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Caçada em Bruges: Irmandade dos Caçadores
Caçada em Bruges: Irmandade dos Caçadores
Caçada em Bruges: Irmandade dos Caçadores
E-book353 páginas4 horas

Caçada em Bruges: Irmandade dos Caçadores

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Sobre este e-book

A única coisa pior do que ser caçadora em Harborsmouth, uma cidade infestada de sobrenaturais, era caçar vampiros em Bruges.

Ter sido mandada para Bélgica foi um saco. A cidade medieval de Bruges era pitoresca, mas a Irmandade dos Caçadores local estava com pouco pessoal. Os canais de Bruges estavam abarrotados de cadáveres, e o que não faltavam eram predradores sobrenaturais e possíveis suspeitos.

Pensando bem, talvez Bruges não fosse tão ruim assim.

Com o desejo de mostrar do que é capaz, proteger os inocentes e subir na hierarquia da Irmandade dos Caçadores, Jenna Lehane vai para as ruas de paralelepípedos de Bruges pronta para o que der e vir. Alguém, ou algo, está matando turistas e despejando os seus corpos nos belos canais da cidade. Com a ajuda de um estranho misterioso, Jenna começa a coletar pistas espalhadas pela cidade como manchas de sangue.

Determinada a dar um fim às mortes, Jenna mergulha na violenta história local que apenas levanta mais dúvidas—mas alguns segredos são melhores se deixados de lado. Jenna deve colocar suas habilidades de combate ao teste enquanto tenta desvendar a verdade sobre um antigo inimigo.

Caçada em Bruges é o primeiro livro da série de fantasia urbana da Irmandade dos Caçadores, que se passa no mundo de Ivy Granger. O mundo de Ivy Granger, incluindo a série premiada de Ivy Granger – Detetive Paranormal e a série da Irmandade dos Caçadores estão cheias de vampiros sanguessugas, bruxas temperamentais, fadas psicóticas e heroínas sarcásticas e cheias de atitude.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de jan. de 2020
ISBN9781386110514
Caçada em Bruges: Irmandade dos Caçadores

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    Caçada em Bruges - E.J. Stevens

    Capítulo 1

    Essa era Bruges-la-Morte, a cidade morta, e as artérias dos canais, sepultadas nos cais de pedra, gelaram como a morte quando a pulsação estrondosa do mar cessou.

    – Georges Rodenbach, Bruges-la-Morte

    Vejo fantasmas desde que me entendo por gente. A maioria deles são apenas irritantes: pessoas mortas e inconscientes de que já partiram desta para a melhor. As mais fracas dessas aparições se manifestavam em formas frágeis, sem a habilidade de falar ou pensar direito. São como memórias projetadas de uma vida. Não numa tela... Mas, sim, onde morreram. Grande parte das pessoas caminha entre eles sem nem ao menos sentirem calafrios.

    Os poltergeist são mais poderosos. No entanto, tão resolutos quanto os fantasmas. Esses espíritos irritantes são como crianças birrentas. Batem o pé, gastam toda sua cota de malcriação, gritam e lamentam sobre como algo (o acidente, a morte ou algum assassinato que cometeram) não foi culpa deles e como todos deveriam pagar por suas desgraças. Poltergeist são incômodos; são barulhentos e arremessam objetos para todos os lados. Contudo, apenas os mais fortes são realmente perigosos.

    Felizmente, não há muitos fantasmas capazes de nada além de derrubar canetas das mesas ou de causarem calafrios. Treinando com a Irmandade dos Caçadores, descobri que fantasmas adquirem seus poderes a partir de duas coisas: de quanto tempo estão assombram e da própria força de vontade. Se alguém tão obcecado pela morte quanto Jack, O Estripador, aparecesse ao seu lado numa rua de Londres, eu recomendaria que você corresse. Mas se alguém tão velho e desequilibrado quanto Vlad, O Empalador, aparecesse ao seu lado em Targoviste, na Romênia, seria melhor ter um Caçador com você, ou um anjo da guarda.

