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Jiló, um garoto em perigo
Jiló, um garoto em perigo
Jiló, um garoto em perigo
E-book196 páginas2 horas

Jiló, um garoto em perigo

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Sobre este e-book

Jiló é um garoto em perigo. Está só e desamparado. Você também se arriscaria para salvá-lo?
Chicão, adolescente de classe média, mora sozinho, tem um monte de amigos e adora aprontar com todo mundo. Jiló é um garotinho negro, muito pobre, que vai morar com sua mãe, num barraco, ao lado do apê do Chicão. No início, Jiló e Chicão se enfrentam como numa verdadeira guerra, mas depois tornam-se amigos inseparáveis. Porém, após uma violenta briga no barraco, Jiló desaparece e sua mãe quase morre assassinada.
Chicão e seus amigos, na tentativa de desvendar o misterioso sumiço de Jiló, acabam por se envolver com um perigoso traficante de drogas, uma cartomante ligada ao rapto e comércio ilegal de crianças, um vereador corrupto e outros personagens, como o furioso cachorro Sabão.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de mar. de 2014
ISBN9788506074572
Jiló, um garoto em perigo

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    Jiló, um garoto em perigo - Marcio Poletto

    1

    O NOVO VIZINHO

    Chicão surgiu na sala com cara de muito sono; havia acabado de levantar. Caminhou, ainda zonzo, para a cozinha e pegou uma laranja e uma mexerica na geladeira. Voltou para a sala e andou até a janela. A luz do dia ofuscou sua vista e teve de fechar parcialmente os olhos. Do 2º andar, olhou para os prédios, como sempre fazia, e depois para o terreno baldio, que ficava embaixo de sua janela.

    Uma nova visão o surpreendeu; um barraco havia surgido no meio do terreno. Um garotinho negro caminhava em volta e chutava uma pequena bola murcha. Chicão ficou olhando o garoto, e sua mente, sempre cheia de más ideias, já começou a imaginar alguma forma de acabar com a brincadeira do moleque. No mesmo instante, o garoto, que só usava um surrado calçãozinho, olhou para cima e avistou Chicão; seus olhares se encontraram e pareceram faiscar. O garoto encarou-o por alguns instantes e depois fez um gesto mandando uma banana para Chicão, que, surpreso, não pensou duas vezes: debruçou-se no beiral da janela e mandou sua laranja para cima do garoto. Passou perto, quase o acertou, caiu no chão e rolou pelo terreno. O garoto correu, pegou a laranja, mandou outra banana e rumou para dentro do barraco. Chicão ficou transtornado:

    – Moleque safado, você me paga. No primeiro dia e já rouba minha laranja! A melancia acabou ontem, senão você ia ver só!

    Eram seis e meia da manhã, e Chicão tinha de correr para pegar a aula das sete e meia no Padre Miguel, colégio particular de classe média na zona sul de São Paulo, próximo ao aeroporto de Congonhas. Caminhou para o banheiro, não deu nem cinco passos e ouviu um rádio ser ligado em alto volume; vinha do terreno. Deu meia-volta e retornou à janela. Avistou uma mulher, também negra, que tentava arrumar alguma coisa para fazer, pois andava de um lado para outro e olhava para o barraco. O rádio estava em cima de uma cadeira velha e tinha uma antena enorme. O programa era religioso e o locutor gritava Aleluia! a cada cinco segundos de locução. Chicão procurou alguma coisa pela sala para atirar para baixo e achou um jornal velho. Amassou bem, enrolou-o, chegou até a janela e gritou para a mulher:

    – Abaixa o rádio, quero dormir! – bateu o jornal no beiral da janela.

    – Ah! Num enche o saco! – a moça não tinha lá muita educação. Chicão também não!

    Nesse momento, Nanda, amiga e vizinha de Chicão, apareceu na janela de cima. Ela percebeu o que iria acontecer e resolveu intervir:

    – Chicão! Não arruma mais confusão no prédio. Você já está bem encrencado por aqui – olhou para a moça negra e tentou chamá-la. – Dona, abaixa um pouquinho o rádio, por favor!

    A moça olhou meio insolente, colocou a mão na cintura, foi até o rádio e baixou o som, deixando-o num volume mais razoável.

