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Nêumanne Entrevista 1: O Brasil passado a limpo em 35 dedos de prosa
Nêumanne Entrevista 1: O Brasil passado a limpo em 35 dedos de prosa
Nêumanne Entrevista 1: O Brasil passado a limpo em 35 dedos de prosa
E-book433 páginas5 horas

Nêumanne Entrevista 1: O Brasil passado a limpo em 35 dedos de prosa

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Sobre este e-book

A ideia que Isabel teve na padaria Aracaju, quando me perguntou por que eu não entrevistava Paulo de Tarso Venceslau, sobrevivente do sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Elbrick, deu-me a oportunidade de iniciar uma série que, até agora, reuniu 70 entrevistas publicadas originalmente no Blog do Nêumanne na plataforma virtual do Estadão. Minha mulher deu o nome da série - Nêumanne Entrevista - e também aos dois volumes ora publicados na Almedina. A lista dos entrevistados é eclética e o resultado final, atingido graças à ideia do editor Marco Pace, com quem já tinha trabalhado na Girafa Editora, permitiram-me ter uma amostra razoável de que, mesmo no ambiente de conflito, estupidez, ignorantismo, obscurantismo e sectarismo em que afundou a política e a vida em sociedade no Brasil, ainda é possível transmitir ao leitor a experiência de profissionais da política, das artes e dos esportes com verve, graça e, sobretudo, amor. Isto já é, em si, um grande feito. E também uma nesga de luz, um mínimo raiozinho de esperança de que ainda restará um mundo digno de ser vivido por nosso filho Artur, que começa a viver o segundo ano de sua vida no advento desta nova obra do pai dele.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de set. de 2020
ISBN9788562938474
Nêumanne Entrevista 1: O Brasil passado a limpo em 35 dedos de prosa

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    Nêumanne Entrevista 1 - José Nêumanne Pinto

    NÊUMANNE ENTREVISTA

    José Nêumanne Pinto

    NÊUMANNE ENTREVISTA

    O Brasil passado a limpo em 35 dedos de prosa

    Volume 1

    70

    NÊUMANNE ENTREVISTA

    O BRASIL PASSADO A LIMPO EM 35 DEDOS DE PROSA – VOLUME 1

    © ALMEDINA, 2020

    AUTOR: José Nêumanne Pinto

    REVISÃO: Isabela Limonte

    EDITOR: Marco Pace

    DIAGRAMAÇÃO: Almedina

    DESIGN DE CAPA: Roberta Bassanetto

    FOTO DA CAPA: Alex Silva/Estadão

    ISBN: 9788562938474

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)


    Pinto, José Nêumanne

    Nêumanne entrevista: o Brasil passado a limpo

    em 35 dedos de prosa: volume 1 / José Nêumanne Pinto.

    São Paulo: Almedina Brasil, 2020.

    ISBN 978-85-62938-47-4

    1. Brasil – Políticos – Entrevistas

    2. Comunicação 3. Entrevistas (Jornalismo)

    4. Jornalismo 5. Políticos – Brasil – Entrevistas

    I. Título.

    20-38217                    CDD-070.449320


    Índices para catálogo sistemático:

    1. Ficção: Literatura brasileira B869.3

    Maria Alice Ferreira – Bibliotecária – CRB-8/7964

    Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.

    Setembro, 2020

    EDITORA: Almedina Brasil

    Rua José Maria Lisboa, 860, Conj. 131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil

    editora@almedina.com.br

    www.almedina.com.br

    DIRETO AO PONTO

    A história é escrita e reescrita ao longo do tempo. Quanto mais distanciada dos fatos, melhor a busca da isenção da narrativa, uma vez que o historiador se distancia das influências conjunturais. A história consiste num corpo de fatos verificados. Primeiro acerte os fatos, só então corra o risco de mergulhar nas areias movediças da interpretação. Os fatos são sagrados, a opinião é livre.

    Conta-se que certa vez um jornalista perguntou a Mao Ze Dong, qual a opinião dele sobre a revolução francesa. O Velho Timoneiro respondeu que nenhuma, porque ela era muito recente... Inúmeras obras foram e são escritas sobre essa revolução e no entanto o tema não se esgota, ainda que os autores tenham opiniões diferentes sobre os mesmos fatos.

