia a dia da política.

    Ao lado da maleabilidade, a preservação da essência do pacto constitucional asseguraria que, mesmo com tantas modificações, a natureza do pacto continuasse a mesma. A resiliência, portanto, pressupõe uma longevidade qualificada. O texto continua existindo de fato, a despeito de centenas de modificações e, em partes, em razão delas.

    2.3 Lealdade ao pacto político

    Por trás da noção de resiliência, parece haver a premissa teórica de que a fundação e a manutenção do pacto constitucional dependem da lealdade dos atores políticos.

    Esse raciocínio ecoa a literatura da ciência política que se debruçou sobre o processo constituinte. Para essa literatura, Constituição é um pacto fundado em razão de um consenso na sociedade e, sobretudo, de elites políticas que optam por ceder poder em troca da existência de regras que conferem previsibilidade ao jogo político.¹⁰

    Durante a assembleia constituinte, os atores levariam em consideração a necessidade de conseguir apoio mínimo para assegurar a aprovação de um texto, e também considerariam quais seriam as normas que mais favoreceriam seus interesses no momento futuro de implementação da decisão.¹¹ Diante da noção de que haverá alternância no poder, os atores sabem que precisam assegurar a existência de regras que permitam um jogo político justo, assegurando condições de competição mesmo que eles sejam, futuramente, uma minoria. Em outras palavras: como não há consensos sobre a substância – de como reger a comunidade política –, chega-se a um consenso a respeito do procedimento.

    Essa mesma noção de garantia para o futuro levaria elites políticas a concordarem com a adoção do controle de constitucionalidade. Ao criar uma ferramenta para a revisão e até mesmo reversão de decisões legislativas na arena judicial, cria-se uma segunda arena de disputa para aqueles que eventualmente ficaram vencidos no processo político.¹² Essa literatura mostra que a base do pacto constitucional é a lealdade de atores políticos. E é também essa lealdade que continua sendo responsável por sua sustentação.

    Esses mesmos conceitos parecem estar por trás da narrativa de Vieira e se adequam à explicação do processo constituinte no Brasil. Os atores políticos precisaram encontrar um ponto de consenso, antevendo como conseguiriam angariar a aprovação de um texto e, com isso, chegar a um denominador comum. No caso da constituinte brasileira, um denominador comum foi atingido de forma inclusiva, entrincheirando ao máximo direitos e interesses. A contrapartida foi concordar que os interesses dos demais atores políticos também fossem cristalizados na Constituição. Ao mesmo tempo, a multiplicidade de partidos e a ausência de um plano hegemônico de poder influenciaram os atores a concluírem que era necessário um sistema altamente consensual, pois ele ofereceria ferramentas para a disputa política e, com isso, ferramentas institucionais para que seus interesses fossem perseguidos em disputas políticas futuras.

    3 A leitura das cláusulas pétreas como essência da Constituição

    A decomposição da base da resiliência não resolve todos os problemas. Se resiliência consiste na capacidade de adaptação sem perder sua essência, ainda é necessário perguntar qual seria a essência do texto constitucional. Há uma leitura possível do pensamento de Vieira que encontra uma resposta para essa questão. Segundo essa leitura, a essência da Constituição consistiria nos elementos que asseguram a manutenção do autogoverno e da autonomia dos indivíduos que pertencem à comunidade política. Esses elementos teriam sido traduzidos na Constituição de 1988, ainda que em alguns casos de forma insuficiente, nas cláusulas pétreas do art. 60, §4º.¹³

    Em A Constituição como reserva de justiça, Vieira dialoga com uma longa tradição na literatura que discute a legitimidade de limitações à vontade da maioria em uma democracia. As cláusulas pétreas seriam barreiras à vontade do legislador, como representante do povo, de reformar materialmente a Constituição. Nessa obra, Vieira sustenta a tese de que essas limitações podem ser compatíveis com a democracia, desde que protejam princípios e instituições que além de essenciais à formação de uma vontade democrática constituam uma verdadeira reserva de justiça constitucional.¹⁴

