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ESPANHA: GUERRA ZOMBI - Livro I: Projeto Betânia
ESPANHA: GUERRA ZOMBI - Livro I: Projeto Betânia
ESPANHA: GUERRA ZOMBI - Livro I: Projeto Betânia
E-book310 páginas3 horas

ESPANHA: GUERRA ZOMBI - Livro I: Projeto Betânia

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Sobre este e-book

Alejandro Noriega, um escritor espanhol medíocre é solicitado pela ONU para elaborar um relatório das Nações Unidas sobre a guerra Zumbi na Espanha. Sua relutância inicial para viajar a Península Ibérica, ocupada principalmente por multidões de mortos-vivos, desaparece quando, uma boa quantidade de dinheiro, é ofertada a ele juntamente com a promessa de rever sua família que vivia na Espanha mas acaba em paradeiro desconhecido durante a fase inicial da pandemia. O que começa como uma tarefa de recolher experiências pessoais sobre o holocausto zumbi torna-se uma jornada de pesadelo, do Gibraltar estendido para a fortaleza Toledo, o basco independente ou o Barcelona nuclearizado, onde Noriega está preso entre duas frentes que lutam para encontrar o misterioso Professor Saviola e a vacina para o vírus.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento3 de dez. de 2016
ISBN9781507155240
ESPANHA: GUERRA ZOMBI - Livro I: Projeto Betânia

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    ESPANHA - Jaime Noguera

    ESPANHA: GUERRA ZOMBI

    Livro I-Projeto Betânia

    Um Romance de Jaime Noguera

    E aquele que estava morto saiu, tendo os pés enfaixados e mãos com ataduras e o rosto envolto em um pano. Jesus disse a eles, Solte-o e deixe-o.

    João 11: 1-44

    A BÍBLIA

    Ele não está morto o que pode fazê-lo eterno,

    e com estranhos aeons inclusive a morte pode morrer

    A LIGAÇÃO DE CTHULHU

    H.P. Lovecraft

    Para Kairi, Alexander e Hector.

    Índice

    Mapa

    Noruega

    Gibraltar

    Internacional. Breves

    A 10.000 metros sobre o Saara

    Las Palmas - Gran Canaria

    Euzkadi

    Fortaleza

    Nuvens e zumbis

    Juan Carlos I

    Plínio

    O mar

    Agradecimentos

    Sobre o autor

    0 imagem Espanha (3 anos após a peste). Tenente Daniel Luque.

    Branco: Área Livre

    Cinza: Área Zumbi

    NORUEGA

    I

    Acho que estamos num beco de ratos

    Onde os mortos perderam os osso. 

    A TERRA BALDÍA

    T.S Elliot

    Eu nunca tinha quebrado a cabeça de ninguém. Nunca... até aquele dia.

    A catástrofe levou-me para outro lugar. Na Noruega, para ser exato. Eu sempre fui uma pessoa inquieta e, além disso, eu gostava muito de mover-me entre as pernas de uma bela mulher. Conheci Kristin na Armênia, quando escrevia um artigo para CondeNast. 

    Bem, não que eu escrevesse de tudo. Realmente costumava entrar no site do Ministério ou Secretaria de Turismo do país com o qual eu tinha para pagar algumas das contas, daí pegava quase toda a informação, em seguida, traduzia e logo, se transformava no artigo que enviava para o meu editor, salpicado de vivas e pitorescas anedotas que surgiam da minha imaginação febril ou, quando a vadiagem era mais forte em algum filme ou livro de bolso. A este preparado acrescentava algumas gotinhas de tripadvisor.com e voila!

    Sentei-me com ela no segundo dia de viagem pelas colinas de Nagorno Karabakh, quando notei sua angústia diante das ruínas de uma cidade que tinham servido como um campo de tiro para as duas partes do conflito Armênia-Azerbaijão.

    Naquele momento eu não senti nada em especial, apenas parecia um belo e acessível objetivo.  Mostrava suas longas pernas vestindo saias leves, seu cabelo era  ruivo, cortado ao estilo Príncipe Valente, olhos azuis blindados atrás de um óculos de armação rubi, lábios carnudos, quadril largo e seios fartos. 

    Me disse que era fisioterapeuta especializada em pneumologia, vinte  e quatro anos, vivendo em uma cidade de pescadores do Cinturão Bíblico norueguês. Logo me pediu, literalmente, que a distraísse, então eu fiz o que sempre faço quando eu tento  levar alguém para o jardim: falo de mim.  

