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Viagens sem pressa pela Espanha
Viagens sem pressa pela Espanha
Viagens sem pressa pela Espanha
E-book204 páginas3 horas

Viagens sem pressa pela Espanha

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Sobre este e-book

Viagens sem pressa pela Espanha é uma jornada por algumas das joias escondidas da Espanha: vilas, cidades, paisagens e atrações culturais que costumam passar despercebidas pelos turistas estrangeiros e que os espanhóis muitas vezes guardam para si.

Em um cenário de greves e dificuldades econômicas em todo o país, o autor viaja sozinho de trem e ônibus, descobrindo o legado vibrante de cada região, como um cigano cantando ao lado de um antigo poço na remota e intocada Extremadura, a criatividade e a resiliência de uma pedinte gourmet na grande cidade de Zaragoza e uma peregrina com dificuldades de locomoção voltando para casa após desistir do Caminho de Santiago.

Além disso, ele conhece intrépidos expatriados construindo a vida longe das comunidades internacionais.

Viagens sem pressa pela Espanha é uma obra nova e atual porque praticamente ignora os resorts e as ilhas superdesenvolvidas, contornando o padrão de praias e festas espanholas ou os clichês sobre touradas, siesta e futebol. Em vez disso, o autor revela o verdadeiro coração da Espanha, onde possivelmente estarão as próximas ondas de turismo.

Brett Hetherington é um residente espanhol e jornalista de longa data. Seu relato de viagem ao mesmo tempo leve e complexo mostra uma Espanha mais profunda, com uma cultura e um passado ricos, vivos e muito presentes nesses cantos escondidos da Europa.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento7 de dez. de 2023
ISBN9781667466071
Viagens sem pressa pela Espanha

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    Viagens sem pressa pela Espanha - Brett Hetherington

    Viagens sem pressa pela Espanha

    Brett Hetherington

    ––––––––

    Traduzido por Mariana D'Angelo 

    Viagens sem pressa pela Espanha

    Escrito por Brett Hetherington

    Copyright © 2023 Brett Hetherington

    Todos os direitos reservados

    Distribuído por Babelcube, Inc.

    www.babelcube.com

    Traduzido por Mariana D'Angelo

    Babelcube Books e Babelcube são marcas comerciais da Babelcube Inc.

    SUMÁRIO

    CAPÍTULO 1 – A caminho de Zaragoza

    Um trem local que não está em greve – Distress Jazz Club – bronca em público – Ah, cricket! – "Hoy, mañana" – top mantas e esperma de má qualidade – rio Ebro – aqui não há turistas – mas George Orwell esteve aqui – cidade fantasma de Franco – política alimentar – pedinte gourmet – São João dos Pãezinhos – chave para engravidar – Goya de outro mundo – andar como Quasimodo – o chihuahua e o vaso de planta – El Tubo/Maggie, a babá – Joana d’Arc espanhola – anjos ainda mais sangrentos.

    CAPÍTULO 2 – A caminho da Extremadura

    Silêncio na Espanha – trem bala espanhol – preguntitado em Madri – Marta brincalhona – planícies desertas – aqueduto Los Milagros – Mérida, a magnífica – Juan, o cantor cigano – ao longo dos séculos romanos – o empresário de sucata e a crise – os catalães acham que somos preguiçosos – Sue pioneira – presunto errado – ¡Me cago en la leche!

    CAPÍTULO 3 – Em Córdoba

    O homem-lobo andaluz – guerra da cerveja – Sixto, Sitges e o Camp Nou do Barcelona – Tarshish: o lendário lugar de riquezas do fim do mundo – na frigideira da Andaluzia – dois coreanos – encoberta por um estacionamento: uma das maiores cidades do mundo romano – lágrimas negras de Jesus – um cassino muito discreto e o Robin Hood espanholnão tomar sol demais nem de menos

    CAPÍTULO 4 – Interlúdio

    Como é, como era: Astúrias – O minerador de carvão asturiano: um retrato – As cores das Astúrias: um poema 

    CAPÍTULO 5 – A caminho de Frigiliana

    Passeando à toa – vilarejos brancos nas montanhas: Aguilar de la Frontera, Monturque, Lucena – a camisa sobressalente de Truman Capote – Linda: o percurso interrompido da peregrina – um cara de Shropshire nas sierras: funeral itinerante – funcho de Virgílio – pesadelo em Nerja. 

