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Floresta de lã e aço
Floresta de lã e aço
Floresta de lã e aço
E-book251 páginas2 horas

Floresta de lã e aço

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Sobre este e-book

Quando o jovem Tomura escuta o som de um piano sendo afinado pelo sr. Itadori no ginásio da escola, sua vida muda de repente. Sente o cheiro da floresta que emana de dentro do instrumento e é tomado por uma nostalgia que o transporta de volta ao vilarejo no meio das montanhas onde nasceu e cresceu. Tinha dezessete anos.

Ao perceber a fascinação do jovem estudante, sr. Itadori convida Tomura para conhecer a loja de instrumentos Etô, onde trabalha como afinador de pianos. A partir desse encontro, nasce uma paixão não apenas pelo instrumento, mas também pelo mundo da afinação. Tomura inicia sua formação e logo começa a trabalhar na loja. Apesar de toda sua dedicação, vive constantemente tomado pelo medo do fracasso na busca da perfeição.

Ao conhecer as gêmeas Yuni e Kazune e afinar o piano delas, Tomura percebe que não se trata apenas de habilidade técnica na hora de se afinar o instrumento — e que não existe o som perfeito. Ao escutar uma das gêmeas tocando, o fascínio experimentado impacta sua vida, que até então era cheia de dúvidas e incertezas. O caminho antes sinuoso e difícil começa a ganhar sentido e beleza.

Floresta de lã e aço é um romance repleto de poesia sobre uma paixão profunda e o significado da vida. Sobre o poder da música e sobre um jovem que deseja fazer a beleza do mundo ressoar através do piano, tentando fazer de si não só o melhor afinador possível, mas também o melhor ser humano que ele consegue ser.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de nov. de 2023
ISBN9786585603072
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    Pré-visualização do livro

    Floresta de lã e aço - Natsu Miyashita

    Capa.png

    Sumário

    1

    2

    3

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    24

    Brevíssimo posfácio

    Landmarks

    Cover

    1

    Senti cheiro de floresta. Uma floresta no outono, momentos antes de escurecer, com o vento a balançar as árvores e suas folhas. Cheiro de floresta já quase anoitecendo.

    Mas não havia nenhuma floresta por perto. Eu sentia cheiro de outono seco e experimentava até a sensação do crepúsculo caindo, mas na verdade eu estava de pé em um canto do ginásio do colégio. As aulas já haviam terminado e eu era o aluno solitário que acompanhava o visitante.

    Diante de mim havia um piano. Sim, um grande piano de cauda preto, imponente, com a tampa aberta. Ao lado, estava um homem de pé. Ele olhou de relance para mim, mas não dissemos nada. Quando pressionou algumas teclas, senti mais uma vez emanar, da floresta que havia ali, no interior daquele instrumento, o cheiro das árvores a balançar. A noite avançou mais um pouco. Eu tinha dezessete anos.

    Como eu era o único na sala de aula naquele momento, o professor me incumbiu de acompanhar o visitante. Estávamos no segundo ano do ensino médio, já no final do período letivo, época das provas intermediárias, quando as atividades esportivas eram suspensas. Os estudantes iam para casa assim que as aulas acabavam. Como eu morava sozinho, não tinha ânimo para voltar ao apartamento solitário e, portanto, preferia estudar na biblioteca.

    Desculpe, Tomura, assim dizendo, o professor continuou: Tenho uma reunião de professores agora. O visitante vai chegar às quatro. É só acompanhá-lo até o ginásio.

    Tá bom, respondi. Era comum as pessoas me pedirem coisas. Talvez por se sentirem à vontade, ou talvez por acharem que eu não recusaria. Ou por parecer desocupado. De fato, naquela época não sabia como passar meu tempo. Não tinha obrigações e não havia nada que eu gostasse de fazer. Devo concluir o ensino médio e conseguir algum emprego, só quero poder sobreviver. É assim que eu pensava.

    E mesmo que me pedissem com frequência, nunca eram tarefas significantes — estas eram para pessoas importantes. Já as tarefas comuns eram feitas por pessoas comuns, como deveria ser o caso do visitante, pensei.

    Então me dei conta de que o professor apenas me pedira para acompanhar a pessoa até o ginásio. Não me disse quem era.

    Quem é o visitante?

    O professor, que estava prestes a deixar a sala de aula, virou-se para mim e respondeu:

    É o afinador.

