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O que nos torna humanos
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E-book213 páginas2 horas

O que nos torna humanos

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Sobre este e-book

"Não queremos morrer, nem não morrer. Mas como eventualmente iremos chegar ao nosso fim, talvez queiramos (ou precisamos) não sermos esquecidos".

O que nos torna humanos? Essa pergunta pode parecer inofensiva em uma primeira impressão. No entanto, a resposta a esse questionamento está longe de ser simples ou superficial. Em um ensaio livre, que mais parece uma conversa, Lauro M Demenech apresenta discussões inquietantes sobre a nossa humanidade. Inspirado em sua trajetória como psicólogo clínico, pesquisador e docente, o escritor convida-o para uma jornada que parte do primórdio dos tempos e viaja através da existência, explorando os elementos que diferenciam seres humanos de animais e máquinas. A partir do conhecimento científico, de histórias pessoais, relatos de casos e de apreciação artística, ""O que nos torna humanos"" vai lhe apresentar o humano em sua essência paradoxal, proporcionando-lhe um reencontro com você mesmo e com as pessoas ao seu redor. Em última análise, o livro é uma celebração da humanidade e um convite à vitalidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de nov. de 2023
ISBN9786527006411
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    Pré-visualização do livro

    O que nos torna humanos - Lauro M Demenech

    CAPÍTULO 1 – PRÓLOGO

    TENHO COMO HÁBITO, SEMPRE QUE o tempo permite, frequentar bibliotecas e livrarias. Nem sempre foi assim. Mesmo que eu não vá ler ou comprar nenhum livro novo, trata-se de uma atividade que, por motivos que não sei bem explicar, simplesmente me faz bem. Sinto-me inspirado. Na verdade, existem outras ocasiões que sinto a mesma sensação: em shows, em instalações artísticas, assistindo a um bom filme e também dentro de universidades. Um elemento que observei que se repete em todos esses contextos é a admiração. Acho impressionante presenciar o talento das pessoas em sua mais pura manifestação. O suprassumo da humanidade.

    No entanto, desde que decidi escrever este livro, essa experiência não tem sido mais a mesma. Uma sensação diferente surgiu. Ainda não sei a descrever muito bem, mas é como se a inspiração abrisse espaço para a dúvida. Como se tamanha admiração pela criação humana projetasse uma sombra proporcionalmente grande. A primeira vez que senti essa sensação eu estava em uma livraria. Depois de folhear uma rodada de diversos livros bastante instigantes, me peguei pensando: com tantos livros tão bons já escritos e à disposição, por que eu deveria escrever mais um? Ou melhor, com tantas obras fantásticas em exposição, por que alguém leria este livro?

    Como pesquisador, já escrevi dezenas de artigos científicos, oriundos das investigações que eu e meus colegas realizamos. O processo científico é duro; no entanto, é, do ponto de vista literário, mais seguro. Estamos protegidos pelo método rigoroso da ciência e dos formatos desejados de como as informações devem ser transmitidas. O espaço puramente autoral é reduzido. Um livro, por outro lado, é assustadoramente diferente. Apesar de buscar estar sempre respaldado pelo que há de mais atualizado e bem consolidado pela comunidade acadêmica, um livro não deixa de ser uma confissão. Nas linhas que seguem, vocês poderão ter acesso a muitas informações sobre o ser humano e todas as facetas da sua humanidade, mas terão, sem dúvida nenhuma, acesso ao íntimo de quem escreve.

    Conversei com alguns escritores, os quais me relataram que, mesmo tendo um projeto mais ou menos definido de todo o texto a ser escrito, invariavelmente o livro toma uma vida própria. Por eu não estar escrevendo um romance, pensei que eu não teria essa experiência. Felizmente, eu estava enganado. Por isso começo dizendo que O que nos torna humanos acabou se tornando uma jornada inesperada. Cada linha e argumento apresentado abria caminhos para novos horizontes, e decisões precisaram ser tomadas a cada parágrafo, até chegar ao que decidi ser a linha final. Uma das últimas coisas que escrevi foi a dedicatória. No último ponto final, chorei e dei risadas ao mesmo tempo. Não sei se vou conseguir viver uma experiência tão prazerosa outra vez na vida. Me senti puramente humano.

