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Porquê Você Foi Levada
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Porquê Você Foi Levada
E-book364 páginas4 horas

Porquê Você Foi Levada

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Sobre este e-book

Imagine descobrir que seus pais assassinados eram na verdade seus sequestradores. E depois descobrir que você está na lista de alvos também.

No mundo do amanhã, uma mulher conturbada se aproxima de Kirsten com um aviso e uma chave, e depois é encontrada morta. Era ela apenas outra vítima do Contágio Suicida ou existe algo mais sinistro em jogo?

A chave leva Kirsten em uma perseguição até o Cofre de Sementes do Juízo Final e uma lista de alvos com sete pessoas... e seu código de barras está nela.

Ousado e original, Porquê Você Foi Levada é um thriller pós-cyberpunk conspiratório com um toque high-tech que você não esperava. Perfeito para fãs de Mr. Robot e Margaret Atwood.

Pronto para seu novo vício? Pegue agora o primeiro livro na série futurista de suspense Quando o Amanhã Chama.

Não pisque ou você perderá. Clique agora e comece sua imersão.

“Um thriller de ficção científica ousado, inteligente, cheio de coração.”   PAUL ANLEE

“Um dos melhores livros de ficção científica que eu li esse ano.”   YUDHA WIJERATNE

“Um thriller peculiar, futurista, cyberpunk, Gibsonesco, clássico instantâneo de ficção científica. Altamente recomendado. Mal posso esperar pelo filme.”    TIAN VD HEEVER

[Aviso: Contém violência; linguagem vulgar e sexo. O conteúdo pode ser viciante.]

IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de mai. de 2018
ISBN9781547526772
Porquê Você Foi Levada

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    Pré-visualização do livro

    Porquê Você Foi Levada - JT Lawrence

    SUMÁRIO

    Críticas

    O Que Os Leitores Dizem

    Dedicatória

    Porquê Você Foi Levada

    1. Noiva Na Banheira

    2. Vômito Arco-íris

    3. Devem Estar Brincando Com O Clima Novamente

    Diário

    4. Uma Grande Mancha Vermelha Sobre Seu Coração

    Diário

    5. TommyKnockers

    Diário

    6. Louca Encantadora de Mobílias

    7. Cenouras Orgânicas para Traseiros

    Diário

    8. Mary Contrary

    Diário

    9. Brilhosa & Escorregadia de Suor

    Diário

    10. Uma Infestação, Um Cardume

    Diário

    11. Dedos de Cadáver Acariciam Seu Pescoço

    Diário

    12. Uma Boa Vista Também

    Diário

    13. Mágica do Messias

    Diário

    14. Jogos Motivacionais

    15. Cada Osso Perfeito

    Diário

    16. Olá, Gracinhas

    17. Sub Rosa

    Diário

    18. Jaleco Emprestado

    19. Piranhas

    20. Perseguição com brinquedos

    21. Digitais Vermelhas

    Diário

    22. Tsotsi

    23. A Letra de Sua Sequestradora

    Diário

    24. A Little Less Conversation

    25. Os Sete Que Foram Levados

    26. Não Lagartos

    27. Cobalto Rachado

    28. Pequena Lagos

    29. Yip, Yip, Yip

    30. Maldito F Maiúsculo

    31. A Trindade Profana

    32. Cheerios

    33. Kit Básico de Bebês

    34. Estopim Desafortunado

    35. A Verdadeira Revolução Sem Sangue

    36. Próxima Parada: Ciborgues

    37. É O Que Frankenstein Disse

    38. Buraco Branco

    Diário

    Epílogo: Seis Meses Depois

    Agradecimentos

    Também por JT Lawrence

    Sobre a Autora

    Fique em Contato

    CRÍTICAS PARA

    PORQUÊ VOCÊ FOI LEVADA

    ––––––––

    Um thriller bem elaborado e criativo.