    Os mortos têm reputações ruins por uma boa razão, mas alguns deles podem ser prestativos. Havia uma mulher de rosto gentil que aparecia quando eu estava nas casas acolhedoras. Linda não era um fantasma com um ciclo de recordações infinitas, ela tinha livre arbítrio e pensamento independente. E, ainda bem, não era uma sociopata consumida por desejos sanguinários. Linda aparecia com jeans lavados, uma gola rolê escura e tinha um cheiro familiar; mais uma coisa incomum sobre ela. A maioria dos fantasmas estão presos num único lugar: onde viveram ou morreram. Entretanto, o rosto conhecido de Linda me seguia de casa acolhedora a casa acolhedora. O que era algo muito bom, porque Linda, A Fantasma, salvou minha vida mais de uma vez.

    Casas acolhedoras eram um lugar muito bom para se treinar legítima defesa, e talvez seja por isso que a Irmandade dos Caçadores as utiliza como fontes de recrutas. Ter sido abandonada no Sistema de Proteção ao Menor me garantiu diversas oportunidades para aperfeiçoar meus instintos de sobrevivência. Quando os Caçadores chegaram, eu me destacava ou, pelo menos, eu era o que eu pensava.

    A Irmandade dos Caçadores oferecia um treinamento excepcional, e logo percebi que minhas tentativas de ataque e defesa eram meras brincadeiras quando comparadas com as dos veteranos. Não me repreendi por conta daquilo. Eu tinha apenas treze anos quando os Caçadores chegaram e me receberam no grupo deles, mas conhecer minhas limitações me deixou dolorosamente consciente de uma coisa: se não fosse por Linda, A Fantasma, eu provavelmente não teria sobrevivido durante a infância.

    O pior caso de aprimoramento de habilidades de sobrevivência ocorreu na última casa acolhedora, logo antes de a Irmandade dos Caçadores intervir. Não me lembro da matriarca. Ela quase nunca estava presente: era apenas uma silhueta pequena e vestida com um uniforme de poliéster barato vindo de alguma cadeia de fast food, tinha postura curvada e olhos caídos. Contudo, me lembro do marido, Frank.

    Frank era um brutamontes que usava camisetas machão brancas, manchadas de ketchup e mostarda. Ele sempre tinha bafo de batata frita e um sorriso nojento. Levei algumas semanas para perceber que o sorriso de Frank estava mais para lascivo. Eu encontrava o olhar dele no espelho enquanto me trocava no banheiro, e seus olhos diziam tudo: Frank era um pervertido.

    Linda fechava a porta na cara dele, mas aquilo não detia Frank. Ele se esfregava em mim na cozinha, e Linda fazia a torneira inundar o chão... além de colocar uma faca em minhas mãos. Meu tempo naquela casa acabou quando Frank foi parar no hospital.

    Eu estava indo, cuidadosamente, até o quarto, o qual dividia com outras três crianças, quando vi Frank nas sombras, esperando por mim. Peguei o facão que mantinha escondido no bolso do roupão, e que nunca tive a chance de usar. Agora, sei uma coisa ou outra sobre lutar com facas, e era evidente que Frank provavelmente teria ganhado aquela briga.

    Tentei fugir pelas escadas, porém Frank me alcançou no primeiro degrau. Ele pulou para cima de mim, e seu corpo impediu minha fuga. Foi quando Linda, A Fantasma, o empurrou escada abaixo. Me lembro dele rolando em câmera lenta e de seus olhos arregalados quando o sorriso lascivo sumiu do rosto.

    Linda, A Fantasma, mais uma vez tinha salvado minha vida, mas aquela foi sua última visita. Não sei se seu poder psíquico se esgotou ou se ela apenas sentiu que seu trabalho estava feito. Anos depois, descobri que ela era minha mãe.