    Quero que você saiba que não sinto que eu tenha escrito este livro, mas sim que o compus. Busquei construí-lo como um músico que compõe um álbum. Você poderá ler cada capítulo como quem escuta uma música. No entanto, cada um deles fará mais sentido caso você experimente todos, como quem ouve o disco por completo. Assim como na música, talvez você tenha um capítulo preferido, e é possível que essa predileção possa mudar com o tempo. Você pode até não gostar de algum deles, e talvez perceba no futuro que ou você não havia prestado atenção, não o entendeu, ou que ele apenas passou a fazer sentido em outro momento da sua vida. De qualquer forma, aviso de antemão que você não encontrará uma leitura puramente científica, mas uma experiência que eu desejaria que você apreciasse como quem contempla uma obra de arte. Você verá que existem diversas lacunas científicas sobre o que nos torna humanos. No entanto, você topará com lacunas literárias intencionais para que você, com toda sua humanidade, tente preenchê-las. Decidi usar mais pausas e menos subtítulos, para nos aproximarmos em uma conversa.

    Nas próximas páginas você encontrará um debate sobre o ser humano, construído a partir de muitas fontes. Em virtude da minha formação como acadêmico, a base do texto evidentemente será recheada das discussões científicas sobre o assunto. No entanto, a ciência pode ser dura e ininteligível muitas vezes. São necessários diversos outros saberes para complementar as fragilidades do método científico, bem como para dar vida aos resultados apontados pelos dados das investigações. A arte, em todas suas manifestações, parece cumprir essa função muito bem. Além disso, na última década, venho colecionando histórias. Histórias de pessoas comuns, do dia a dia. Histórias de pessoas em sofrimento que procuram a ajuda de um psicólogo. A humanidade em sua fragilidade, e também no seu ponto mais sensível de inflexão. Evidentemente, sempre que uma dessas histórias aparecerem, toda informação que permitiria a identificação das pessoas envolvidas foi subtraída ou alterada.

    O ser humano que você vai encontrar nos próximos capítulos é um paradoxo completo. Ao mesmo tempo que é insignificante, independentemente da escala que você utiliza, também é poderoso, capaz de romper as fronteiras do imaginável, transformando a realidade da existência. Ao mesmo tempo que é animalesco, tanto quanto seus animais de estimação, é criativo e incomparável, capaz de se descolar de uma vivência puramente reacional com o ambiente, tendo consciência da própria consciência. Ao mesmo tempo que sabe do seu destino último, anima-se em construir uma vida, cada um ao seu modo. Ao mesmo tempo que é extremamente frágil, possui uma capacidade, que muitas pessoas considerariam uma maldição, de adaptar-se a quase qualquer situação. Um ser vivo que especialmente na presença de suas fraquezas e seus medos conseguirá ser verdadeiramente forte e corajoso. Perfeitamente imperfeito, ou imperfeitamente perfeito.

    Ainda não tenho uma resposta para meu questionamento inicial. Por que ler este livro? Não acredito que ele dará conta de explicitar todas as verdades e mistérios sobre o ser humano. Penso que muitos tópicos ainda poderiam ser discutidos. No entanto, em O que nos torna humanos você encontrará uma experiência. Eu desejo que nos encontremos em nossa humanidade, com todos os nossos questionamentos e certezas, dores e prazeres, curiosidade e criatividade. Quem sabe não seja você quem tenha que responder essa pergunta? De qualquer forma, espero que você se divirta o tanto quanto eu me diverti nessa jornada.

    CAPÍTULO 2 – A EXISTÊNCIA

    O SER HUMANO É A NATUREZA TOMANDO consciência de si mesma. Pare por um momento para refletir sobre a profundidade de significado que existe nessa frase. Essa emblemática sentença cunhada pelo geógrafo francês Élisée Reclus no século XIX nunca parou de retumbar em meus pensamentos desde a primeira vez que tive contato com ela. Mas o que essa frase quer dizer? Talvez em função da inteligência atribuída a nossa espécie, sejamos induzidos constantemente a pensar a natureza como uma dualidade: nós (humanos) versus eles (natureza, incluindo outros animais, plantas e diversas formas de vida). Contudo, quando fazemos um esforço consciente, conseguimos observar que essa é uma dualidade imaginada, que somos parte da natureza tanto quanto outros seres vivos – apesar de termos, enquanto espécie, subjugado outras formas de existência, imprimindo uma marca indelével do ser humano na natureza.

