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O Relógio da Fúria
O Relógio da Fúria
O Relógio da Fúria
E-book432 páginas5 horas

O Relógio da Fúria

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Sobre este e-book

Em uma nova fantasia humorística no estilo de Terry Pratchett e Douglas Adams, Malix Shandy, o patife mais bonito do reino, parte em uma busca sem esperanças para encontrar o temido Relógio da Fúria. Evitando necromantes e uma garçonete extremamente bonita e peculiar, Shandy precisa encontrar o relógio em sete dias ou ele sofrerá um destino pior que a morte. Unindo-se a um enorme ogro e a um anão psicótico, Shandy começa a pensar que talvez a morte fosse agradável depois de uma semana em tal companhia.

Repleto de romance, elfos entusiasmados em calças apertadas, camponeses sujos querendo salvar o mundo e saboroso javali assado, prepare-se para embarcar em um passeio louco nesta utopia literária com sabor de cabra. Afinal, não é todo dia que você descobre a verdade chocante sobre gnomos, ovos de dragão ou Botas Instantâneas.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento15 de ago. de 2018
ISBN9781547541669
O Relógio da Fúria

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    O Relógio da Fúria - Christopher Bunn

    O Relógio da Fúria

    Livro Um da Roda Infinita das Crônicas Sem Fim

    Alguns heróis nascem totalmente incríveis.

    ––––––––

    por Christopher Bunn

    ––––––––

    Para Sigurd Gomezbaum

    Astronauta DIY, fazendeiro de frango e aficionado por lutefisk

    ––––––––

    Capítulo 1

    Uma Luta na Taberna e Outras Coisas Deliciosas

    O prato suculento e delicioso de javali assado navegou pelo ar, passou raspando pela cabeça do taberneiro e acertou o espelho atrás do bar em um banho de molho quente e vidro.

    Pegue-no! uivou o taberneiro. Bebidas por conta da casa se vocês pegarem o miserável, amarrado e amordaçado!

    A multidão dentro da Taberna Queen's Head não precisava de encorajamento. Eles avançaram todos juntos em direção ao homem de preto parado em pé no meio da sala. Ele sorriu e tirou um fiapo de sua manga. Foi todo o tempo livre que teve antes que a multidão o engolisse. Ele desapareceu sob a onda de benfeitores. Punhos voaram, a louça foi utilizada de forma violenta e uma mesa se estilhaçou sob o peso de vários corpos. Inexplicavelmente, e contra todas as probabilidades, o homem de preto surgiu repentinamente no meio do bando. Ele tinha dois atacantes em chave de braço, um sob cada braço e, simultaneamente, estava acertando um terceiro no rosto. De alguma forma, ele conseguiu piscar para uma das garçonetes ao mesmo tempo. Ela deu um risinho e sentou-se abruptamente em uma cadeira, suas pernas fracas.

    Vejam!, alguém gritou freneticamente. Parem! Parem tudo! Olhem lá em cima!

    A massa de lutadores em dificuldade congelou. Todos olharam para cima. A taberna inteira arquejou horrorizada. Acima deles, um gatinho se agarrou desesperadamente ao lustre pendurado no teto. Ele miou misericordiosamente. Os homens ficaram encarando o pequeno gato atingido pelo pânico. Várias das garçonetes da taberna desmaiaram.

    Alguém deve salvar aquele gato! gritou um homem.

    Mas quem? disse outro. Quem pode fazer tal coisa?

    Eu farei.

    Todos se viraram. Foi o homem de preto que falou. Eles ficaram boquiabertos, incrédulos. Ele abriu um sorriso descuidado e ousado. Rapidamente, ele tirou uma adaga do cinto e lançou-a ao teto. A lâmina voou certeira e cortou a corda que segurava o candelabro. O conjunto inteiro caiu no chão. No último instante, o homem de preto agarrou o gatinho antes que ele pudesse ser esmagado pelo conjunto de ferro e lâmpadas a óleo que caía. Ele saiu ileso com o gato em seus braços. O candelabro pousou em cerca de sete ou oito lentos benfeitores e os deixou inconscientes. Todos aplaudiram. O homem de preto curvou-se e sorriu. O gatinho arranhou várias pessoas em sinal de gratidão e saiu em disparada para trás do bar.

