História e evolução da inteligência artificial
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História e evolução da inteligência artificial - Marco Casella
ciência
Introdução
O estudo da Inteligência Artificial tem uma história recente; a sua data oficial de nascimento é considerada por unanimidade o 1956. Contudo, não há nenhum acordo sobre a definição do seu programa de pesquisa como disciplina científica. Alguns filósofos e pesquisadores do sector são céticos quanto à mesma possibilidade de considerar a Inteligência Artificial (doravante IA) uma ciência. Numa interpretação «fraca» (usando um vocábulo tornado canônico por John Searle) ela parece bem uma prática experimental, entre a informática e a engenharia. O seu objectivo seria a construção de artefatos com prestações que podem ajudar (e em alguns casos substituir) o homem na solução de tarefas teóricas ou práticas de diferente complexidade.
Nesta perspectiva, a IA é vista como o ponto de chegada de um processo evolutivo que permitiu extender a automação desde algumas actividades do trabalho manual à algumas actividades do trabalho intelectual tais como a elaboração de cálculos complexos, o controlo e a planificação e a consulta especializada em algumas prestações professionais. Dado que se trata de trabalho intelectual, poderemos sem dúvida falar de «inteligência», mas, uma vez que este trabalho é completamente «automático», torna-se difícil ou discutível precisar a natureza desta inteligência. No fundo, aqui está a origem do paradoxo sobre o qual às vezes se insistiu: logo que uma prestação do trabalho intelectual é reproduzida por um artefato, ela não parece mais uma função verdadeiramente inteligente.
Segundo um outro ponto de vista, a IA pode ter a ambição de ser uma ciência, esta vez dos princípios gerais da inteligência e do conhecimento (ou seja comum aos seres humanos e às máquinas) mas precisa da contribuição decisiva da lógica: um pouco como se diz da física, que precisou da matemática para desenvolver-se como ciência. Portanto, o problema da IA consiste, em primeiro lugar, em encontrar a lógica, ou as lógicas, pertinentes aos seus objectivos.
É diferente a perspectiva segundo a qual a IA é definida em relação às pesquisas sobre a inteligência natural. Aqui as coisas se complicam porque a inteligência natural, por sua vez, não é um ámbito bem definido, a a psicologia, a disciplina tradicional por o seu estudo, viveu muitas vezes contraditoriamente o seu estatuto de ciência. Mais recentemente, além disso, dimensionada a ideia que a mente pode representar um objecto de pesquisa independente do cérebro, algumas tendências da IA interessadas na mente são levadas à lidar com os resultados e os métodos de uma outra ciência, a neurologia (ou neurociência, como agora se diz).
É interessante notar como já Alan Turing, figura mítica na historia da IA, apesar de ter morto dois anos antes do nascimento oficial da nova disciplina, se comparou com os principais problemas que deram origem às interpretações do programa de pesquisa da IA. Já a célebre máquina abstrata que tem o nome de Turing e a sua tese sobre a natureza da capacidade de cálculo de 1935 se baseavam numa premissa completamente original em contraste com outras formulações equivalentes: dar uma descrição rigorosa de procedimento automático, ou mais precisamente mecânico, invocando o comportamento de um ser humano que o aplica.
Depois a que poderíamos chamar a realização física da sua máquina abstrata com o advento dos primeiros computadores digitais, Turing discutiu as objeções à possibilidade de uma «máquina inteligente» que se baseavam na incompatibilidade da noção de «automatismo» com a de «inteligência». No século 19 talvez pudesse ter sido um bispo que podia formular-lhe objeções deste tipo. Como recordou Hodges (1983), um dos principais opositores de Turing foi Geoffrey Jefferson, que alegava que a lógica era inútil para o estudo da mente humana e que era impossível reproduzir as suas características num artefato não biológico, ou seja abstraindo do cérebro e, de modo mais genérico, do corpo. Se pode dizer que é um inventário parcial mas eficaz dos problemas principais que a IA vai enfrentar ao longo da sua história.