    Acho que deveria ter percebido antes que era parente do fantasma que me seguia pelos lugares. Nós duas tínhamos cabelos do mesmo tom vibrante de vermelho, mas o meu era liso e bastante curto, enquanto o dela era ondulado e se enrolava ao redor dos ombros. Nós duas tínhamos uma pinta na bochecha esquerda e uma propensão a proteger as pessoas fracas e inocentes do mal.

    Linda, A Fantasma, desapareceu, e uma ambulância barulhenta levou Frank para o hospital. A polícia chegou à casa acolhedora, entretanto os Caçadores entraram no meio e deram um jeito na bagunça. Pude ligar os pontos sobre quem tinha sido minha protetora-fantasma quando meu primeiro mestre da Irmandade me contou o que tinha acontecido com os meus pais.

    Quando criança, imaginei muitas vezes o motivo de Linda, A Fantasma, sempre estar com uma gola rolê escura. Agora, eu sabia porquê. Vampiros jovens e rebeldes rasgaram seu pescoço e cortaram meu pai em pedacinhos como confeitos de carne. Meus pais estavam de férias em Belize, celebrando o aniversário de casamento, quando tudo aconteceu. Eu estava na casa de uma amiga da minha mãe. Caso contrário, eu também estaria morta.

    Não me lembro dos meus pais. Eu tinha apenas três anos quando fui mandada para a primeira casa acolhedora, mas sinto paz ao saber que minha missão como Caçadora me dá o poder de policiar e destruir vampiros rebeldes como os que mataram os meus pais. Quando fico exausta do trabalho, penso na expressão triste de Linda e me obrigo a treinar ainda mais. E quando encontro pervertidos que abusam de mulheres e crianças, penso em Frank.

    É por isso que estou aqui, num aeroporto de Bruxelas, tentando decifrar placas em holandês e francês com os olhos vermelhos depois de um voo de doze horas. Tudo começou quando minha amiga Ivy ligou para avisar que um Caçador havia atacado nossa amiga em comum Jinx. Ivy não sabia o quanto aquela informação me afetaria, ela não sabia sobre Frank e sobre o tempo que passei nas casas acolhedoras, mas concordávamos que atacar uma garota era inaceitável. Ela estava passando a resolução daquele problema para a mão da Irmandade dos Caçadores e para as minhas, por enquanto.

    Fui até o Mestre Janus, diretor da Irmandade dos Caçadores em Harborsmouth, e reportei as transgressões de Hans. Ele ter a reputação de ser furioso e descontrolado durante as batalhas, não ajudou. O fato de ter atacado uma humana, uma das pessoas que juramos proteger contra monstros, foi a última gota da carreira de Hans.

    Garantiram-me que Hans seria enviado para a Sibéria para uma posição equivalente a um trabalho administrativo. Eu deveria ter me contentado com isso e deixado os superiores lidarem com o problema, mas Jinx era minha amiga. A sócia roqueira de Ivy até poderia ter má sorte e um gosto terrível quando se tratava de homens, contudo, não significava que merecia passar o resto da vida se defendendo de ataques dos Franks do mundo.

    Hans continuou com sua função dentro da Irmandade enquanto os superiores remexiam papéis e se preparavam para mandá-lo embora. Ele deveria ter faltado nas sessões de treinamento, mas, bem, ele não sabia que tinha sido eu quem o havia dedurado, e o cara tinha muita raiva para descarregar. Invadi a área de treino e saudei Hans com uma espada. Não demorou até ele começar a sangrar.

    Deveríamos usar espadas de treino, porém acidentalmente peguei a lâmina afiada que usávamos para caçar. Ele não ganhou nenhum machucado muito sério, mas os cortes superficiais estragaram suas preciosas tatuagens. Só pude esperar que as cicatrizes o fizessem se lembrar, constantemente, do que acontecia quando se atacava uma inocente.