    Peguem-no! uivou o taberneiro. Amarrem-no! Batam nele! Chutem-no!

    O quê? alguém disse. Naquele adorável gatinho?

    Não! O homem de preto!

    Com mais alguns aplausos, os benfeitores pularam no homem de preto. Ele desapareceu sob o furioso ataque de punhos e pés voadores, ainda sorrindo. A multidão de combate bateu contra o bar. Uma mão disparou para fora do bando e pegou uma jarra de cerveja. A cabeça do homem de preto apareceu (foi a sua mão que disparou do bando, é claro) e ele bebeu a cerveja em um gole rápido.

    Excelente colheita, ele disse, acenando cordialmente para o taberneiro.

    Peguem-no! gritou o taberneiro, agarrando a jarra vazia e arremessando-a no homem de preto. A jarra produziu um som metálico satisfatório enquanto errava o alvo e saltava no crânio de um dos outros benfeitores. Ele insultou nossa cidade justa, insultou minha comida, e insultou minha sobrinha!

    A sobrinha do taberneiro, uma garota bonita chamada Meg, inclinou-se na extremidade do bar e observou o tumulto com seus olhos verdes brilhantes. Ele pode me insultar novamente se quiser, ela murmurou, mas ninguém a ouviu através do barulho da briga. Ela suspirou e girou um fio de seu longo cabelo cor de cobre em torno de um dedo.

    A porta da frente da taberna se abriu com um estrondo e o ar soou com pés calçando botas. Diversos soldados vestindo a farda real marcharam para dentro. Um oficial seguiu atrás deles. Ele ficou espantado por uma fração de segundo. Seu rosto ficou vermelho de raiva.

    Prendam todos eles! ele berrou.

    Você quer dizer todos, todos mesmo, senhor? disse um dos soldados. Há muitos deles e apenas três de nós, sem contar o senhor.

    Eu vou prender as garçonetes, senhor, disse outro soldado.

    Calem-se! Prendam-nos, imediatamente!

    As garçonetes, senhor?

    Cale-se! Você estará responsável pela latrina quando voltarmos ao castelo!

    Tudbem, escutaqui, seu bando de bêbados e desordenados! gritou o primeiro soldado. Considerem-se presos.

    Devido ao barulho da briga, ninguém ouviu o soldado. Entretanto, como se guiado pela mão irônica da providência, uma caneca de cerâmica voou para fora da densidade da briga e golpeou o nariz do soldado que estava prendendo.

    O soldado girou em direção ao seu capitão e saudou, sagaz. Estão resistindo à prisão, senhor, disse. No processo, eu fui atacado por um projétil voador.

    Use a força, seu idiota, estourou o capitão.

    Para demonstrar seu ponto, ele pegou uma cadeira e partiu-a sobre a cabeça do benfeitor mais próximo. Os outros soldados pegaram suas próprias cadeiras e fervorosamente entraram na luta. Só precisou de alguns golpes e uma quantidade proporcional de corpos deitados inconscientemente antes que os demais lutadores tomassem conhecimento dos soldados.

    São as autoridades!, alguém gritou, e todos avançaram para as saídas. Num instante a taberna estava vazia, exceto pelo taberneiro, agachando-se atrás do bar, sua sobrinha, os soldados e uma variedade de benfeitores inconscientes espalhada pelo chão.

    O capitão avançou e colocou sua mão sólida, enluvada em aço, no balcão do bar. O taberneiro encheu uma jarra com cerveja e deslizou-a para o outro lado.

    Não tente me subornar, caipira, disse o capitão, engolindo a cerveja. Encha novamente. Suborno é punível com morte ou decapitação, ou, às vezes, afogamento em óleo quente, dependendo do humor do magistrado-chefe.

    Eu jamais sonharia em subornar Vossa Senhoria, disse o taberneiro, rangendo os dentes. Eu apenas tenho o hábito de oferecer uma bebida gratuita aos hóspedes.

    O capitão finalizou outra jarra e colocou-a de volta com um estrondo. Eu estou procurando por um patife chamado Malix Shandy, um verdadeiro canalha, um trapaceiro, um maldito tratante. Já ouviu falar dele, seu caipira fedorento?

