Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Controle de constitucionalidade e a teoria do fato consumado
Controle de constitucionalidade e a teoria do fato consumado
Controle de constitucionalidade e a teoria do fato consumado
E-book668 páginas18 horas

Controle de constitucionalidade e a teoria do fato consumado

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Este livro, atualizado de acordo com o novo código de processo civil, traz minucioso estudo sobre a dinâmica do Controle de Constitucionalidade Brasileiro, traçando paralelo com países que de alguma forma o influenciaram, em cotejo com a aplicação da Teoria do Fato Consumado para a manutenção das relações jurídicas consolidadas à égide de norma jurídica, que eventualmente venha a ser declarada inconstitucional em sede de controle concentrado sem qualquer limitação ou modulação da eficácia e dos efeitos, evitando-se o entendimento da nulidade, retroativa e desconstitutiva.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de mar. de 2016
ISBN9788546202003
Controle de constitucionalidade e a teoria do fato consumado

Relacionado a Controle de constitucionalidade e a teoria do fato consumado

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Controle de constitucionalidade e a teoria do fato consumado

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Controle de constitucionalidade e a teoria do fato consumado - Robinson Fernandes

    Copyright © 2016 by Paco Editorial

    Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

    Coordenação Editorial: Kátia Ayache

    Revisão: Taine Fernanda Barriviera

    Assistência Editorial: Augusto Pacheco Romano,Érica Cintra

    Capa e Projeto Gráfico: Bruno Balota

    Assistencia Gráfica e Digital: Wendel de Almeida

    Edição em Versão Impressa: 2014

    Edição em Versão Digital: 2016

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Conselho Editorial

    Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)

    Paco Editorial

    Av. Carlos Salles Block, 658

    Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21

    Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100

    Telefones: 55 11 4521.6315 | 2449-0740 (fax) | 3446-6516

    atendimento@editorialpaco.com.br

    www.pacoeditorial.com.br

    A todas as pessoas que eventualmente tenham sido vítimas da desconsideração das relações jurídicas estabelecidas e consolidadas pela não aplicação da Teoria do Fato Consumado, bem com a todos aqueles que sofreram com eventuais decisões judiciais ou mesmo administrativas, teratológicas, injustas, por terem sido desconsiderados o caso concreto e as evidências do processo, além daquelas situações de morosidade em gritante ofensa ao direito à razoável duração do processo.

    A todas as pessoas que eventualmente tenham sido vítimas da desconsideração das relações jurídicas estabelecidas e consolidadas pela não aplicação da Teoria do Fato Consumado, bem com a todos aqueles que sofreram com eventuais decisões judiciais ou mesmo administrativas, teratológicas, injustas, por terem sido desconsiderados o caso concreto e as evidências do processo, além daquelas situações de morosidade em gritante ofensa ao direito à razoável duração do processo.

    À minha amada esposa, Fabiana Machado Fernandes, meu baluarte e alicerce em todos os momentos, pelo amor, amizade, companheirismo incondicional, compreensão e apoio ímpar.

    Aos meus pais, Rubens Candido Fernandes e Mariuldes de Faria Fernandes, pela formação, pelo amor e apoio durante minha trajetória de vida.

    Aos amigos e companheiros de trabalho, em especial a todos do Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro do Departamento de Inteligência da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

    Aos membros da Academia de Ciências, Letras e Artes da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo.

    A todos os meus alunos, em especial aos das Faculdades Integradas Campos Salles, da Academia de Polícia Dr. Coriolano Nogueira Cobra e aos ex alunos da Universidade Anhanguera e Universidade Bandeirante de São Paulo.

    Agradecimentos

    A Deus, fonte fecunda de amor, de toda iluminação, inspiração, proteção e prosperidade.

    Ao professor doutor Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim, referência no cenário jurídico brasileiro, pelo prazer, honra e privilégio de ter sido aceito como orientando e agraciado com obras de sua autoria – como Direito Processual Civil, Mandado de Segurança e Comentários ao Código de Processo Civil, essenciais à elaboração deste livro –, pelos conhecimentos transmitidos, pela orientação, paciência, compreensão, apoio incondicional e, não obstante, pela amizade.

    Ao professor assistente, mestre e doutorando Daniel Willian Granado, por todo o auxílio, pelo agraciamento com a brilhante obra versando sobre Processo Constitucional, em coautoria com os professores doutores Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim e Rennan Faria Krugger Thamay, e, ainda, pela amizade.

    Ao saudoso professor doutor Diógenes Gasparini (in memoriam), pela amizade e por ter sido fonte de inspiração para este livro.

    Aos meus professores da FADISP, pelo aprendizado e auxílio no desenvolvimento de alguns aspectos desta obra.

    À Banca Examinadora, na pessoa dos professores doutores Georges Abboud e Everaldo Augusto Cambler, pela aceitação do convite feito pelos professores convidados, professores doutores Wagner Ginotti Pires e José Ailton Garcia, e, em especial, pelos aspectos assinalados por ocasião do exame de qualificação, fundamentais para o aprimoramento deste estudo.

    Aos funcionários da FADISP, pela atenção e apoio.

    À Seção de Pesquisa de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pela colaboração com os julgados essenciais a esta obra.

    Aos meus sogros Laudelino do Nascimento Machado e Odete Machado, que me acolheram na família como se filho fosse, pelo exemplo, pelo carinho, incentivo, torcida e pela filha maravilhosa.

    Aos doutores Roberto Avino, Edson Minoru Nakamura, Marcos de Azevedo Leiva e Gilberto Geraldi, aos senhores Carlos José Xavier do Val, Victor Rossi Monteiro e Alexandre Schneider, pela amizade, compreensão e colaboração durante os afastamentos para a conclusão deste livro, assim como aos doutores Domingos Paulo Neto, Antônio Ubirajara Rodrigues Olivieri e José Wilson Sperto pela amizade, confiança depositada, apoio ímpar e incondicional na carreira, impulsionando a chegada até aqui.

    Ao amigo Achim Schreiner, Adido da Polícia Federal da Alemanha junto ao Consulado em São Paulo, pelo apoio com o entendimento do idioma e interpretação dos demais aspectos jurídicos desse país.

    À colega Lenita Queiroz Seta Hatsushi, pela revisão nos idiomas inglês e espanhol.