    O papel das cláusulas pétreas, assim, seria assegurar as condições para que seres humanos iguais e livres possam organizar suas vidas em comum por intermédio do direito,¹⁵ bem como as condições essenciais à perpetuação de um sistema que garantisse autonomia privada e política.¹⁶ Em outras palavras, as cláusulas pétreas deveriam assegurar condições para o exercício do autogoverno pelas gerações futuras. O critério norteador para avaliar se as cláusulas pétreas são compatíveis com princípios da justiça e da democracia seria, portanto, seu potencial de viabilizar a autodeterminação e a autonomia pública e privada. Consequentemente, a essência do texto constitucional diria respeito aos elementos fundamentais para assegurar a proteção desse autogoverno. A grande dificuldade seria discernir esses elementos fundamentais.

    Ainda sem endereçar nenhum sistema jurídico em específico, e a partir de aportes da teoria política, o autor identifica quatro categorias de instituições que seriam essenciais para assegurar o autogoverno dos indivíduos: (i) direitos que conferem autonomia privada aos indivíduos; (ii) a instituição do Estado de Direito, que asseguraria a igualdade; (iii) direitos essenciais para a igualdade e dignidade dos cidadãos; e (iv) direitos sociais, econômicos e culturais básicos, que oferecem as condições materiais para o exercício das liberdades.

    Em seguida, o autor avalia se as cláusulas pétreas previstas no art. 60, §4º, da Constituição Federal poderiam ser consideradas uma reserva de justiça e, consequentemente, se seriam legítimas como veículos para assegurar o autogoverno. A resposta do autor é positiva. A forma federativa do Estado prevista no inciso I teria o papel de assegurar a autonomia dos indivíduos e coletividades locais, o que é importante para o desenvolvimento da democracia em um país com vasto território e tradição de centralização do poder. A mesma coisa pode ser dita do voto direto, secreto, universal e periódico, previsto no inciso II, que é um instrumento para a realização da democracia. A separação de poderes, prevista no inciso III, estruturaria a noção de Estado de Direito, consagrando o princípio da legalidade e a independência do Judiciário, o que também são elementos relevantes para assegurar a manutenção do autogoverno e à proteção dos indivíduos contra decisões arbitrárias do Estado. Por fim, os direitos e garantias individuais previstos no inciso IV abarcariam todos os direitos que asseguram a dignidade humana e reconheceriam os membros da comunidade política como seres racionais, iguais e livres. Caberia ao Judiciário interpretar, caso a caso, quais seriam esses direitos, utilizando como critério norteador o papel do Direito na garantia de autodeterminação dos indivíduos.¹⁷

    Nenhuma dessas proteções, na visão do autor, extrapolaria a função de assegurar o autogoverno. Nessa leitura da obra de Vieira, seria possível concluir que, para o autor, as cláusulas pétreas da Constituição de 1988 poderiam ser consideradas uma reserva de justiça e, como tal, materializariam um conjunto de elementos fundamentais para assegurar o autogoverno em nossa comunidade política.

    4 O problema de delimitação da essência da Constituição

    A interpretação descrita acima, contudo, não resolve o problema da interpretação do cerne da essência da Constituição. É preciso ter um conceito externo à Constituição sobre o que consiste em sua essência, e esse critério deve ser utilizado para avaliar se a essência da Constituição foi, no fim das contas, violada.

    Em primeiro lugar, dizer que as cláusulas pétreas seriam a própria essência da Constituição levaria a um raciocínio tautológico que sempre concluiria que a Constituição é resiliente, isto é, que sua essência foi preservada. Esse raciocínio hipotético seguiria as seguintes etapas:

    1. A essência da Constituição são as cláusulas pétreas;

    2. As cláusulas pétreas são limites materiais ao poder de reforma;

    3. Quem delimita o que são as cláusulas pétreas é o Judiciário;

    4. Quem avalia se o Legislativo extrapolou as cláusulas pétreas também é o Judiciário;

    5. Como o Legislativo não pode aprovar mudanças que afetam as cláusulas pétreas – entendidas, aqui, como todos aqueles direitos e instituições considerados cláusulas pétreas pelo Judiciário –, isso significa que a essência da Constituição é preservada.