    Oh, sim, disse o taberneiro, seu rosto escurecendo. Ele estava neste mesmo lugar apenas alguns minutos atrás. De fato, Shandy começou a luta que seus homens romperam. Ele quebrou este espelho atrás de mim com um javali assado. Este javali assado aqui. Isso me custará uma moeda de prata fresca no mercado, e o espelho? Oh, duas moedas de ouro e nem um centavo a menos para substituir isso! Ele também destruiu um candelabro...

    Ele fez, não é mesmo? vociferou o Capitão. E vocês o deixaram ir, é? Eu deveria transportá-lo, seu caipira sujo".

    Ele insultou minha comida, disse o taberneiro, ficando um pouco pálido. Ele disse coisas depreciativas sobre nossa justa cidade de Pauncleyberg. Ele também beijou minha sobrinha contra sua vontade!

    Quase, Meg murmurou da extremidade do bar, mas ninguém a ouviu.

    Aaahh! zombou o capitão. Insignificante. Shandy é procurado por crimes contra a Soberania, não por beijar caipiras sujas ou atirar carne por aí. Aqui, você, reúna aquele javali assado e um barril de cerveja! Dois barris de cerveja. Cheios. Precisaremos deles para evidência.

    Sim sssenhor, capitão, senhor! disse um dos soldados.

    Quanto a você, seu caipira fedorento, disse o capitão, virando-se para o taberneiro e golpeando um punhado de jornais no balcão. Mantenha um olho aguçado para Shandy. Pregue isto aqui dentro e na sua porta. Ele examinou Meg com o olhar afiado. O trapaceiro beijou-a contra sua vontade, é, moça?

    Não, Vossa Senhoria, disse Meg.

    Ele não a beijou?

    Não, Vossa Senhoria, repetiu Meg, fazendo uma reverência.

    O que exatamente ela quer dizer?, sussurrou um dos soldados. Ela quer dizer, não, ele não a beijou, ou não, ele a beijou?

    Eu não sei, disse outro soldado. mas eu não me importaria.

    A porta se fechou com um estrondo atrás do capitão e os soldados e a taberna ficaram em silêncio por um momento. Meg se agitou na extremidade do balcão, mas seu tio não olhou para cima. Ele estava encarando com os olhos arregalados os jornais na sua frente.

    Cem soberanos de ouro por Malix Shandy! ele disse. Morto ou vivo. Cem soberanos de ouro! Você consegue imaginar o que eu poderia fazer com todo esse ouro?

    Não, eu não consigo, disse Meg. O que eu posso imaginar, entretanto, é o que tia Belinda dirá sobre esta bagunça quando ela voltar de seu chá na Socidade de Churls Betterment.

    Belinda!, disse seu tio, horrorizado, olhando o caos da taberna ao seu redor. Ele semicerrou os olhos para a ampulheta na parede. Já deve ser mais de oito horas. Não, talvez já esteja próximo das nove horas. Maldição! Quem se esqueceu de virar a ampulheta? Meg, você limpa. Eu tenho um trabalho importante a fazer.

    Com isso, ele varreu o punhado de jornais e um jarro de cerveja e desapareceu através de uma porta atrás do bar. Meg olhou ao redor da sala. Era uma sala grande, tão grande quanto as tabernas podiam ser, e estava em um caos total.

    Tudo bem, disse ela. Você pode sair agora.

    Malix Shandy, o homem de preto, enfiou a cabeça para fora da porta de um armário sob o balcão do bar. Ele parecia extraordinariamente ileso pra ser o centro de uma recente e bastante grande luta de taberna. Ele endireitou seu colarinho e sorriu. Seus dentes eram irritantemente retos, e seus olhos brincavam e brilhavam.

    Obrigado por me esconder, disse Malix. Você realmente é um anjo, não é, Peg?

    Eu certamente não sou um anjo, ela disse. E meu nome é Meg, não Peg. Ela puxou um pouco de tricô de baixo do balcão e começou a tricotar de forma bastante irritada.

    Meg, pare com isso, ele disse casualmente. Ambos os nomes ficam bons o bastante em você. Você pode também usar ambos. Seja flexível. Cem soberanos de ouro! Isso é uma boa quantia de dinheiro. Você mesma deveria me entregar.