    Mas o que é a natureza? Em Sapiens: Uma breve história da humanidade, Yuval Noah Harari nos brinda com uma breve e curiosa descrição da história das coisas até o dia de hoje. Há aproximadamente 14 bilhões de anos, a matéria, a energia, o tempo e o espaço tiveram origem no evento conhecido como o Big Bang, surgindo, assim, a física. Logo após (e aqui me refiro há aproximadamente 300 mil anos, o que, no tempo das coisas, é um piscar de olhos), matéria e energia começam a dar forma para átomos e moléculas mais complexas, dando origem à química. Contra todas as probabilidades, em nosso planeta, moléculas se combinaram dando origem à organismos complexos, nascendo, também, a biologia. Por fim, a história surge há dezenas de milhares de anos, quando organismos da espécie Homo sapiens começaram a desenvolver formas de organização elaboradas e cultura¹.

    Se o homem é a natureza tomando consciência de si mesma, será que isso quer dizer que é a história que toma consciência de si mesma? Que a biologia toma consciência de si mesma? Que a química toma consciência de si mesma? Que a física toma consciência de si mesma? Acredito que não foi exatamente essa a linha de raciocínio que Reclus percorreu ao cunhar essa frase, inclusive porque o avanço científico à época talvez não o permitisse chegar a nenhuma conclusão do tipo. Essa é uma questão interessante sobre as ideias. Nós as temos em um determinado ponto do tempo e, além de não ser mais nossa, ela pode continuar a reverberar no futuro, para caminhos, direções e limites inimagináveis, tanto em direção à atualização e utilidade, como para o ostracismo. Talvez o ponto mais relevante sobre essa afirmação nesse momento seja a noção de processo. O homem é a natureza tomando consciência de si mesma. Não se trata de um produto acabado, e sim algo que continua ocorrendo. Por mais que este livro se proponha a discutir o que nos torna humanos e que avance na concretização do que significa o processo de natureza tomando consciência de si mesma, no momento exato em que conseguirmos fazer isso o horizonte da tomada de consciência se amplia, e o processo continua.

    Em uma série de televisão de humor chamada The Big Bang Theory, o personagem Leonard Hofstadter, que na trama é professor de Física Teórica no Instituto de Tecnologia da Califórnia, durante seu casamento com Penny, sua noiva, profere os seguintes votos: Nós somos feitos de partículas que existem desde o momento em que o Universo começou. Eu gosto de pensar que esses átomos viajaram bilhões de anos através do tempo e espaço para nos criar. Para que pudéssemos ficar juntos e completar um ao outro. Particularmente, achei esses votos muito românticos, mas não é esse o ponto. Você já deve ter ouvido a célebre frase na natureza nada se cria, tudo se transforma de Antoine Laurent Lavoisier em alguma aula de ciências na escola. Gosto de refletir sobre a ancestralidade de cada partícula do nosso corpo, que estrutura os sistemas que dão sustentação à nossa vida, como o sistema nervoso, que nos dá a habilidade para, dentre diversas coisas, ler este texto. Conforme você vai perceber durante a sua leitura, existem muitas coisas das quais não estamos conscientes sobre nossa humanidade, porque, quando chegamos a este mundo, tudo já estava posto – há muito tempo. Não é um exercício fácil, e, do ponto de vista da vida cotidiana, não é muito útil, ficar refletindo sobre todos esses aspectos o tempo todo. No entanto, são como peças de um quebra-cabeças que nos ajudam a entender nossa condição humana de existência.

    Essa tal existência é muito curiosa. Ainda existem tantas interrogações que deixam qualquer livro de ficção no chinelo. Mas o que é a existência? De acordo com as tecnologias mais atuais e as mentes mais brilhantes capazes de desenvolvê-las e operá-las, se seguirmos as pegadas da existência como a temos hoje, nós seríamos conduzidos até o início dos tempos. Como destacado anteriormente, acredita-se que a existência tenha sido originada há aproximadamente 14 bilhões de anos, num tempo em que toda a matéria e energia do universo cabiam dentro da cabeça de um alfinete extremamente quente².

