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Instinto Predador: Roteiro Cinematográfico
Instinto Predador: Roteiro Cinematográfico
Instinto Predador: Roteiro Cinematográfico
E-book348 páginas3 horas

Instinto Predador: Roteiro Cinematográfico

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Sobre este e-book

O filme é um relato de histórias de pessoas envolvidas direta ou indiretamente em assassinatos que tratam do tema da morte propriamente dito, sem contudo entrar no mérito da discussão filosófica. E diferente da maioria das histórias do gênero, a preocupação desta trama vai além de simplesmente desvendar os crimes. Ela expõe o instinto predador que há em cada ser humano.
Nos primordios da raça humana, para garantir sua sobrevivência, o homem se transformou em um ser egoista e exímio predador. E durante a evolução da raça humana se justificou tal comportamento. Mas e hoje? Qual a justificativa para o homem continuar ferindo e matando?

A história. Chega à cidadezinha de São João do Paraíso, terceiro Distrito de Cambuci, o delegado desta comarca, Dr. Hermegildo Rolando de Almeida Cordeiro, recentemente empossado no cargo. Ele veio investigar a morte de duas pessoas assassinadas: José Luis Cavalcante Rocha, o Zé dos Tomates e Livranor de Melo dos Anjos, o Anjinho. As duas mortes ocorreram no sítio do primeiro. De imediato as autorias estariam esclarecidas: Anjinho, primo de Dinda, mulher de Zé dos Tomates, chegou na cidade para visitá-los e por ciúme da prima pela qual sempre nutrira desejo, assassinou seu marido. Em contra partida Dinda revidou matando o primo. Contudo, à medida que as investigações avançam, se descobre haver mais coisas por trás desses assassinatos.
Nos inteiramos das mortes desses homens, por intermédio das narrativas de Dinda; Zélia, filha do casal, e pelos próprios mortos: Zé dos Tomates e Anjinho. Suas versões serão mostradas diferentes uma das outras, pois estarão sendo contadas de acordo com o interesse de cada um e sob sua ótica.
Outro conflito importante dentro desta ficção é o confronto entre o delegado Cordeiro e Tancredo Santos Campos, um dos maiores fazendeiros da região e muito influente junto aos políticos do Estado. Antes que consiga concluir as investigações o delegado Cordeiro será afastado do seu posto, pois Santos pedirá sua cabeça. Porém, neste momento da história o delegado já não terá mais dúvidas quanto ao motivo e autoria da morte de Anjinho. Também sobre o assassino de Zé dos Tomates. Contudo, em relação ao motivo que o levou a ser morto ainda gera dúvida. Principalmente a identidade do mandante que permanecerá incógnito para o policial, porém não para o expectador.
O filme propõe não dar soluções a todos os problemas e dividir com o público a responsabilidade nas investigações e conseqüentemente chegar a "verdade" de alguns fatos, por meio de suas próprias deduções. Desta maneira o expectador se sentirá um pouco co-autor e responsável pelo final da história.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de abr. de 2018
ISBN9781370137008
Instinto Predador: Roteiro Cinematográfico
Autor

Carlos Elino Boechat

CARLOS ELINO BOECHAT é diretor, roteirista e montador (editor) de cinema e televisão. A partir de 1970 trabalhou como roteirista, diretor e montador (editor) de vários institucionais e documentários para várias produtoras. Desenvolveu durante esse período roteiros de séries, longas e curtas metragem, além de sinopses de novelas. Também trabalhou nos longa-metragem: “70 Anos de Brasil”; “O Torcedor”; “Vivência de Campeões” e “Relatório de Um Homem Casado” dirigido por Flávio Tambellini, onde recebeu o prêmio da APCA de melhor montagem em 1975. Na rede Manchete (1985/1992) escreveu, dirigiu e editou vários programas: “Acredite se Quiser”; Agricultura de Hoje”; “Você e a Informática”; “O Mundo é Maior que a Minha Casa”; “Série de Vídeos – Maurício de Souza Produções”; “Mulher de Hoje”; De Mulher Pra Mulher”; “Clô Para os Íntimos”; e outros. De 1996 a 2002 no CDT foi responsável pela realização de mais de quinhentos vídeos institucionais para a área de transporte, dramatizados com atores. Realizou em 2006 o longa-metragem independente “Lei da Vantagem”. 2010/2011 desenvolveu para FremantleMedia vários episódios do docudrama Marcas da Vida exibido pela Rede Record (2011). Atualmente escreve a novela: “O Presente de Grego”.