    Ao professor catedrático doutor Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda, pela inspiração para esta obra, apoio e acolhimento na supervisão do programa de pós-doutoramento em ciências jurídico-políticas da Universidade de Lisboa em Portugal.

    The past cannot always be erased by a new judicial declaration. (Tradução livre: O passado nem sempre pode ser apagado por uma nova declaração judicial de inconstitucionalidade.)

    UNITED STATES OF AMERICA. Justitia US Supreme Court. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2014

    Sumário

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Dedicatória

    Agradecimentos

    Epígrafe

    Prefácio

    Introdução

    Capítulo 1: A Teoria do Fato Consumado nas Decisões Judiciais

    1. Conceito e Origens

    2. Presença no Direito Alienígena

    3. Aplicação Contemporânea

    Capítulo 2: O Controle de Constitucionalidade Brasileiro

    1. Conceito e Influências

    Capítulo 3: A Declaração Direta de Inconstitucionalidade

    1. Pronunciamentos

    2. Efeitos

    Capítulo 4: O Provimento Efetivo Estável ou Vitalício dos Cargos Públicos

    1. Agentes Públicos

    2. Regime Jurídico dos Servidores

    3. Cargos Públicos

    4. A Vinculação Institucional de Provimento Efetivo Estável ou Vitalício

    Capítulo 5: A Inconstitucionalidade e o Fato Consumado

    1. Aplicabilidade pelo Direito Alienígena

    2. Posicionamento do Supremo Tribunal Federal

    3. Viabilidade de Aplicação como Sucedâneo à Modulação com Previsão Legal no Provimento Efetivo Estável ou Vitalício dos Cargos Públicos

    Capítulo 6: A Função Social no Direito Constitucional e o Acesso à Justiça e nas Constituições em Decorrência das Eventuais Relações Jurídicas Desconstituídas

    1. Função Social no Direito Constitucional

    2. O Direito à Razoável Duração do Processo na Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Aplicação da Teoria do Fato Consumado

    3. Responsabilidade Civil do Estado em Decorrência da Intempestividade Processual e das Relações Jurídicas Desconstituídas

    4. A Tutela Individual à Jurisdição Pátria em face dos Efeitos da Declaração Direta de Inconstitucionalidade como Meio de Concretização dos Direitos Humanos Fundamentais

    Considerações Finais

    Referências

    Anexo: Coletânea dos julgados apresentados por Marga Inge Barth Tessler

    Paco Editorial

    Prefácio

    Honra-nos poder prefaciar o presente trabalho de autoria de Robinson Fernandes, fruto de sua tese de doutoramento na Faculdade Autônoma de Direito – FADISP, sob nossa orientação, a respeito da teoria do fato consumado em face dos efeitos da declaração direta de inconstitucionalidade no provimento efetivo estável ou vitalício dos cargos públicos.

    Cuida-se de primoroso estudo que lhe rendeu o título de doutor em direito, tendo obtido o grau máximo em sua banca de defesa, que tivemos o privilégio de compor e de presidir, juntamente com os Professores Everaldo Augusto Cambler, Georges Abboud, José Ailton Garcia e Wagner Ginotti Pires, no mês de março de 2015.

    O trabalho em questão é verdadeiramente corajoso, na medida em que o autor, com desenvoltura que lhe é bastante própria, busca sustentar a tese da aplicação da teoria do fato consumado como forma de manutenção das relações estabelecidas sob os efeitos de uma lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

    A partir da investigação da legislação que disciplina os agentes públicos efetivos estáveis ou vitalícios, tendo como pano de fundo a função social do direito, o Autor analisa as relações jurídicas entabuladas e constituídas à luz dessa legislação, sobretudo nas hipóteses em que há superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de declará-la inconstitucional.

    Assim, após adentrar no tormentoso campo do controle concentrado e difuso de constitucionalidade e suas respectivas peculiaridades, sobretudo a denominada modulação de efeitos da decisão, o Autor conclui que a Teoria do Fato Consumado constitui-se como importante instrumento de que dispõem os jurisdicionados para que as relações jurídicas anteriormente constituídas não venham a ser simplesmente desconsideradas.

    Esses são alguns problemas que defluem da inobservância do princípio da razoável duração do processo, eis que a declaração de inconstitucionalidade, por vezes, demora algum tempo a ser prolatada, o que faz com que as relações jurídicas já estejam consolidadas à luz da lei posteriormente tida como inconstitucional. Nesse contexto, o Autor sustenta a possibilidade de se requerer indenização em desfavor do Estado em função do desrespeito à razoável duração do processo.

    O Autor investiga aludidos temas com base em sólida e consistente fundamentação, tudo isso aliado ainda a sua formação.

    Enfim, a publicação deste trabalho só tem a fortalecer a doutrina brasileira, de modo que felizes são os leitores que poderão desfrutar dessa pesquisa. Estão de parabéns todos os que contribuíram com a elaboração do presente estudo, sobretudo o autor e a Editora Paco Editorial que permitiu a sua publicação.

    São Paulo, Julho de 2015.

    Eduardo Arruda Alvim

    Introdução

    O Direito, cujas origens etimológicas são um tanto imprecisas, remete para o reto, retilíneo, quiçá esboçando o apontador em linha reta, a evidenciar o equilíbrio entre os pratos de uma balança, representando igualdade e justiça, ora entendido como ciência, ora como meio de regulação social ou conjunto de normas.

    Registre-se a propósito tão somente que, para alguns, a palavra Direito viria do latim, directus, directum, que representaria o reto, retilíneo, também como forma de manifestação da necessidade de seguir as normas, mandamentos e regulamentos de uma sociedade, empregada a partir da Idade Média. Sabe-se, contudo, que o vocábulo não era utilizado pelos antigos gregos e romanos; estes últimos empregavam o termo ius ou jus, do latim, que significaria direito em português, daí a razão das expressões portuguesas jurisprudência (ciência do direito), jurisdição (dizer o direito), jurisconsultos (doutores da lei), dentre outros.

    O homem, desde os primórdios, procurou organizar-se em sociedade, com o propósito de obter companhia, proteção, colaboração recíproca e tudo o quanto pudesse representar uma vida mais segura e tranquila. Em consequência dessa agregação, surgiu o Direito como instrumento de participação popular – à qual o Estado e o Direito se dirigem –, harmonização e pacificação dos conflitos.