    Eu não preciso de cem soberanos de ouro. Como nesse mundo você conseguiu uma luta como aquela sem tirar um único fio de cabelo fora do lugar?

    Aquilo não foi nada, disse Malix, olhando de relance para ele mesmo em um caco do espelho. Esses são todos cachos naturais, sabe. Eu sou o mais novo de sete irmãos. Eu estava lutando mesmo antes de aprender a engatinhar. Aha! Ele se curvou e pegou um jornal do chão. Não é um retrato ruim. Embora o artista realmente não tenha capturado a forma como meu cabelo ondula na frente. Ele deixou passar uma covinha. Meus dentes são mais retos, também. Eu sou muito mais bonito pessoalmente.

    Suponho que sim.

    Você está tricotando algo para mim? Um agasalho agradável e quente, talvez? Ou um cachecol?

    Não.

    Eu me pergunto por que o Rei quer minha cabeça? Talvez por causa do colar de rubi que eu tirei do elegante pescoço da Baronesa Swann?

    Eu acho a palavra elegante estranhamente irritante, disse Meg.

    Ou talvez seja por causa daquele Senhor camarada esqueciseunome com quem duelei na última Quinta-feira. Um estúpido bastante pomposo. Eu o furei no peito com minha espada. Deixei o ar sair dele. Ele assobiou como uma chaleira de chá fervente.

    Você deve ter cuidado ao furar as pessoas com espadas, disse Meg, pontuando suas palavras com uma agulha de tricô que atravessava seu novelo de lã. Isso pode se tornar um mau hábito.

    Malix estalou os dedos. Eu sei! Senhor Percy Pelliver! Ele é algum tipo de sobrinho da Rainha removido três vezes, está mais para seu azar ser relacionada à um peixe molhado como Pelliver. Eu o extorqui nas cartas outra noite, na sala dos fundos da Dancing Duck. Ganhei seu cavalo, sua espada, e todas as suas roupas também. Ele foi embora correndo em suas roupas íntimas, me amaldiçoando e murmurando todas as ameaças usuais. Direto para sua tia, sem dúvida, para derramar sua história de desgraça.

    Você não pode encontrar um trabalho normal?

    Um trabalho normal? Malix conseguiu parecer surpreso, assustado e divertido, tudo ao mesmo tempo. Por que diabos eu poderia querer um trabalho normal? Trabalhos normais são para pessoas normais. Como caipiras.

    Camponeses também são pessoas, disse Meg, um tanto mal-humorada. Normais ou não. E eu, semelhante a um camponês, tenho um trabalho a fazer.

    Ela pegou uma vassoura e começou a varrer o assoalho.

    E um excelente trabalho você está fazendo!, Malix disse alegremente. Há um pedaço de vidro logo ali que você deixou passar. Não, não esse pedaço. Aquele outro pedaço. Ah, eu acho que vou me retirar. Parece que você precisa de um tempo sozinha.

    Malix fechou a porta da taberna atrás dele e respirou profundamente o fresco ar noturno. Caía uma chuva leve e a rua de pedras brilhava sob o luar.

    Uma noite excelente, ele disse.

    Uma mão pesada caiu em seu ombro. Excelente, de fato. Malix Shandy, você está preso por ordem da Soberania.

    Capítulo 2

    O Prazer das Masmorras

    Em qualquer outra noite, Malix teria descido a rua tão rápido quanto uma lebre na primavera, mas teria sido difícil fazer isso com um soldado preso em cada tornozelo e um terceiro agarrando seu pescoço como um polvo esfomeado. O capitão sorriu. Não era um sorriso tranquilizador.

    Sempre siga seus instintos, certo, Shandy? Ouvi que você é um grande jogador de cartas, com a sorte do diabo. Bem, sua sorte está acabada agora. Eu segui meu instinto e fiquei por perto. Você foi denunciado nesta taberna. Eu deixei homens em posição na porta dos fundos e no telhado para o caso de você tentar escapar. Isso me lembra, ei, você! Desça do telhado agora! Depressa! E agora eu peguei você, Shandy. Vou ganhar uma boa promoção por isso.

    Promovido a lambedor de botas para seu meritíssimo, o magistrado chefe? Malix disse.