    Uma semana depois, recebi uma passagem de avião e ordens para me encontrar com um de nossos contatos na Bélgica. Não tinha certeza se a missão era uma punição ou uma promoção, mas estava pronta para provar meu valor ao comando da Irmandade. As palavras de despedida do Mestre Janus reverberaram em minha mente, distraindo-me das vozes dos alto-falantes que ecoavam pelo aeroporto cavernoso.

    — Faça o que for preciso, Jenna — disse ele. Mestre Janus apoiou uma mão grande e calejada pelo manuseio de espadas no meu ombro e me olhou nos olhos. Eu engoli em seco, mas consegui impedir que minhas mãos tremessem. — Deixe-nos orgulhosos.

    — Deixarei, senhor — disse.

    — Boa caçada.

    Capítulo 2

    Não faz mal ter uma estratégia de fuga.

    – Jenna Lehane, Caçadora

    Eu me virei para seguir uma flecha pintada de azul e quase dei de cara com um jovem magricela que deixava a higiene a desejar. Por um segundo, pensei se nosso contato belga não seria ele, mas de jeito nenhum o corpo de um Caçador tremeria e se contorceria como um brinquedo de gato pendurado numa corda. O cara deveria estar drogado ou desesperado por mais uma dose.

    Definitivamente, não era um Caçador.

    — Você quer um beijo, é? — perguntou ele. — Você me dá uns euros e a gente se pega, pode ser?

    Encarei os olhos amarelados e a pele coberta por acne e estremeci. Mesmo que beijar um completo estranho não fosse totalmente repulsivo e provavelmente contra as regras da Irmandade, eu estava lá a negócios e de jeito nenhum encostaria naquele cara. Ele tinha transmissores de doença espalhados por todo o rosto inquieto.

    E eu nem tinha euros. Ainda não tinha encontrado a casa de câmbio. Havia acabado de pegar as bagagens e ainda estava tentando decifrar as placas que me levariam para a estação de trem.

    A decisão de que eu deixaria Harborsmouth para uma missão na Bélgica foi inesperada. Não tive tempo de aprender uma nova língua antes de assumir o cargo. Passei o longo voo transatlântico enfiando palavras francesas e holandesas de um guia de conversação na cabeça, porém, tinha quase certeza de que não lembrava de nenhuma delas. Felizmente, aquele cara parecia saber um pouco de inglês.

    — Sem beijos. — Ajeitei a longa e dura mochila de esqui que eu levava nas costas e cruzei os braços. Tentei parecer superior, mas não foi fácil com um metro e sessenta de altura. Mesmo com as costas curvadas, ele tinha uns quinze centímetros a mais do que eu. Meus dedos ansiaram pela espada enrolada em papel bolha dentro da mochila de polietileno. — No entanto, se me mostrar onde fica a casa de câmbio e onde posso arrumar passagens de trem, eu compro alguma coisa para você comer.

    — Euros? Cigarros? — perguntou.

    Suspirei.

    — Se você for rápido, posso lhe dar alguns euros, mas não vou pagar para ficar parada aqui o dia inteiro.

    A cabeça do cara balançou para cima e para baixo. Assumi que estava assentindo, e ele saiu correndo. Segui meu guia turístico suspeito e mantive um olho cauteloso em suas mãos. Não seria bom ser pega como cúmplice de um ladrão, especialmente num país estrangeiro, contudo, ele ficou com as mãos nos bolsos do moletom.

    Provavelmente, me arrependeria de tê-lo encorajado, mas sabia o que era passar fome. A maioria das casas acolhedoras em que morei embolsavam o dinheiro fornecido pelo governo para mantimentos e serviam refeições medíocres. Isso quando se importavam em nos alimentar. Eu reconhecia a pele ossuda e o desespero de seus olhos.

    Se não fosse pela Irmandade, aquele cara poderia ter sido eu. Minhas bochechas queimavam e uma coceira familiar tomou conta da minha garganta. Eu me lembrei das provocações angustiantes das crianças na escola enquanto eu andava pelos corredores com roupas de segunda-mão, e que não me serviam, dos olhares de pena dos professores e da rotina apática de visitas dos assistentes sociais. Será que ele tinha crescido assim? Será que enfrentou alguém como Frank todas as vezes que foi ao banheiro?