    Contudo, entre as fontes da história, está o depoimento dos personagens envolvidos. Suas declarações e afirmações atravessam o tempo e ficam à disposição de novos historiadores. Sofrem novas análises e confirmações, mas são indispensáveis para a reconstrução do passado de um povo, de uma civilização, de uma mudança profunda na sociedade da época. Segundo E. Carr, quando pontos desse tipo são levantados, fazem lembrar a observação de Housman de que exatidão é um dever, mas não uma virtude. O historiador é um ser humano individual. Como outros indivíduos, por exemplo os jornalistas, ele também é um fenômeno social, tanto o produto como o porta voz consciente ou inconsciente da sociedade em que vive. É nesta condição que aborda fatos do passado.

    O historiador pertence não ao passado, mas ao presente. O jornalista vive no presente e alimenta a pesquisa do historiador.

    Os personagens deste livro – e também do volume 2 – fazem parte da mais recente história do nosso país. Os depoimentos aqui registrados são uma contribuição importante do jornalista – de quem sou fã – José Nêumanne Pinto. As entrevistas aclaram episódios da vida política do Brasil e que são desconhecidos de boa parte da população. Se está nos documentos é porque é verdade.

    Heródoto Barbeiro é jornalista da Record News

    SUMÁRIO

    Paulo de Tarso Venceslau

    Almir Pazzianotto

    Modesto Carvalhosa

    Joaquim Falcão

    Jacob Pinheiro Goldberg

    Heloisa Starling

    Mara Gabrilli

    Roberto Rodrigues

    Juca de Oliveira

    Edmar Bacha

    Boni

    Aninha Franco

    Afonsinho

    Elena Landau

    Zico

    José Paulo Cavalcanti Filho

    Luiz Flávio Gomes

    Roberto Livianu

    Augusto Nunes

    Ricardo Viveiros

    Paulo Melo

    Cláudio Porto

    Mary Del Priore

    José de Souza Martins

    Celso Lafer

    Rubens Figueiredo

    Márcia Cavallari

    Ipojuca Pontes

    Janaína Paschoal

    Joice Hasselmann

    Fernando L. Schüler

    Deonísio da Silva

    J. R. Guzzo

    Evandro Affonso Ferreira

    José Mário Pereira

    PAULO DE TARSO VENCESLAU

    12 de abril de 2018

    Ex-guerrilheiro que participou do sequestro do embaixador Elbrick, fundador do PT e primeiro militante a denunciar corrupção em administrações petistas diz que Lula sempre foi beneficiado por vista grossa de companheiros.

    Lula, o metalúrgico, já era acusado de traidor (embora as palavras usadas não tenham sido estas, mas outras bem mais pesadas) por seus adversários quando liderava greves. Quem relata isso não é um golpista, fascista ou inimigo da classe trabalhadora, mas um ex-guerrilheiro que participou do sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick, fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) e militante encarregado de gerir as finanças de duas prefeituras importantes conquistadas pelos petistas no Estado de São Paulo – de Campinas e de São José dos Campos. O economista e dono de jornal Paulo de Tarso Venceslau tem memórias implacáveis de uma vida dedicada à militância esquerdista na política, que inclui a pioneira denúncia das maracutaias dos ex-prefeitos petistas Jacob Bittar e Angela Guadagnin, em histórica entrevista ao repórter Luiz Maklouf de Carvalho no Jornal da Tarde.

    Paulo de Tarso nasceu em Santa Bárbara do Oeste (SP), em 1943, e passou por Piracicaba e Campinas antes de chegar a Taubaté, em 1955, onde fixou residência e hoje dirige o jornal Contato. Estava no Centro Tecnológico da Aeronáutica quando estourou o golpe militar de 1964. Um ano depois, estudou Economia na USP. Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi preso de 1969 a 1974. Da primeira mulher, a teatróloga Consuelo de Castro, teve um filho, Pedro, nascido em 1975. Cursou mestrado em Sociologia e doutorado incompleto na Unicamp. Fez todos os créditos, mas não defendeu tese.