    As jurisdições constitucionais surgem em face de a Constituição tratar-se de documento ou ato legislativo de superior relevância e que demanda, portanto, proteção especial para mantença de todo o sistema jurídico criado pelo homem, o que é feito por meio do controle de constitucionalidade de todo e qualquer ato ou norma jurídica, exercido pelo Poder Judiciário na perspectiva da tripartição das funções do poderio estatal, garantindo-se, por consequência, o próprio Estado Democrático de Direito.

    Adiante-se que a pretendida aplicação da Teoria do Fato Consumado como meio de contenção dos efeitos retroativos e devastadores não modulados em sede de controle concentrado de constitucionalidade não caracteriza necessária afronta constitucional, tampouco o constitucionalismo possa ser entendido como um problema para o fato consumado. Ao revés, a aplicação da teoria em questão decorre do sistema jurídico em vigor com as devidas adequações e valorações da realidade fática, considerando-se ainda a interpretação pelo viés da mutação constitucional, ou seja, da readequação de certos preceitos, quiçá superados, como já denunciaram constitucionalistas como José Joaquim Gomes Canotilho. Destarte, carece de certa reflexão o apego, por vezes literal, restrito e desconectado da realidade para a qual deve voltar-se o Direito, vale dizer, à legalidade e ao constitucionalismo.

    Na perspectiva de garantia da supremacia da Constituição como forma de proteção do modelo denominado Estado Democrático de Direito por meio da jurisdição constitucional, surge a declaração direta de inconstitucionalidade dos atos e normas jurídicas em geral, dissonantes da Constituição.

    As decisões judiciais, em sede de controle concentrado, em alguns países, como é o caso do Brasil, declaram a norma legal inconstitucional retroagindo às origens, isto é, como se ato nulo fosse ou nunca houvesse existido e produzido efeitos, mormente quando não houver a denominada modulação ou restrição da retroação, declarada pelo tribunal. Esse procedimento tornou-se regra no modelo pátrio em face da influência norte-americana, dentre outras.

    Em ocorrendo qualquer declaração como descrita em sede de controle concentrado ou abstrato, estar-se-á de modo devastador possibilitando, ao menos em tese, a desconsideração das relações ocorridas, ou, por outro enfoque, a desconstituição destas.

    É o que se dá nas situações de titulares efetivos estáveis ou vitalícios de cargos públicos cujo provimento se efetivara calcado em norma legal posteriormente declarada inconstitucional, questão adotada como paradigma nesta obra para a aplicação da Teoria do Fato Consumado objetivando a manutenção das relações jurídicas consolidadas extensível a todas as demais situações assemelhadas, incorrendo em risco de desconstituição da efetivação pelo Estado, com enormes transtornos e prejuízos ao Erário e aos administrados, situação esta que já ocorreu no País. Sem falar de outras situações possíveis, constituídas e igualmente consolidadas, nas diversas esferas do Direito, as contratações em geral, os títulos de propriedade, a aposentação dos servidores públicos ou noutro giro o direito a manter-se na ativa diante de eventual norma inconstitucional, ainda que se enfrentem fatos imprevisíveis e supervenientes nas situações continuadas típicas daquelas nas quais se invoque a denominada cláusula "rebus sic stantibus", dentre outras que, na mesma esteira, interessaria e justo se faria fossem mantidas justamente por estarem de fato consumadas.

    A questão em comento está intrinsecamente relacionada com a função social no Direito Constitucional, porquanto decorra justamente da proteção do estatuto constitutivo da nação em prol da supremacia.

    Da maneira como a jurisdição constitucional possa ser exercida, em princípio, em nada atenderia à denominada função social do Direito Constitucional, eis que garantir a função social representaria, em síntese, a transposição de direitos para além das partes envolvidas, isto é, para número indeterminado de pessoas afetadas pela norma declarada inconstitucional. Como resultado, isso envolveria pessoas que muito pouco – se não em nada – contribuíram para a edição normativa, em verdadeira publicização das relações, servindo o Direito como instrumento de transformação benéfica ou, ao menos, evitando gerar prejuízos.

    A temática, intrinsecamente ligada às áreas do Direito Administrativo, Constitucional e Processual Civil, encontra íntima relação com o acesso à justiça nas Constituições, uma vez que o próprio controle concentrado propiciador desses eventuais efeitos devastadores da desconstituição das relações, em regra, impossibilita a participação direta das partes a serem afetadas em face do restrito rol de legitimados para a propositura da referida ação. Na melhor das hipóteses, proporcionar-se-á o acesso à justiça a posteriori para eventual pleito de reparação.

    Não obstante, a temática entrelaça-se com a função social no Direito Constitucional, mormente pela perspectiva da Constituição Federal como fundamento da função social do Direito, visto que este não pode constituir um fim em si mesmo ignorando as relações estabelecidas segundo as regras vigentes à época da Constituição. Guarda, ainda, relação com o princípio constitucional da razoável duração do processo, porquanto as ações diretas de inconstitucionalidade ou respectivas medidas cautelares e os efeitos precários delas decorrentes se prolonguem ad infinitum enquanto a norma legal continua sendo aplicada.

    Concursos públicos são realizados e pessoas são providas nos cargos, titularizando-os efetivamente com aquisição da estabilidade ou de forma vitalícia, de tal sorte que a indefinição se instaura sem nenhuma participação do jurisdicionado que sequer pode demandar ou intervir na ação em comento, senão, quando muito, por intermédio de tímidas manifestações de órgãos, das entidades de classe, associações e assemelhados, na qualidade de amicus curiae. Na mesma linha de entendimento de abertura do expectro de aplicação da teoria que se pretende, contratações em geral são realizadas, servidores públicos são aposentados, dentre outras realidades jurídicas em que a situação fática tenha se consumado. Embora a participação a que se alude não atenda às necessidades nem traga nenhuma solução para a problemática, da qual, reitere-se, o jurisdicionado não participou tampouco deu causa.

    Nesse contexto, a denominada Teoria do Fato Consumado mostra-se como solução plausível.