    — Então... A estação de trem fica longe daqui? — perguntei.

    Minhas ordens eram ir até a estação, onde um contato me passaria a missão e me entregaria os documentos da viagem. Supus que o agente me passaria instruções que me levariam à cidade e, já que o Aeroporto de Bruxelas ficava na periferia, o trem fazia sentido. Sabendo o local de encontro e nada mais, procurei no site do aeroporto como chegar na estação de trem, mas depois de duas horas nas filas da alfândega e controle de fronteiras, não tive mais paciência para a construção labiríntica. Tudo que sabia era que a estação estava em algum lugar dentro do aeroporto e, quanto mais cedo eu chegasse lá, mais cedo receberia minha missão e mais cedo procuraria um lugar para dormir por algumas horas.

    O cara assentiu.

    — Comida primeiro? — perguntou ele. — Caixa eletrônico?

    — Está bem — disse, suspirando. — Mostre o caminho.

    Usei um cartão de crédito, cortesia da Irmandade, para sacar quinhentos euros. Era muito dinheiro, mas não fazia mal ter uma estratégia de fuga. Dinheiro ajudaria se a situação chegasse àquilo.

    Eu fui, claro, cautelosa e protegi a tela do caixa eletrônico da visão dele, apesar de não ter precisado me preocupar. Meu guia pareceu ocupado demais com seu esforço canibalístico de arrancar um pedaço de unha quebrada.

    Escondi a maior parte do dinheiro nos bolsos internos da jaqueta de couro e coloquei algumas notas menores no bolso de trás da calça. Saindo do caixa eletrônico, dei um sorriso para ele e apontei na direção da praça de alimentação.

    — Está com fome? — perguntei.

    Ele limpou o sangue da cutícula mutilada nos jeans sujos e assentiu animado. A compreensão de que parte daquela sujeira eram velhas manchas de sangue fez com que meu estômago se revirasse de um jeito desconfortável, contudo, tentei parecer satisfeita enquanto o seguia até uma rede conhecida de fast food.

    Cerrei os dentes. O cheiro da gordura me deixava enojada, mas comprei dois combos para nós: café e salada com frango grelhado para mim e refrigerante, hambúrguer, fritas e uma torta de maçã para ele. Comi a salada de maneira mecânica, tentando ignorar o cara e suas gorduras trans. Apesar de que ter uma boa saúde não era a única razão pela qual eu evitava comida gordurosa.

    Balancei a cabeça. Cinco anos... E hambúrgueres e fritas ainda me faziam pensar em Frank. Peguei alguns guardanapos, entretanto, eu conhecia a verdade nua e crua. Algumas coisas nunca nos deixam, não importa o quanto tentemos.

    Posso ser atormentada por fantasmas, mas os mortos não são os únicos que me assombram quando estou acordada, ou dormindo.

    Capítulo 3

    Imortais não são nada além de impacientes.

    – Jenna Lehane, Caçadora

    Reprimi um bocejo e dei um punhado de euros para ele. Era hora de continuar a missão. Enfiei um guardanapo com um rascunho da estação de trem no bolso e fui até o elevador mais próximo.

    Segui as placas, tendo dificuldade com as palavras em holandês e, pela centésima vez, me perguntei por que havia sido escolhida para aquele trabalho. Havia diversas pessoas que falavam holandês na organização. A Irmandade dos Caçadores tinha raízes europeias e o nosso membro mais notório, Van Helsing, havia sido holandês. Então, por que a garota que gostava mais de armas do que de palavras foi mandada para lá? Era punição pelo que eu tinha feito com Hans? Ou parte de algum treinamento?