    4

    Pacato dono de jornal em Taubaté, Paulo de Tarso continua fiel a seus ideais traídos de jovem combatente.

    Foto: Arquivo pessoal

    Nêumanne – O senhor participou do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick no Rio e, logo em seguida, seu líder na Ação Libertadora Nacional, Carlos Marighella, foi executado em São Paulo. Depois, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, mas também o primeiro a denunciar o roubo de petistas nas prefeituras de Campinas e São José dos Campos. Agora, viu pela televisão o maior líder operário do Brasil, Lula da Silva, ser preso por corrupção e lavagem de dinheiro. Em qual desses momentos capitais da História do Brasil sentiu mais forte a convicção de que John Lennon, herói pop da sua e da minha geração, estava certo quando disse que o sonho acabou?

    5

    Ficha de Paulo de Tarso na polícia.

    Paulo de Tarso – Minha geração viveu um sonho que pregava uma revolução. As Revoluções Cubana e Chinesa ambientaram grande parte desse sonho. A resistência vietnamita que derrotou o poderoso Exército norte-americano soava como uma sinfonia em nossos ouvidos. Uma viagem a Cuba e o fim da União Soviética foram ingredientes que contribuíram para eu acordar do sonho. E a comprovação de que o Partido dos Trabalhadores não passava de um partido igual aos demais me tirou do pesadelo de que eu não queria acordar. Pior é constatar que os jovens de hoje não sabem sequer o que significa um sonho.

    N – Talvez, sua primeira decisão pessoal importante com repercussão histórica tenha sido quando aceitou participar do sequestro do embaixador Elbrick. Seu líder à época, Carlos Marighella, opôs-se vigorosamente à decisão, achando que o ato seria o começo do fim da resistência armada à Ditadura. Quando constatou que ele estava certo e o senhor havia cometido um erro? Arrependeu-se alguma vez por isso?

    PdeT – Minha trajetória política foi diferenciada, começou pela teoria. Constatei na prática a resistência silenciosa ao golpe quando militares e engenheiros do então Centro Técnico da Aeronáutica, o CTA, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, ouviam clandestinamente uma rádio gaúcha que transmitia discursos do governador Leonel Brizola. O CTA era um órgão público e o presidente da República era João Goulart. Eu testemunhei, depois que passei a viver na capital paulista, como a Sadia se utilizava do aparato do Estado como se fosse sua propriedade. Eu fui preso no largo da Concórdia, em São Paulo, em 1966, cantando com centenas de colegas Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós. Eu participei da ocupação da Assembleia Legislativa Paulista, em 1967, que impediu a privatização da USP. Eu participei do Movimento Estudantil, em 1968, que culminou com o conflito com estudantes do Mackenzie e testemunhei oficiais do Exército fornecendo armas e insuflando os mackenzistas de direita. Quando foi decretado o Ato Institucional n.º 5, o AI-5, em dezembro de 1968, eu estava devidamente preparado para participar da resistência armada à Ditadura Militar. Nunca me arrependi dessa decisão. Eu acreditava que não havia outra via. Marighella só soube do sequestro depois de realizado.

    N – Antes mesmo de denunciar as gestões petistas em Campinas e São José dos Campos, o senhor demonstrou uma lucidez até premonitória quando apontou e combateu internamente os erros dos grupos armados da resistência à Ditadura Militar. Foi por isso que passou, então, a ser acusado de ter denunciado ex-companheiros de armas?

    PdeT – Pergunta prejudicada. Nunca combati internamente os erros dos grupos armados. Quando aderi ao PT com parte de meu grupo, acreditávamos que seria possível imprimir uma linha revolucionária. No comício do Lula em 1982, por exemplo, então candidato a governador, meu grupo fez a segurança armada. Estávamos convencidos de que o sistema não permitiria a ascensão de um líder operário que vivia na periferia de São Bernardo. Minhas divergências internas na ALN foram motivadas pelas disputas pelo poder que um companheiro ambicioso moveu, o qual foi preso e assassinado no começo dos anos 1970. Mas, para mim, foi um sinal de que aquele não seria o melhor caminho. A construção do PT foi decisiva para eu mudar de opinião. O comício de 1982 foi minha última aventura na resistência armada.