    CAPÍTULO 6 – Em Jaén

    Onde os cães andam soltos – batalha de grafites – tesouro líquido – o mistério do bonde que não existia – banhos árabes – não era um Hard Rock Cafe – flamenco: uma declaração, um uivo humano pré-industrial – casal de moradores de rua – Tarbut Sefarad: Rafael – milagre na rua Maestra – esbarrando no judaísmo – desapontado no bar Os Peixinhos – a cidade à noite redimida.

    CAPÍTULO 7 – Em Úbeda

    O capitão desaparecido – Tia Caterina – uma certa casa em uma certa rua: Antonio Muñoz Molina e o significado de um grão-de-bico – a referência de uma rambla – Sinagoga da Água.

    CAPÍTULO 8 – A caminho de casa

    Domingo de manhã: trinta adolescentes em um trem – um espanhol autobanido: Juan Goytisolo – preguntitado outra vez – um rapaz e sua barba – é triste que nunca viverei aqui em Barcelonanão vá para La Mina – as ruas miseráveis – livros por metro: Lucia Graves – os moinhos do rei – Fungilab, Topcon, Rammer – a Ponte do Diabo e o Chupa Chups – nacionalismo catalão: Josep – retorno à uva.

    Créditos e agradecimentos

    Homem, que viaja pelos mundos

    Com a liberdade como a única bagagem

    Evoluindo em uma Terra ornamentada

    Canção sefardita (autor desconhecido)

    Sou eu quem se sente mais grato pelo fato quase milagroso de encontrar um leitor

    como você: a literatura nada mais é do que um eco na mente de outra pessoa.

    Antonio Muñoz Molina em um e-mail para o autor

    Título: Viagens sem pressa pela Espanha

    Título original: Slow Travels in Unsung Spain

    Autor: Brett Hetherington

    Tradução: Mariana D’Angelo

    Capa: John French

    TAMBÉM DE BRETT HETHERINGTON:

    The Remade Parent (Não ficção)

    A caminho de Zaragoza 

    Hoje eu deixei a pequena região onde vivo, que me é tão familiar, para explorar um lar muito maior. Fui até a estação de trem e, em vez de seguir para Barcelona, como de costume, dessa vez certifiquei-me de ir para o outro lado da plataforma e pegar um trem em direção ao sul, a porta de saída da Catalunha. Minha ideia era retomar um desejo que tinha de explorar a fundo o escaldante interior da Espanha, especialmente lugares que não conhecia e destinos fora da rota turística.

    Resumindo, eu queria explorar mais o país que passei a chamar de casa, mas dessa vez vivenciá-lo com um olhar diferente. Eu queria voltar a viajar sozinho e encontrar aquela outra Espanha, aquele outro lugar. Ansiava pela imensidão do país, por toda sua extensão, mas tinha um destino em mente. A quase novecentos quilômetros de distância, eu imaginava a cidade de Úbeda velha, poeirenta, branca e seca. Meu plano era que esse fosse o ponto final da viagem, e então voltaria para casa.

    Úbeda fica em uma área em que nunca tinha estado. É a cidade natal de Antonio Muñoz Molina, um escritor espanhol que admiro muito. Entre outras aspirações, eu tinha uma dúvida sobre ele para a qual queria buscar uma resposta. Seria possível identificar se a cidade onde passou a infância influenciou seus livros? Durante muitos anos, ele viveu com a esposa (também uma renomada escritora) em Madri e Nova York, mas quando era jovem, ansiava por sair do pequeno vilarejo espanhol o mais rápido possível.

    Eu tinha uma teoria de que, apesar de tudo o mais na vida, os lugares onde crescemos deixam uma marca em nós. Tentava não pensar nessa viagem como uma peregrinação, mas pelo momento aceitei que era o que poderia parecer. Além disso, eu estava com aquela sensação de borboletas no estômago que as viagens provocam. E tinha um desejo mais abrangente e menos específico, exatamente o mesmo da primeira vez, vinte anos antes: queria encontrar e vivenciar a grande noite da Europa.

    Na estação de trem rural, o sol a pino indicava que era meio da manhã. A gare costumava estar quase deserta, e antes de morar nas redondezas ela me parecia ficar no meio do nada. Nos anos anteriores, virara minha rotina esperar o trem para a capital da Catalunha observando as vinícolas das montanhas rochosas de Montserrat, dispostas de forma brusca a uma curta distância. Em dias como esse, com bom tempo, o conjunto parecia um cenário de teatro bem pintado. Já em outros dias, dava a impressão de ser um aglomerado de catedrais góticas esculpidas pela natureza. Durante a Segunda Guerra Mundial, o líder nazista da SS, Heinrich Himmler, visitou Montserrat e seu mosteiro beneditino pré-renascentista, absurdamente esperando encontrar e roubar o Santo Graal.