    Inspirada no modelo francês, embora na perspectiva dos tribunais administrativos visasse à mantença das relações decorrentes dos atos da Administração Pública, no Brasil a Teoria do Fato Consumado vem sendo amplamente empregada em liminares e cautelares, sobretudo em sede de mandados de segurança em prol da manutenção das relações constituídas sob diversos fundamentos, dentre os quais, a preservação da coisa julgada anterior à declaração de inconstitucionalidade. Excetua-se, em alguns casos, a decisão transitada em julgado em matéria penal à qual eventualmente não se faria conveniente a manutenção em benefício do réu, assim como nas situações em que a lei possa retroagir para beneficiá-lo. Nas demais hipóteses, aplicar-se-ia a referida teoria às questões relacionadas à própria inconstitucionalidade superveniente de diploma legal que anteriormente servira de fundamento legal a outras decisões já transitadas em julgado, discutindo casos concretos. Também seria aplicada a Teoria do Fato Consumado em razão da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito, do direito adquirido, da igualdade, da equidade, da inexigibilidade de outra conduta, das preclusões, da própria função social do Direito e dos prejuízos decorrentes do cerceamento de acesso à justiça, dentre outras visões, como as chamadas normas-origens calibradas sob o enfoque da filosofia do Direito, pelo viés comunicacional da norma jurídica, com amparo nas práticas alienígenas.

    A Teoria do Fato Consumado evidencia-se, pois, como a solução para a manutenção das relações constituídas dos servidores titulares efetivos nos respectivos cargos ainda que o tribunal não tenha se manifestado pela modulação, e mesmo que não se tenha operado a preclusão, a qual, per si, legitimaria a almejada mantença. E ainda, a despeito do foco aqui apresentado na vinculação institucional dos agentes públicos por força da expressa previsão constitucional da estabilidade e vitaliciedade bem como pelos motivos que ensejaram a inquietude inicial desse estudo, na mesma esteira, extensível e aplicável a todas as demais situações fáticas consolidadas decorrentes de quaisquer outras relações jurídicas.

    O presente estudo, realizado de modo empírico, pelos métodos dedutivo e indutivo, pauta-se por estudos teóricos diversificados, calcados na legislação, doutrina e jurisprudência, mormente em estudiosos e julgados versando sobre a Teoria do Fato Consumado e os efeitos da declaração direta de inconstitucionalidade. As fontes de pesquisa utilizadas devem, assim, possibilitar a compreensão, constatação e formação de convicções acerca dos impactos da referida teoria nos efeitos da declaração de inconstitucionalidade pela via direta, envolvendo situações de vinculação institucional no provimento efetivo estável ou vitalício dos cargos públicos em atendimento à função social no Direito Constitucional, verificando, destarte, as formas de acesso à Justiça nas Constituições.

    Para tanto, o texto está estruturado em seis capítulos principais, os quais possibilitarão os mais variados enfoques teóricos na linha de pesquisa proposta para este livro, conforme já sublinhado.

    A tese proposta toma, pois, em consideração à atividade do profissional do Direito no interesse particular, independentemente da carreira jurídica, da atividade desenvolvida e experiência, ou mesmo das disciplinas profissionalizantes do ensino jurídico, mas não só. Consideram-se, sobretudo, os aspectos sociais, interdisciplinares, além da contribuição para o meio acadêmica, respectiva aplicação e, principalmente, o aprimoramento para a docência, na linha proposta pela civilista Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.

    Verificam-se, preliminarmente, a Teoria do Fato Consumado e respectivo alcance, sobretudo nas questões de provimentos efetivos estáveis ou vitalícios de cargos públicos, os efeitos de eventual declaração de inconstitucionalidade de norma legal ou constitucional, pela via direta, e os reflexos relacionados nos respectivos provimentos, quando amparados pelas normas a eles atribuídas, assim declaradas posteriormente inconstitucionais. Com isso, identifica-se se a Teoria do Fato Consumado seria ou não capaz de dar sustentabilidade às situações fáticas consolidadas no que tange aos provimentos dos referidos cargos públicos, dentre quaisquer outras relações jurídicas e situações fáticas, mesmo diante de eventual declaração direta de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, os quais, em regra, são atribuídos nessas situações.

    Conforme salientado, os levantamentos e estudos amparam-se em diversos diplomas legislativos relacionados à matéria; parte, em especial, da Constituição Federal brasileira de 1988, considerando, eventualmente, no que couber, as Constituições dos Estados da Federação, como a Constituição Estadual Paulista de 1989, além de reportar-se, quando necessário, ao Direito comparado estrangeiro.

    Recorre-se não apenas a uma escola específica em face das peculiaridades e necessidades para o que se propõe, mas, sobretudo, à escola neopositivista, com as devidas adaptações e considerações dos epistemólogos e críticos do método científico, à hermenêutica e ao estudo da norma jurídica, mormente sob o viés da linguagem e da comunicação. A Filosofia do Direito serve não como sustentáculo legislativo e solução, mas como forma de interpretação e compreensão do problema. O neoconstitucionalismo, por sua vez, constitui instrumento de confirmação da possibilidade de se aplicar – ou não – a Teoria do Fato Consumado para a mantença das relações constituídas no que concerne à vinculação institucional dos cargos públicos de provimento efetivo estável ou vitalício, entre outras.

    Destarte, diante dos efeitos não modulados pela Corte, seja por vontade, ausência de quorum ou mesmo esquecimento, decorrentes dos pronunciamentos nas ações diretas de inconstitucionalidade, retroativos e desconstitutivos, considerando a lei nula e ineficaz, surge a inquietude a respeito de se a Teoria do Fato Consumado seria capaz de permitir a permanência desses agentes públicos no cargo. Consideram-se as situações em que os servidores já estejam em exercício, ou, para agravar, tenham adquirido a estabilidade no serviço público pela decorrência de três anos de efetivo exercício ou, ainda, a vitaliciedade pela decorrência de dois anos de efetivo exercício perante o primeiro grau da jurisdição ou de imediato na ocasião do provimento originário diretamente no âmbito dos tribunais, cujo ingresso se dera fundado em norma posteriormente declarada inconstitucional pela via direta, ab initio.