    "Lula já era

    chamado de

    traidor quando

    liderava greves.

    N – É improvável que, em sua época de guerrilheiro, o senhor não tenha ouvido falar nas evidências segundo as quais José Dirceu era, pelo menos à época, agente infiltrado do regime cubano na esquerda armada no Brasil. Por que, então, e quando o comando da operação do sequestro do embaixador, cujo propósito inicial era libertar Vladimir Palmeira – da Dissidência Comunista da Guanabara –, aprovou a inclusão de Dirceu na lista dos companheiros a serem trocados por Elbrick? O senhor tem, hoje, algum indício de que o mesmo Dirceu tenha participado do sequestro e execução do ex-prefeito Celso Daniel de Santo André?

    PdeT – A origem da ideia sobre o sequestro do embaixador norte-americano surgiu depois do Congresso da UNE em Ibiúna, quando a repressão manteve presas as principais lideranças estudantis: Vladimir Palmeira (a liderança mais expressiva), Luís Gonzaga Travassos (presidente) e José Dirceu (candidato das dissidências comunistas que disputaria com um candidato da Ação Popular, a AP). O objetivo de libertar apenas essas três lideranças estudantis foi ampliado pelo dirigente Joaquim Câmara Ferreira, já no Rio de Janeiro. José Dirceu sempre fez parte da lista. Os boatos sobre a relação de José Dirceu com o aparato de segurança cubano surgiram depois que ele começou a disputar espaço dentro do PT. Sobre seu envolvimento com o assassinato de Celso Daniel, só sei o que foi divulgado pela imprensa.

    N – No dia em que José Sarney, eleito vice-presidente no Colégio Eleitoral, foi empossado, por impedimento de Tancredo Neves, agonizante, o senhor estava no interior da Bahia trabalhando na formação política de camponeses. O que levou à desconfiança de que a luta tinha de continuar durante a chamada Nova República? Ou seja: como Lula e o PT, que expulsou os militantes que votaram no Colégio, o senhor achava que Maluf e Tancredo seriam farinha do mesmo saco?

    N – Naquela época, eu já acreditava na necessidade de se construir uma organização política de massas. A força dessa organização (movimento) é que influenciaria o PT. A hegemonia seria disputada democraticamente dentro do partido. Mas não tinha nenhuma ilusão: Maluf e Tancredo eram farinha do mesmo saco.

    N – Logo depois, contudo, o senhor esteve entre os fundadores do Partido dos Trabalhadores, fato mais revelador de que a geração dos guerreiros do povo brasileiro tinha desistido da revolução e decidido participar da tentativa de conquista do poder pelo voto democrático burguês. O que o convenceu de que esse seria realmente o passo à frente a ser dado?

    PdeT – Na minha opinião, foi o rumo tomado pela Revolução Cubana. Quando lá estive no começo dos anos 1980, constatei na prática que não era aquilo que eu queria. A prisão e o assassinato de um dirigente cubano que havia lutado em Sierra Maestra e alguns detalhes da luta interna naquele governo foram a gota d’água. Além disso, fiquei horrorizado com o requinte da recepção oficial (imagino como foi a informal) ao Lula, que ainda não havia disputado qualquer eleição nacional. A luz amarela já estava acesa.

    N – Foi também pelas mãos de José Dirceu que o senhor foi nomeado secretário de Finanças das gestões petistas de Jacó Bittar em Campinas e Ângela Guadagnin em São José dos Campos. Nelas descobriu que havia uma rapina que desmoralizaria o partido e a própria esquerda. Em que momento teve consciência disso? Por que resolveu tornar públicas as suas descobertas? Nessas prefeituras paulistas estava sendo gestado o ovo da serpente que resultou nos escândalos do mensalão e do petrolão?