    Ela amava minha profissão de escritor e confessou que amava conhecer as pessoas que fazem coisas diferentes das pessoas normais. Eu não estava errado na análise. O que fazia uma garota de vinte e poucos anos norueguesa e luterana pegando um ônibus fedido de excursão aos antigos templos do cristianismo?

    A primeira parte da noite que os hippie-turistas (palavra de minha invenção para designar os turistas que querem afastar-se do fim e se recusam a fazer cruzeiros nos itinerários pelo Loire ou maratonismos itinerantes de ônibus, com nomes tão equivocados como Itália Mágica ou França Romântica para passar a noite em mosteiros búlgaros, conviver com alguns nativos de Aymara, ir as místicas dervixe-sessions na Capadócia ou ir em 4x4 a Rota da seda, com o objetivo louvável de ser um viajante) dormimos em Stepanakert, a capital do Estado, sem nenhuma cor, com a águia ‘pixelizada’ impressa em tinta vermelha e holograma moderno. A noite passei uma pulsante agonia masculina entre os cobertores que pinicavam da cama de um hotel na beira da estrada que foi selecionado pela companhia de viagens armênia.

    O que fazia uma norueguesa Luterana de vinte e poucos anos em uma excursão pela escura república Nagorno - Karabakh?  Como é que escolheu este destino (muito além da marginalidade dentre os chamados destinos turísticos) em vez de bronzear seu corpo em um all inclusive no sol de Denia ou Benidorm?

    Em primeiro lugar, a menina queria ser considerar-se ou ser consideração especial. Queria pendurar em seu Facebook fotos que ninguém ao seu redor poderia pendurar.  Queria destacar-se. Com certeza queria que seu amigo de ‘muro’, pudesse espiar seus álbuns e vê-la descascando palmito na Jamaica, Burma ou em Palau. Certamente encontraria fotos dela colhendo azeitonas em alguma fazenda Palestina, protestando contra a ocupação israelense, ou suas fotos quando serviu ao Exército da Salvação no Haiti ou dando mamadeira a gorilas bebê na Nigéria. Queria mostrar (tinha uma necessidade premente de fazê-lo) o seu compromisso com as boas causas do mundo. O que indicava tudo isso? Um problema de autoestima e uma dor interior.

    Seu apetite sexual foi o mais altruísta, ainda que tenha custado não sei quantos B-52 e Margaritas ao modo caucasiano, em bares ao ar livre nas noites seguintes ao nosso retorno a Erevan. Eu a fiz  rir com minhas histórias e piadinhas, acompanhei-a ao Tzitzernakaberd, o Monumento ao Genocídio Armênio, no topo de uma colina ao lado do rio Hrazdan e tirei fotos dela secretamente para mostrar aos meus amigos e dizer -lhes que eu tinha dormido com ela, que eu tinha comido ela, embora eu não tivesse feito, pelo menos não naquele momento que compulsivamente apertava o botão da minha câmera Sony para tentar capturar a beleza arquitetônica de suas panturrilhas.

    A terceira noite daquele último verão sem zumbis, ela finalmente me convidou para o seu quarto de hotel. Eu me senti muito honrado, pois a maior parte de sua estadia passou na casa de uma amiga norueguesa de ascendência armênia e tinha decidido passar a última noite de sua experiência caucasiana no Hotel Golden Tulip, a apenas duzentos metros da Galeria Nacional de Arte, um dos mais luxuosos da cidade, para dar-se um capricho... Comigo!

    No quarto de luxo com vista para a movimentada Plaza Charles Aznavour, até mesmo contra suas paredes, nos beijamos como já tínhamos feito há alguns dias atrás, com paixão e desejo. Ela começou a empurrar-me sobre o lençol rosado da enorme cama de casal, puxou para baixo minha calça jeans e introduziu o meu pênis ereto em sua boca, para começar a chupar avidamente entre gemidos famintos. Na cabeceira da cama, os girassóis de uma reprodução barata de Van Gogh brilharam e tremeram tímidos a cada estaca da valquíria.

    Eu não estava errado na minha análise.

    2

    Desculpe. Presume-se que esta é uma história séria sobre o terror zumbi que atingiu o nosso país  ou, pelo menos era até que aconteceu o que aconteceu e irei contá-los em seguida, mas não posso voltar atrás das minhas circunstâncias pessoais no momento do início da pandemia e foram basicamente estes: meu trabalho me dava muita satisfação, destacando o que me levou a Noruega e que duraram vários meses, quase um ano.

    Eram tempos turbulentos. De um lado, estava o maldito vulcão que, às vezes, interrompia o tráfego aéreo entre o exigente Sul e a ensolarada Europa e o Norte, cansado e congelado, dependendo do capricho dos ventos que submetia centenas de milhares de passageiros na fronteira com a zona do euro e regiões fronteiriças a mais estresse que o já cotidiano.