    Questiona-se, também, se deveriam ou poderiam ser todos exonerados, demitidos ou simplesmente terem a situação declarada desconstituída. Ou, ainda, caso o Supremo Tribunal Federal ou o Tribunal de Justiça Estadual entendesse pela restrição ou modulação dos efeitos de eventual declaração em sede de ação direta de inconstitucionalidade, se esta seria restrita à manutenção dos atos praticados pelos respectivos servidores públicos em exercício, visando preservar apenas a Administração Pública e os administrados, ou se ela seria aplicada em sua plenitude para proteger a investidura efetiva em prol da segurança jurídica.

    Mostra-se, assim, ser plenamente plausível o questionamento acerca da função social no Direito Constitucional – publicizando as situações fáticas em benefício da coletividade e justificando intervenções estatais, aplicadas sob os mais diversos aspectos – justificar ou não a permanência no cargo na situação em comento, assim como se a aplicação ou não da Teoria do Fato Consumado na situação especificada garantiria, de qualquer forma e por qualquer aspecto, o acesso à justiça, o tratamento equânime.

    Em síntese, o presente livro se propõe a demonstrar que o problema da nulidade da norma jurídica declarada inconstitucional em sede de controle concentrado, herdado do sistema norte-americano e amplamente acolhido pelo modelo pátrio, tanto pela jurisprudência como pela interpretação legislativa – a exemplo do regramento excepcional previsto pelo artigo 27 da Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999, cujos efeitos são, em regra, vinculantes, e a eficácia, para agravar, erga omnes, na linha do legado austríaco, desconstituindo relações jurídicas no caso de os efeitos não serem modulados pela Corte –, pode ser solucionado pela concepção, pelo acolhimento e aplicação da Teoria do Fato Consumado, isto é, considerando-se válidas todas as relações jurídicas estabelecidas e, portanto, consolidadas.

    Ademais, ainda que se considere a nulidade da norma, nem sempre há que se falar em ausência de efeitos, já que mesmo o nulo acaba por gerá-los, à guisa de entendimento secular na realidade do Direito Civil.

    Prima-se pela teoria em estudo justamente pela evidenciada insuficiência da aplicação de outros preceitos e regras constitucionais cabíveis, como o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, porquanto se tem entendido que, diante da nulidade, não haveria por que se falar em aquisição e perfeição. E, ainda, pela oscilação dos tribunais a propósito do entendimento dos efeitos, da modulação, evitando-se os casuísmos das decisões e a submissão das relações jurídicas consolidadas à mercê da sorte dessas decisões.

    A ideia da aplicação da Teoria do Fato Consumado para a manutenção das situações em pauta nunca foi objeto de abordagem pela jurisprudência ou pela doutrina pátria, tampouco se fez presente em teses ou pesquisas acadêmicas, ao menos nas balizas aqui propostas e sob tal alcunha, razões que evidenciam o ineditismo e originalidade do tema proposto pela tese de doutoramento que originou esta obra.

    Podem-se mencionar tão somente, no que tange à Teoria do Fato Consumado, decisões isoladas, decorrentes de situações precárias proferidas em sede de liminar, em que há o entendimento pela repercussão geral.

    Embora não relacionada ao provimento de cargos públicos, encontram-se evidências de que a Teoria do Fato Consumado vem sendo aplicada excepcionalmente, servindo de sustentáculo para mantença das relações estabelecidas e sucedâneo à modulação ou restrição dos efeitos da declaração direta de inconstitucionalidade, a qual, caso fosse aplicada, encontraria guarida no já mencionado artigo 27 da Lei no 9.868/1999.

    Sua aplicação, excepcional, conforme assinalado, tem sido em sede de decisões cautelares ou liminares em mandados de segurança, em prol da segurança jurídica, da eficiência, da preservação do direito adquirido ou ato jurídico perfeito e da coisa julgada anterior à decisão de inconstitucionalidade, excetuando-se, em alguns casos, em matéria penal, questões relacionadas à própria inconstitucionalidade que dera causa à decisão transitada em julgado, para aqueles que assim também entendem, e, ainda, em razão do preceito constitucional introduzido pela Emenda Constitucional no 45, de 30 de dezembro de 2004, da razoável duração do processo.

    Porquanto, situações que teriam perdurado indefinidas além do tempo ideal por óbices burocráticos e lentidão dos tribunais, não poderiam causar prejuízos, sob pena de ofensa ao efetivo e pleno acesso à justiça, bem como à função social no Direito Constitucional.

    Malgrado o entendimento mencionado, persiste a dúvida sobre em que medida a teoria dos direitos adquiridos poderia corroborar, ou, ainda, o porquê de o servidor público não estar habilitado a recorrer ao argumento do direito adquirido e, nessa mesma esteira, se não evidenciaria favorável à mantença das relações estabelecidas o simples argumento do ato jurídico perfeito, e se este não constituiria indicativo de que algo estaria consumado no passado.

    Mesmo diante da viabilidade das teses jurídicas aventadas, a Teoria do Fato Consumado faz-se necessária para sedimentar a questão, uma vez que se tem decidido pela inexistência de direito adquirido sob a égide de legislação inconstitucional e, da mesma forma, no que tange ao ato jurídico perfeito, até mesmo à coisa julgada se tem questionado a relativização em face do argumento da formação sob o manto de norma nula e ineficaz, o que, adianta-se, particularmente, não se coaduna com a ideia propugnada nesta obra.

    Em regra, no tocante às situações originárias de decisões judiciais provisórias passíveis de reversão posterior, no momento da decisão do mérito, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo como necessários pelo menos cinco fundamentos para se aplicar a Teoria do Fato Consumado, sedimentando e perpetuando as relações jurídicas estatuídas por ocasião do provimento precário: a) ausência da interposição de recurso voluntário contra as sentenças que reconhecem a situação de fato consolidada; b) segurança jurídica; c) prejudicialidade, pelo provimento cautelar, do pedido contido no processo principal; d) ponderação entre o dano e o sucesso hipotético do autor; e) equidade.

    Essa aplicação, todavia, tem sido rechaçada pela Suprema Corte e também pelo Superior Tribunal de Justiça, se não em casos extremos, mormente quando se se verifica que a decisão final possa gerar à parte prejuízo maior do que sofreria caso não houvesse sido proferida a tutela de urgência.