    - PAIGE NICK

    Porquê Você Foi Levada é um thriller peculiar, futurista, Afro-Punk, Gibsonesco, clássico instantâneo de ficção científica. JT Lawrence pintou uma visão sexy, inteligente, surpreendente e ultra legal da África do Sul no ano de 2021. Amei as texturas e a tecnologia e, acima de tudo, os personagens, que permaneceram comigo por bastante tempo após eu ter lido o livro. Altamente recomendado. Mal posso esperar pelo filme.

    - TIAN VAN DER HEEVER

    Neste thriller acelerado as vidas de uma sinestésica e um criativo designer de bioengenharia estão entrelaçadas em um mundo onde a tecnologia é a nova droga, a água é escassa e a crise de fertilidade existe. Escrita vívida, personagens bem desenvolvidos e a marca especial de humor negro da autora fazem deste uma leitura indispensável!

    - MICHELLE WALLACE

    ‘Porquê Você Foi Levada’ é um triunfo! Um thriller futurista ambientado na Johanesburgo de 2021, aborda muitas das questões que falam ao tempo atual. A linguagem criativa de Janita cria uma atmosfera escura e ameaçadora, que ressoa por muito tempo após fechar o livro. Intrigante, espirituoso, cativante e enérgico, esse thriller é interrompível.

    - BRIDGET BIRD

    Um pouco negro, um pouco eletrizante e, como o romance anterior, um pouco divertido com seu senso de humor afiado.

    - TRACEY MICHELLE

    O QUE OS LEITORES DIZEM

    SOBRE PVFL

    Ficção especulativa ricamente imaginada.

    As reviravoltas e imprevistos são viciantes.

    A última vez que fiquei tão cativada (obcecada) com um livro foi quando eu tinha 8 anos... Estou devastada por esse ter acabado. É uma leitura muito inteligente e cativante. Tenho inveja de todos que ainda o lerão!

    DEDICATÓRIA

    Cada palavra nesse romance é dedicada

    ao meu falecido mentor e querido amigo, Laurence Cramer,

    que me ensinou a nunca andar devagar.

    Senhor L, você mostrou mais energia e espírito

    em seu curto tempo na Terra do que muitas pessoas durante uma vida.

    Nunca esquecerei meu menino chutando dentro de mim

    durante seu funeral; afirmando o ciclo da vida. Diminuindo minha devastação.

    Como me doeu ver seus filhos sem um pai.

    Como me marcou ver o quanto você era amado por muitos.

    Uma lição de vida por conta de sua morte também:

    Agarre a vida com as mãos, posso lhe ouvir dizer,

    tarde da noite quando a escuridão me puxava.

    Vejo sua luz, Senhor L.

    Agradeço pela escrita. Para mim, você viverá para sempre.

    PORQUÊ VOCÊ FOI LEVADA

    NOIVA NA BANHEIRA

    ––––––––

    1

    Johanesburgo, 2021.

    Um homem musculoso em um macacão azul encardido espera do lado de fora da porta da frente de um Sr. Edward Blanco, Rosebank Heights, número 28. Ele está em uma pequena escada fingindo consertar a luz do teto do corredor; a lâmpada havia sido desenroscada no dia anterior, fazendo com que a senhora no fim do corredor ligasse para a manutenção, cujo número ele havia desviado temporariamente para seu próprio.

    Ele sorriria, mas se leva muito a sério. As pessoas em sua linha de trabalho são frequentemente vistas como tendo baixo quociente cérebro-músculos, mas em seu caso isso não é verdade. Você tem que ser inteligente para sobreviver nesse jogo, ficar fora das Colônias Crim.

    Inteligente e vigilante, ele pensa enquanto ouve alguém subindo as escadas atrás dele e segura uma impotente chave de fenda no parafuso já apertado. A pessoa não vista não para no andar onde ele está, mas continua subindo.