    PdeT – Apesar de minha relação com José Dirceu, eu sempre tive vida política própria. Em termos locais, fui presidente do Diretório do PT de Pinheiros, um dos mais cobiçados da capital paulista; e fui por dez anos um dos editores da revista teórica do PT – Teoria e Debate. Profissionalmente, como economista, eu era funcionário da Emplasa, a Empresa Metropolitana de Planejamento. E o PT tinha poucos quadros militantes para assumir certas tarefas. Em Campinas, substituí um colega de faculdade e fui avisado de problemas que teriam acontecido. Quando apareceu Roberto Teixeira oferecendo serviços que maquiavam o assalto, tive um bom apoio de companheiros que permaneceram na secretaria de Finanças para recusar a oferta, mas sofri pressões. Jacó Bittar chegou a me levar para conversar pessoalmente com Lula. O conflito em Campinas aumentou e decidi cair fora. Em São José dos Campos, Roberto Teixeira apareceu logo no começo oferecendo o mesmo serviço: consultoria para revisar o ICMS, principal receita municipal. O serviço seria uma operação de risco: a empresa CPEM ganharia uma participação do que fosse recuperado. Aparentemente, um negócio como outro qualquer. Mas acabei descobrindo que a CPEM corrompia funcionários das grandes empresas, responsáveis pelo cálculo do ICMS. Esses funcionários cometiam erros que seriam descobertos pela consultoria. Como não era crime, eles refaziam os cálculos, aumentando a quota-parte do município. A CPEM recebia uma parte e pagava aos funcionários que haviam cometido os erros. Eu fui pessoalmente informar Lula sobre o que estava acontecendo. Ele pediu que Paulo Okamotto marcasse e me acompanhasse em entrevista com Roberto Teixeira. Ou seja, entregar o ouro ao bandido. Eu dispunha de farto material que comprovava minhas denúncias. Teixeira insistiu para que eu não revelasse o que havia descoberto e que juridicamente ele daria um jeito. Logo depois fui demitido pela prefeita Ângela. Não posso afirmar que foi o ovo da serpente, mas, tenho certeza que foi um bom laboratório.

    N – A seu ver, qual foi o maior responsável pela degringolada moral do PT e da esquerda em geral nos escândalos de corrupção: a desistência de lutar contra tudo o que está aí e compor com a velha oligarquia corrupta da República desde os tempos do coronelismo de antanho ou a trágica descoberta da prática da sabedoria do povo de que quem nunca comeu mel quando come se lambuza?

    PdeT – O maior responsável foi a conivência do PT com o que Lula fazia de forma escancarada. Se houve exceção, não sei. Pelo menos nunca ouvi ou li qualquer iniciativa. Afinal, os personagens estão aí até hoje: Lula, Okamotto, Teixeira et caterva que se locupletaram. Palocci que o diga.

    N – Em que momento de sua relação com Lula o senhor descobriu que ele nunca foi de esquerda e sempre foi um espertalhão malandro da estirpe de gestores que compõem a longa galeria de cleptocratas brasileiros: Chalaça, Ademar de Barros, Moisés Lupion, Haroldo Leon Peres, Paulo Maluf e agora Eduardo Cunha e Sérgio Cabral? Até que ponto a admiração atávica do brasileiro pelo estelionatário finório ajudou a reforçar o carisma dele?

    PdeT – Sempre soube que Lula nunca foi de esquerda. Sempre soube de suas negociações com empresários durante a luta sindical (greves). Eu militava no movimento sindical quando testemunhei militantes muito bravos com o fim da greve de 1979, a que Lula se referiu no seu discurso no último sábado. Traidor era a única expressão publicável. Testemunhei a traição de Lula à campanha de Waldemar Rossi para a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo para impedir o surgimento de uma liderança num sindicato muito maior que o de São Bernardo. Minha opinião foi formada com base em dados por mim vividos. Infelizmente, Lula foi cooptado pelo sistema com o apoio de seu compadre e a vista grossa de dirigentes que não queriam reconhecer o óbvio. A chegada ao poder – Presidência da República – apenas consolidou e alargou seu campo de operação, que ainda seria ampliado com novas e ambiciosas alianças.

    N – Agora que os empresários e burocratas corruptos, além dos políticos e militantes Dirceu, Palocci, Cunha, Cabral e Lula, estão presos e ainda há muitos a prender em todos os partidos – e não mais apenas os pobres, pretos e prostitutas, como de hábito no decorrer de nossa juventude, à época da impunidade –, você diria que o novo sonho a alimentar a luta dos cidadãos de bem ou o que está fadado a morrer em breve seria a Operação Lava Jato?

