Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Schopenhauer: A decifração do enigma do mundo
Schopenhauer: A decifração do enigma do mundo
Schopenhauer: A decifração do enigma do mundo
E-book139 páginas1 hora

Schopenhauer: A decifração do enigma do mundo

Nota: 5 de 5 estrelas

5/5

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Retorna ao público brasileiro um clássico dos estudos introdutórios a Schopenhauer. Mediante um estilo límpido e agradável, Jair Barboza apresenta ao leitor os principais temas da filosofia de Schopenhauer: a vontade irracional, as aparências que enganam, o desejo, o sofrimento, o amor, a morte, a compaixão, a natureza, a arte, a filosofia oriental. O leitor encontrará aqui uma introdução indispensável a essa filosofia que, pelos seus temas, apresenta-se vigorosa na sua atualidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de jun. de 2016
ISBN9788534944069
Schopenhauer: A decifração do enigma do mundo

Relacionado a Schopenhauer

Ebooks relacionados

Filosofia para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Schopenhauer

Nota: 5 de 5 estrelas
5/5

1 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Schopenhauer - Jair Barboza

    Vida e obra

    Vida. Schopenhauer nasceu em 22 de fevereiro de 1788, filho de Heinrich Floris Schopenhauer e Johanna, nascida Trosiener. O pai era vinte anos mais velho que a mãe. Para o filho, ele escolheu um nome que se escreve e pronuncia quase sem alteração em qualquer língua ocidental. Na verdade, no nome, vislumbra-se a marca registrada da filosofia schopenhaueriana: a vocação cosmopolita, unindo tradições de pensamento do Ocidente e do Oriente.

    Heinrich Floris e Johanna Trosiener fizeram um casamento de conveniências. Com o tempo, a esposa passou a ser amada, mas a recíproca não foi verdadeira. Johanna se dedicava mais à vida mundana, empenhada em fazer contatos diversos ante os vultos importantes de sua época, deixando de lado o marido. Isso marcará o jovem Arthur, espectador de uma desproporcionalidade sentimental entre o pai e a mãe. No futuro, desconfiará amargamente da capacidade feminina para o amor desinteressado. Conta certa vez que, enquanto seu pai gemia de dores num quarto, sua mãe divertia-se em conversas com os amigos. Quando meu próprio pai estava doente, preso a uma poltrona, fraco e miserável, teria sido abandonado a si mesmo, se um velho criado não tivesse prestado a ele os deveres de caridade que a senhora minha mãe não lhe dedicava. A senhora minha mãe dava saraus enquanto meu pai se exauria na solidão; ela se divertia enquanto ele se debatia em intoleráveis sofrimentos. Eis o amor das mulheres.

    Arthur teve inúmeros desentendimentos com Johanna, tanto no plano financeiro acerca da herança após a morte do pai (provavelmente suicídio) quanto no plano intelectual, pois ela tornou-se escritora de romances baratos bastante lidos na época. O filho desconfiava da qualidade literária de tais obras e chegou um dia, após acalorada discussão, a dizer que Johanna só passaria para a posteridade por ter sido sua mãe.

    O pai queria que ele aprendesse a ler no livro do mundo. Com quinze anos de idade, em 3 de maio de 1803, após renunciar à entrada no liceu (o equivalente ao nosso segundo grau), com a promessa de dedicar-se posteriormente ao comércio, ganha uma longa viagem pela Europa: Alemanha, França, Holanda, Suíça, Itália, Áustria e Inglaterra. Datam dessa época as suas constantes escaladas de montanha, donde avistava de um só golpe a imensidade dos vales, as aldeias, os rios e demais alturas. Semelhante apreensão de panoramas vastos a partir de uma perspectiva puntiforme, em que o interior do observador se confunde com o exterior num só sentimento de contentamento e conforto, resultante do claro conhecimento, foi marcante para o resto de sua vida e ilustrará muitas passagens de sua obra principal, na qual concede grande peso à intuição, à visão do mundo.