    As situações em que se discute a aplicação da Teoria do Fato Consumado têm se tornado frequentes na seara de concursos públicos para provimento efetivo de cargos, especificamente nos casos de reprovação em exames físicos ou psicotécnicos, nas hipóteses de exames médicos desfavoráveis ou, ainda, na perda da data de realização destes por circunstâncias alheias à vontade do interessado, permitindo-se, excepcionalmente, que eventual provimento acautelatório não se reverta, em momento posterior, por ocasião da decisão final, quando a parte já estiver investida no cargo, mesmo que a referida mantença possa ser entendida ilegal ou inconstitucional.

    Reitera-se que, no entanto, não se verifica, preliminarmente, a aplicação da referida teoria pelos tribunais nas situações semelhantes às que se propõe nesta obra, isto é, provimento efetivo ou vitalício de cargos, quando o referido diploma legal que dera substância à seleção e efetivação venha a ser, mais tarde, declarado inconstitucional pela via direta ou em medida cautelar, senão, quando muito, eventualmente a restrição dos efeitos dessas declarações para a mantença no cargo fundamentada tão somente na norma processual que rege o trâmite da ação direta de inconstitucionalidade, restringindo os efeitos da declaração, ex nunc, ou apenas para preservar os atos praticados pelos respectivos servidores públicos.

    Parte-se, neste livro, da premissa de que tanto os tribunais de instância inferior como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal se decidam pelos efeitos retroativos, sem modulação, sem aplicação da denominada Teoria do Fato Consumado ou das fórmulas de preclusão e tampouco compreendam tratar-se de matéria afeta à segurança jurídica ou deixem de declarar a inconstitucionalidade sem nulidade, aliás, como já se decidiu no passado. Nessa perspectiva, questiona-se como ficariam os indivíduos cujas relações jurídicas foram regidas pela respectiva norma legal assim declarada inconstitucional. A título exemplificativo, indaga-se sobre como ficariam os agentes públicos concursados, superados os períodos para aquisição da estabilidade ou da vitaliciedade cuja seleção e investidura tenham sido amparadas em uma norma legal assim declarada.

    Nessa linha de entendimento, esses servidores seriam desligados da Administração Pública, teriam as investiduras, nomeações e posses declaradas nulas de pleno direito; as relações seriam desconstituídas, assim como seriam quaisquer outras relações edificadas à luz de norma posteriormente declarada inconstitucional de forma retroativa, nula e desconstitutiva em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

    Em princípio, além do acesso à jurisdição pleiteando o restabelecimento do status quo ante, deveriam fazer jus ao menos à indenização pelos transtornos morais e pelos dispêndios materiais, sem falar no direito à mantença dos vencimentos ou subsídios percebidos, ou ainda noutras possibilidades de relações jurídicas o direito à indenização seja por parte dos particulares ainda que nas demandas entre si além daquelas perante a Administração Pública ou mesmo do próprio Estado em relação aos administrados, porquanto, no exemplo proposto de vínculação institucional dos agentes públicos, teriam efetivamente labutado, merecendo essa contrapartida; ao revés, ensejaria ao Estado, assim como a quaisquer outras entidades e pessoas noutras relações, o enriquecimento sem causa, o que não se admite pelo Direito, consoante iterativa jurisprudência.

    No entanto, nem sempre o que se evidencia no plano teórico concretiza-se no plano fático, e o que se mostra, muitas vezes, direito subjetivo e, ainda, em outras situações, direito líquido e certo, por vezes passa a ser mera possibilidade que, na prática, não se concretiza, por mais óbvia que se apresente ao olhar comum.

    Por derradeiro, reitera-se que a questão sempre careceu de estudos mais aprofundados, haja vista a novidade e os argumentos sólidos e favoráveis para quaisquer dos entendimentos, vale dizer, aplicar-se ou não a Teoria do Fato Consumado, quando não houver modulação, para referendar situações decorrentes de declarações diretas de inconstitucionalidade, ocorridas tardiamente, quando agentes públicos já tenham sido investidos no cargo e, por vezes, até adquirido a estabilidade ou vitaliciedade no serviço público, mas também aplicável e extensível a outras hipóteses assemelhadas e equiparadas sempre que as situações estiverem consolidadas.

    Superado esse introito de contextualização da temática, do objeto e do problema em questão, assim como a justificativa do paradigma que se propõe, esta obra tratará, no primeiro capítulo, da Teoria do Fato Consumado nas decisões judiciais e, no segundo, abordará a questão do controle de constitucionalidade brasileiro. No terceiro capítulo, examinará a temática atinente à declaração direta de inconstitucionalidade e respectivos pronunciamentos e efeitos para, no quarto capítulo, apresentar os conceitos basilares do provimento efetivo estável ou vitalício de cargos públicos. No quinto capítulo, analisará a Teoria do Fato Consumado e os efeitos da declaração direta de inconstitucionalidade, trazendo a lume, no sexto capítulo, o estudo da função social no Direito Constitucional e do acesso à justiça em decorrência das eventuais relações jurídicas desconstituídas, além de abordar a questão da eventual viabilidade de acesso à jurisdição internacional. Por derradeiro, retomará as questões pontuadas ao longo do livro para, refletindo sobre elas, apresentar as considerações finais alcançadas pelo presente estudo.

    Capítulo 1: A Teoria do Fato Consumado nas Decisões Judiciais

    1. Conceito e Origens

    Superado o introito acerca do objeto, justificativa desta obra, hipóteses e contextualização, importa abordar a denominada Teoria do Fato Consumado e as respectivas intercorrências e aplicações nas decisões judiciais, para melhor compreensão do problema em foco.

    A temática, da maneira como vem sendo empregada e problematizada, é relativamente recente na doutrina e jurisprudência, havendo poucos, se não nulos, julgados e explanações cientificamente razoáveis acerca da Teoria do Fato Consumado, origens históricas¹ e aplicabilidade, mesmo no Direito alienígena – mormente na perspectiva do objeto desta obra, qual seja, a aplicabilidade do fato consumado para a manutenção das relações constituídas decorrentes do provimento efetivo ou vitalício de cargos públicos calcados em norma legal declarada inconstitucional em sede de controle concentrado, sem pronunciamento por modulação pelo tribunal, extensível o modelo proposto a outras hipóteses assemelhadas de eventual desconstituição de quaisquer outras relações jurídicas também decorrentes da declaração de inconstitucionalidade.

    Retome-se a questão de sua origem, abordada en passant no introito deste livro.