    Esse raciocínio tautológico decorre da ausência de um parâmetro externo sobre o que consistiria na essência da Constituição. As etapas listadas acima mostram como este raciocínio sempre conclui pela preservação da Constituição, e não agrega elementos analíticos.

    Nesse raciocínio, não há um elemento externo para avaliar se a essência da Constituição foi ou não violada. Isso implica uma série de problemas. Não haveria como avaliar o acerto ou erro do Judiciário em sua atuação. Como quem delimita o que são cláusulas pétreas é o Judiciário, e também é ele quem define se o Legislativo extrapolou seus limites materiais, o Judiciário sempre acertará, e conseguirá barrar todas as mudanças que, em sua opinião, descaracterizariam a essência da Constituição.

    É verdade que há uma outra versão desse raciocínio mais sofisticada, que não aceita como dado a avaliação do Judiciário e coloca no intérprete, de modo geral – qualquer indivíduo que deseje avaliar a compatibilidade das modificações com as cláusulas pétreas. Mesmo nesse caso, contudo, os problemas continuam existindo. Isso porque, sem um conceito externo de essência da Constituição, também não é possível avaliar se as cláusulas pétreas, como elementos institucionais, foram ou não suficientes para barrar ataques à essência da Constituição. Consequentemente, esse raciocínio sempre concluiria que as cláusulas pétreas vêm sendo bem-sucedidas em preservar a essência da Constituição.

    Além disso, se a mera existência de cláusulas pétreas já protege, por si só, a essência de uma Constituição, o documento só não seria considerado resiliente caso deixasse de existir. Mas isso é incompatível com o próprio conceito de resiliência constitucional. Como discutido, resiliência e longevidade não são sinônimos. É possível que uma Constituição seja longeva, mas tenha sido muito alterada ao longo do tempo, a ponto de perder sua essência. Avaliar a longevidade abarcaria apenas um braço da resiliência: indicaria sua capacidade de continuar existindo e se adaptar; mas não provaria a habilidade de manutenção de sua essência. Retorna-se, assim, ao problema original: como oferecer um conceito de essência da Constituição.

    Em segundo lugar, o próprio pensamento de Vieira traz pistas de que não basta dizer que as cláusulas pétreas são a essência da Constituição.

    Ao avaliar a legitimidade das cláusulas pétreas previstas na Constituição, Vieira afirma que elas não se desviariam de seu papel de reserva de justiça, mas às vezes o exerceriam de forma insuficiente. O autor identifica que o inciso II do art. 60, §4º, por exemplo, seria insuficiente para proteger os pressupostos necessários à perpetuação do processo democrático, pois daria a impressão de que apenas o voto seria fundamental à realização da democracia.¹⁸ O mesmo é dito do inciso I, do federalismo, que teria sido concretizado de uma forma inadequada, privilegiando o poder central em detrimento da autonomia das unidades da federação.¹⁹ No caso dos direitos individuais, do inciso IV, a proteção não seria insuficiente, mas dependeria de uma delimitação realizada pelo intérprete, isto é, pelo Poder Judiciário. O autor identifica quatro hipóteses de interpretação do sentido e alcance da cláusula pétrea de direitos fundamentais: a primeira, mais ampla, consideraria que todos os direitos previstos na Constituição, no art. 5º ou fora dele, seriam cláusulas pétreas; a segunda, restringiria as cláusulas pétreas apenas aos direitos individuais; a terceira consideraria apenas aqueles direitos previstos no art. 5º da Constituição. Após descartar essas três hipóteses, o autor se filia a uma quarta noção, segundo a qual os direitos seriam protegidos de forma valorativa. Isso significaria a proteção dos

    direitos que, colocados pela Constituição,

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