    A Irmandade guardava segredos, e escutei rumores de que tarefas especiais eram dadas para separar o joio do trigo. Velhos medos ressurgiram. Fracasso. Peso morto. Desperdício de espaço. Durante os anos que pulei de casa acolhedora para casa acolhedora, fui recebida por aquelas palavras mais vezes do que posso me lembrar. Desde que me juntei à Irmandade dos Caçadores, trabalhei duro e treinei pesado, no entanto, uma voz infantil e trêmula surgia no canto do meu cérebro e sussurrava que nada daquilo seria suficiente.

    Cerrei os dentes e dei meu melhor sorriso. Eu precisava aprimorar minhas habilidades diplomáticas, e antes tarde do que nunca. Eu estava determinada a obter sucesso naquela missão, o que quer que ela fosse.

    Eu não falharia.

    A área ao redor dos elevadores estava lotada de passageiros preocupados. Ignorando a dor nas costas, eu me inclinei e apertei o botão. Quanto antes terminasse aquela missão e provasse meu valor à hierarquia da Irmandade, mais rápido voltaria para Harborsmouth.

    Posso não ter raízes, a própria Irmandade era minha casa, mas eu tinha amigos em Harborsmouth que precisariam de mim em breve. Há meses, tensões cresciam entre os humanos e a comunidade paranormal, contudo, foi apenas na noite anterior à minha viagem que descobri a verdade: a guerra estava chegando.

    Perdida em pensamentos, fui ao escritório do Mestre Janus para receber minha punição pelos ferimentos de Hans. Mesmo distraída, hesitei antes de bater na porta. Vozes sussurradas, tensas e cheias de raiva contida, discutiam, então fiz o que qualquer bom Caçador faria. Encostei a orelha na porta e escutei.

    Mestre Janus e um homem desconhecido estavam num debate acalorado sobre o que fariam com base nas informações que tinham recebido. Eu perdi o começo da conversa, mas uma coisa estava clara: a Irmandade dos Caçadores suspeitava que tanto os líderes dos vampiros quanto os das fadas estavam juntando forças e mobilizando exércitos sobrenaturais para uma partida mortal de xadrez. Os Caçadores seriam os cavaleiros, e os humanos, os peões. Harborsmouth era suspeita de ser o centro do tabuleiro.

    Quando as vozes pararam, refiz os passos, silenciosamente, e, com passos e um coração pesados, reentrei no corredor que levava ao escritório de Janus. Eu não sabia quando a partida começaria. Imortais não são nada além de impacientes. Entretanto, aceitar ordens e deixar Harborsmouth havia sido a coisa mais difícil que fiz como Caçadora.

    A guerra estava fervendo e, apesar da batalha poder ser adiada por meses, anos, ou mesmo décadas, prometi que encontraria um jeito de voltar para Harborsmouth e usar a espada para defender meus aliados, a Irmandade e os moradores inocentes da cidade. Anos antes, prometi a mim mesma que nunca deixaria os Franks do mundo vencerem. Logo depois daquela promessa, recitei o juramento para me tornar uma Caçadora e defender humanos de paranormais rebeldes.

    Jurei proteger inocentes de monstros, fossem eles humanos, fadas ou mortos-vivos, e levo minhas promessas a sério. Algumas vezes, apenas aquele objetivo me fez persistir. A vida de Caçadora não era fácil. Fiz dos Mestres da Irmandade, os meus pais; dos colegas Caçadores, meus irmãos e irmãs; e me comprometi de corpo e alma com as missões. Não havia espaço para amizades significativas nem relacionamentos. Por isso, a atitude que tomei depois de descobrir que uma batalha estava chegando ainda me surpreende.

    Eu era leal com a Irmandade. Eles me resgataram, deram propósito para minha vida e oportunidades de vingar a morte brutal de meus pais pelas mãos de vampiros rebeldes. Contudo, quando ouvi sobre a batalha que estava prestes a acontecer, precisei avisar a uma pessoa: Ivy Granger, que provara ser uma defensora natural da cidade de Harborsmouth.

    Pena que não era humana.

