É possível ser feliz com e.l.a.?
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Sobre este e-book
É possível ser feliz com E.L.A.? relata-nos a história de uma mulher cuja vida simples e comum assemelha-se à de muitos em sua normalidade, e que, se não fosse pelo surgimento de terrível doença, talvez estivesse fadada a terminar como muitas histórias corriqueiras do dia a dia.
É exatamente a partir desse acontecimento fatídico que esta história aponta-nos a realidade difícil e amarga de ver a doença atingir o corpo com as suas mazelas e padecimentos, sem piedade alguma. Que, ao mesmo tempo, não obstante toda dor, dificuldades de todo gênero e perdas que ela impõe, comprova-nos que somos mais que um corpo em movimento.
Mostra-nos ainda que, por pior que seja o nosso problema, podemos escolher se o fardo a ser carregado pode ou não se tornar mais leve e que a escolha desse peso é nossa.
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É possível ser feliz com e.l.a.? - Cássia Fabiane C. Clipes Rosa
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
Dedico este livro a Deus, nosso Pai de misericórdia,
Criador de tudo, que me concedeu a existência.
A Jesus, nosso Mestre e Irmão, maior exemplo de amor e bondade que já passou pela Terra.
À Maria de Nazaré, Mãe amorosa, protetora de todos nós, em quem confio incondicionalmente e que jamais me faltou em minha humilde vida.
A Eles, a minha eterna e especial gratidão!
E também ao meu pai, que não mais se encontra entre nós, mas que estará eternamente em meu coração e em minhas lembranças, por meio de suas inesquecíveis lições vivenciadas de amor e alegria.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus, por ter me concedido meu maior tesouro: minha vida.
Agradeço a Jesus e a Maria Santíssima, pela proteção e por me guiarem nesta jornada.
À minha família, pelo amor incondicional e por todo apoio que recebo.
Aos amigos de ontem, de hoje e aos que ainda virão, pois sem amigos não somos nada. Em especial, àqueles que me visitam periodicamente, minha eterna gratidão.
Aos funcionários e amigos do hospital, por toda dedicação e pelo singular interesse por mim.
Às minhas técnicas de enfermagem, pelos cuidados, pelo carinho e pela paciência que sempre demonstraram ter.
À minha querida cuidadora, por toda devoção e pela sincera amizade.
A um amigo em particular, por ter despertado o desejo de registrar em páginas a história da minha vida, sugerido outrora pelos meus filhos e confirmado por esse amigo.
Não poderia esquecer, jamais, de citar especificamente uma das minhas técnicas de enfermagem, que utilizou de boa vontade e, principalmente, de muita paciência, para entender o que os meus olhos diziam e repassar para o papel, o conteúdo primário e fundamental deste pretenso livro. E à minha filha, que inspiradamente produziu e registrou minha história em memórias escritas nesta obra, a fim de que não se perca jamais.
Por último, meu sincero agradecimento a todos vocês que manifestaram interesse por mim, disponibilizando de tempo para lerem estas humildes e singelas páginas.
Boa leitura e muita paz!
PREFÁCIO
Certa noite, ao chegar a Castelo, interior do estado do Espírito Santo, para cumprir o revezamento que fazia com meus irmãos nos cuidados com minha mãe, recebo em mãos, com grande surpresa, manuscritos singelos e concisos de uma pretensa história que tinha por objetivo tornar-se uma autobiografia.
Surpreendentemente espantada, manuseei com especial interesse as folhas de um caderno, escritas a mão, e percebi ali, num primeiro momento, o quanto aquela narrativa simples e pitoresca poderia ser responsável por preencher as horas, os dias e os meses de uma pessoa que anseia, mais do que qualquer coisa, pela vida, da forma que Deus permitir, ainda que para sempre presa ao leito e dependente de aparelhos mecânicos.