    – Chicão, sai dessa janela e vai se arrumar que eu já estou quase pronta – os dois sempre iam juntos para a escola. Nanda, um ano mais velha, cursava o 2º ano do 2º ciclo, e Chicão, o 1º.

    – Tá bom! Não precisa ficar me pajeando! – estava de mau humor. Entrou e foi se arrumar.

    Alguns minutos depois voltava para a sala já arrumado. Vestia sua calça favorita, superlarga, boné virado para trás e enormes botas, as quais adorava. Arrumou sua mochila, colocou alguns livros e cadernos e ia saindo quando sua janela, que ainda estava aberta, recebeu uma chuva de cascas e bagaço de laranja, que se espalharam pela sala e por cima do sofá. Obviamente só poderiam ter vindo do terreno, lançados pelo moleque. Chicão, furioso, voou para a janela e só pôde ver o moleque correndo para a rua e sumindo em disparada pelo bairro.

    – Você quer guerra! Então está declarada guerra pra valer! – a cara que fez foi de raiva, mas, no fundo, estava adorando o que acabara de acontecer. Vibrava com uma boa disputa.

    Saiu e fechou a porta. Desceu correndo as escadas e encontrou Nanda na portaria, como sempre, à sua espera.

    – Pô, Chicão, que demora!

    – Não vem me encher não, meu dia não começou bem.

    – Você só arruma confusão! Foi brigar com os favelados...

    – Eles estão com os dias contados, estamos em guerra.

    – Guerra?

    – Guerra, é isso que você entendeu. O moleque quer briga.

    – Mas é só um pirralho! Não deve ter nem 7 anos de idade!

    – Mas já é um marginalzinho. Se deixar essa gente fazer o que quer, amanhã entram na sua casa, roubam tudo, dormem na sua cama, usam sua roupa e comem sua...

    – Comem o quê? Seu sem educação.

    – Sua comida, Nanda. Ah, esquece, a briga é minha – enquanto conversavam, também caminhavam.

    O colégio não ficava muito longe, coisa de um quilômetro. Iam sempre a pé, a não ser que estivesse chovendo. Nesses dias, a mãe de Nanda, dona Flora, levava-os de carro, um Fusca branco bem velho, que todos conheciam como Neve. Fora dado pelo avô, que não podia mais dirigir. Nanda, às vezes, quando dona Flora estava de bom humor, saía com o Neve para dar um rolê pelo bairro.

    O pai de Nanda, seu Orlando, era separado de dona Flora. Ele morava em outra cidade, tinha outra família e, com sua outra mulher, tinha outro filho, era pai de Guto, um garoto bem mais novo que Nanda. Flora, depois da separação, que ocorrera havia dez anos, não quis mais saber de homem, namorado e, principalmente, de outro marido. Preferiu viver para a filha e para o trabalho. Era professora de artes plásticas e vivia com telas e pincéis por todos os cantos do apartamento. Além de lecionar, também participava de exposições onde vendia alguns de seus quadros, o que complementava o orçamento familiar. Seu Orlando também ajudava nas despesas da casa, mas o que dava cobria apenas os gastos com a escola de Nanda. Dona Flora tinha sido uma mulher muito reprimida: primeiro, quando jovem, pelo pai e, depois, quando casada, pelo ex-marido, e não queria que a filha sofresse as mesmas privações, o que, para Nanda representou uma vida com mais liberdade, porém com responsabilidade, como sempre alertava sua dedicada mãe.

    Mas as duas não viviam sós no apartamento. Com elas também morava um cachorro vira-lata, bravo como um pit bull, de nome Sabão. Era o terror do prédio. Os moradores até fizeram abaixo-assinado para pôr o Sabão na rua, mas não conseguiram. O cachorro era tão bravo que só dona Flora, com um pequeno chicote, conseguia intimidá-lo. Mas ela gostava muito dele, e Nanda a respeitava. O problema é que ninguém ousava entrar na casa delas. Chicão, que adorava Nanda, talvez até a amasse, morria de medo do cão. Subia em cima do que visse pela frente para fugir do feroz animal.

    2

    UM DIA NO PADRE MIGUEL

    A duas quadras do Padre Miguel, Nanda olhou para o relógio. Marcava sete e meia:

    – Chicão, estamos atrasados. Vamos correr!

    – Correr? Tô cansado.

    – Corre, seu lesma! – Nanda iniciou a corrida, e Chicão, que fazia tudo que ela mandava, foi atrás.