    Mesmo que a Irmandade, às vezes, quebrasse as regras por paranormais excepcionais, como no caso de Jonathan, quando permitiram que um transmorfo fizesse parte da organização, a maioria dos Caçadores era preconceituosa em relação aos paranormais que enfrentávamos. Era mais fácil matar quando se via o mundo em preto e branco. Contudo, Ivy estava num limbo cinzento Era metade humana, metade fada e não respeitava as regras de ninguém.

    Eu sabia que a Irmandade não aprovaria, oficialmente, o envolvimento de Ivy, mas alguém precisaria avisá-la da guerra que se aproximava. Meu celular tinha sido confiscado, e seria perigoso demais usar o de Jonathan. Não poderia arriscar que a Irmandade rastreasse a chamada. Ainda bem que eu tinha um truque ou outro debaixo da manga.

    Contando com a habilidade psicométrica de Ivy, a capacidade de ler rastros psíquicos deixados em objetos, cortei a mão, causando dor suficiente para um rastro forte e deixei uma mensagem para ela. Enviar o recado ia contra o protocolo. Aquilo foi apenas a primeira coisa imprudente que fiz, e eu ainda me culpava pela segunda.

    Fui até Jonathan Baldwin, um amigo, apesar das inúmeras vezes que eu o havia rejeitado ou que ele tinha me deixado irritada, sabendo que seria a única pessoa em quem eu poderia confiar para entregar a mensagem para Ivy. Porém, quando viu o corte em minha mão, que eu tinha feito para invocar dor suficiente para criar a mensagem, algo confuso aconteceu. Jonathan acariciou minha palma, perguntou se eu a machucara num treino e, com a outra mão, me puxou mais para perto e me beijou.

    Acho que ele não estava pensando direito tão perto da lua cheia. Talvez tivesse sido apenas um simples beijo de despedida. Entretanto, eu o pressionei contra a parede de nosso pequeno dormitório e o beijei com a intensidade de toda a dor, empolgação e preocupação que me assolava por dentro.

    Foi um erro. Um erro que repeti diversas vezes antes de entrar no avião para a Bélgica. Nunca deveria ter beijado Jonathan. Não porque ele era um lobisomem, mas porque eu não gostava dele desse jeito. Não tinha sido certo nem justo da minha parte. Cruzei uma linha que não deveria e fugi do país como uma covarde. Não importa que tenham me mandado partir, ainda parecia traição.

    Provavelmente, o tempo longe um do outro nos faria bem, mas eu voltaria para Harborsmouth quando a guerra começasse. Precisava completar minha missão na Bélgica e retornar para os Estados Unidos antes que fosse tarde demais.

    Meu estômago revirou, e me arrependi de ter comido a salada. O triângulo que apontava para baixo, acima das portas de metal, não acenderia rápido o bastante.

    As portas de metal à minha direita se abriram bruscamente, revelando uma grande caixa de vidro. Eu me misturei na multidão e deslizei para dentro, estudando meus companheiros de viagem e o chão que havia ficado para trás. No subsolo, saí no meio de um grupo de estudantes da minha idade. Com a mochila, jeans e jaqueta de motoqueiro, passei despercebida.

    Logo, notei o posicionamento de possíveis saídas ao caminharmos em direção aos guichês de passagens. Havia escadas e elevadores em cada um dos quatro cantos da assombrosa estação de trem. Cada uma das escadas estava marcada com o número de uma plataforma. As vozes e o barulho estrondoso do trem abaixo ecoaram pelas escadas, no entanto, a estação estava vazia, a não ser por quem saía dos elevadores.

    Quando nos aproximamos de uma parede de vidro, um painel se deslizou para o lado e uma lufada de vento nos atingiu nas filas do guichê. Fui para o lado, dando um momento a mim mesma para que eu pudesse analisar a multidão. Fingindo amarrar os cadarços das botas, deixei o olhar viajar pelo lugar e pelo corredor além das paredes de vidro.

    Com exceção de um homem de terno esperando o elevador, todos

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