    O homem de macacão baixa sua chave de fenda e ouve. Ele está esperando que Sr. Blanco prepare seu banho noturno. Se ele não começar nos próximos minutos, terá que sair e encontrar outro motivo para visitar o prédio; ele já ficou por vinte minutos e até a vovozinha sabe que não é necessário mais que meia hora para consertar uma lâmpada ruim.

    Faltando cinco minutos, ele verifica a lâmpada novamente e aperta o acabamento em volta dela, espanando com um sopro, dobra sua escada. Quando fecha sua caixa de ferramentas de metal avariada, ele ouve movimento de água corrente nos canos do teto. Ele usa um aparelho sem fio em seu bolso para momentaneamente embaralhar o mecanismo de entrada por cartão de acesso da porta. É simples como mudar a luz de vermelho para verde, um clique mudo e ele abre a porta 28, entra e a fecha. No hall de entrada do apartamento de Blanco ele tira suas botas, se despe do macacão para revelar sua roupa elegante, camisa preta justa e calças pretas com cinto.

    A cicatriz da queimadura em seu braço direito agora está visível. A pele é mosqueada, brilhosa. Ele já não a percebe mais; já é tão parte dele quanto seus olhos ou seu nariz. Talvez, subconscientemente, seja sua lembrança constante de porquê ele fazer o que faz. Talvez não.

    Ele fica em pé, com seus pés cobertos por meias pretas, contando seu tempo até que ouve as torneiras sendo fechadas. Sr. Blanco está meio assobiando, meio cantarolando. Um homem pequeno, afeminado.

    O que é essa música? Tão familiar. Alguma coisa dos anos 1990? Não, um pouco depois disso. Melancolia. Uma escolha perfeita, realmente, para como a noite terminará.

    Ele ouve o quase respingo do homem entrando na banheira. Hesitante. A água está muito quente ou muito fria? Ou talvez seja a cor da água que o esteja desanimando. Água reciclada tem uma escuridão nela, uma suspeição. Quem sabe onde esta água esteve, o que passou por ela? Os anúncios do serviço público, agora plantados em todo lugar, incentivam banhos de chuveiro em vez de banheira para economizar água. Parece ser a opção mais limpa. Se você insistir em banhos de banheira, eles pregam, você não precisa de mais do que cinco dedos. E também, a cada dois dias. Ele torce levemente seu nariz para isso. Leva sua limpeza muito a sério.

    Sr. Blanco se acomoda e começa novamente a cantarolar. O homem do braço queimado desliza sobre o piso florido e entra no banheiro. Apesar de seus olhos estarem fechados, o homem na banheira sente sua presença e sobressalta, seu rosto estampado com confusão. O homem da cicatriz levanta Blanco pelos tornozelos em um movimento gracioso com apenas um braço, fazendo com que água entre em seu nariz e boca. Ele sufoca e se retorce debaixo da água com sua mão livre.

    É uma técnica que ele aprendeu assistindo a reprises no canal de crimes. No início dos anos 1900 um George Joseph Smith de olhos cinzentos, vestindo gravatas borboleta coloridas e mãos brilhando com anéis dourados, casou e matou pelo menos três mulheres por causa de seus seguros de vida. Ele vagava em passeios à noite procurando por solteironas solitárias e se lançava a qualquer sinal de vulnerabilidade. Seu carisma, parecido com um campo magnético, assegurava que as mulheres fariam o que ele lhes dissesse; uma de suas esposas inclusive comprou a banheira onde seria assassinada. Sua técnica para matá-las era a sangue frio, limpa: ele agarrava seus tornozelos para puxar seus corpos sob a água ― as submergindo tão agilmente que elas perdiam consciência imediatamente ― e nunca teriam marcas. Contudo, apesar de todo o cuidado que teve com os assassinatos, Smith não teve cuidado com a originalidade e foi capturado e enforcado antes que pudesse matar outra noiva na banheira.

    Levou apenas um momento, e logo o Sr. Blanco está novamente reclinado na banheira novamente, com as mandíbulas soltas e apenas um pouco mais pálido do que antes. O homem de preto abre as torneiras e enche a banheira. Parece que cinco dedos são suficientes para se afogar, mas é melhor que isso pareça um acidente, ou suicídio.