    Acreditar que o universo tenha essa idade não quer dizer que se trate de uma questão de fé, e sim expor a natureza transparente do método científico. Essa é a melhor teoria que temos até então, e, de fato, a ideia do Big Bang faz parte do que se chama física especulativa. É possível que você se sinta inseguro ou insegura quando eu digo que uma coisa tão importante como a origem do universo, ou a evolução, é apenas uma teoria, certo? Algumas pessoas sentem-se relutantes com teorias, argumentando que não são fatos. E o que diferencia uma teoria de um fato? Por exemplo, houve, por muito tempo, um debate entre duas teorias diferentes que dissertavam sobre a Terra ser redonda ou não. Todos os cálculos físicos, matemáticos e modelos experimentais (podemos pensar inclusive nos trabalhos do matemático grego Eratóstenes, por volta de 200 a.C., que questionou o porquê de obeliscos em cidades distantes projetarem sombras diferentes no mesmo horário do dia) sustentavam que a Terra era redonda. No entanto, foi necessário que a humanidade fosse ao espaço para ver a Terra redonda e, finalmente, aceitar isso como um fato. Na verdade, a visão é apenas mais uma evidência que sustenta a teoria, mas, de alguma forma, a humanidade tem como princípio bastante enraizado o ver para crer.

    Teorias disputam, e a que apresentar melhor sustentação é a que prevalece. Podemos fazer uma analogia com uma cena de crime. Um investigador, quando vai averiguar a cena do crime, não viu o delito acontecendo. Portanto, ele precisa coletar informações para chegar a uma conclusão: pegadas, digitais, estilhaços, fios de cabelo, amostra de DNA e, também, possíveis testemunhas. No entanto, muitas vezes, testemunhas oculares não são uma boa prova! Não raro não é possível determinar o culpado ou fechar uma sentença apenas com base em relatos de pessoas que viram o crime. Muitas vezes nossa visão pode não ser tão confiável como imaginamos (discutiremos mais esse tópico no Capítulo 5). Por outro lado, quando todas as outras pistas, cuidadosamente coletadas, apontam para uma mesma direção, conseguimos fechar o caso. A mesma coisa podemos dizer de teorias como o Big Bang e a evolução. Ninguém estava lá para ver o pontapé inicial do tempo e o espaço, e nem teria como alguém viver o suficiente para observar lentamente como que incontáveis seres vivos se diferenciaram, desde bactérias até mamíferos. Mas todas as evidências que temos na cena do crime (nossa existência) apontam para a mesma direção. Discutiremos muitas delas durante o livro, mas, por enquanto, voltemos ao início das coisas.

    Já foi confirmado por física experimental em laboratório que, ao universo esfriar, a redução na velocidade dos elétrons livres permitiu que eles fossem capturados por núcleos, formando os primeiros átomos leves (hidrogênio, hélio e lítio). Após alguns bilhões de anos, a partir da formação e aniquilação de corpos celestes, átomos mais pesados (como, por exemplo, o carbono) enriqueceram a existência, auxiliando-a a tomar a sua forma atual. Um exemplo inequívoco foi a formação do planeta Terra, há 4,5 bilhões de anos. Por sorte, nosso planeta acabou se estabelecendo em uma região específica do universo observável, orbitando uma estrela (o Sol) a uma distância propícia, na qual puderam se desenvolver os primeiros seres vivos, bactérias anaeróbicas, há 3,8 bilhões de anos, marcando o surgimento do que chamamos de vida³.

    Esses seres vivos anaeróbicos (organismos que não necessitam de oxigênio para o crescimento) transformaram a atmosfera da Terra de uma baseada em dióxido de carbono para uma rica em oxigênio – o bastante para a formação de organismos aeróbios (que utilizam oxigênio para obter energia). A partir disso, esses seres vivos evoluíram, dominando oceanos e terra, trilhando caminhos evolutivos diferentes, compondo o que hoje organizamos em

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