O pulsar da resistência: A história de Alberto de Souza, um homem entre revoluções
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Sobre este e-book
Na década de 1990, foi descoberto por estudantes e viu crescer a amizade com o jornalista e advogado Arthur Monteiro Júnior, que apresenta neste livro um rico panorama dos períodos conturbados da história recente e dos movimentos de esquerda do país nas últimas décadas. E revela o pulsar da trajetória de um homem que viveu entre revoluções e subversões, e tornou-se um exemplo de luta. Um exemplo mais que necessário nos dias de hoje.
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O pulsar da resistência - Arthur Monteiro Júnior
Sumário
Caminhos da re-existência
1. Entre revoluções
A Revolução de 1924
Fuga da capital
Rebeldia precoce
Rumo à metrópole
Tempo de guerra
O exílio
O retorno a São Paulo
A caminho de Santos
A Revolução Constitucionalista
1933: a viagem pelo Brasil
O combate na praça da Sé
Outros conflitos
O Levante de 1935
A tortura
2. Interiores
Marcas da violência
A mudança para Bauru
O reinício da militância
O caso Sampieri
A década de 1950
O racha do PCB
O Golpe de 1964 – a Ditadura está nas ruas
A companheira Amélia
A descoberta dos estudantes
Entre amigos
A visita de Prestes
A resistência
Extras
Agradecimentos
Galeria
Bibliografia
Caminhos da re-existência
Antonio Pedroso Júnior
Conheci Alberto no início da década de 1960. A primeira imagem que tenho do protagonista deste livro é em um palanque instalado na esquina da avenida Rodrigues Alves com a rua Rio Branco, duas importantes vias da minha cidade natal, Bauru, onde eu vivia e onde Alberto passou os últimos anos de sua vida.
Acontecia ali um comício de Luís Carlos Prestes. Recordo que meu saudoso pai, Antonio Pedroso, conseguiu um autógrafo de Prestes em um exemplar da revista Manchete que estampava a foto do eminente comunista na capa.
Em uma das indesejáveis visitas da repressão à nossa residência, em 1964, essa revista foi confiscada.
Vinte anos depois, em 1984, Arthur Monteiro Júnior, à época um jovem estudante de Direito de Bauru, conheceria Alberto de Souza de forma muito semelhante à minha – era atraído pela figura de Luís Carlos Prestes, que participava de um comício das Diretas já
numa importante praça da cidade. No palanque, sentado em uma cadeira, ao lado de Prestes, encontrava-se Alberto, um senhor de cabelos brancos que recebia o respeito de todos os presentes e era anunciado como figura importante da esquerda brasileira.
Não entrarei nos detalhes dessa passagem, pois ela está muito bem contada neste livro.
A mim cabe chamar a atenção para o fato de que essas duas passagens (para além de suas coincidências) simbolizam algumas das principais qualidades desta obra: tratam ao mesmo tempo das grandes revoluções ocorridas em nosso país e dos dilemas humanos, vividos na intimidade. Adentram a trajetória de célebres personagens da história, como Prestes, e os caminhos de milhares de pessoas que anonimamente lutaram por um mundo melhor. Tocam na violência incomensurável das guerras e, ao mesmo tempo, na brutalidade cotidiana, muitas vezes invisível, latente. Resgatam momentos importantes da nossa memória, como as revoluções de 1924, de 1932, o Golpe de 1964, enquanto nos apresentam a linha do tempo de um homem com suas contradições, desejos e dilemas. Alberto passou por tudo isso.
A tortura na prisão, por exemplo, deixou sequelas que complicaram ainda mais a vida do velho sapateiro, profissão que exerceu durante décadas. No final da vida, andava apoiado nos móveis de uma pequena casa de madeira, e só não teve um destino ainda pior por ter sido descoberto por um grupo de estudantes e militantes da cidade, que o ajudavam como podiam. Claro, ao mesmo tempo bebiam numa fonte inesgotável de histórias e lutas. Entre esses jovens estava Arthur.
Com o falecimento de Amélia Auradel, a companheira de Alberto, intensificaram-se as visitas e os cuidados. Além dos que moravam em Bauru, estudantes de outras cidades que militavam na esquerda aproveitavam a passagem pela região e colocavam na agenda uma conversa com o ilustre comunista.
Ancorado na amizade, no respeito e na observação, Arthur Monteiro Júnior (que também se formou em Jornalismo) mergulhou no passado do velho combatente, conhecendo em detalhes suas andanças em busca da sobrevivência, mas também sua participação no Partido Comunista Brasileiro e nos movimentos revolucionários.
Está tudo aqui na biografia de um homem cuja coerência faz falta nos dias de hoje, principalmente em um momento político como o atual, no qual conquistas da classe trabalhadora estão sendo destruídas e jogadas na lata do lixo da história.
Arrisco dizer que o protagonista deste livro já estaria nas ruas, lutando contra a tirania que se avizinha e se impõe. Não está, infelizmente. Mas sua trajetória acaba de ganhar o mundo, de ir para as mãos de leitores ávidos, de perpetuar-se como um livro.