    O rosto do Sr. Blanco é uma máscara de porcelana, uma ilha marfim na água cinza leitosa. Talvez a pessoa que o encontre pense que ele adormeceu na banheira. O que ele fez, de certo modo. Ele lava suas mãos na pia, seca o cômodo. Veste a camisa de colarinho branco que trouxe com ele e em cinco minutos está fora do prédio e andando para a parada de ônibus, jogando fora a caixa de ferramentas fictícia e o macacão. Ele consegue entrar em um ônibus quando este já estava saindo da parada. Está de bom humor, mas não mostra. Este foi um de seus trabalhos mais fáceis. Ele imagina se os outros seis nomes na lista serão tão fáceis quanto este.

    Ele desliza sua mão dentro de seu bolso e tira a raridade que ele pegou do casaco de Blanco: uma peça gasta de marfim ― uma tecla de piano polida. Gravada na parte de baixo: Te amo para sempre, meu Plinky Plonky. É suave em sua palma e retém o calor de sua pele. Uma melodia entra em sua cabeça. Coldplay: isso é o que Blanco estava cantarolando. O homem sente que isso é muito satisfatório.

    VÔMITO ARCO-ÍRIS

    ––––––––

    2

    Johanesburgo, setembro de 2021.

    Kirsten, atrasada para a consulta que teme há semanas, bate seus tênis no concreto arranhado da estação de táxis na Oxford Road. Os táxis devem coletar passageiros a cada quinze minutos, mas os motoristas não prestam muita atenção no horário oficial. A maioria deles é passivo-agressiva, o que Kirsten pensa ser melhor do que apenas agressivos, como eram no passado. Chefes dos táxis, a máfia própria da África do Sul, costumavam atirar em seus rivais ― sangue nas ruas ― como se nossa história já não houvesse tido suficiente disso.

    Elas permanecem com ela, as imagens. Ela não sabe se isso é parte de sua sinestesia ou se ela tem uma memória mais visual que a maioria. Isso é útil para seu trabalho como fotógrafa.

    A exceção, claro, é sua primeira infância, da qual ela lembra bem pouco. Isso foi antes que se pudesse fazer download e backup de suas memórias. Seus pais costumavam contar como ela era quando criança, descrever sua primeira palavra, seus primeiros passos, os passeios em que foi, porém, as primeiras memórias de Kirsten permanecem um branco sem odor, sem sabor.

    Um ano, em seu aniversário, Marmalade James lhe deu o primeiro livro que ela leu de capa a capa. Uma cópia física, lindamente ilustrada, edição antiga de um conto de Grimm: João e Maria. As páginas estavam gastas, a capa estava machucada. Quando ela o segura nas mãos, sente que o livro contém mais que uma história. Ela foi tocada pelo gesto: como se ele tentasse lhe dar uma pequena parte desses primeiros anos de volta. Ela valoriza o livro. O lê com atenção, fica impressionada com ele, se apaixona por ele, não consegue lê-lo novamente. Ainda sonha com pedaços de waffle tostados.

    O relógio de Kirsten apita com um lembrete no momento em que um micro-ônibus passa. Ela deveria já estar na clínica. Ela clica na mensagem e liga para a máquina da recepção, avisando que chegará atrasada. As pessoas são mais flexíveis agora que carros pessoais estão praticamente extintos e quase todos dependem de transporte público. Pelo menos é o que Kirsten espera, vendo que está terrivelmente atrasada. A ironia de que sua menstruação chega pontualmente todo mês é algo que não consegue explicar.

    Ela deixa que alguns passageiros passem sua frente na fila e embarca por último para poder sentar na fileira da frente. Ela odeia sentar na parte de trás. Todos os cheiros: o perfume e o pós-barba e o shampoo e os sapatos de couro sintético gastos e as manchas e o atchar e os chicletes. Todos os sons: o minúsculo kwaito, jazz e marabi retrô na rádio; as diferentes línguas e dialetos; os tons de pele; as muitas buzinas.