    O capitão o socou no estômago. Você pode rir todo o caminho até as câmaras de tortura. Você pode gargalhar enquanto estiver gritando de dor. Você pode cacarejar enquanto eles estiverem puxando suas unhas dos pés com pinças quentes. Tudo bem, homens. Prendam-no em ferros e arrastem-no.

    Malix se endireitou com um tremor e dolorosamente encheu os pulmões de ar. Eu tenho um favor a pedir.

    E o que seria? disse o capitão, alegremente.

    Diga-me seu nome. Eu prefiro saber os nomes daqueles que matei. A morte não deveria ser impessoal, você não acha?

    O capitão explodiu em gargalhadas. Meu nome é Nimroderick. Capitão Nimroderick. Eu vou gostar de ouvi-lo gritar meu nome enquanto você é esticado na cremalheira, caipira. Vou mesmo. Em posição, homens! Marchem!

    E com isso, a tropa de soldados marchou através da rua, seu prisioneiro entre eles e o capitão Nimroderick andando a passos largos na frente.

    Atrás deles, a porta da frente da taberna se abriu e Meg saiu. Ela tocou seu lábio inferior pensativamente enquanto olhava os soldados desaparecendo na escuridão. Seus olhos verdes brilhavam.

    Bem, o que você acha disso? ela disse suavemente. Alguém está jogando um jogo incomum.

    ——

    Shandy foi jogado em uma cela nas entranhas da masmorra do castelo. Ele se levantou do chão e esfregou as mãos.

    Eu gostaria de um café da manhã quente na primeira hora da manhã! ele gritou. Ovos mexidos e bacon! Deixe o bacon crocante!

    Mas a porta já estava fechada e trancada atrás dele, e ele estava sozinho. A cela era escura, mas seus olhos se ajustaram após um momento. Ele podia vagamente ver seus arredores. A iluminação fraca brilhou de algum lugar lá de cima, no teto. Ele não conseguia entender o que era. Talvez um eixo da ventilação atravessando a parede externa permitisse um pouco de luz da lua e o rato ocasional. Ele não saberia dizer.

    A cela era úmida, fria e feita inteiramente de pedra. O assoalho era feito de placas de pedra encaixadas, e as paredes foram construídas a partir de enormes blocos de pedra formados tão precisamente que ele não conseguia sequer enganchar uma unha nas fendas entre elas. A porta era de carvalho pesado, unida com ferro. Não tinha nenhum trinco por dentro. Tinha, entretanto, um daqueles convenientes painéis deslizantes através dos quais os carcereiros sempre gostavam de encarar de forma ameaçadora. A cela não tinha uma cama. Não tinha nada, exceto por uma coisa. Ele mesmo.

    Decoração encantadora, Shandy resmungou.

    Ele se sentou no chão, abotoou o casaco até o pescoço e tentou pensar alegremente. Não havia muitas coisas alegres sobre as quais pensar. Pensou sobre uma grande tigela de ensopado de cordeiro quente e fumegante, bem do jeito que sua mãe costumava fazer quando ele era um garotinho. A memória o deixou com fome, o que não era uma sensação agradável. Ele pensou em desenhar uma mão de cinco coringas negros, mas isso o fez pensar sobre ter extorquido o Senhor Percy Pelliver nas cartas e se os eventos daquela noite foram responsáveis por colocá-lo na prisão. Então ele pensou na sobrinha do taberneiro, Meg, ou era Peg? Ele não conseguia lembrar qual era o nome correto, e isso, por alguma razão, o deprimiu. Não deveria ser permitido que um taberneiro tão feio tivesse uma sobrinha tão bonita.

    Pelo menos eu não estou trancado aqui dentro com um bando de gnomos, ele murmurou. Ou um ogro. As coisas sempre poderiam ser piores.

    Naquele momento, uma chave crepitou na fechadura e a porta se abriu com um rangido.

    Levem-no para dentro, rapazes! uma voz gritou.

    Houve muita agitação e palavrões. A luz da lamparina tremeluziu por trás de uma pesada forma obscura que bloqueava a porta aperta. Um cheiro horrível encheu o ar. Era algo como o cheiro de cachorro molhado, mas muito pior do que isso. Era mais como o cheiro de um cão que tivesse tomado banho em cerveja quente e leite rançoso.