    Ali sozinho, eu também via como uma espécie de vitória pessoal que ninguém estivesse me ligando no celular, me importunando. Eu me sentia livre da obrigação de uma década passada em sala de aula com adolescentes o dia todo. Agora ganhava a vida rodando as periferias de Barcelona para dar aulas de inglês para adultos em escritórios, e estava satisfeito com isso.

    O trem que eu esperava acabou atrasando vinte minutos. Mas dessa vez não era só a direção da viagem que era diferente. Ao passar pelas portas do vagão, a primeira coisa que ouvi foi um jovem cantando. Provavelmente era marroquino, usava fones de ouvido e cantarolava um lamento árabe que logo misturou com palavras em espanhol, completamente indiferente ao desejo dos outros passageiros de viajar em silêncio.

    Diante dele, atrás de mim, estava um homem mais velho falando alto, sua voz sugeria que estava bêbado. Ele dizia a uma mulher que lia um livro sentada perto de mim como ela era bonita, proferindo em uma fala arrastada: Que linda..., mas como continuava de óculos escuros, pareceu insincero. Ela sorriu constrangida e quinze minutos depois ele saiu do trem, virando o boné para trás. Reparei que usava uma calça baggy com a cueca aparecendo, o que um escritor americano chama de o uniforme dos derrotados. Fiquei pensando se esse homem sabia que usar as calças assim tão baixas era originalmente sinal de disponibilidade sexual na prisão.

    Em Vilafranca del Penedès, uma cidade de médio porte, um grupo de pessoas entrou no trem, aparentemente com destino ao ponto final da linha, que segue por mais de doze quilômetros até a praia. Era o último dia de julho. Há exatamente oito anos, junto com minha esposa e meu filho – com cinco anos na época –, chegávamos nessa cidade (que não conhecíamos) para começar uma nova vida. Tínhamos reservado uma semana para dirigir de onde vivíamos, na Inglaterra, até a Espanha, passando pela França e cruzando as montanhas centrais dos Pirineus. Tivemos uma boa vida ali desde então, embora certamente não tenha sido sempre fácil.

    O trem seguiu pelas fileiras de vinhedos, sempre presentes nessa região. Os fócios, um antigo povo grego (não confundir com os fenícios), foram os primeiros a cultivar uvas nesses campos no século IV a.C. Eu olhei para trás e acenei mentalmente para o prédio na extremidade da cidade, onde passamos a primeira metade da nossa nova vida.

    Essa lembrança me fez pensar que quase sempre que viajamos, buscamos escapar de algo. No meu caso, estava feliz por me afastar de algumas das rotinas da vida doméstica. Por mais reconfortante e familiar que a repetição possa ser, e embora eu soubesse que ficaria contente em enfim voltar para casa (como sempre acontecia depois de estar longe), senti uma pontada de culpa por deixar minha esposa com nosso filho. Ultimamente ele parecia querer expelir toda sua ira adolescente de uma só vez antes de completar quatorze anos.

    Um dia antes da minha partida, nós acabamos por ceder após um longo período de resistência e permitimos que ele usasse o dinheiro que ganhou de presente do avô para comprar um iPod. Eu não conseguia entender sua raiva quando nos recusamos a dar-lhe os dados do nosso cartão de crédito para fazer o pagamento on-line de algum jogo. A paz e o silêncio pareciam me evitar há meses. Mas, sentado em meu lugar no trem, eu estava relaxado. Na verdade, a preparação física que fiz para essa viagem foi mínima: colocar na mala roupas de algodão, protetor solar e alguns bons livros para ler. A preparação psicológica, por outro lado, foi extensa e começou meses antes.

    Primeiro eu reli a versão em inglês da obra-prima de Muñoz Molina, um romance intitulado Sefarad, traduzido de forma clara e precisa por Margaret Sayers Peden. Eu já o havia lido uma vez durante uma inesperada viagem à Austrália alguns anos antes. Nessa época, o livro me proporcionou um escape da tristeza intensa que pairava na casa em que estávamos. Eu era absorvido por ele todas as noites, deitado com Paula, minha esposa, na cama da mãe dela em Canberra. A apenas dez metros, na sala de estar, sua mãe de oitenta e cinco anos, agora com o rosto amarelado de icterícia, encontrava-se estirada e imóvel em uma cama ajustável especial. Ela morria lentamente de câncer, tinha alucinações, comia muito pouco e quase não falava. Foi assim por quatro meses, e Paula era sua cuidadora principal.