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    Instinto Predador - Carlos Elino Boechat

    Instinto Predador

    (Versão – agosto de 2002)

    Longa-metragem

    De Carlos Elino Boechat

    Sentado à mesa, num canto do boteco, está um homem magro, de olhar frio. Ele usa uma dessas capas de chuva, de pano – amarelo escuro bem surrado e chapéu de palhinha. Estranho e vestindo um tipo de indumentária tão incomum, para local e dias tão quentes, não poderia deixar de chamar atenção sobre si. Porém, o forasteiro parece alheio às pessoas presentes. Ele toma seu conhaque como se obedecesse a um ritual. As doses são tomadas de um só gole. No entanto, entre o tempo em que Amâncio, dono do boteco, enche o copo e ele sorva as doses, tem-se a sensação de tempos cronometrados. São momentos longos, incômodos. Toda vez que termina de beber o estranho deposita o copo sobre a mesa, depois num gesto solene, aponta o polegar para o proprietário do estabelecimento, em seguida para o copo vazio. Após umas cinco doses o forasteiro se levanta e vai até ao balcão. Depois de pagar a bebida o homem sai sob os olhares dos presentes, que não têm coragem nem de cochicharem.

    Do lado de fora ele monta um cavalo, que está amarrado a um poste junto ao boteco e sai. Com um trotar lento, o animal passeia pela rua de paralelepípedos, em São João do Paraíso, sob os olhares dos curiosos.

    São João do Paraíso é o terceiro distrito de Cambuci. Cidade pequena com 824 habitantes. Quatro ruas principais compõem o centro da cidade. Elas são calçadas com paralelepípedos. Todas dão acesso à única praça da cidade. As pessoas do lugar são muito simples, porém muito desconfiadas. A cidade não tem nenhuma autonomia depende quase cem por cento de Cambuci.

    O estranho amedronta as pessoas. Somente um cão vira-lata ousa enfrentá-lo. O animal desarvorado investe seguidamente, parecendo querer alcançar o homem de cima do seu cavalo, ao mesmo tempo em que tenta segui-lo. Sobre sua montaria, o cavaleiro parece lembrar os pistoleiros dos filmes de cowboys. Com o olhar firme em frente, ele não toma conhecimento dos transeuntes, muito menos do cão histérico.

    Mais a frente ele para diante do pequeno galpão de Manoel do Caixão e salta do cavalo. De longe observamos o forasteiro conversar com o velho. Em seguida ele examina um caixão. Depois o indivíduo entrega dinheiro ao dono da casa, bate num dos caixões, como se tivesse escolhido aquele em questão. Em seguida monta o cavalo e sai.

    Seguimos o cavaleiro. Em dado momento ele atravessa o leito de um rio, num local relativamente raso. A partir daí deixamos de acompanhar aquele ser enigmático, para seguir as águas do rio.

    Por intermédio de fusões e planos sempre em movimentos, veremos vários trechos do rio - subjetiva sobre as águas. Momentos com quedas, de amplitude, de galhos sendo arrastados etc. Sobre essas imagens entram alguns créditos do filme: nome; atores principais; produtor, compositor; diretor etc. Depois de algum tempo, já entardecendo, chegamos a um remanso. Os créditos terminam. Então, numa PAN, a câmera sai do rio e enquadra uma casa, recortada sob um céu de anoitecer. Instantes.

    De repente o som de um tiro ecoa interrompendo o silêncio do lugar.

    Corte para a casa vista do alto. Instantes. Em seguida ouve-se outro tiro. Instantes.

    Plano fechado da chama de uma vela. Ouve-se um choro que mais lembra lamento de carpideira. A câmera abre num zoom lento – começamos a tomar conhecimento do ambiente. Um homem morto está deitado dentro de um caixão, sobre uma mesa no centro de uma sala bastante ampla. Ao lado, uma mulher usando um véu de renda preta sobre a cabeça, está sentada junto ao cadáver. Ela tem o olhar perdido no chão da sala. Próxima à mulher está uma adolescente, que chora baixinho. Ainda junto dela um menino observa em silêncio o morto. Aos pés do defunto uma velha chora. Seu pranto é sofrido. Logo atrás há alguns adultos, crianças e adolescentes. Eles se utilizam de revistas, jornais dobrados etc., para se abanarem freneticamente, tentando espantar o calor e principalmente o cheiro de morte que impregna o lugar. Com exceção do choro da senhora idosa e da mocinha, todos permanecem em silêncio velando o corpo.