    Vale lembrar que, em linhas gerais, a Teoria do Fato Consumado, do francês fait accompli, representa a consideração das relações constituídas, de fato e de direito, que se manifestariam como irreversíveis ou inconvenientes de se reverter, perfazendo-se como se ato jurídico perfeito fosse, à luz da atitude ou ato da Administração Pública, da legislação ou da decisão judicial, vigentes à época em que ocorrera a consumação das relações, as quais seriam tidas como mantidas, ainda que modificado o cenário concernente à eventual revisão do ato ou atitude administrativa, mudança da legislação ou modificação do provimento jurisdicional.

    O fato consumado é, portanto, visto como fenômeno que inviabiliza a revisão do que já se consolidara, nada mais restando a se fazer; em outras palavras, determina a manutenção da situação outrora constituída, seja por morosidade no processo judicial, seja na omissão da parte interessada ou, ainda, da Administração Pública em praticar determinado ato revisional em tempo hábil, isto é, antes que a situação se consolidasse, cuja reversão tenha se tornado ou inviável ou prejudicial e inconveniente.

    O Oxford Dictionaries² define o fato consumado como: A thing that has already happened or been decided before those affected hear about it, leaving them with no option but to accept it: the results were presented to shareholders as a fait accompli. A definição colacionada traz como marco das origens desse fato, embora sem maior detalhamento e precisão: "mid 19th century: from French, literally ‘accomplished fact’"³.Todavia, não se evidencia com precisão a verdadeira origem da terminologia relacionada ao Direito, embora julgamentos históricos tenham considerado mantidas as relações constituídas ainda que não se faça menção expressa ao fato consumado e respectiva teoria que se modelou.

    Segundo entendimento de uma parcela da doutrina,⁴ a expressão teria surgido, deveras, do jargão popular, cujo nascedouro teria sido no Reino Unido, influenciando a França e, posteriormente, a Espanha, vindo a ser empregada novamente na Grã-Bretanha, sobretudo por meio de escritores renomados em menção às situações cotidianas da vida, já superadas e tidas por irreversíveis⁵.

    Em uma rápida leitura, portanto, a Teoria do Fato Consumado indica esboçar íntima relação com o que se compreende por direito adquirido, ato jurídico perfeito, preservação de eventual coisa julgada anterior à decisão de inconstitucionalidade, excetuando-se em alguns casos, em matéria penal, questões relacionadas à própria inconstitucionalidade que dera causa à decisão transitada em julgado, segurança jurídica, ocorrência da prescrição ou preclusão, perda do objeto da ação, dentre outras hipóteses e institutos.

    Com origens na França por meio de entendimentos dos tribunais administrativos que passavam a considerar mantidas as relações de fato e de direito consolidadas sob a égide de ato da Administração posteriormente modificado, a Teoria do Fato Consumado foi transportada para a seara processual judicial, em que passou a ser empregada como forma de manutenção das relações estabelecidas sob o manto das tutelas provisórias depois revertidas em prejuízo das partes que destas se beneficiavam.

    Prima-se por verdadeira manutenção dos efeitos do provimento jurisdicional do qual venha a considerar-se não conveniente, razoável ou equânime seu desfazimento ou que as relações jurídicas sejam desconstituídas.

    Na mesma esteira passou a ser empregada em matéria processual penal sob a ótica das Cortes estrangeiras em casos específicos, quando a condenação não mais se justificava ou legitimava em face do decurso do tempo ou da declaração de inconstitucionalidade da norma que ensejara a condenação.

    O fato consumado, na maior parte dos casos, acaba legitimando-se em razão da morosidade do Poder Judiciário em proporcionar resolução da demanda e do conflito em tempo hábil a fim de evitar que as relações se constituam, em típica ofensa ao princípio constitucional da razoável duração do processo, como bem observa Tessler⁶,⁷.

    Também na seara processual penal do estrangeiro, o fato consumado aparece timidamente como forma de legitimar absolvições por fatos imputados que não se justifique a punição em face da duração do processo.

    Em que pesem as inúmeras, se não a totalidade, decisões judiciais no Brasil⁸ aplicarem o fato consumado em favor do administrado e, portanto, contra a Administração Pública, questão, aliás, trazida à reflexão e criticada por Odim Brandão Ferreira⁹, vê-se como razoável e proporcional, além de isonômica e equitativa, eventual aplicação em desfavor do administrado, bem como entre particulares, se for o caso de se entender pela mantença das relações constituídas como se o inverso fosse.

    As origens da Teoria do Fato Consumado não são precisas no estrangeiro, não sendo possível afirmar qual decisão administrativa ou provimento jurisdicional dera início ou inspirara o seu emprego.

    Marga Inge Barth Tessler¹⁰ assinala que François Baron Ost esboça entendimento de que essa teoria possuiria raízes nos antigos julgamentos da humanidade. Para o mestre de Bruxelas, hermenêutico, filósofo do Direito e dramaturgo, encontram-se vestígios de manutenção das relações constituídas que se prolongaram indefinidamente já nos idos dos antigos julgamentos gregos.

    Tessler¹¹ lembra que

    A teoria foi construída pela jurisprudência em lenta elaboração. Em abordagem histórica, François Ost revela que ela remonta às origens míticas da Justiça, no julgamento de Orestes, quando as três erínias são transformadas em eumênides.

    No País, importando a teoria do Direito alienígena, contudo, amoldando-a à realidade brasileira a ponto de ser considerada por alguns como construção nacional, a Teoria do Fato Consumado teria surgido – ou ao menos se firmado – em consequência das decisões judiciais da década de 1960, conforme registra Odim Brandão Ferreira¹²,¹³, ao fazer menção ao posicionamento firmado pelo ministro Victor Nunes Leal acerca da inviabilidade de se reverter a situação fática pela perda do objeto da cassação do provimento jurisdicional.

    Registre-se, porém, em que pesem os resultados da profícua pesquisa realizada pelo autor precitado, acompanhado por outros, encontram-se registros oficiais de acórdãos embasados na Teoria do Fato Consumado já nos idos da década de 1950, conforme se verifica na decisão em sede do Recurso Extraordinário no 19.720¹⁴, exarada pelo Supremo Tribunal Federal em 17 de junho de 1952.

