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O romance em vias do não ser
O romance em vias do não ser
O romance em vias do não ser
E-book191 páginas2 horas

O romance em vias do não ser

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Sobre este e-book

As problematizações sobre a constituição do romance são objeto de interesse de vários analistas. Investigar as tessituras do gênero pela semiótica literária é um convite que se estende também àqueles que iniciam as leituras na busca por desvendar a arquitetura textual por trás do discurso. O desvelamento dá-se em dois planos que se completam: a sintaxe e a semântica discursivas, em que as projeções das categorias fundamentais de enunciação unidas depois das escolhas de tematização e figurativização do discurso concorrem para uma possibilidade de significação ao romance Jacques, o fatalista, e seu amo, de Denis Diderot. Mais do que a leitura de uma narrativa, a discussão quase ensaística do filósofo escritor prepara o terreno para os questionamentos que nesta obra apresentam-se ao público.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2016
ISBN9788547302672
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    O romance em vias do não ser - JUCELIA SOUZA DA SILVA

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição – Copyright© 2015 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM

    AGRADECIMENTOS

    Resplandecente é a Sabedoria, e sua beleza inalterável: Os que a amam descobrem-na facilmente. Os que a procuram encontram-na. Ela antecipa-se aos que a desejam. Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta. Fazê-la objeto de seus pensamentos é a prudência perfeita, e quem por ela vigia, em breve não terá mais cuidado. Ela mesma vai à procura dos que são dignos dela; ela lhes aparece nos caminhos cheia de benevolência, e vai ao encontro deles em todos os seus pensamentos, porque verdadeiramente, desde o começo, seu desejo é instruir, e desejar instruir-se é amá-la. Mas amá-la é obedecer às suas leis, e obedecer às suas leis é a garantia da imortalidade. Ora, a imortalidade faz habitar junto de Deus (Sabedoria 6, 12-18b).

    Por mais que procuremos agradecer, sempre percebemos que nem todos aqueles aos quais, em verdade, somos gratos foram mencionados nas páginas dedicadas a essa atividade. Isso porque são muitos os que contribuem no percurso, alguns de forma constante, outros que vão se somando aqui e ali. Por um lado, há os que diretamente nos acompanham, e por outro há sempre os que de modo indireto se fazem fundamentais nesse processo.

    Aqui expresso minha gratidão à professora Maria Adélia Menegazzo, que desde os tempos da graduação acreditou em mim e foi sempre a grande mestre a iniciar-me no caminho das linguagens, da literatura, da pesquisa. Pelas vezes que me fez sentir capaz, que me apontou o caminho e, mais que orientar, me mostrou que persistir é sempre o curso que leva ao acerto. Por sua presença, sua constância e resposta a cada momento em que a ignorância do orientando gritava por direção. Por ser modelo intelectual e ainda por sua paixão inspiradora pelo conhecimento.

    Ao professor José Genésio Fernandes, que acompanhou meus passos como um pai que contempla a criança aprendendo a andar. Encheu-me de ânimo nos momentos difíceis e acreditou em mim quando talvez ninguém acreditava. Isso foi importante, muito. Um e-mail de maneira especial impulsionou-me a ver que

    é preciso crer que se pode sobremodalizar a sua junção com o poder-fazer, com o crer que essa junção é verdadeira. Veja que não basta modalizar veridictoriamente sua relação com o Objeto Modal poder-fazer [...]. É preciso, ainda, sobremodalizar essa junção, crendo nela. Só assim terá força, confiança em si e tranquilidade e gosto para trabalhar. E está chegando a hora de largar os livros e pensar e escrever. Se souber, tiver segurança para trabalhar com coisas novas da teoria, faça isso. Se não, use o que sabe. Não precisa dar conta de tudo. Basta que seu trabalho esteja bem escrito, bem organizado. ‘Não basta PODER, é preciso CRER no PODER’.

    Eu acredito nisso, na sua lição, meu professor.

    À minha família, que esteve sempre presente e na expectativa de que tudo teria um bom resultado. Que bom ver o brilho nos olhos de meus pais, pois isso é fruto de tudo o que eles plantaram em mim, em convicção, perseverança, luta e muita fé.