    No romance arrebatador de Muñoz Molina, ele inventou alguns personagens principais judeus, mas também os pegou da vida real, como os autores Franz Kafka e o gênio italiano Primo Levi. Ao terminar o livro, sua escrita tinha deixado memórias musicais em mim. Eu sabia precisamente como era sua voz (suave, mas clara) e quando o ouvi sendo entrevistado em um podcast meses depois, ele parecia confiante, atencioso e gentil; exatamente como eu esperava que fosse.

    Quando voltei para a casa, na Espanha, busquei possíveis rotas de trem para chegar à cidade natal de Muñoz Molina, no interior da região sul do país, e estudei mapas dos lugares onde planejava ir. Tal qual um dos personagens frustrados do livro, em meio a uma vida tão modesta, a [mera ideia da] viagem era quase um prazer físico, uma sensação de... leveza, como se deixar a estação fosse libertar-me de hábitos e obrigações que me sobrecarregavam.

    De uma verdade que eu quase não queria admitir vinha outra motivação que acentuava bastante o meu desejo. Como aconteceu com minha mãe e minha avó, meus dois rins estavam lentamente deixando de funcionar: repletos de cistos e pedras ali instalados por uma herança maléfica. Percebi que se não fizesse essa viagem logo, enquanto tinha o benefício de uma saúde ainda decente, poderia nunca mais ter a chance de fazer algo tão intenso; ao menos até que tivesse um órgão transplantado.

    À minha frente no trem estava um homem mais velho que tinha o lábio inferior proeminente. Ele olhava para o celular com uma expressão confusa. Como se para ilustrar uma diferença geracional global, a poucos metros um grupo de garotas olhava para a palma da mão da mais expansiva delas, espreitando uma pequena tela, apontando e rindo. Acima delas havia uma publicidade de um dos ônibus de turismo de Barcelona. A imagem mostrava alguns dos pontos turísticos da cidade, com destaque para a enorme e ainda inacabada Sagrada Família de Gaudí, e tinha a palavra Puja! em letras grandes, que significa escale ou, nesse contexto, Suba!. O trem parou em El Monjos (Os Monges) e então passou por vinte imensos tanques de vinho e pela igualmente enorme fábrica de concreto que domina a cidade. Os moradores reclamavam há anos da poluição gerada por ela. Poucos quilômetros antes, pelas fileiras de vinhas de Vilafranca, onde vivíamos, eu podia sentir nos dias de muito vento um fedor que me lembrava queijo queimado — um mau cheiro emitido pela fábrica de concreto. Coloquei a cabeça para fora da porta do trem, mas não senti nenhum odor forte.

    Depois da parada seguinte, na cidade de L'Arboç, surgiram grandes campos de oliveiras. Era um sinal de que a região vinícola ao redor havia outrora sido suplantada por mais tradições árabes, embora durante muito tempo essa tenha sido uma terra de ninguém: fronteira entre os reinos cristão e mouro. Eu tinha dirigido pela rua principal da cidade dezenas de vezes e sempre ficava com a impressão de que reconhecia algo ali, mas não conseguia identificar o que era.

    Depois percebi que me lembrava vagamente da imagem de uma réplica da Giralda de Sevilha, o fotogênico minarete convertido em torre sineira. O mito local era de que a torre havia sido construída por um casal que tinha saudades de Sevilha, mas na verdade era apenas uma homenagem a uma memória, apontada para o céu nessa cidade catalã tão longe da Andaluzia. Pela janela do trem, eu via algumas masia (grandes casas de campo) e, paralelamente ao trilho, novamente as linhas azuis dos trens de alta velocidade AVE, nos quais supus que estaria ao voltar para casa no final do mês.

    Logo me surpreendi por estar quase só no extenso vagão. Tínhamos passado por El Vendrell — cidade natal de Pau Casals, o grande violoncelista, maestro e exilado político catalão —, mas não sem antes eu notar o Magic America Sex Shop às margens da cidade, ao lado da linha do trem. Juntamente com todas as outras pessoas que restavam, eu desci na interseção final, Sant Vicenç de Calders, onde uma outra linha percorre a Costa del Garraf e depois segue para Barcelona. Na bilheteria, descobri que o meu próximo trem para o interior demoraria algumas horas.

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