    Toda proposição, todo conhecimento tem de basear-se na intuição do mundo; qualquer afirmação filosófica tem de encontrar na experiência a sua autenticidade. Daí notarmos as referências ininterruptas à natureza, o que em certo sentido o torna adepto da postura romântica do culto ao mundo natural.

    A viagem serviu também para testemunhar a condição miserável do ser humano. Em algumas cidades, como Lyon, na França, recolheu relatos do sofrimento motivado pela Revolução Francesa. Anota em seu diário: Essa grande, magnífica cidade foi teatro das mais horríveis cenas. Quase não se encontra família que não tenha perdido um de seus membros ou o próprio chefe. E continuam ali, andando pelos mesmos sítios em que seus parentes foram fuzilados em massa e aparentando sangue-frio ao contar-nos essas execuções. Não se compreende que o tempo possa apagar, em tão curto prazo, impressões tão vivas e terríveis.

    Era o recolho de observações bastante importantes para ilustrar a ulterior teoria do sofrimento como inerente à condição humana, provindo de uma essência de mundo ávida pela vida e intrinsecamente conflituosa.

    Quando retorna de viagem, inicia, em 1804, aos dezesseis anos, o aprendizado comercial em Dantzig. Em 1805, prossegue os estudos em Hamburgo.

    Após a morte do pai, em 1806, abandona os estudos de comércio e entra para um liceu em Gotha, com a idade já avançada de dezenove anos. Tem de deixá-lo por conta de um poema satírico. Vai para Weimar, onde morava a mãe, dona de um conhecido salão literário, frequentado por figuras importantes da alta sociedade, inclusive o já então admirado poeta Goethe (1749-1832), com quem Schopenhauer trava amizade, guardando-lhe grande veneração. Foi nesse ambiente que o filósofo pegou mais aversão ainda à figura materna, vaidosa e mundana, contrastando com as lembranças respeitosas do pai.

    Aos 21 anos de idade, entra para a Universidade de Göttingen. Solidifica sua formação filosófica e, à importância da natureza, acrescenta duas outras fontes de inspiração: Platão e Kant. Penetrou de tal modo na obra desses autores que a exposição do próprio pensamento será impossível sem o uso de conceitos extraídos de suas obras, e modificados, como as noções de Ideia (Platão) e coisa em si (Kant), conforme veremos mais adiante.

    Contra Fichte. De 1811 a 1813, entre os 23 e 25 anos de idade, estuda na Universidade de Berlim, onde frequenta os cursos de Fichte. Pensava encontrar nos escritos e nas aulas do famoso professor apoio para a solidificação da própria visão de mundo. No entanto, decepciona-se profundamente com a sua abstração e complicação, apelidando-o de cabeça de vento. Não lhe agradava a noção de eu absoluto, vale dizer, de um sujeito incondicionado que se coloca a si mesmo como ponto de partida do conhecimento, num ato produtor da razão, para dela inferir a experiência, isto é, a natureza em geral ou não-eu.

    Via nessa teoria um dogmatismo idealista, que ignora a noção kantiana de coisa em si, pois a natureza exterior atrás da qual a coisa em si estaria situada precisa antes ser deduzida do eu absoluto enquanto mera resistência, justamente o não-eu. Com isso, desaparece uma possível afecção da coisa em si ou, como preferirá Schopenhauer, some a possibilidade de manifestação independente e espontânea da essência cósmica; de modo que não poderá estar de acordo com aquela doutrina a desprezar o que considera uma das maiores revelações filosóficas de Kant.