    Empurrem-no! disse outra voz.

    Dê um empurrão nele, seu patife covarde!, berrou uma voz diferente.

    A forma escura tropeçou nos degraus. A luz da lamparina cintilou em um enorme rosto que parecia de pedra, pele verde, olhos pretos lustrosos, e um nariz tão grande quanto uma fatia de pão. A coisa bocejou e revelou uma boca cheia de dentes afiados e quebrados. Ela exalou e vapores de vinho rançoso de repente encheram a cela.

    Um ogro. Mais do que isso, um ogro bêbado. Shandy tentou não se mover ou respirar.

    A porta se fechou com força. O ogro resmungou algo incompreensível para si mesmo e então bocejou novamente. Shandy fechou os olhos e se preparou para o pior. Depois de um momento, porém, ele ouviu um som borbulhante, tipo um rosnado. Foi um barulho nojento. Ele abriu um olho. Vagamente, nas sombras, ele podia distinguir a forma do ogro esticado no chão. O bruto estava roncando. Ele estava dormindo. Shandy soltou um suspiro aliviado e fechou os olhos. Após algum tempo, ele também caiu no sono.

    ______

    Shandy foi acordado por sons abafados do lado de fora da porta. A porta foi aberta. Um carcereiro ficou ali de pé, mastigando o que parecia ser uma imensa coxa de frango assada. Ele segurava um chicote na outra mão. Diversos soldados ficaram atrás dele no corredor.

    Levante-se, disse o carcereiro com a boca cheia de carne.

    O quê? disse Shandy.

    Eu disse levante-se. O carcereiro acenou com a coxa de frango e então se lembrou do chicote. Ele estalou-o e acabou acertando a própria bochecha. Ouch!

    Ele disse levante-se, disse um dos soldados no corredor. Então, levante-se, caipira. Agora.

    É, agora, disse um dos outros soldados.

    Qual agora eu devo obedecer? O seu ou o dele? disse Shandy. Eles se referem a momentos ligeiramente diferentes no tempo.

    Cale-se. Fique de pé ou eu vou quebrar seu crânio. Ou talvez acordemos o ogro e o deixemos comer você no café da manhã.

    Bobagem, disse Shandy. Os ogros embriagados sempre dormem oito horas inteiras. Você não pode acordá-lo antes disso, a menos que você tenha um galo. Todo mundo sabe disso.

    Talvez eu tenha um galo em mim, disse um dos soldados. Talvez esteja no meu bolso.

    Não seja um idiota, resmungou um dos outros soldados.

    Talvez seja um galo realmente pequeno.

    O carcereiro conseguiu engolir a boca cheia de carne. Ele olhou para os soldados. Quem está no comando aqui? Cê quer um pedaço disso?

    Se você está se referindo à perna do cisne, disse um dos soldados, então, não. Eu já tomei o café da manhã e ainda estou agradavelmente cheio.

    Isso é uma perna de cisne? disse Shandy, ainda sentado no chão.

    Ora, é sim. O carcereiro deu uma mordida rápida na perna do cisne e estalou os lábios gordurosos. Há tantos deles infestando o fosso que a cozinha está cozinhando muitos, toda noite. É um pouco do lado rico, carne escura, sabe, mas o sabor quando é assado corretamente é suave e amanteigado e combina bem com uma luz agradável. Ei, cale-se! Levante-se ou você sentirá a fúria desenfreada do meu chicote!

    Eu preferiria sentir o gosto da perna de cisne.

    Levante-se, caipira!

    Tudo bem, tudo bem. Você não precisa ser grosseiro.

    O carcereiro algemou seus braços e pernas e então a pequena procissão partiu pela masmorra. Água escorria do teto e tochas gotejavam em suportes nas paredes. Shandy podia ouvir leves murmuros e às vezes gemidos por trás das portas trancadas das celas.

    Esta é a cela dos condenados, disse o carcereiro, apontado para uma porta especialmente enferrujada à direita. Os prisioneiros que são jogados ali dentro abandonam toda a esperança. Eu acho que prisioneiros que abandonaram toda a esperança são muito mais flexíveis para trabalhar. Eles não reclamam nem se lamentam tanto quando você os coloca na cremalheira. Eu não suporto chorões. Eu tenho pressionado o magistrado-chefe para construir muitas outras celas dos condenados, pois elas realmente são altamente eficazes. Uma não é o suficiente para o tipo de volume que nós temos aqui. Ele me prometeu que a construção começará na primavera, assim que o Rei aumentar os impostos novamente.