Antes de terminar, creio que caiba aqui um provérbio africano que uso com frequência: Enquanto os leões não tiverem um historiador, os caçadores serão os eternos vencedores
.
Que bom que o guerreiro, o leão indomável Alberto de Souza, encontrou em Arthur Monteiro Júnior um amigo, um biógrafo e, agora revelado, um grande narrador.
1. Entre revoluções
A Revolução de 1924
Pelos céus da cidade de São Paulo zuniam granadas. Nas ruas por onde, cotidianamente, seus habitantes transitavam a caminho do trabalho, somente se via destruição. Os paralelepípedos, por onde carros e bondes circulavam, agora serviam como trincheiras para os soldados: era a Revolução.
A maior cidade do país estava à beira do caos; quem podia, fugia apressado para outras regiões, ou para a casa de parentes em áreas distantes. Aos que ficavam, restava torcer para que não fossem atingidos pelos bombardeios, quase que incessantes. Os saques no comércio local passaram a ser constantes, e as forças legalistas, no intuito de dizimar o ânimo dos rebeldes e desmoralizá-los perante o povo paulistano – que lhes era simpático –, atacavam sem piedade os civis, destruindo bairros inteiros.
Talvez tenha sido a maior carnificina sofrida pela população de São Paulo.
Em julho de 1924, o país era governado por Artur Bernardes, que desde o início de seu mandato havia se tornado bastante impopular. Dois anos antes, pressionado, de um lado, pelo avanço das lutas dos trabalhadores e, do outro, por rebeliões sucessivas dos tenentes do Exército, Bernardes tinha decretado estado de sítio e, sob ele, governava. A repressão aos opositores levou milhares de pessoas à cadeia, especialmente a colônias prisionais, de onde poucos saiam com vida. A truculência que demonstrava para com os críticos do seu governo iria se confirmar na reação às forças rebeldes que tomavam a capital paulista.
Entre a gama de grupos oposicionista estavam os tenentes, que, vinculados a um setor militar pertencente à baixa oficialidade, perfaziam, no começo da década de 1920, cerca de 65% do corpo de oficiais. Eles eram originários, em sua maioria, das camadas médias da população. Apresentando um valor significativo enquanto força política, viam na ação governamental uma barreira ao sonho de ascensão social. Assim, as críticas passaram a ser cada vez mais constantes e agressivas, inclusive à hierarquia militar. Os militares reivindicavam melhores condições de vida, com o aumento do soldo, bem como maior representatividade para os setores intermediários do Exército.
Ao contrário de movimentos militares anteriores, a Revolta de 1924 não foi aleatória e teve uma fase preparatória e de organização, que se iniciou em 1923. Na verdade, ela pode ser considerada uma consequência de levantes como a insurreição dos 18 do Forte
, ocorrida no Rio de Janeiro em 1922, mas com dados novos: havia agora um projeto político – embora vago – e a participação de civis, ainda que restrita à classe média.
Os revoltosos queriam a formação de um governo provisório, a eleição de uma nova constituinte e a realização de reformas políticas de cunho liberal. Entre as propostas, o voto secreto, descentralização federal, limitação das atribuições do Poder Executivo, moralização e independência do Legislativo, assim como a ampliação da autonomia do Judiciário, e obrigatoriedade do ensino primário e público.
Eram medidas saneadoras que pouco tinham a ver com a realidade do povo, já que não faziam referências à questão social nem apresentavam críticas aos princípios econômicos do domínio oligárquico. Por consequência, não havia participação popular nas lutas que se travavam nas ruas de São Paulo, coisa que até mesmo os próprios revoltosos temiam.
Como a oposição ao governo federal era geral, os tenentistas gozavam de grande popularidade junto à opinião pública. Mesmo assim, possuíam profunda despreocupação com os anseios populares, pois acreditavam que o enfretamento que tinham com as forças militares legalistas era uma missão quase técnica
, de uma vanguarda militar.
Nessa época, a população da cidade de São Paulo não chegava ainda aos 600 mil habitantes, conforme dados de 1920, sendo que grande parte era constituída de operários, muitos deles estrangeiros, principalmente italianos e espanhóis que haviam fugido das lutas políticas em suas terras de origem. Era o momento em que a capital paulista começava a se industrializar.
A articulação revolucionária interligava os focos de agitação unindo vários pontos do país. No entanto, São Paulo fora escolhido como núcleo principal, pois o local inicial do movimento – o Rio de Janeiro, palco da revolta militar em 1922 – estava sob extrema vigilância policial, impedindo qualquer movimentação maior. Além disso, em São Paulo havia o apoio da Força Pública, cujo líder, Miguel Costa, aliara-se aos tenentes. Para dar respaldo ao movimento, os tenentes tinham em mente convidar para a sua chefia um oficial graduado. Como o intento não fora alcançado, conseguiram que o posto fosse ocupado pelo general reformado Isidoro Dias Lopes.
Devido a alguns contratempos de última hora, o movimento só eclodiu em São Paulo. Na madrugada do dia 5 de julho, em homenagem aos dois anos da tomada do Forte de Copacabana, as tropas rebeldes do Exército e da Força Pública tomaram de assalto os principais pontos estratégicos da capital paulista, ocupando-a até o