    6

    Paulo de Tarso (à esquerda) chegando, em 1968, ao campus da UFBA para encaminhar o Congresso da UNE, no qual foi preso.

    Foto: Arquivo pessoal.

    PdeT – Não acredito em milagres. A Operação Lava Jato poderá ser um excelente detonador de novas e promissoras iniciativas. Nada além disso, até porque os empresários e burocratas malandros já estão elaborando novas formas de corrupção para assaltar os recursos públicos. Um partido que tenha como base princípios, valores e uma prática honesta e competente poderá, quem sabe, ser o primeiro passo para que seja retomado um sonho.

    ALMIR PAZZIANOTTO

    19 de abril de 2018

    Ex-ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, advogado dos metalúrgicos do ABC nas greves dos anos 70, vaticina perda de força dos sindicatos.

    Há uma diferença capital entre as duas prisões de Lula: em 1980, durante o Regime Militar, foi preso político, acusado de liderar greves consideradas ilegais pelo regime; e, hoje, é preso comum, condenado em primeira e segunda instâncias por corrupção e lavagem de dinheiro. Almir Pazzianotto Pinto, que foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, hoje do ABC, quando Lula era seu presidente, limitou-se aos fatos acima constatados. No convívio com o ex-chefe, o ex-ministro do Trabalho lembra que o petista nunca foi getulista, petebista, comunista, socialista, social-democrata, democrata cristão e jamais empunhou armas em movimentos terroristas. É só lulista e sempre se recusou a reconhecer as limitações pessoais.

    7

    Almir constata que Lula foi preso político em 1980 e hoje é preso comum.

    O advogado especializado em Justiça Trabalhista Almir Pazzianotto Pinto é paulista de Capivari, foi fotógrafo e radialista e formou-se em Direito, em 1960, pela PUC de Campinas. Em 1961, iniciou a carreira de advogado na Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem do Estado de São Paulo. Durante mais de 20 anos, advogou para federações e sindicatos de trabalhadores, destacando-se os Sindicatos dos Metalúrgicos de São Paulo, Guarulhos e São Bernardo do Campo. Elegeu-se deputado estadual três vezes pelo MDB e pelo PMDB. Em 1983, foi nomeado secretário de Estado do Trabalho pelo governador Franco Montoro. Em 1985, foi escolhido por Tancredo Neves para assumir o Ministério do Trabalho. Indicado por José Sarney, integrou o Tribunal Superior do Trabalho, no qual foi corregedor-geral, vice-presidente e presidente. É colaborador dos jornais O Estado de S. Paulo, Correio Brasiliense e alguns do interior. Escreveu livros sobre política e Direito do Trabalho.

    Nêumanne – Conhecemo-nos pessoalmente em 1975, quando eu cobria o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, hoje do ABC, então presidido por Lula, e a maior bandeira da diretoria dele, à época, era derrogar a legislação trabalhista, herdada do Estado Novo, de Getúlio Vargas. O que, na sua opinião, o levou a abandonar inteiramente esse objetivo e transformar-se num ardoroso defensor da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a principal bandeira do boicote do partido dele à reforma trabalhista do atual governo?

    Almir Pazzianotto – Lula, como dirigente sindical, fazia críticas à CLT. Para ele, a estrutura sindical criada por Getúlio Vargas deveria dar lugar a um modelo que privilegiasse a livre organização dos trabalhadores, com o desatrelamento das entidades sindicais do Ministério do Trabalho. No primeiro mandato, criou o Fórum Nacional do Trabalho. Estive presente à cerimônia de instalação, realizada em 29/07/2003, no Palácio do Planalto. Fui elogiado no discurso de instalação. Dois anos depois, o fórum apresentou proposta de emenda à Constituição (PEC 369/05) e anteprojeto de lei de relações sindicais. O anteprojeto propunha, entre outras coisas, a substituição da Contribuição Sindical, obrigatória, por contribuição estipulada em negociações coletivas. Tanto a PEC 369 como o anteprojeto foram abandonadas, estão sepultados na Câmara dos Deputados.