    E, por fim, minha gratidão e meu louvor Àquele que deveria ter sido o primeiro mencionado, porém expresso agora. Ele é o começo e o fim de tudo isso e de tudo o que há. Obrigada, meu Deus, pela direção, pela luz, por tudo aquilo que eu ainda nem entendo, mas que foi preciso e permitido. Divino Mestre, mostrai-me sempre o caminho que conduz à sabedoria e fazei-me sempre grata aos Teus benefícios. Ensina-me a manter o foco naquilo que é essencial.

    PREFÁCIO

    Isto não é um romance?

    Nós, leitores e apreciadores da arte moderna, muitas vezes nos interrogamos diante do quadro do pintor belga René Magritte intitulado A traição das imagens (1929), que traz inscrita a frase Isto não é um cachimbo abaixo de um desenho de um cachimbo. Em que pesem a passagem do tempo e a aceitação da obra, a proposição ainda hoje causa certo desconforto. No entanto a conclusão, segundo o próprio Magritte, é muito simples: trata-se apenas de um desenho de um cachimbo e não do próprio, embora seja como manifestamos o seu reconhecimento. Como se estivéssemos diante do objeto mesmo, e não de sua representação.

    Em 1772, o enciclopedista iluminista Diderot publicou um conto intitulado Isto não é um conto, no qual travou uma batalha com um leitor imaginário, para dar veracidade à narrativa, que, por sua vez, relatou fatos e ações de personagens que pertenciam ao meio social do autor e que, portanto, não poderiam resultar em um conto. O narrador-Diderot deu-lhes um tratamento ficcional eliminando as fronteiras entre a história e a narrativa. Dez anos antes escreveu o famoso Elogio a Richardson (1762), em que o ponto crucial era o debate entre história e verdade:

    Ó Richardson!, eu ousaria dizer que a história mais verdadeira está cheia de mentiras, e que teu romance está cheio de verdades. A história pinta alguns indivíduos: tu pintas a espécie humana; a história atribui a alguns indivíduos aquilo que eles não disseram, não fizeram: tudo o que atribuis ao homem, ele o disse e fez; a história abarca apenas uma porção da duração do tempo, apenas um ponto da superfície do globo; tu abarcaste todos os lugares e todos os tempos. [...] Eu ousaria dizer que amiúde a história é um mau romance; e que o romance, como tu o fizeste, é uma boa história. Ó pintor da natureza!, és tu que não mentes jamais (DIDEROT, 2000a, p. 23).

    Quando, em 1771, Diderot publicou Jacques, o fatalista, e seu amo, causou surpresa a maneira como instituiu o jogo entre as instâncias discursivas da verdade e da realidade. No melhor viés contemporâneo de questionamento dos limites entre os gêneros literários, o narrador desafiou o romance exemplar de seu tempo, o richardsoniano, ao estabelecer um diálogo direto com o leitor para repensar o que, de fato, estava sendo narrado. Usando a simplicidade do senso comum, fez críticas mordazes ao momento pré-Revolução da França, retirou as sustentações cronológicas dos acontecimentos e solapou a relação entre o moralismo regente das aparências e o seu avesso amoral. Um antirromance paródico surgiu aos olhos do leitor, que agora somos nós.

    É sobre esse processo de desconstrução e suas estratégias que se debruçou Jucelia Souza da Silva na dissertação de mestrado, agora publicada como livro. Para elaborar o texto que o leitor tem em mãos, a autora apropriou-se de uma sintética bibliografia das áreas da teoria literária e da semiótica greimasiana, o que lhe permitiu analisar Jacques, o fatalista, e seu amo com segurança e competência. A análise foi dividida entre a sintaxe e a semântica discursivas, tratando em uma das construções da relação das categorias fundamentais da enunciação (actorização, temporalização e espacialização) e, em outra, das correspondências entre tema e figurativização. Como explica a autora,

    temos um romance dividido em três planos justapostos na narrativa: a viagem de Jacques e seu amo para qualquer lugar ou lugar algum; o relato dos amores de Jacques e o pensamento fatalista. O espaço narrativo é o espaço discursivo, já que as cenas se apresentam conforme a recordação daquele que conta uma história, a memória narrativa. No campo da memória, nada é definitivo nem universal, tudo é facetado. O espaço mnemônico é um espaço de luta pelo poder. Poder ideológico e manipulador, filtrado de acordo com as intenções e efeitos a serem desprendidos ou rejeitados.