    Essa palavra, afinador, não me era familiar. Será que é a pessoa que conserta o ar-condicionado? Se for mesmo, por que tenho que levá-la ao ginásio? Foi o que pensei, mas era algo sem muita importância.

    Na sala de aula vazia, mais ou menos por uma hora, gastei o tempo lendo um livro de história do Japão, já que tinha prova no dia seguinte. Um pouco antes das quatro, fui à porta de entrada destinada aos funcionários da escola e avistei um senhor. Usava uma jaqueta marrom, carregava uma grande maleta e estava de pé, com a coluna ereta, do lado de fora da porta de vidro dos funcionários.

    O senhor veio ver o ar-condicionado?, perguntei enquanto abria a porta por dentro.

    Sou Itadori, da loja de instrumentos musicais Etô.

    Instrumentos musicais? Então esse senhor de meia-idade talvez não fosse o visitante que eu deveria acompanhar. Podia ter perguntado o nome ao professor.

    O professor Kubota avisou que tinha uma reunião hoje. Eu só preciso ir até o piano, mais nada, disse o senhor.

    Kubota era o meu professor, quem me solicitara que acompanhasse a visita.

    Ele pediu para levar o senhor ao ginásio, eu disse, oferecendo-lhe as pantufas marrons destinadas aos visitantes.

    Isso mesmo, hoje vim ver o piano do ginásio, ele respondeu.

    O que ele vai fazer com o piano? A pergunta surgiu brevemente, mas o meu interesse não foi além disso.

    Por aqui, por favor.

    Quando comecei a andar, o senhor seguiu logo atrás de mim. Sua maleta parecia pesada. Pensava em apenas acompanhá-lo até o piano e sair em seguida.

    Ao chegarmos, ele apoiou a maleta no chão e fez um aceno de leve para mim. Está me dispensando, supus. Retribuí com outro aceno e me virei para sair. O ginásio, geralmente barulhento por conta dos treinos dos times de basquete ou vôlei, estava mergulhado em silêncio naquele dia. O sol da tarde penetrava pelas janelas que ficavam no alto.

    Quando me dirigia ao corredor que ligava o ginásio a outras dependências, ouvi um som atrás de mim. Havia algo de concreto e palpável naquele som e, ao me virar um pouco, percebi que vinha do piano. Jamais teria adivinhado. Uma nostalgia tomou conta. Me trazia uma lembrança agradável, mesmo que eu não soubesse do quê.

    O senhor continuou pressionando as teclas sem me dar atenção. Não tocava nada em especial; os sons ecoavam como se ele estivesse inspecionando as notas uma a uma. Depois de ficar um tempo parado, eu me aproximei do instrumento de novo.

    Mesmo quando cheguei mais perto, o senhor não pareceu se importar. Ele se afastou das teclas e abriu a tampa do piano de cauda. A tampa que para mim parecia mais uma enorme asa preta de um pássaro. Ao levantá-la, ele a apoiou com o suporte para que não se fechasse e pressionou uma tecla.

    Senti cheiro de floresta. Os confins de uma floresta, momentos antes de anoitecer. Eu queria ir até lá, mas hesitava. É perigoso no escuro. Quando eu era pequeno, ouvira muitas histórias de crianças que se perderam na floresta e não conseguiram voltar. Não se deve entrar na floresta ao entardecer. O sol se põe muito mais rápido do que se imagina.

    Quando dei por mim, o senhor estava abrindo a maleta. Havia ali muitas ferramentas que eu nunca vira. O que ele vai fazer com elas? Vai usar tudo aquilo no piano? Achei que não deveria perguntar. O ato de perguntar carrega uma responsabilidade. Sentia que ao perguntar e obter a resposta, a pessoa que perguntou deveria, por sua vez, replicar. Embora cheio de dúvidas em minha cabeça, não perguntei nada. Provavelmente porque eu não tinha nada para lhe oferecer de volta.

    O que o senhor quer com o piano? O que deseja fazer dentro dele? Ou melhor: o que vai fazer com o piano? Naquela hora, não sabia o que queria perguntar. Continuo até hoje sem saber. Deveria ter perguntado, penso. Deveria ter lançado a dúvida que surgira dentro de mim mesmo que ela não tivesse assumido nenhuma forma. Penso nisso várias vezes. Se naquele momento tivesse conseguido expressá-la em palavras, não seria necessário continuar buscando a resposta. Claro, se a resposta fosse satisfatória.