    Do banco desconfortável da sala de embarque do Aeroporto de Valência, aguardando a partida de meu voo, comecei a queimar os minutos contemplando o conteúdo heterogêneo do  canal de tv do aeroporto. Na sequência de um anúncio de cápsulas de café Nespresso, imagens dos destroços em chamas de um grande ataque terrorista em um depósito de armas em uma (coincidências) república caucasiana. Em seguida, um institucional da AENA, um gráfico com os altos e baixos em formato de cardiograma citava as cotações de índices e ativos, se Putin se anexasse a algum novo território, as revoltas no mundo árabe com o seu enésimo ditador a beira do colapso. Aquelas imagens se repetiam em um barco torturador. E tudo isso em um colorido HD.

    Depois de uma trégua das correntes estratosféricas, o que permitiu-nos decolar com apenas três horas de atraso, voei para o país escandinavo, em parte graças a uma promessa a minha preocupada editora; a entrega de um artigo nada convencional (como ela costumava dizer: vibrante) sobre algo tão banal como The Magic Fiordes.

    Primeiro, teria que satisfazer meus apetites, eles começaram a torturar-me apesar do frio quando o avião norueguês pousou. Infelizmente, o começo do fim complicou bastante a coisa.

    Enquanto preparava um simples fettuccine com salmão na cozinha de Kristin, vulgo design escandinava ao horror vacui, ela me contou, indignada, que alguns países europeus tinham fechado as fronteiras. Schengen tinham sido suspensos temporariamente ... para evitar o colapso dos sistemas de saúde pública e dos centros de acolhimento.

    A tremenda afronta à legislação e jurisprudência nacional e internacional teve sua causa em uma epidemia que, de acordo com um especialista de qualquer comitê de qualquer entidade, traziam os desgraçados rotulados como refugiados. De onde? Do Cáucaso? Ou foram os represaliados das primaveras árabes, que tinham respirado muito pólen?  As primeiras informações falavam de uma gripe com uma virulência e mortalidade jamais vistas pelo homem moderno. Luzes de néon anunciavam com horror em todo o mundo uma: EPIDEMIA.

    Eu quis tranquilizá-la lembrando dos casos das bactérias assassinas que se alimentavam da carne, peste suína, vaca louca, gripe aviária, o programa de armas químicas de Saddam Hussein... Usei as palavras mágicas quando ela terminou o prato de massa sem glúten: Vai ficar tudo bem, querida.  Ela fez duas coisas que sempre fazia para tranquilizar-me. Primeiro, serviu-me frapuccino em duas taças enormes e, depois da overdose de açúcar, despiu-se, desta vez entre gemidos e colocando sobre a mesa um tubo de lubrificante Durex com efeito de calor.

    Ao amanhecer, a coisa para o resto do mundo não tinha melhorado. E não o faria nos dias seguintes. Como se  tivessem começado as melhores liquidações da história, a população ocidental entrou em pânico. Em todos os lugares a estocagem de suprimentos cresceu, máscaras de respiração com filtro de todos os tipos e modelo foram vendidos em farmácias e lojas de jardinagem e pintura. Além disso, os crimes se multiplicavam, especialmente roubos, tiroteios e atentados individuais do tipo: Eu vejo demônios e ficarei na rua principal da minha cidade até esvaziar o pente da minha espingarda. O mundo parecia que havia caído nas garras de paranoia. Uma bela manhã Kristin e eu nos libertamos do nosso abraço matinal para tomarmos café da manhã com salmão, café preto e a notícia de que Itália, Hungria, Suíça e Rússia tinham decretado estado de emergência. No canal de propaganda russa, RTL, o apresentador âncora, com os olhos tingidos de vodca, comentava, com a mesma cadência com que relataram o aumento dos preços no metrô de Moscou que: "Diante da onda de vandalismo e os contínuos ataques contra as forças de segurança do Estado, sendo inaceitável a falta de controle das autoridades da U.E. sobre os seus cidadãos violentos, a Duma autorizou as forças do Ministério do Interior para usar todos os meios à disposição para o imposição da ordem e neutralizar os inimigos do estado".