Demonstrando enorme curiosidade, li com muito afinco tudo o que ali dizia. Admirada pelo esforço realizado por minha mãe em escrever, narrando as mais ou menos oito páginas, perguntei à técnica de enfermagem, responsável por ela naquela noite, quantas noites foram necessárias para o registro das páginas em questão. E ela respondeu: sua mãe, numa noite dessas, pediu pra eu pegar um caderno para escrever a história da vida dela, ditada por ela mesma. Então, nas noites do meu plantão, dia sim, dia não, cerca de uma semana e meia, passávamos horas a fio nessa empreitada. Ela ditava com os olhos, letra por letra, até formar as frases e os parágrafos
. Enquanto lia a narrativa, compreendi que, embora a escrita fosse bastante rudimentar, era também de singelo conteúdo, e que, fazendo as devidas transformações literárias, poderia tornar-se uma valiosa ferramenta de divulgação da história de uma mulher de origem muito simples, mas de muito apreço e dona de um futuro no mínimo exemplar.
Apesar da escrita simplória e extremamente sucinta, já que se tratava, nesse início, de um resumão, visualizei por detrás daqueles escritos um potencial de ação indescritível, pois foi colocado em nossas mãos um tesouro de ideias que proporcionaria o entusiasmo e uma conquista para minha mãe, oferecendo a ela um especial ânimo e um recurso a mais em se ver fazendo parte do mundo lá de fora, atravessando assim as paredes físicas do seu quarto, que, com certeza, não são intransponíveis.
Ao mesmo tempo, seria também grande oportunidade de divulgar a história de uma mulher que soube e que sabe ser exemplo de vida em meio a tantas dores e dificuldades. Que mostra que, para sermos alguém na vida, não são necessários títulos, sobrenomes ou dinheiro, pois o que nos torna especiais são os tesouros adquiridos pelo esforço próprio em nos tornarmos melhores pessoas hoje do que fomos ontem, amealhando virtudes e aquisições que jamais se perdem ou são tiradas de nós.
A realização desta obra mostra-nos, ainda, que podemos estar verdadeiramente inseridos neste mundo e que temos o nosso espaço em qualquer tempo ou situação em que vivemos. Basta que assumamos o nosso lugar nele, pois não é a limitação da falta de estudos, ou o som da fala que perdemos, que nos impedirá de falar ou agir, de realizar o sonho de colocar nas páginas de um livro uma história que, com certeza, poderá modificar ou inspirar a vida de muitos. Mesmo que não sejam muitos, mas, se apenas um nos der a satisfação de compartilhar conosco estas páginas e se permitir ser tocado ou ajudado, ou comovido de alguma forma, já terá valido a pena e estaremos felizes por termos alcançado nosso objetivo.
Cássia Fabiane C. C. Rosa
sumário
1 {ADUÇÃO}
2 {QUEM TÁ NA CHUVA É PRA SE MOLHAR}
3 {AMOR COM AMOR SE PAGA}
4 {QUE SEJA ETERNO ENQUANTO DURE}
5 {QUEM CASA QUER CASA}
6 {ONDE COME UM, COMEM DOIS}...
7 {O OLHO DO DONO É QUE ENGORDA O GADO}
8 {CONFIA EM DEUS, MAS AMARRA TEU CAMELO}
9 {QUEM NÃO COMEU MELADO, QUANDO COME SE LAMBUZA}
10 {NÃO DEIXA PRA AMANHÃ O QUE PODE FAZER HOJE}
11 {QUEM SAI AOS SEUS NÃO DEGENERA}
12 {PELO ANDAR DA CARRUAGEM}...