    A proximidade das diferentes texturas de tecido e cores a deixa tonta, às vezes enjoada. Sobrecarregada: tendo que ver, cheirar, tocar e provar todas as cores do arco-íris, em 3D, ao mesmo tempo. Nas piores vezes, tudo se mistura e se torna uma bagunça espessa, ensopada, malcheirosa, borbulhante, multicolorida.

    Normalmente ela fecha os olhos, se imagina em um cômodo limpo e branco, tenta se isolar de todos os seus sentidos, mas seus camaradas passageiros nunca gostam disso. Eles ou se ofendem ou se afastam dela, com medo, talvez com razão, de que ela se lance sobre eles. Vômito Arco-íris, ela pensa, e sorri, apesar de a ideia não fazer com que a viagem fique mais fácil.

    Com sua LocketCam ela tira rapidamente uma foto da minibola de espelhos pendurada no retrovisor do táxi, que balança quando param para pegar passageiros. O motorista faz uma parada perigosa em uma curva para oferecer carona a uma mulher. Provavelmente porque ela é bonita, Kirsten pensa, até que a porta abre e ela vê o ventre saliente da mulher.

    Cristo. Como se essa manhã não tivesse sido suficientemente difícil.

    Os outros passageiros todos se exclamam e fazem os sons apropriados. Não suspiros, não exatamente, mas algo similar. Eles se apertam em seus assentos para fazer espaço para ela, espanando migalhas invisíveis do assento estofado barato e fissurado.

    A mulher grávida sorri timidamente, os agradece em vernáculo. As pessoas ao lado dela sorriem enquanto se senta e olham de relance com timidez para seu ventre. A mulher sorri, coloca a mão sobre seu ventre. Um tipo especial de presunção, de um jeito que apenas mulheres grávidas podem ter. Kirsten olha para fora da janela manchada por óleo capilar.

    A Crise da Infertilidade atingiu mais fortemente as camadas socioeconômicas mais pobres, com nove de cada dez casais lutando para conceber. À medida que os salários aumentam, entretanto, a infertilidade ― bizarramente ― diminui, com os que recebem mais tendo a sorte inversa.

    O declínio da taxa de fertilidade é um problema mundial, porém não há lugar onde seja mais alarmante do que na África do Sul. Ninguém sabe exatamente as razões por trás da crise. Bilhões foram gastos testando as várias hipóteses: radiação das antenas de celular, uso de Tile e/ou Patch, hormônios usados na agricultura, altos níveis de estresse, dietas ruins, OGM, pessoas esperando muito para iniciar uma família. Apesar de existir uma correlação, eles ainda não conseguem descobrir o porquê de a África do Sul estar tão terrivelmente afetada em comparação com outros países. A população está declinando rapidamente e as poucas afortunadas que conseguem conceber são tratadas como rainhas.

    Quando chegam perto de onde ela está indo, Kirsten avisa ao motorista empurrando cem rand nele. Eles devem usar os tokens do governo para pagar por táxis comunitários, mas os motoristas sempre apreciam dinheiro. À moda antiga. Ela não faz isso pelo motorista, mas como um pequeno ato de rebelião contra o partido no poder, o Novo ANC ― conhecido, infelizmente, como Nancies ― porque a ideia de um estado babá faz com que ela se arrepie.

    Ela pula para a calçada, feliz em se distanciar do bebê que está a caminho. Pôsteres digitais na rua chamam seu nome e dizem para esperar, têm uma mensagem para ela.

    Kirsten, diz uma gravação com sotaque americano, fez alguma coisa para você mesma hoje?