    A casa é simples, mas nota-se que seus donos apesar de pobres, possuem certo poder aquisitivo. Porém a morada apresenta uma miscelânea de estilos: o antigo e o novo são expostos sem nenhuma parcimônia. Ao lado de uma cristaleira antiga (extremamente bonita), vemos uma televisão com tela plana de 36 polegadas. Móveis rústicos se misturam as aparelhagens modernas, como a de som. Numa das paredes, um quadro antigo com moldura de formato ovalado, exibe uma foto de um casal recém casado. Numa outra parede, acima da cristaleira, há um quadro maior – retangular – com a imagem do Coração de Jesus.

    Depois de alguns segundos entra na sala um homem. Ele é mulato e alto. Usa um terno surrado, que talvez algum dia possa ter sido branco e um chapéu de feltro cinza, amarelado. Logo que adentra o recinto o homem tira o chapéu e passa a segurá-lo junto ao corpo. O forasteiro anda puxando ligeiramente a perna direita. Ele se aproxima do cadáver e passa a observá-lo. Vemos o rosto do morto, mas a princípio não sabemos de quem se tratar. Detalhe das mãos do falecido. Elas apresentam pequenas escoriações e inchaço. Todos no recinto notam a presença do homem, com exceção da mulher de olhar ausente e da senhora idosa que continua com seu lamento angustiante, preenchendo o lugar, junto com o incômodo cheiro de morte. O homem olha ao redor, procurando identificar os presentes. Um rapaz, que se encontra atrás da velhinha chorosa, vem até ele e pergunta:

    Arcanjo

    O senhor quer alguma coisa?

    Cordeiro

    Quem é dona Dinda?

    Arcanjo aponta para a mulher de véu preto e olhar ausente:

    Arcanjo

    É aquela ali. Quem é o senhor?

    Cordeiro não responde a pergunta feita e se afasta na direção da mulher. Junto dela ele se apresenta:

    Cordeiro

    Dona, meus sinceros pêsames. Eu sou o delegado Cordeiro e... sei que o momento... respeito sua dor, mas é que estou encarregado de resolver este caso...

    A mulher sem desviar o olhar, fala pela primeira vez interpelando o delegado:

    Dinda

    Eu já disse que sou a culpada, eu matei.

    Nisso a mocinha que chorava junto dela, diz desesperada:

    Zélia

    Não! Seu delegado fui eu... eu que matei!

    Imediatamente o garoto diz:

    Átila

    Moço, fui eu.

    Dinda

    (Irritada) Menino, deixa de bestagem! (P/os dois) Vocês querem calar a boca!

    Zélia

    Seu delegado, é verdade! Fui eu... eu que atirei!

    Cordeiro

    Espera... espera! Assim a gente não vai chegar a lugar nenhum. Isso foi o que vocês contaram ao sargento. Agora o que eu quero saber, é a verdade Dona. Conte-me o que realmente aconteceu. (Tom) Se o homem foi morto por uma única bala no peito, então somente uma pessoa atirou e não... TRÊS!

    Então Arcanjo se aproxima do delegado e diz:

    Arcanjo

    Seu delegado, ela já contou tudo ao sargento Arduíno.

    Cordeiro

    Vocês acham que eu estou aqui pra brincar?

    Arcanjo

    Não, seu delegado! Mas será que o senhor num podia deixar pra... pra fazer perguntas outro dia? Minha cunhada... nós tudo, tamo muito chocado com o acontecido.

    Cordeiro

    Quem é o senhor, hem?

    Arcanjo

    Eu?... Irmão mais velho do morto. Delegado, só estou pedindo... se o senhor num podia esperar pelo menos nós fazer o enterro?

    O delegado se mantém firme olhando para o homem.

    Arcanjo

    Logo depois do almoço a gente vai fazer o enterro... O senhor... vem amanhã e fala com ela!

    Cordeiro

    Tem de ser hoje... Volto no fim da tarde. Ah! E vou precisar falar com o senhor também.

    Arcanjo

    Comigo! Mas eu nem tava aqui na hora! Tava na minha casa, com minha família quando tudo aconteceu. Aliás, nenhum de nós tava aqui. Só a família do meu irmão.

    Cordeiro

    Depois vemos isso. Agora com licença e...