13 {A EDUCAÇÃO CABE EM QUALQUER LUGAR}
14 {RAPADURA É DOCE, MAS NÃO É MOLE NÃO}
15 {DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS}
16 {NINGUÉM VIVE PARA SEMPRE}
17 {SANTO DE CASA NÃO FAZ MILAGRE}
18 {TAPAR O SOL COM A PENEIRA}
19 {ANTES QUE O MAL CRESÇA, CORTA-SE-LHE A CABEÇA}
20 {MURRO EM PONTA DE FACA}
21 {AS PALAVRAS VOAM, OS ESCRITOS PERMANECEM}
22 {FICAR A VER NAVIOS}
23 {A VERDADE É MANCA, MAS SEMPRE CHEGA A TEMPO}
24 {CONTRA FATOS NÃO HÁ ARGUMENTO}
25 {É ONDE A PORCA TORCE O RABO}
26 {O QUE NÃO MATA ENGORDA}
27 {O QUE NÃO TEM REMÉDIO, REMEDIADO ESTÁ}
28 {DEVAGAR COM O ANDOR QUE O SANTO É DE BARRO}
29 {QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO}
30 {NÃO HÁ NADA TÃO BOM QUE NÃO POSSA MELHORAR}
31 {MELHOR ISSO QUE NADA}
32 {LUTAR SEMPRE, VENCER ÀS VEZES, DESISTIR JAMAIS}
33 {E NÃO HÁ NADA TÃO RUIM QUE NÃO POSSA PIORAR}
34 {MATANDO UM LEÃO POR DIA}
35 {NADA COMO UM DIA APÓS O OUTRO}
36 {O CÃO CHUPANDO MANGA}
37 {PRA FRENTE É QUE SE ANDA}
38 {MATAR DOIS COELHOS COM UMA CAJADADA SÓ}
39 {DEUS ESCREVE CERTO POR LINHAS TORTAS}
40 {QUEM NÃO TEM CÃO CAÇA COM GATO}
41 {A CADA DIA, SUA PENA E SUA ESPERANÇA}
42 {QUEM TEM AMIGOS TEM TUDO} 185
43 {AJUDA-TE QUE O CÉU TE AJUDARÁ}
44 {RIR É O MELHOR REMÉDIO}
45 {A ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE}
46 {É PRECISO DAR TEMPO AO TEMPO}
47 {LONGE DOS OLHOS, LONGE DO CORAÇÃO}
48 {ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA, TANTO ATÉ QUE FURA}
49 {QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA}
50 {QUEM AMA A ROSA SUPORTA OS ESPINHOS}
51 {DEPOIS DA TEMPESTADE, VEM A BONANÇA}
52 {CORAÇÃO DE MÃE SEMPRE CABE MAIS UM}
53 {CORAÇÃO ALEGRE FAZ UMA VIDA LONGA}
54 {NEM SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM}
55 {A VIDA É UMA CAIXINHA DE SURPRESA}
56 {COM A CORDA TODA}
57 {O MELHOR DA FESTA É ESPERAR POR ELA}
58 {O FUTURO A DEUS PERTENCE}
BIBLIOGRAFIA
1
{Adução}
Sou Terezinha, Tê, Tereza, Tetê, enfim, me chamem do que quiser, mas, por favor, me chamem, falem comigo. Hoje já não falo com palavras convencionais, como a maioria, mas falo com os olhos, com os olhos do corpo, com os olhos da alma.
Resolvi escrever a minha história para que ela possa ficar registrada em páginas escritas, mas sem a pretensão de me achar especial por isso, apenas achei que, de alguma forma, serviria de apoio ou exemplo. Sou portadora de uma doença degenerativa pouco conhecida: Esclerose Lateral Amiotrófica. Convivo com E.L.A. há mais de dez anos. Ao longo desta narrativa, contarei detalhes e informações sobre o meu estado atual e como tudo começou desde que a este mundo cheguei.
2
{QUEM TÁ NA CHUVA
É PRA SE MOLHAR}
Mil novecentos e cinquenta e dois. Esse foi o meu ano. Precisamente 18 de junho de 1952, data que Deus me concedeu a oportunidade de viver neste mundo e que hoje concedo a mim, por meio deste, a exposição da minha simples e humilde vida, e que, talvez, despretensiosamente, sirva de alguma valia.
Filha terceira de uma família de 11 filhos. Éramos moradores e donos de uma terra simples no interior de Castelo, mas muito fértil e próspera. Lugar especial, cheio de vida e de natureza encantadora. A tranquilidade e a paz do lugar deram origem ao nome da comunidade: Descanso
. Frutas, verduras, leite, criações de animais. Alimentos produzidos com fartura, mas cultivados com a força do trabalho pesado e diário. Na roça onde morávamos, tudo era plantado e colhido com o suor do nosso próprio trabalho. Debaixo de chuva, debaixo de sol, estávamos lá nas tarefas diárias a cumprir nossas obrigações.