    Bilchen sabe seu sabor preferido de sorvete ― pétala de rosa ― e a cobre com pétalas de rosa em 4D e uma rajada de ar fresco. Uma agência de viagens lhe diz que se passaram 206 dias desde suas últimas férias ― ela não precisa de outras? Bolívia? Moçambique? República do Cabo? A trilha sonora lembra vagamente uma ilha e ela pode sentir o cheiro de rum e coco. Ela já considerou uma viagem-sabática? Trabalho-férias?

    Tuk-tuks passam por ela, buzinando à medida que avançam. O céu escurece. Kirsten protege seus olhos e olha para cima para ver um enxame de drones voando. Ela não gosta deles, não gosta da sombra que causam. Odeia que eles tenham câmeras, como se ela vivesse no desolador imaginário futurista de outra pessoa. Ela já se sente observada, sempre se sentiu. Ela agita seu cérebro, tenta focar no que deve fazer. Chegou a hora.

    Carpe diem, e tudo o mais.

    Desde que se lembra, ela sempre odiou médicos. E hospitais; mas todos não odeiam? Ela abomina quando dizem que odeiam hospitais. É como dizer que odeia pisar em cocô de cachorro, ou molhar as calças em público. Óbvio. Ou em gíria local, obvi-ass: a afirmação do que comumente apenas mostra o quão pouco se sabe.

    Ah, estou apenas ranzinza. Nervosa.

    Suas axilas estão encharcadas, então ela diminui o passo e pensa no sorvete, na Piña Colada.

    Além disso, como ela pode dizer que odeia médicos, quando ela está praticamente casada com um? Apenas um exemplo do quão conflitante (leia-se: perturbada) sua personalidade é. De todo modo, Marmalade é diferente. Ele é um cardiologista pediátrico e fica consertando corações de crianças, como um tipo de anjo de cabelos dourados portador de bisturis. Não é como se ele tivesse sido seu médico. Nunca vai acontecer (Não, nem nesse caso).

    inVitro emerge à sua frente. É maior do que ela esperava. As fotos do site fazem com que pareça menos intimidante. A arquitetura é linda, inspirada em Petri: o prédio em formato de disco é construído com vidros atenuados (Suspiro de Cristal), estranhamente transparente e refletivo ao mesmo tempo: como se o arquiteto quisesse que parecesse invisível.

    Kirsten limpa suas mãos úmidas em seus jeans, se pergunta se quer realmente continuar com isso. Todos os projetores de pôsteres eletrônicos próximos de seu apartamento fizeram propaganda deste lugar; parece que é a melhor das centenas de clínicas de fertilidade existentes. Os spambots hackeiam seu status social online e, assim que veem que você está em um relacionamento, eles lhe bombardeiam com mensagens de casamento. Como se as pessoas ainda se casassem. Depois de um tempo, eles desistem que você se case e começam com o papo de fertilidade e bebês. Um pouco como os pais.

    Ou ― Kirsten funga ― como os pais deveriam ser. Sua dor ainda é forte.

    Dois guardas fortemente armados estão de pé na entrada. Eles parecem mais militares americanos do que seguranças: rifles automáticos top de linha, Kevlarskin, capacetes com formato de casco de tartaruga que os faz suar. Eles não tiram seus olhos dos pedestres que passam. Câmeras de observação giram na direção de Kirsten e piscam para ela. Um pouco mais à frente uma guarda menos armada escaneia Kirsten buscando por algo suspeito, depois aponta para onde ir.

    A recepção da inVitro é luxuosa, porém anêmica: decorada do jeito que um hotel cinco estrelas sem personalidade é. As paredes estão cobertas por um papel de parede baunilha que parece sem graça, seco e tem sabor doce, como um wafer. Kirsten ouve o suspiro do desinfetante de ar à medida que se aproxima dos sorrisos vazios à mesa.