    Não perguntei nada e fiquei observando de pé, em silêncio, para não atrapalhar o trabalho.

    Na época do ensino fundamental, havia um piano na escola em que estudei. Não era um piano de cauda como aquele, mas eu conhecia o tipo de som do instrumento e cantara várias vezes acompanhado por ele.

    No entanto, senti que era a primeira vez que via aquele instrumento preto, enorme. Pelo menos a primeira vez que via suas vísceras expostas sob aquela asa aberta. A sensação de um som que tocava minha pele também era nova.

    Senti cheiro de floresta. Floresta no outono, de noite. Coloquei a minha bolsa no chão e observei de perto o som do instrumento que mudava gradualmente. Fiquei ali por quase duas horas, sem perceber o tempo passar.

    No começo sentia apenas que era outono, de noite, mas tudo foi ficando mais nítido. Outono, mês de setembro, isso, início de setembro. Noite, logo no início, com pouca umidade, mais ou menos às seis horas de um dia ensolarado. Ainda era claro na cidade, mas no vilarejo entre as montanhas, nesse horário, os últimos raios solares eram obstruídos pela floresta e começava a escurecer. Conseguia sentir a presença próxima dos bichos da floresta prendendo a respiração, aguardando a chegada da noite para iniciar suas atividades. Um som suave, quente e profundo. Era o que vertia do piano.

    Esse piano é velho, o senhor disse, talvez porque estivesse quase concluindo o trabalho. E o som é bastante delicado.

    Ah, é? Só consegui balbuciar. Não sabia direito como era um som delicado.

    É um bom piano.

    Sim, assenti com a cabeça mais uma vez.

    Pois antigamente, as montanhas e os campos eram melhores.

    Hã?

    Enquanto lustrava o piano com um pano que parecia macio, ele continuou:

    Antigamente, tanto nas montanhas como nos campos, as ovelhas comiam capim de boa qualidade.

    Lembrei dos carneiros pastando com tranquilidade na fazenda perto da casa dos meus pais, no meio das montanhas.

    Os feltros eram feitos de uma lã de boa qualidade, produzida por ovelhas de boa qualidade que comiam capim de boa qualidade. Hoje em dia, não se fabricam mais martelos bons como esses.

    Não tinha ideia do que ele estava falando.

    Os martelos têm relação com o piano?, perguntei.

    Nisso, o homem olhou para mim. Ele acenou com a cabeça mostrando um leve sorriso.

    Dentro do piano tem martelos.

    Nunca poderia ter imaginado.

    Quer dar uma olhada?, perguntou.

    Eu me aproximei.

    Quando você bate na tecla…, ele disse.

    pliiim, ecoou o som do piano. Uma peça se levantou no interior e tocou um fio.

    Viu? Esta corda foi golpeada pelo martelo. E a ponta dos martelos é revestida por feltro.

    pliiim, pliiim, os sons ecoaram, mas eu não sabia se eles eram delicados ou não. No entanto, conseguia visualizar a floresta no início de setembro, mais ou menos às seis da tarde, horário em que começava a escurecer.

    Você está bem?, o senhor perguntou.

    Ficou bem mais definida do que antes, respondi.

    O que ficou mais definida?

    A paisagem sonora.

    Conseguia visualizar nitidamente a paisagem que o som evocava. Agora que os trabalhos haviam sido concluídos, a paisagem ficara bem mais vívida do que quando o piano fora tocado pela primeira vez.

    Por acaso a madeira usada no piano é de pinheiro?

    O homem acenou de leve com a cabeça.

    É de uma árvore chamada abeto. É um tipo de pinheiro, sim.

    Perguntei então, com certa convicção:

    Por acaso é de pinheiro extraído de alguma montanha na cordilheira Daisetsu?

    Era por isso que eu conseguia visualizar a paisagem. Era a paisagem daquela floresta. Por isso o som tocava tanto o meu coração. Porque era a floresta daquela montanha que estava sendo tocada.

    Não, a madeira é importada. Deve ser alguma árvore da América do Norte.

    A expectativa foi abruptamente frustrada. Talvez todas as florestas emitissem o mesmo tipo de som, onde quer que se localizassem. Talvez todo início de noite fosse silencioso, profundo e um pouco intimidante.