    Tenho certeza de que os trabalhadores vão apreciar o emprego, disse Shandy.

    Ah, não, disse o carcereiro, parecendo chocado. Nós só usamos trabalho escravo para esse tipo de coisa. Essa é uma masmorra muito eficiente, você nem sabe. Pode abrigar quinhentos e trinta e três prisioneiros. Você não pensaria isso, mas o truque é deixá-los apertados. Somente lugares de pé. Nossa equipe dos torturadores pode processar vinte detentos por hora, e nós acabamos de contratar um novo torturador especializado em assar pessoas vivas. Ele faz um excelente trabalho, e tem uma receita maravilhosa para um molho de mel e limão batidos com alecrim. Eu prefiro trabalhar com artistas, profissionais que são verdadeiramente dedicados aos seus trabalhos. Minha própria especialidade é o chicote.

    Não me diga, disse Shandy.

    O truque está no pulso. O carcereiro quebrou o osso da perna ao meio e sugou um pouco de medula. O pulso e o que segue. Você precisa ser o chicote. Eu aprendi com o melhor quando eu estava apenas começando como um jovem aprendiz de carcereiro. Um dos meus professores sempre me disse, 'Seja o chicote. Seja o chicote, Melvin. Torne-se um só com o chicote'. Melhor conselho que eu já recebi.

    Eles chegaram a uma enorme porta de ferro flanqueada por tochas gotejantes. O carcereiro apalpou o bolso e tirou dele uma chave enferrujada. A porta se abriu, estalando e rangendo nas dobradiças.

    Eu nunca lubrifico, confidenciou o carcereiro. É tudo sobre primeiras impressões com novos prisioneiros. Certo, leve-o embora".

    Os soldados levaram Shandy em uma marcha por um longo corredor ladeado por velhas tapeçarias e pinturas de homens mal-encarados. Ternos de armadura estavam em posição de sentido ao longo do caminho, seus capacetes de olhos vazios encaravam cegamente o prisioneiro e sua escolta. O lugar estava silencioso, exceto pelo som de seus passos no pavimento de pedra.

    Então, para onde você está me levando? disse Shandy, tentando ser animado. Vamos nos encontrar com o Rei? Eu ouvi coisas boas sobre ele. Cara legal, não é? Distribui bônus no final do ano?

    Silêncio, caipira sujo, rosnou um dos soldados.

    Eu não me importo de ficar em silêncio. É tranquilizador. Eu descobri que ajuda minha digestão quando eu como uma refeição muito pesada. Como cisne. Vocês comem muito cisne?

    Um dos outros soldados bateram nas costas de Shandy com a ponta de sua lança. Cale a boca. Suas tentativas patéticas de falsa camaradagem não nos convencerão.

    Eles pararam em uma porta ornamentada flanqueada por dois dos maiores homens que Shandy já havia visto. Os dois homens estavam absolutamente parados, seus braços maciços cruzados sobre o peito, olhando para a frente. Espadas enormes e curvadas brilhavam em seus cintos.

    Er, nós estamos aqui com o prisioneiro, disse um dos soldados.

    Nenhum dos guardas respondeu ou sequer piscou.

    Tente falar mais alto, Shandy disse encorajadoramente. Eles podem ter dificuldade em ouvir.

    O soldado limpou a garganta. Nós estamos aqui, ele disse novamente, mais alto, com o prisioneiro.

    Um dos guardas olhou para baixo, seus movimentos estranhamente rígidos. Este é o criminoso Malix Shandy. Era mais uma declaração do que uma pergunta.

    Sim, é ele.

    Os dois guardas estenderam a mão e agarraram Shandy pelos braços. Aconteceu tão rápido que ele quase não os viu se mexerem. Os soldados recuaram apressadamente.

    Você pode ir agora, rosnou um dos guardas.