Mas, por mais difícil que a vida fosse, aquele lugar onde morávamos era infinitamente melhor do que o lugar onde nasci. Quando vim a este mundo, meus pais moravam num lugar chamado Alto da Descoberta, mas era só Alto
, pois não havia nada lá para se descobrir, a não ser sua feiura. Muito difícil o acesso, e mamãe sofria demais por todas as dificuldades que havia. Sem energia elétrica e água por perto, tudo despendia em muito trabalho. Eu e meus dois irmãos mais velhos, nascemos nesse lugar, mas lá vivi apenas o meu primeiro ano de vida. Toda lembrança que tenho é porque, depois de crescida, eu e meus pais passávamos, às vezes, pelas bandas daquele fim de mundo. Graças a Deus e ao meu avô, o Descanso
foi descoberto e emprestado ao meu pai para morarmos e usufruirmos daquela bendita terra.
Aos 7 anos fui à escola pela primeira vez. Colégio Madalena Pisa. Como estava ansiosa para aprender e frequentar as aulas! Apesar da longa caminhada do sítio até a escola, ia feliz da vida, junto dos meus irmãos.
Tudo bem na 1ª e 2ª séries. Mas, na 3ª série, tive dificuldades. Era muito nova e não consegui acompanhar o conteúdo. Tive, então, de repetir o 3º ano. Completei depois a 4ª série, mas para minha tristeza meu pai me tirou da escola. Naquela época, era muito comum os pais afastarem os filhos da escola para trabalhar na roça. Sei que meu pai não fez isso por maldade, mas por ignorância de não compreender como o estudo é importante. Assim, meu sonho de um dia me tornar professora foi por água abaixo. Tenho certeza de que teria sido uma boa professora. Fui um pouco frustrada por isso, mas já passou. Segui em frente.
Ainda na escola, eu era uma menina muito sentimental. Emocionava-me com tudo e com todos. Naquele tempo, quando as crianças faziam algo errado na escola, elas apanhavam e eram castigadas. E muitas vezes, enquanto minhas colegas brincavam na hora do recreio, eu ficava afastada, encostada na parede, olhando à minha volta. Quando via uma criança apanhar, eu chorava, sentindo mais dor e desespero que a que estava apanhando. Eu mesma nunca apanhei, nem em casa nem na escola. Talvez por ser muito sensível.
Todos os dias, após chegar da escola, eu e meus irmãos íamos trabalhar na roça. Plantávamos tomate, café, feijão, milho, laranja, cana, verduras e outros. Lembro que tudo era muito difícil, o trabalho era muito pesado e, como éramos pobres, não tínhamos empregados, e então eu e minha família fazíamos um pouco de tudo. Recordo também que já carreguei até caminhão de cana no canavial, palha de café para alimentar o fogão, tiragem de leite da vaca e muitas outras coisas.
3
{AMOR COM AMOR SE PAGA}
Meu pai era o chefe do trabalho na roça. Ele sempre foi fisicamente meio franzino, pegava no pesado, mas em dias muito quentes, de sol muito forte, ele não podia fazer esforço, pois algumas vezes chegava a desmaiar. Como sinto falta do meu pai! Amava e amo todos da minha família, mas, com meu pai e um determinado irmão, tinha uma ligação mais forte; coisa espiritual, sabe?! Esse meu irmão, há mais de 20 anos falecido, cuidava de mim com especial atenção. Ele percebia quando eu não estava bem e sempre me ajudava. Éramos muito amigos. Minha mãe era do tipo durona, tinha um temperamento expressivo e, quando precisava brigar com a gente, brigava mesmo. Coitada, trabalhava demais e cozinhava muito bem. Não fazia corpo mole para as tarefas da casa e da roça. Mas, como era de temperamento rígido e austero, me resguardava mais no trato com ela. Já eu e meu pai éramos muito parecidos, portanto, a afinidade era