    O delegado se volta para Dinda, que ainda mantinha aquele olhar distante:

    Cordeiro

    ...Mais uma vez meus pêsames, Dona.

    Cordeiro sai da sala. Dinda então olha para os filhos, que também estavam a observá-la. Ela tem um olhar solene, mas recriminador. Instantes.

    No interior do carro o motorista do delegado, Crécio, dirige o fusca da delegacia de Cambuci. Cordeiro está no banco do carona, sente-se incomodado com as dores na perna, que frequentemente o atormentam, em consequência de um tiro que levou no joelho direito.

    Crécio

    É a perna de novo, delegado?

    Cordeiro

    É... (Cara de dor) É este maldito joelho que não me deixa em paz.

    Crécio

    Mas o senhor não tem reclamado de dor ultimamente!

    Cordeiro

    Hum, mas ele tá sempre me aporrinhando. E depois... ficar mais de uma hora, na mesma posição, neste projeto de carro, aí que é dose...

    Crécio

    Éh, e o senhor ainda é grande! Mas o senhor devia ir ao médico ver isso.

    Cordeiro

    De médico já basta o carniceiro que me aleijou. Se estou neste estado é mais culpa dele do que do tiro.

    Crécio

    É... um bicho desses só matando...

    O delegado apanha um caderninho, começa a fazer algumas anotações. Crécio continua a falar:

    Crécio

    Um dia desses eu li no jornal, que uma mulher foi fazer uma cesariana e o médico esqueceu uma compressa de gazes dentro do intestino da coitada. Ela teve infecção generalizada e veio a falecer. Quando se descobriu o erro médico, o marido num pensou duas vezes, apanhou sua arma e partiu pra clínica. Como ele não encontrou o tal médico, que havia operado sua mulher, revoltado, matou o que estava de plantão. Ele disse que devia ser tudo farinha do mesmo saco.

    O delegado parece não prestar atenção na história de Crécio. Ele continua fazendo anotações no seu caderninho. O motorista percebe o delegado alheio a sua conversa e muda de assunto:

    Crécio

    Delegado!...

    Cordeiro

    Hum?

    Crécio

    O pessoal do sítio... disse o quê aconteceu?

    Cordeiro

    Eles repetem a mesma ladainha. Cada um insiste em dizer que é o assassino. Agora até o menino diz que atirou.

    Crécio

    Então, a coisa tá mais enrolada do que o senhor imaginava?

    Cordeiro

    (Pensativo) É... parece… Está na cara que eles estão protegendo alguém… por amor ou por medo... Pode ser a mãe, protegendo um dos seus filhos… ou mesmo o morto.

    Crécio

    O morto, delegado!?

    Cordeiro

    Numa investigação não se pode descartar nenhuma hipótese… Pode ainda ser alguém de fora, que ainda não tenha entrado na história.

    Crécio

    Mas, por quê? Quem poderia ser?

    Cordeiro

    (Irônico) Bem, Crécio! Se você puder responder ganha um doce. E nesse caso ainda voltaríamos mais cedo pra casa. (T) Hum! Porque pelo andar da carruagem, isso vai levar mais tempo do que eu supunha. O pior é ter de ficar indo e vindo de São João pra Cambuci todo dia. Eu com esta perna vai ser ótimo.

    Crécio

    Ué, nós não podemos ficar aqui, numa pousada?...

    Cordeiro

    A delegacia mal tem dinheiro pra por gasolina no carro, agora você acha que eles vão ficar pagando hospedagem pra nós, a essa distância de casa?...

    O delegado segurando o joelho faz uma cara de dor:

    Cordeiro

    …Arrr... Pode perder as esperanças.

    Crécio

    Então, o que fazemos agora?

    Cordeiro

    Precisava confirmar com o sargento, se ele ligou para o Rio, pra saber da ficha desse Livranor. Quero saber se esse cabra tem passagem pela polícia.

    Crécio

    O Anjinho?… Ligou sim, delegado.

    Cordeiro

    Como é que você sabe? Agora deu pra adivinhar?

    Crécio

    Não, delegado! É que enquanto o senhor foi ao banheiro, eu vi o sargento pedindo ao cabo Cirino, pra fazer a ligação.

    Cordeiro

    E ele fez? Conseguiu falar?

    Crécio

    Conseguiu. O cabo disse que assim que eles tiverem a resposta ligam pra gente ou passam um fax. (P) (Sorridente) O senhor num me leva muito a sério, não é Delegado?