    A porta se abriu e os dois guardas levaram Shandy em uma marcha, seus pés mal tocando o chão. A porta bateu atrás deles. Ele não conseguia ver nada. A sala estava escura como breu, mas ele podia sentir o cheiro de incenso queimando e um leve sussurro, como se alguém estivesse esfregando folhas de papel.

    Malix Shandy, disse uma voz incrivelmente perversa na escuridão. Como você quer morrer?

    Capítulo 3

    Uma Palestra Improvisada Sobre a Existência do Mal

    Há muitas teorias sobre a existência do mal. Alguns acadêmicos construíram suas carreiras em torno do mal, seja escrevendo livros sobre o assunto, dando palestras sobre teorias relativas à sua existência e natureza, ou por aplicação prática (seja embarcando em farras criminosas ou sendo eleito para um cargo político).

    Uma dessas teorias sobre a existência do mal é a Teoria da Gênese da Cozinha, popularizada pelo Professor Waddington Ploons da Universidade de Bunglia Oriental. O professor Ploons alegou que o mal se originou em sua cozinha enquanto sua esposa cozinhava um pudim de fígado de cabra. Eu reconheci a verdadeira natureza da coisa, disse o professor, durante uma entrevista em sua cela acolchoada. Armando-me com um garfo e uma fatia de queijo duro, eu procurei subjugá-lo, mas ele lutou com grande ferocidade. Eu teria derrotado a coisa, se não tivesse contado com a ajuda de minha esposa.

    Outra teoria, amplamente ensinada nas melhores escolas, é  a Teoria dos Meninos Pequenos, discutida e analisada em livros acadêmicos como Sobre o Cuidado e Alimentação de Gigantes, Compêndio de Desastres Naturais de Hockstraw, e Quando o Porco-formigueiro Ataca. A Teoria dos Meninos Pequenos afirma que a energia inerente aos meninos pequenos é determinada por Z menos 3,89 vezes Q, dividido pela raiz quadrada dos nabos. Z, naturalmente, é igual ao peso coletivo dos cérebros de meninos pequenos; Q é o tamanho de seu apetite quando na presença de doces recheados com creme. A Teoria dos Meninos Pequenos do mal, embora crível, é difícil de calcular devido à raridade de nabos com raízes quadradas.

    Capítulo 4

    A Voz Incrivelmente Perversa na Escuridão

    Eu preferiria não morrer, senhor, seu senhorio, quem quer que você seja, disse Shandy, tentando evitar que seus dentes batessem. Morrer geralmente é bem doloroso, não é? Eu tenho algumas regras. Não sentir dor é uma delas, além de nunca comer beterraba e nunca dizer 'eu te amo' para uma garota, não importa quão bonita ela seja, mas eu imagino que você não esteja interessado nessas outras duas regras.

    Nunca comer beterraba? disse a voz perversa, pensativamente. Você sabia que o Barão de Bellanova foi envenenado por uma salada de beterraba no dia de seu casamento? O sabor das beterrabas era tão forte que mascarou o gosto do óleo de erva-moura no vinagrete. Ele morreu gritando em agonia. Sua esposa gritou ainda mais alto, soluçando e gemendo por cima de seu corpo que se contorcia, mas foi ela quem o envenenou.

    É por isso que eu nunca como beterraba, seu senhorio. E porque o gosto é horrível. Ah, a propósito, você se importaria de dizer para esses caras me soltarem? Estão cortando a circulação em meus braços.

    Eu acho que não, disse a voz. Você é infame por escapar de lugares apertados. Encontrá-lo já foi difícil o suficiente. Eu não planejo deixá-lo escorregar por meus dedos tão cedo.

    Se eu puder ser tão ousado, posso perguntar quem você é, seu senhorio?

    Shandy estreitou os olhos na escuridão. Ele pensou que seus olhos teriam se ajustado depois de algum tempo, mas ainda não conseguia ver nada. Ele nem mesmo conseguia ver os dois guardas de pé dos dois lados dele, mas ele certamente podia sentir as mãos deles presas em torno de seus braços como bandas de ferro.

    A voz riu na escuridão. Além de ser incrivelmente perversa, tinha um som desagradável e oleoso. Havia algo estranho na voz, algo que pareceu estranhamente desumano, uma qualidade faminta e voraz. O barulho sussurrante soou novamente, suave e

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