    A sala de espera está cheia; esse lugar deve estar imprimindo dinheiro. Uma mulher camuflada de bege lhe entrega um stylus e um tablet de vidro com um formulário a ser preenchido. Ela procura um assento vazio na sala cheia. Principalmente casais: alguns com aparência limpa e esperançosa, outros carregando o ar viciado da derrota, uns poucos levemente envergonhados, apesar de Kirsten não ver motivo para tal. Difícil como pareça, é aceito geralmente que todos na África do Sul são IAPC hoje em dia: Infértil Até Prova do Contrário. Pelo menos Kirsten, e outras pessoas na sala, tem o dinheiro para o tratamento ― a maioria não tem essa sorte, daí a grande assimetria na estatística populacional mais recente.

    Alguns dos pacientes estão usando máscaras SuperBug. Kirsten supõe que ela também deveria usar a sua, mas reconhece que ela deve traçar um limite. Se ela tivesse que escolher entre usar uma máscara em seu rosto todos os dias pelo resto de sua vida ou ficar doente, ela se arriscaria com A Doença. Além disso, as máscaras fabricadas pelo governo são repulsivas. Talvez se ela pudesse ter uma das máscaras de grife... Ela está quase sentando perto de um casal resignado quando seu nome é chamado.

    A placa dourada na porta semiaberta está em branco. A enfermeira bate à porta e elas entram. Agora ou nunca. Kirsten inspira profundamente.

    O médico pega uma prancheta eletrônica, dispensa a enfermeira e olha para Kirsten com interesse por cima de seus óculos de armação preta.

    Senhorita Lovell?

    Seus olhos são de um azul pálido (Quinino ― Camadas de gelo do Ártico). Eles a perfuram, fazendo com que se sinta intensamente desconfortável.

    Sou o Doutor Van der Heever.

    O nervosismo de Kirsten faz com dê um grande sorriso. Ela sente vontade de fugir. Ele gesticula para que ela se sente e a ignora pelos próximos dois minutos enquanto lê seu formulário, minimizando e mudando de página. Ela foca em sua respiração e olha ao seu redor: um lado do escritório tem parede de vidro com uma vista sem graça de ChinaCity/Sandton. Reluzentes diplomas ocupam a maior parte da parede do lado oposto. Que tipo de especialista sente a necessidade de usar certificados como papel de parede em metade de seu escritório? O que ele está tentando compensar?

    Então... você tem tentado por três anos?

    Kirsten se assusta. Três anos. Sim.

    Ele grunhe confirmando, continua mudando de página.

    Você tem filhos?, ela deixa escapar, sem realmente querer dizer isso. Ela pensa que ele dirá que não, que ele é casado com seu trabalho. Não há porta-retratos com fotos de família em sua mesa.

    Ele olha para ela, encara. Umedece os lábios. Tenho. Um menino. Bem, ele costumava ser um menino. Um homem adulto, agora. Um médico.

    Eca. Você deve estar orgulhoso.

    Ele pisca; seus olhos aumentados por seus óculos. Sua família tem histórico médico―

    É parcial. Estou buscando ter mais informações. Na verdade―

    Não tem problema, ele diz, vamos fazer os testes básicos iniciais em você e seu parceiro.

    A menção de testes é como um soco no estômago de Kirsten. É verdade que ela não tem muitas memórias de sua primeira infância, mas o que ela lembra é de ter passado por infinitos exames, especialista atrás de especialista, raios-x, RMs, TACs, exames de sangue. Respirando gás para rastrear a corrente sanguínea até o cérebro, um jato quente de iodo IV para examinar seu sistema renal.

    Isso fez com que ela odiasse sua condição. Somente quando foi liberada das consultas semanais ela passou a finalmente aceitar o jeito que ela é: ver isso como um dom em vez de uma deficiência. Agora parece que está tudo recomeçando e ela se sente pesada com o mau pressentimento.

    Que tipo de testes? Kirsten tenta manter sua voz uniforme.

    Nada muito invasivo, por enquanto. Sangue, HSG, PCT. Depois talvez laparoscopia, histeroscopia, dependendo do que encontrarmos.

    Usando um stylus, ele escreve alguma coisa no vidro, depois clica em um botão para enviar a receita para o relógio

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