    Aquilo ascendeu o estopim de um dos debates tão queridos por minha namorada, neste caso as conotações sinistras do termo estado de emergência. Eu comentei que eu não era tão ruim, que talvez fosse necessário alguém de mão forte para trazer ordem para o aparentemente incontrolável, que se tratava sem dúvida de uma medida temporária. Para quem você diz isso? Kristin, fora de si gritou, cuspindo pedacinhos de salmão e pão de centeio, que o fascismo alçava, que a Grande Besta Parda estava as portas da civilização prestes a soprar, soprar, e derrubar os muros. Abriu seu Macbook fininho e fez-me ler a página inicial da Wikipédia.

    Para o filme Costa-Gravas, veja  Estado de Emergência (filme).

    estado de emergência é um regime excepcional, que deve ser declarado pelo Congresso dos Deputados as propostas do governo. O estado de emergência representa um conceito equivalente a um estado de guerra, e, portanto, dá-se ao poder militar preponderante aos atos de repressão. Durante o 'estado de emergência' ficam suspensas as garantias constitucionais, com maior ou menor grau, dependendo da legislação. Em algumas delas, como aconteceu na Argentina: Se autorizava ao chefe de Estado a prender as pessoas e transferi-las de um ponto a outro da nação, a não ser que preferisse deixar o país.

    A declaração de estado de emergência representa no Direito Político, uma instituição controversa.

    Este estado é ditado, em geral, no caso de invasão, guerra externa ou guerra civil. [Fonte desconhecida].

    3

    A internet funcionava cada dia pior, assim como o sinal dos celulares. Através da rádio, que mantinha sinal, eles relataram que as cinzas do vulcão era a culpada da interferência. Kristin dizia que isso era bobagem, desinformação. Isso vai tudo por cabos subterrâneos  dizia, "com certeza os militares não tem problemas para fazer seus tweets".

    Um dia nos alarmaram o som de passos, movendo móveis e arrastando caixas. Kristin falou no corredor com um vizinho, Silje, uma bela loira oxigenada, casada com um dentista de Uganda. Duas famílias foram deixando o prédio. Uma ia à Oslo, a outra ao norte. O vizinho disse-lhe: É engraçado, os Yttredal pensam que a capital será mais segura se ocorrer um colapso. Os Myklebust no entanto vão à Hemnes, uma pequena cidade no Círculo Polar Ártico. Eles dizem que isso será mais seguro se ocorrer um colapso. Colapso, colapso, colapso. Essas pessoas tinham medo.

    Apesar de tudo, ela se recusou a pedir alta no hospital. Eu havia recomendado um monte de vezes. Não vou negar que tê-la em casa mais horas por dia significava mais sexo. No entanto, não me deu bola e outra vez me deixou sozinho em casa.

    Fazia muito tempo que eu tinha enviado o artigo sobre as felizes Fiordos a Vega, minha editora, que, por sua vez, tinha feito a conveniente transferência para minha conta corrente e me chamou um dia de cyber alumbrón por Skype, sem vídeo, com sua foto de perfil que aparecia sorrindo, mostrando um troféu brega de Melhor Revista de viagem que teria dado qualquer associação de hoteleiros e operadores turísticos.

    -Alejandro, Fique aí, isso está insuportável. Eu estou indo embora amanhã para Zurique com crianças. Não  posso mais suportar.

    Pensei que Zurique estava fechada e trancada. Quem te substituiu?

    -O Irmão de Ulrich trabalha  na Embaixada, não tem problema. Substituir? Ninguém, a revista vai acabar. Eles acabaram com todas, o grupo todo. Quem vai viajar com a que está formada?

    Ele tinha toda a razão.  Com os tumultos nas grandes cidades, a repressão e a contagem diária de vítimas, quem iria fazer um Grandes Cidades Imperiais em Marrocos ou O ar das Ilhas gregas?

    E você, ficar lá. Isso parece o Congo.  É impressionante.  Eles falam sobre canibalismo. Alex tome cuidado.

    Comoveu-me que, antes e se despedir, usasse o nome o qual me chamavam os companheiros de escola religiosa onde estudei em Málaga. Levei um poucos minutos para reparar no termo horrendo. Ela tinha dito canibalismo? Era uma metáfora? Tinha falado de verdade?  Queria se referir a algum caso isolado, alguma escassez de alimentos desencadeada em um canto obscuro do planeta em tais condições extremas de habitabilidade que teria desencadeado uma histeria coletiva, capaz de quebrar o Grande Tabu?  Não poderia referir-se a Espanha. Eu não imaginava alguns senhores de Astorga cozinhando ao vendedor de bilhetes de loteria ao estilo Maragato, no meio da praça da cidade.

    Claro. Quem pensaria de zumbis, então? Quem ousaria dizer que as massas de cidadãos histericamente agressivos e os episódios de canibalismo tinham um denominador comum? Quem poderia imaginar que o que estava por vir deixaria The Walking Dead a nível de A Pequena Sereia no imaginário coletivo?