    N – Quando os derrotados pela Ditadura Militar de 1964 voltaram ao Brasil, anistiados, o sonho de consumo deles era conquistar Lula, o metalúrgico, para a luta deles. Dentre eles, se destacava Leonel Brizola, que pediu a seu amigo Tito Costa, prefeito de São Bernardo do Campo, para aproximá-los. Lula recebeu Brizola em sua sala, não no auditório, todos os membros da diretoria discursaram contra Getúlio e o próprio Lula ficou calado. A que o senhor atribui esse comportamento?

    AP – Lula definia-se como operário metalúrgico. Não era getulista, petebista, comunista, socialista, social-democrata, democrata cristão e jamais empunhou armas em movimentos terroristas. Era lulista. Recusava-se, entretanto, a reconhecer as limitações pessoais. Para não se encaixar nos partidos existentes fundou o Partido dos Trabalhadores, em 1980. O PT pretendeu monopolizar a representação das classes trabalhadoras. Homem de poucas leituras conduzia-se pela intuição e pela esperteza. Era, porém, mau analista da conjuntura política. Por interesses políticos celebrou alianças com Leonel Brizola. Não era brizolista e Brizola não era lulista. Brizola pode ser definido como agitador. Lula, como grevista.

    N – Recolhi evidências inegáveis de que o general Golbery do Couto e Silva usou Lula para sabotar a força sindical de Brizola, após sua volta do exílio. O senhor acredita nessa hipótese ou prefere achar que se trata de intriga dos adversários do operário que chegou ao poder federal?

    AP – Lula foi levado ao general Golbery por conhecido jornalista. Esteve também com Petrônio Portella, a convite do então presidente do Senado, incumbido pelo presidente Geisel da missão Portella. A iniciativa não foi adiante, entre outras coisas, porque Petrônio Portella, que seria um dos líderes civis do Regime Militar, faleceu repentinamente e não deixou sucessor. Entre 1975 e 1980, Lula era procurado por políticos favoráveis e contrários ao governo, que tentavam conquistá-lo como aliado. Leonel Brizola esteve ausente do Brasil, no exílio, durante anos. Ao contrário de João Goulart, nunca exerceu influência na vida sindical. Lula e Brizola eram autoritários. Brizola, getulista, aceitava o peleguismo. Pretendia que todos lhe rendessem homenagens. Golbery golpeou Brizola ao entregar o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) à deputada federal Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio, em 1979. A Brizola restou a criação do PDT. Precisas informações sobre o período 1930-2002 são encontradas no Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, editado em 2002, pela Fundação Getúlio Vargas. É obrigatória a consulta ao verbete Lula.

    N – Depois desse episódio, a relação de Brizola com Lula, PDT e PT, teve altos e baixos, terminando com a total submissão dos brizolistas ao supremo líder petista. Chegamos ao ponto de Brizola Neto ter sido brevíssimo ministro do Trabalho de Dilma, pau-mandado de Lula. Isso representa a substituição do getulismo pelo lulismo no movimento sindical?

    AP – Brizola jamais se submeteria ao PT de Lula. E vice-versa. Em determinados momentos estabeleceram acordos de conveniência. Ao regressar ao Brasil, Brizola, acompanhado por Guaçu Piteri, de Osasco, esteve na Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas de São Paulo e me convidou para ingressar no PDT. Como deputado do PMDB, declinei do convite. Brizola, em conversas reservadas, fazia restrições a Lula, a quem apelidou de sapo barbudo. Como abstêmio, reprovava Lula por fumar e beber em campanha. O getulismo e o comunismo, na esfera sindical, deixaram de existir quando, em 9/04/1964, o Comando Supremo da Revolução cassou os principais dirigentes de esquerda e os substituiu por interventores nomeados pelo Ministério do Trabalho, entre os quais Joaquinzão. O que se conhece como lulismo surgiu em 1975, com Lula. Hoje, perdeu importância. Reduziu-se à CUT, bastante enfraquecida. É importante lembrar que a vida sindical de Lula durou apenas cinco anos, entre 1975 e 1980.

    "Lula sempre

    foi só lulista

    e nunca reconheceu

    suas "limitações

    pessoais."