    Cordeiro

    Por que essa agora, Crécio?

    Crécio

    (Enfático) Não! Mas eu não me aborreço com o senhor, não! Eu sempre falo com a mãe, que vejo o senhor como um pai, já que o meu não cheguei a conhecer. Sabe, eu sempre ouço seus conselhos… (T) E acho até que o senhor gosta um pouquinho de mim.

    Crécio sorridente fala com uma ponta de orgulho:

    Crécio

    Senão porque ia tá sempre me requisitando, pra ser seu motorista, não é mesmo?

    Cordeiro

    (Resmungando) Hum! (T) Mas por que isso tudo, rapaz? Ainda não entendi o quê você quer dizer, com todo esse discurso!

    Crécio

    (Sorridente) Só tô comentando, Delegado!… Agora mesmo, falei que sabia da ligação pro Rio e o senhor perguntou se eu era adivinho…

    Cordeiro

    …Ora, Crécio! Esse é meu jeito, você me conhece muito bem! De mais a mais não me lembrava de ter me ausentado da sala, depois de ter pedido ao sargento que fizesse a tal ligação. (T) Crécio, há quanto tempo você me conhece, hem? Por que, agora, esse ataque de sensibilidade?

    Crécio

    (Sentido) Não, Delegado! Pelo amor de deus, o senhor tá me entendendo mal! Eu até gosto, sabe! Gosto de pensar que o senhor pudesse ser meu pai. Eu sempre ouvi dizer que os pais sempre veem os filhos como crianças…

    O delegado balança a cabeça várias vezes, como se desistisse de argumentar com seu motorista, mas completa:

    Cordeiro

    Hum, ai meu deus!… Crécio, como você está sempre com a cara enfurnada nesse jornal sangrento, às vezes custa a crer que você possa perceber alguma coisa aqui fora, no nosso mundinho.

    Crécio

    Puxa, delegado! Até parece que num faço outra coisa senão ler jornal! (T) Sabia, que na escola a professora sempre dizia, que ler era muito importante?... Que pra falar bem a gente tinha que ler muito.

    Cordeiro

    Mas aposto que ela deve ter dito também, que há muito mais pra ser lido, do que essas suas reportagens sobre crimes.

    Crécio

    É o quê eu gosto!

    Cordeiro

    Hum, dá pra notar. Agora vamos deixar desse papo furado. Quero ver se tem algum lugar decente na cidade onde possamos comer. Você que conhece a cidade, sabe de algum lugar onde se possa comer direito?

    Crécio

    Sei! Mas nós tamo convidado pra filar a boia lá na casa do sargento Arduíno.

    Cordeiro

    Que isso, rapaz?

    Crécio

    Éh, seu delegado! Sempre que venho a São João, o Verruga me convida pra comer na casa dele…

    Cordeiro

    …Quem!?… Verruga!

    Crécio

    (Sorri) Há! É o apelido que Arduíno ganhou na época das nossas peladas. Falei com o senhor, né? A gente é amigo desde da época que morava em Itaperuna. Nossa amizade vem desde lá.

    Cordeiro

    Já sei, já sei! Mas, e daí? Que você coma lá Crécio, tudo bem. Agora eu mal conheço o sargento.

    Crécio

    Mas Delegado foi ele mesmo que mandou chamar o senhor! Ele tava meio sem jeito de convidar, com medo do senhor não aceitar, aquelas coisas... O senhor sabe, né? Gente do interior é assim mesmo. Aí, um pouco antes de sair pra cá, ele falou comigo. Pediu pra dizer, que era comida simples, mas que se o senhor num fizesse questão, ele fazia muito gosto do senhor comer na casa dele. (T) Ah, e garanto ao senhor, que o danado vai mandar a mãe dele preparar aquela galinha ao molho pardo, que só de pensar eu já fico com água na boca.

    Cordeiro

    Pensei que ele fosse casado!

    Crécio

    E é! Mas a mãe mora com eles e é ela quem cozinha. Verruga não deixa ninguém cozinhar no lugar da mãe. Ele diz que ninguém cozinha igual à dona Tuca. E delegado, sou obrigado a concordar com ele, a velhinha cozinha demais!

    Nesse momento o joelho do delegado incomoda-o menos. Ele faz uma espécie de massagem sobre o mesmo:

    Cordeiro

    Bom, se é assim... vamos lá! Que de tanto você falar em comida, já me deixou com fome.

    Crécio

    É pra já.