Mesmo que a cibernética tinha desempenhado o seu papel em dimensionar a contraposição entre as noções de automatismo e de inteligência, foi a construção dos primeiros computadores digitais que sugeriu um modo para discuti-la novamente.
Nesta análise da evolução da IA se seguirá a que parece a estrada principal que levou às origens da IA, a estrada marcada pelas tapas da construção do computador que permitiram pouco a pouco pensar nisso como a uma máquina inteligente, combinando dois vocábulos tradicionalmente longe entre eles.
Rumo ao computador inteligente
«Se Babbage tivesse vivido setenta e cinco anos depois, eu seria desempregado»: parece que dissesse assim o físico Howard Aiken (1900-1973) na frente da sua máquina, o computador Mark I, ou o Automatic Sequence Controlled Calculator, completado em Harvard em Fevereiro de 1944. Se tratava de uma máquina constituida por relés eletromagnéticos capaz de efetuar cálculos numéricos sobre números codificados em representação decimal. Como a célebre «máquina analítica», nunca realizada mas concebida em pormenor em 1837 por o matemático inglês Charles Babbage (1791-1871), o computador de Aiken se baseava na ideia de máquina à programa: logo que as instruções para proceder a um cálculo eram codificadas sob a forma binária sobre uma fita de papel perfurada, podiam ser efetuadas sequencialmente de forma automática, ou seja sem a intervenção do operador humano.
Aiken correu, de certa forma, o risco de ser desempregado: alguns anos antes que completasse a construção do Mark I, em 1941, o engenheiro Konrad Zuse (1910-1995) tinha construido na Alemanha um computador automático que, além disso, usava uma representação completamente binária. Mas a máquina de Zuse, conhecida por Z3, foi destruida durante os bombardeios dos aliados sobre a Alemanha.
O computador digital automático nascia portanto na Europa, e no meio da Segunda Guerra Mundial. Foi Norbert Wiener (1894-1964) a recordar como ele se substituísse gradualmente ao computador analógico nas aplicações bélicas. A elaboração rápida e precisa de grandes quantidades de dados numéricos era indispensável, por exemplo, para tornar eficaz a artilharia pesada perante a velocidade aumentada dos veículos aéreos. No MIT (Massachusetts Institute of Technology), Wiener, em colaboração com o engenheiro Julian Bigelow, desempenhou um papel primordial na afinação de sistemas automáticos antiaéreos em cujos a informação sobre o objectivo móvel captada pelo radar e elaborada pelo computador retroagia modificando a linha de pontaria do canhão.
Em 1943, Wiener publicou com Bigelow e com o fisiólogo Arthuro Rosenblueth (1900-1970) um artículo sintético donde se afirmava de recuperar a linguagem psicológica (vocábulos como «fim», «escolha», «objectivo» e afins) para descriver sistemas munidos de retroação (feedback) negativa como o acima descrito, ou seja capaz de responder de forma seletiva às solicitações do ambiente, modificando o seu comportamento tal como os organismos viventes. Esse artículo é agora considerado como o ato de nascimento da cibernética, como Wiener chamou alguns anos depois a disciplina que deveria ter-se ocupar dos mecanismos da autoregulação e do controlo presentes tanto nos organismos viventes como nas novas máquinas com retroação.
Sempre em 1943, Warren McCulloch (1898-1969), neurólogo e psiquiatra, escrevia com o jovem lógico Walter Pitts (1923-1969) um ensaio destinado a afetar como poucos tanto a ciência dos computadores como a concepção de algumas das mais célebres máquinas da época cibernética (McCulloch e Pitts, Um Cálculo Lógico das Ideias Imanentes na Atividade Nervosa, 1943). Como vai recordar após McCulloch, nesse momento ele e Pitts não conheciam os resultados que Claude Shannon (1916-2001), futuro fundador da teoria da informação, tinha publicado em 1938, solicitados pelos problemas com os quais se tinha deparado trabalhando no MIT ao analizador diferencial de Vannevar Bush (1890-1974), a mas célebre máquina analógica da época.
Contudo, tanto McCulloch e Pitts como Shannon usavam o mesmo instrumento, a álgebra de Boole, para