    N – O senhor protagonizou um episódio central na greve dos metalúrgicos, que terminou com a intervenção do governo militar no sindicato. Conte-nos, por favor, o episódio do acordo que Lula o autorizou a assinar no apartamento do então ministro do Trabalho, Murilo Macedo, para depois rasgá-lo diante da massa enfurecida no Estádio de Vila Euclides, pedindo a continuação da greve.

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    De pé, Almir fala, entre Lula e Paulo Vidal, ex-presidentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1975).

    AP – A greve de 1979 foi deflagrada no início do governo Figueiredo. O ministro Murilo Macedo tinha interesse em obter o acordo com a Fiesp, pensava na candidatura ao governo do Estado. Malogrados os primeiros entendimentos, Murilo convocou reunião noturna no apartamento residencial em São Paulo. Compareceram os integrantes do Grupo 14 como representação da Fiesp. Pelos grevistas se apresentaram Lula, Benedito Marcílio, de Santo André, João Lins, de São Caetano, eu, como advogado, Walter Barelli e outros integrantes do Dieese. Iniciada às 21 horas, a reunião foi interrompida para lanche por volta de 23 horas. Grave desentendimento entre certo dirigente sindical e a bancada patronal interrompeu a reunião. Por iniciativa do ministro Murilo Macedo, a negociação foi retomada no dia seguinte, às 14 horas. Por volta de 15 horas, Lula, Marcílio e João Lins regressaram aos respectivos sindicatos. Concluí a redação iniciada na noite anterior e me dirigi a São Bernardo, com o acordo assinado pelos empresários. O Estádio de Vila Euclides estava tomado por milhares de trabalhadores. Lula me pediu que lesse o documento, recusei-me. Lembrei-lhe que a responsabilidade pela leitura cabia ao presidente. Assim que Lula começou a falar, no meio da multidão surgiram gritos de greve. Pareceu-me provocação ensaiada. Lula retrocedeu e apoiou a continuidade da paralisação. Sentindo-se desacatado, o ministro Murilo decretou intervenção na entidade. Em 1978, o sindicato apanhou os empregadores e o governo de surpresa. Em 1979 e em 1980, não. A área econômica do governo fez de tudo para impedir que as negociações fossem bem-sucedidas. Após alguns dias, sem forças para enfrentar o governo e a Fiesp, o sindicato aceitou o acordo que havia recusado. Admitiu que os dias parados fossem descontados. Disso resultou a acusação de traidor feita por radicais a Lula. Na edição de 28/03/1979, a revista IstoÉ publicou correta matéria sobre a assembleia. Em minha opinião, a greve de 41 dias em 1980 teve como uma das causas a necessidade de o sindicato e Lula se recuperarem das perdas políticas sofridas em 1979.

    "A violência do PT,

    do MST e da CUT

    é conhecida. Dispensa

    comentários."

    N – Qual foi a reação de Lula e dos altos dirigentes do PT ao assédio de manifestantes do partido e aliados ao senhor, quando membro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por ocasião de uma palestra sua em Porto Alegre?

    AP – No dia 4/05/2001, dezenas de militantes do PT e do MST invadiram o Hotel Deville, em Porto Alegre. A violência destinava-se a impedir a realização de seminário comum, onde se discutiria reforma trabalhista. Invadiram e ameaçaram a minha segurança e a de outros participantes do evento. Fui resgatado pela Polícia Federal. Do lado de fora, a Brigada Militar permaneceu indiferente. O governador era Olívio Dutra e o vice-governador, Miguel Rossetto, ambos do PT. Cientes do que se passava nas barbas do governo, foram coniventes. Disseram que a Brigada Militar lá estava para proteger a livre manifestação dos agressores. Encontrei-me, certo dia, com Lula no aeroporto de Congonhas. Tentou justificar, dizendo que Olívio Dutra ignorava o que se passava. Os fatos foram noticiados pelo jornal Zero Hora na edição de 5/5. A violência do PT, do MST e da CUT é conhecida. Dispensa comentários.

    N – O que justifica o combate sem trégua da esquerda em geral e do PT em particular às reformas propostas

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