    Chegaram ao colégio e continuaram correndo pelo pátio e corredores. Apenas algumas pessoas transitavam, estavam realmente atrasados, mais uma vez. Chicão lembrou que era aula da Terezona, o terror da escola. Pensou em voltar, mas se lembrou de suas notas, que não estavam boas, e resolveu continuar. Nanda subiu para o 3º andar, e Chicão ficou no 1º, onde ficavam as turmas do 1º ano. Despediram-se rapidamente. Chicão chegou à porta de sua sala e olhou pela pequena janela. A professora já estava sentada, arrumando suas coisas. Bateu à porta e entrou:

    – Dá licença, professora – a classe inteira olhou em sua direção e ouviu-se certo murmúrio.

    A professora olhou para ele, ainda muda. Franziu um pouco a testa. Chicão esperou pelo pior:

    – Pode entrar – ela estava calma naquele dia.

    Voltou os olhos para as coisas dela. Chicão continuou parado, ainda sem entender. Havia sido muito fácil, poderia ser armação dela. Terezona olhou novamente para ele:

    – Vamos, o que está esperando? Vá se sentar.

    – Obrigado, professora – caminhou para o fundão do lado da janela.

    Foi passando, rindo para os colegas e batendo na mão de alguns.

    – Tá salvo! O bicho hoje tá manso – Jonas comentou baixinho quando Chicão ia sentar-se na carteira.

    Os outros amigos também o cumprimentaram: Huguinho, Samuel, mais conhecido por Samuca, e Plínio. Os inseparáveis amigos estavam novamente juntos. Jonas, o mais chegado, companheiro das grandes armações, loiro, cabelos curtos e espetados para os lados, usava óculos; Huguinho, o amigo gordão que sempre sobrava com as piores tarefas, cabelos compridos e castanhos, também usava óculos; Samuca, de origem judaica, independente e intelectual, sempre com seu quipá na cabeça, cabelos curtos, também escravo dos óculos; Plínio, o baixinho, inventor e micreiro, mais um da turma dos óculos, e de grossas lentes.

    A aula se arrastou. Terezona ensinava física e, durante suas aulas, não se ouvia nem um pio. O silêncio era total e a tensão era grande. Nunca sabiam se viria uma prova surpresa, chamada oral ou trabalho em grupo. O clima era sempre de expectativa. Mas naquele dia não houve nenhuma surpresa, apenas matéria e explicações.

    Tocou a campainha do intervalo. Terezona não se demorou muito e saiu. Mal pisou no corredor e já começou a zona na sala de aula. Todos de pé, bolinhas de papel, cadeiras se arrastando, pequenos gritos; enfim, estavam comemorando mais uma semana livres da Terezona. Só a veriam na semana seguinte. Jonas bateu nas costas de Chicão:

    – E aí, Chicão, hoje quase que ela te azara.

    – Puxa, achei que não ia me deixar entrar – respondeu Chicão enquanto Huguinho se aproximava. Plínio terminava de anotar fórmulas no caderno.

    – Chicão, posso passar no seu apartamento hoje? – perguntou Huguinho meio sem graça.

    – É pra comer, né? Tua mãe não te dá comida, e vai em casa pra assaltar minha geladeira. Pode ir, sim, tem uns servicinhos pra você.

    – Pô, Chicão, não me azara. Só tava pensando em estudar em paz. Em casa não dá, você sabe, minha mãe é professora de canto e sempre aparecem uns desafinados por lá. E o pior é que ela não me deixa ligar nada, nem som nem TV.

    – E como que ela aguenta? – perguntou Samuca, ao mesmo tempo que se aproximava.

    – Ela usa um tapa-ouvidos com certos alunos – risos.

    – Huguinho, você não está de regime? – perguntou Jonas.

    – Minha mãe quer que eu faça regime, mas eu não aguento.

    – E então fica visitando os amigos para filar um ranguinho a mais, não é? – completou Chicão. – Mas escutem o que vou dizer – Chicão deu dois passos à frente e virou-se para os amigos: – Estamos em guerra com um novo vizinho.

    – Estamos? – reclamou Huguinho.

    – Guerra? O que você aprontou dessa vez? – perguntou Samuca.

    – No terreno baldio, do lado do apê, apareceu um barraco. Um moleque negrinho, um nanico, me mandou duas

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