    Embora negasse provimento à recorrente União, acolhia, já naquela época, a aplicação da Teoria Fato Consumado para manter a aposentação de servidor público deferida sob a égide de legislação e contexto anterior, mesmo diante de norma e regime jurídico supervenientes.

    De toda maneira, pode-se considerar o aparecimento da Teoria do Fato Consumado sedimentado em território nacional na vigência da Lei no 7, de 19 de dezembro de 1946, a qual declarara que, enquanto não fosse promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ficaria ressalvada a aplicação da legislação em vigor, sobretudo no tocante ao que fosse disposto anteriormente ao Decreto-Lei no 8.342, de 10 de dezembro de 1945, inclusive para as médias de aprovação no Ensino Superior.

    A dúvida se instaurou justamente antes mesmo da edição do primeiro diploma legal regulamentador da educação de sorte a se questionar se as universidades, calcadas na autonomia que já lhes era deferida, estariam autorizadas pelos respectivos regimentos internos a disciplinar a matéria e exigir média igual ou superior a cinco.

    Pelas razões apontadas, o Judiciário vinha por vezes deferindo medidas provisórias em prol da aprovação do demandante, entendendo descabida a previsão apenas por regulamento em suposta ofensa à legalidade, mantendo-se posteriormente tal decisão no mérito, ainda que entendido o contrário, por conta da superação da oportunidade da reversão, ou seja, em um momento em que o demandante já houvesse concluído o curso, aplicando assim o que denominou por Teoria do Fato Consumado.

    2. Presença no Direito Alienígena

    À semelhança do que ocorre no Brasil, no Direito estrangeiro a Teoria do Fato Consumado faz-se presente de maneira pouco clara e precisa de tal sorte que viabiliza comparativos, a ponto de alguns estudiosos que se debruçaram sobre a matéria com bastante profundidade e à exaustão, como Odim Brandão Ferreira¹⁵, afirmarem tratar-se de criação brasileira, pelo menos da forma sui generis como vem sendo interpretada e aplicada no País.

    De qualquer modo, as origens nada precisas apontam para os antigos julgamentos gregos, quiçá também para os romanos, toda vez que se decidiam por manter uma decisão provisória anterior, ou mesmo uma situação de fato que se perdurava, ainda que aparentemente eivada de injustiça na concepção dos povos.

    Esse procedimento, qual seja, a opção pelos pretores, reis e respectivos mandatários, imperadores, juízes e tudo o mais do gênero, em que se decidia pela manutenção das relações de fato consumadas sempre que inconvenientes ao julgador ou à parte interessada, indica prolongar-se pela história da humanidade, ocorrendo vez ou outra, ainda que seja difícil se evidenciar tal acontecimento por fonte idônea.

    Conforme salientado, o fait accompli foi desenvolvido contemporaneamente na França, por meio dos tribunais administrativos, os quais mantinham as situações de fato constituídas por decisões provisórias ou que simplesmente foram se perpetuando ad infinitum no tempo, a despeito de algumas delas serem aparentemente eivadas de ilegalidade ou inconstitucionalidade, em especial nos casos em que eventuais reversões e desconstituições das relações jurídicas pudessem gerar maior prejuízo para as partes ou mesmo para o Estado.

    Nesse mesmo contexto vem sendo aplicada na França, não apenas nas decisões dos tribunais administrativos, mas também nos atos proferidos por agentes do Poder Executivo, enfim, pelos administradores públicos, mesmo naqueles atos de natureza política.

    É de relevância lembrar o voto contrário à aplicação da Teoria do Fato Consumado proferido pelo ministro Aliomar Baleeiro durante atuação na Suprema Corte brasileira¹⁶, ao manifestar entendimento segundo o qual não seria possível admitir que se transpusesse para o Direito aquilo que no tempo de político ouviu muitas vezes ser defendido como fait accompli ou fato consumado, pois, para ele, ninguém poderia tirar proveito de erro cometido pelo juiz¹⁷.

    Conforme já referido neste estudo, o fato consumado aparece na França em uma perspectiva de aplicação, pelos tribunais, como maneira de legitimar eventual absolvição, sobretudo quando patente a ofensa à razoável duração do processo, mormente em matéria penal na qual se requer também rápida satisfatação à sociedade e se faz necessário célere resposta ao infrator, assim como em matéria administrativa e cível¹⁸.

    Pesquisas jurídicas realizadas por Genaro Carrió e Alejandro Carrió, por meio da jurisprudência dos tribunais da Argentina, apontam vestígios do que, quiçá, pode-se entender pela aplicação da Teoria do Fato Consumado nos julgados daquele país, em que ambos tecem críticas a esse procedimento porquanto os tribunais estariam deixando de lado os textos legais para ater-se excessivamente à situação fática, o que caracterizaria, na visão desses pesquisadores, certa arbitrariedade¹⁹,²⁰.

    Por fim, encontra-se na Alemanha posicionamento assemelhado com base na Lei de Organização da Suprema Corte Constitucional, bem como posicionamentos em Portugal, na Itália e nos Estados Unidos da América. É pertinente anotar que este último justamente influenciou os efeitos retroativos em sede de declaração de inconstitucionalidade como se ato nulo fosse, em prol da manutenção das relações estabelecidas em face da consumação do fato, sobretudo em matéria penal, conforme evidenciado por Mauro Cappelletti em profícua pesquisa²¹.

    Destarte, o § 79 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Gesetz über das Bundesverfassungsgericht BVG ou BVerfG), de 12 de março de 1951²², viabilizou expressamente a revisão da decisão judicial apenas em matéria penal à luz de eventual declaração de inconstitucionalidade em norma relacionada, isto é, permitindo-se a reapreciação da própria condenação, no caso de a norma legal que a tenha ensejado venha a ser considerada inconstitucional. Nessa hipótese, no entanto, mantém-se a autoridade da coisa julgada para as demais matérias, vale dizer, considerando mantidas as demais relações jurídicas estabelecidas sob a égide do diploma declarado inconstitucional, a agasalhar as situações consolidadas como se fato consumado fosse, na linha da tese aqui apresentada.

    Na mesma esteira dispõe o artigo 282 da Constituição da República de Portugal em vigor, de 1976, preservando as relações consolidadas oriundas dos julgados em face da eventual superveniente declaração

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1