    O delegado continua massageando o joelho. Instantes. Depois fala:

    Cordeiro

    Me fala do sargento.

    Crécio

    O que o senhor quer saber?

    Cordeiro

    Desde de quando você o conhece?

    Crécio

    Ah, tem bastante tempo. Quando os pais de Verruga se mudaram lá pro bairro onde minha mãe e eu morava; eu devia ter uns… dezesseis anos, o Verruga já tinha uns vinte, vinte um anos, por aí. Ele tinha acabado de entrar pra polícia. (T) Ham, engraçado que no início, eu e meus amigos, a gente num foi com a cara do Verruga. A gente achava ele muito metido. Só porque era militar, ele se achava o máximo. Mas aí, perto da minha casa tinha um campo de futebol e todo domingo a gente jogava bola ali. Verruga chegou, começou jogar com a gente, se enturmou e acabamos amigos.

    Cordeiro

    E a mulher dele?

    Crécio

    A Léa? Quê que tem?

    Cordeiro

    Você também a conhece?

    Crécio

    Conheço! E que morenaça! Delegado, a mulher era muito bonita.

    Cordeiro

    Era! Por que, era? Não é mais?

    Crécio

    Ah, faz tempo que num venho por aqui. Depois da morte do delegado Pereira, eu acho que só vim aqui mais uma ou duas vezes. E isso já faz quase uns três anos.

    Cordeiro

    E por isso você diz que a mulher deixou de ser bonita, Crécio?

    Crécio

    A Léa era muito bonita na época em que eles namoravam. A mulher era de fechar comércio… Verruga tinha um ciúme dela, que se pelava, o senhor precisava ver. Depois, quando encontrei eles aqui, ela já num tava tão bonita. Mas ainda era um mulherão. (P) A Léa, eu conheci mesmo aqui, porque antes deles se casar, ela ia muito pouco, lá aonde a gente morava. Inclusive depois que o Verruga conheceu a Léa, a gente quase num se via mais. Ele sumiu de lá, vivia em Macaé. Eu acho até que por ciúme ele evitava de levar a namorada pra perto da gente. (Ri) Hi! Hi! Hi! Porque toda vez que ele aparecia com ela por lá, gavião ficava só de butuca. Verruga ficava uma fera. O senhor sabe que até pro casamento, o danado não convidou a gente? Se casaram em Macaé e o pessoal do bairro só ficou sabendo mais tarde. Logo depois ele foi transferido pra Campos e aí, a gente num se viu mais.

    Cordeiro

    Foi por acaso que você encontrou ele aqui?

    Crécio

    Ah, foi engraçado. Eu tinha entrado pra polícia há pouco tempo. Então um dia tava na delegacia, o falecido delegado Pereira, que Deus o tenha, me chamou na sala dele; me disse que a partir daquele dia eu só ia dirigir pra ele. Que eu ficasse a disposição dele. Que a gente ia fazer muitas campanas, que ele precisava de uma pessoa discreta, que o levasse de um lado pra outro, até porque sigilo nesses casos era a alma do negócio, dizia ele. (Sorri) Hi! Hi! Hi! Só que logo vi, que tipo de campana a gente ia ter de fazer. O sigilo que ia ter de guardar, era dos seus encontros amorosos. Ele tinha uma amante que morava aqui em São João. Pra dona encrenca num desconfiar, o delegado vivia inventando campanas pra vir visitar a tigresa dele, como ele costumava dizer. Agora o senhor vê, quando é que eu podia imaginar, que ia esbarrar com o Verruga por essas bandas. Ah, e ainda por cima como sargento. Mas o senhor sabe, foi aqui que a gente se tornou amigo mesmo. Lá em Itaperuna a gente era amigo de pelada, de bar, ninguém ia na casa do outro. Eu também era mais pivete. Aqui não, a gente passou a conversar como dois adultos; eu almoçava na casa dele e às vezes, quando o delegado Pereira resolvia pernoitar por aqui, eu até dormia na casa deles.

    O fusca, com o delegado Cordeiro e Crécio, estaciona na frente de uma residência. A moradia é do sargento Arduíno. Uma casa humilde. Suas paredes estão só no emboço e a aparência é de estar assim há muito tempo. Vemos um jardim na frente da casa com vários tipos de plantas. Apesar de não haver critério no plantio, o colorido das mais diversas flores enchem de beleza o local.

    Os dois saltam do carro. Um pouco mais abaixo, na mesma rua, um grupo

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