    O senhor fechou a tampa que estava aberta igual à asa de um pássaro e começou a lustrar a superfície com um pano.

    Você toca piano?, ele perguntou com uma voz tranquila.

    Como seria bom se pudesse responder que sim. Como seria bom se fosse capaz de tocar piano e expressar tantas coisas belas como a floresta e a noite.

    Não.

    Na realidade, nunca sequer tocara num piano.

    Mas você gosta de piano?

    Não sabia se gostava ou não. Pela primeira vez na vida tinha prestado atenção num piano.

    Permaneci calado, mas o senhor parecia não se importar muito. Ele guardou o pano com que lustrara o piano, fechou a maleta e afivelou o fecho.

    Em seguida se virou para mim, pegou os cartões de visita do bolso da jaqueta e me entregou um. Era a primeira vez que um adulto me entregava um cartão de visita.

    Se tem interesse, venha ver os pianos.

    Embaixo do nome da loja de instrumentos musicais estava escrito:

    Soichirô Itadori

    Afinador de pianos

    Posso ir mesmo?, a pergunta saiu quase involuntariamente.

    Por que perguntar? Era claro que sim. Ele estava me convidando, claro que podia ir. Ele está me autorizando, pensei.

    Claro, Itadori assentiu com um sorriso.

    Nunca esqueci aquele episódio. Um dia fui visitar a loja.

    Itadori estava prestes a sair para atender um cliente. Enquanto caminhávamos lado a lado até o estacionamento que ficava atrás da loja, perguntei sem rodeios:

    O senhor me aceitaria como discípulo?

    Sem rir nem se mostrar surpreso, Itadori apenas encarou o meu rosto com um semblante tranquilo. Em seguida, deixou sua maleta no chão, pegou uma caneta esferográfica e escreveu algo na pequena caderneta que retirara do bolso. Depois arrancou a folha e me entregou.

    Nela tinha o nome de uma escola.

    Eu sou um simples afinador. Não tenho condição de ter discípulos. Mas se você quer realmente aprender a afinar piano, recomendo essa escola.

    Foi assim que decidi convencer a minha família. Tão logo concluí o ensino médio, fui estudar lá. Não sei o quanto eles compreenderam a decisão. No vilarejo no meio da montanha onde nasci e cresci, só se podia fazer o ensino fundamental. Depois que concluíam a educação obrigatória, todos desciam a montanha para fazer o ensino médio. Esse era o destino das crianças da montanha.

    Mesmo crescendo juntos, havia aqueles que se davam bem morando sozinhos, e os que não se acostumavam. Os que conseguiam se adaptar em meio a muitas pessoas e à escola nova, e os que não conseguiam. Os que voltavam à montanha um dia, e os que vagavam e chegavam a um lugar completamente diferente. Não que um fosse melhor do que outro, não era sequer uma opção pessoal; a pessoa fazia parte de um grupo ou de outro. Era algo que acontecia naturalmente, quando menos se esperava. E eu acabei me encontrando. O cheiro das florestas me revelara um novo mundo, da afinação de pianos. Não podia mais voltar à montanha.

    Foi quando saí de Hokkaido pela primeira vez na vida. Passei dois anos estudando numa escola profissionalizante para formação de afinadores de piano, na ilha principal do país. Ou seja, gastei dois anos só para aprender as técnicas de afinação numa sala de aula simples, anexa a uma fábrica de pianos. Na turma, éramos sete alunos.

    Estudava desde a manhã até a noite. Como as aulas eram numa espécie de depósito da fábrica, o local era quente no verão e frio no inverno. Fazia parte das aulas práticas a manutenção e regulagem inteira de um piano, até mesmo a aplicação de verniz na parte externa. As tarefas eram difíceis e eu me empenhava até tarde da noite, desesperado, sentindo-me incapaz de concluir tudo. Será que adentrei numa floresta onde se falava que, uma vez dentro, era impossível sair? Cheguei a pensar nisso várias vezes. Tudo parecia denso e escuro à minha frente.

    Apesar disso, não sei por quê, não desanimei. Do piano que eu afinava não exalava nenhum perfume de floresta, mesmo com o passar do tempo, porém nunca esqueci aquele cheiro. Contando só com aquela lembrança, concluí os estudos de dois anos. Embora não soubesse tocar piano, e não tivesse um ouvido apurado, tornei-me capaz de afinar

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