    Se Kristín tivesse me levado a sério e tivesse colocado em repouso suas apaixonantes sessões de desobstrução bronquial, talvez seguisse viva. No entanto, sua obstinação e sua ética de trabalho, tão luteranas, a fizeram continuar trabalhando todos os dias.

    O Exército norueguês também tirou suas tropas das ruas. O tempo estava ruim e muito frio durante algumas semanas. Chuva, neve e modalidades mistas. Eu quase não saia na rua. Ia ao supermercado, que tinha ao lado de um posto de gasolina, e pronto. Ali me sentia como um entomologista contemplando os rostos preocupados dos cidadãos-cigarra de Haugesund. Apesar do reforço militar nas estradas, o supermercado foi se desabastecendo gradualmente e um belo dia havia apenas batatas e ovos. Uma mulher alta, rosto de pássaro, semblante severo e bolsas de insônia sob os olhos, enrolada em um casaco de pele que havia custado um rim, confrontou-se comigo ao pagar  as mercadoria.

    — Vocês tem a culpa, malditos estrangeiros. Vocês trouxeram a peste para o reino.

    Suas acusações levantaram um murmúrio no resto da clientela. Como não tinha claro se o caráter da mesma era aprovado, sorri sem fazer contato visual com qualquer um dos paroquianos e segui ao Villadiego (não sei qual cidadezinha será o equivalente na Noruega), mas me serviu com a mesma finalidade . Não tinha a intenção de acabar  linchado, arrastado  pelo velho Volvo por um caipira rude local, deixando na neve um esfregaço de sangue lúgubre.

    Uma tarde, ouvi como ela entrou em colapso em seu caminho para a casa. Eu ouvi o som suave de seu corpo escultural afundar a alguns centímetros na neve. Estava preparando uma tortilha espanhola com batatas e ovos do supermercado, em que quase me fiz um bode expiatório, com uma cebola que estava na despensa, como ela gostava. Uma das minhas tarefas foi alimentá-la quando ela chegava do trabalho, tarefa que cumpria pontualmente, conhecendo a recompensa. Naquele momento, estava de pijama, algo fácil de tirar, assim que logo me cobri com uma jaqueta, coloquei sapatos ergonômicos e rosados que, aliás, eram pequenos e me apertavam, e fui ajudá-la. A neve brilhava, como tinha aberto uma brecha nas nuvens o sol transformou a água congelada em uma camada de diamantes. Minha respiração se condensada em contato com o ar, que queimava prazerosamente os pulmões ao respirar. Eu não tinha colocado cachecol ou chapéu que tinha para proteger a minha cabeça raspada. Coloque o cachecol toda vez que você sair para a rua ou um dia eu vou ter que tirar as secreções e não precisamente aqueles que você gosta que eu as tire ,  ela costumava me dizer isso, que sempre provocava-me a minha condição friorento do mediterrâneo.

    Estava ajoelhada de  joelhos ao lado da barra de metal onde havia estacionado a bicicleta, vestida para o trabalho como a cada dia, ainda que destacando-se como poucas  em um casaco vermelho. Ela tinha pedalou até lá ou tinha ido a pé? Bah! Não  importava. Levantei-a com dificuldade e levei-a em direção a porta. Às vezes, ainda hoje, ainda me pego pensando na imagem absurda de sua bicicleta perfeitamente estacionada, alheia a todo o mau presságio.

    -Está bem?

    Só me ocorreu fazer essa pergunta idiota, a questão de sempre quando você sabe que a outra pessoa não está bem mas não sabe o que dizer. A pergunta que você espera obter alguma resposta que irá tranquilizá-lo, como: Sim, eu só tropecei ou é só uma dor de cabeça porque esse dá o pulso normal e lhe permite mudar o chip para voltar a perguntar as coisas cotidianas, como por exemplo se você não está pagando muito pelo que usa em seu telefone celular ou se é hora de mudar os sapatos. Não obtive resposta e isso me assustou. Então eu aprendi o quão difícil é carregar uma pessoa, ajudá-la a ir de um lugar para outro quando seus músculos não respondem. Nos filmes sempre parece fácil. Na teoria, a pessoa coloca um braço em torno de seu ombro, junta quadril com quadril e então você fazer um pequeno esforço e essa pessoa caminha lentamente, mas não é nada complicado. Nos filmes, o herói leva seu melhor amigo gravemente ferido no ombro, como se fosse feito de penas, e funciona como Carl Lewis entre as rajadas de metralhadoras sem escorregar

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