    A análise encarrega-se de expor esse poder ideológico e manipulador e utiliza como vetor a estrutura dos romances nos quais o jogo amoroso (o mesmo que Diderot admira em Richardson) vai definindo suas estratégias e seu desenvolvimento. Para tanto, a autora faz um percurso pelos valores que estão na base dessa arquitetura textual, principalmente a liberdade e o fatalismo, e nesse processo estabelece possíveis efeitos de sentido.

    Em tempos de aceleração da produção acadêmica e da superficialidade com que se conduz a apropriação de teorias e ideias, este livro vem provar que ainda é possível, com poucos conceitos num mesmo sistema teórico, ir às profundezas do texto literário para fazê-lo surgir não na sua totalidade (porque isso não é desejável nem plausível), mas naquilo que efetivamente diz contrapondo-se ao não dito. A evidência dessa contraposição dá a Jacques, o fatalista, e seu amo o estatuto de obra de arte e ao livro que agora nos chega às mãos um seguro meio para compreendê-lo.

    Maria Adélia Menegazzo

    Outono de 2016

    A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro.

    É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na

    ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção

    de um duplo contato: de um lado, toda uma atividade do discurso

    vem, discretamente, indiretamente, colocar em evidência um significado

    único que é eu te desejo, e libertá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo

    explodir (a linguagem goza de se tocar a si mesma); por outro lado,

    envolvo o outro nas minhas palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo esse

    roçar, me esforço em fazer durar o comentário ao qual submete a relação.

    (Roland Barthes)

    Sumário

    INTRODUÇÃO 

    CAPÍTULO I

    APRESENTANDO A PROPOSTA ROMANESCA DE DENIS DIDEROT 

    1.1. DIDEROT E SEU TEMPO 

    1.2 O NOVO ÉPICO: A FORMA ROMANESCA 

    1.3. O AMOR COMO TEMA 

    1.4. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA UMA LEITURA DO TEXTO 

    CAPÍTULO 2

    (DES)CONSTRUINDO UMA HISTÓRIA: A ARQUITETURA TEXTUAL NUM PROCESSO DE SIGNIFICAÇÕES 

    2.1 SINTAXE DISCURSIVA: A EDIFICAÇÃO DA LINGUAGEM 

    2.1.1 ACTORIZAÇÃO: A PESSOA QUE FALA, ALGUÉM QUE FAZ 

    2.1.2 CRONOTOPO: A INSERÇÃO DO SUJEITO 

    2.1.2.1 ENTÃO, O SER 

    2.1.2.2 ONDE, O SER 

    2.2.1 SEMÂNTICA DISCURSIVA: OLARIA TEXTUAL 

    2.2.2 NÍVEL DO ENUNCIADO: /LIBERDADE/ VERSUS /OPRESSÃO/ 

    2.2.3 NÍVEL DA ENUNCIAÇÃO: /REALISMO/ VERSUS /FICÇÃO/ 

    CAPÍTULO III

    DIDEROT E O MODELO DE RICHARDSON 

    A PROSA MODERNA EM VIAS DO NÃO SER 

    REFERÊNCIAS 

    INTRODUÇÃO

    É evidente que não estou fazendo um romance,

    dado que negligencio tudo o que um romancista

    não deixaria de empregar.

    (Denis Diderot)

    O texto é, como efeito, aquilo que a leitura

    atualiza e o que a análise constrói.

    (Denis Bertrand)

    De início apresento um paradoxo: tomo como objeto de estudo um texto clássico quando falo em modernidade(s). O romance Jacques, o fatalista, e seu amo, do escritor francês Denis Diderot, teve sua primeira versão conhecida, provavelmente, em 1771. A esse texto, composto no século XVIII, é atribuído o sentido de um texto moderno.

    Paradoxo, pontos antitéticos, contradição, negação, denegação são termos reiterados não poucas vezes ao longo do livro. Aliás, esse é o ponto que tomo como partida da análise textual.

    No interior da narrativa ocorre a denegação do gênero, denegação explícita e constante. Toda a construção é permeada pela recusa do caráter romanesco, e a interrupção narrativa associa-se a ela como uma respiração interna da obra.

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