    Somado a isso, Fichte era dado à retórica ética em favor do Estado, como a presente nos Discursos à nação alemã, nos quais contestava a ambição dos franceses em conduzir o destino da humanidade e lembrava o direito dos alemães como Urvolk, povo originário. Nos preparativos da guerra contra a França, Fichte até compareceu a um quartel, armado da cabeça aos pés. Tal atitude tem o seu lado simbólico: aponta para a postura teórica do filósofo centrada na noção de sujeito, agente ético da história e que poderia mudar uma sociedade, conduzindo-a a um estágio de liberdade superior. Com isso, dá mostras de romantismo, como se a atividade do eu se traduzisse em ação efetiva e transformadora em favor da nação.

    Em contraposição, Schopenhauer sempre deu maior importância ao destino do indivíduo. E enquanto a razão, a reflexão, é a condutora da empreitada fichtiana, para Schopenhauer o núcleo das ações humanas é irracional e inconsciente, é a vontade.

    Schopenhauer não era patriótico. Chegou a conjecturar engajar-se nas lutas antinapoleônicas. Logo desistiu, sentindo-se inapto para a tarefa. Para ele, os acontecimentos históricos são pálidas sombras de algo mais fundamental que aprendera com Platão e Kant: a Ideia e a coisa em si. A ordem dos acontecimentos é reflexo de um universo originário, arquetípico, do qual este mundo, submetido a tantas mudanças, não passa de cópia. Ora, a história, ao tratar da ordem dos fatos, daquilo que se altera continuamente, não pode ser tomada como uma ciência verdadeira, porque sua concepção de mundo se modifica ao sabor das circunstâncias, dependendo da contínua transformação dos fatos. Enquanto os canhões explodiam bombas ao redor das cidades, Arthur frequentava galerias de arte, contemplava a natureza, lia Platão e Kant ou visitava doentes mentais num manicômio – a um deles dedicou um exemplar da Bíblia; outro doente, apreciador da companhia do filósofo, denomina-o o amigo da humanidade sofredora.

    No pensamento schopenhaueriano, o essencial das coisas se encontra na vida individual, nos seus conflitos íntimos, não na abstração chamada povo. O interior da humanidade se revela nas biografias e autobiografias, não nas narrativas históricas. A história nos mostra a humanidade como se nos mostra a visão da natureza a partir de uma alta montanha: vemos muito de uma só vez, amplas extensões, volumosas massas; mas nada se torna nítido nem é cognoscível segundo toda sua essência propriamente dita. Ao contrário, a vida exposta de uma individualidade mostra o ser humano tal como se conhecêssemos a natureza ao passearmos por entre suas árvores, plantas, campos e regatos.

    Vida acadêmica. O jovem Arthur se preocupava antes com os sofrimentos dos feridos trazidos dos campos de batalha, não com as possíveis ocupações e conquistas militares, ou mesmo com as tentativas cada vez mais presentes de unificação da Alemanha. Para, segundo ele, penetrar melhor no segredo da humanidade, deixa a convivência dos humanos, abandona Berlim em maio de 1813 por ocasião dos preparativos da guerra dos prussianos contra os franceses e se hospeda no segundo andar de uma pousada de campo, situada em Rudolstadt, nas proximidades de Weimar. Ali, redige a sua tese de doutorado, intitulada Sobre a quadrifigurada raiz do princípio de razão suficiente, que contém o básico de sua teoria do conhecimento.

    Quando a tese vem a lume, a mãe, ironizando-o, afirma publicamente que sob o complicado título se escondia um tratado para farmacêuticos. Em verdade, era uma tentativa de compreender o papel desempenhado pelos sentidos e o intelecto na apreensão da realidade.

    Justificando a sua ausência das batalhas, escreve: estava profundamente convencido de que não tinha nascido para servir à humanidade mediante os punhos, mas pela cabeça, e de que a minha pátria era maior que a Alemanha.

    Na estadia em Rudolstadt estabelecem-se as linhas definitivas não só do doutoramento (teoria do conhecimento), mas também de sua filosofia inteira, herdeira da tradição dos antigos – Platão –, e dos modernos – Kant –, assim como dos orientais (sobretudo o livro sagrado dos vedas Upanishads), além das inesquecíveis observações

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1