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COMUNICAÇÃO JURÍDICA: Linguagem, Argumentação e Gênero Discursivo
COMUNICAÇÃO JURÍDICA: Linguagem, Argumentação e Gênero Discursivo
COMUNICAÇÃO JURÍDICA: Linguagem, Argumentação e Gênero Discursivo
E-book435 páginas4 horas

COMUNICAÇÃO JURÍDICA: Linguagem, Argumentação e Gênero Discursivo

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Sobre este e-book

Ao longo da carreira jurídica, o profissional precisa dominar diversas formas de comunicação, tanto verbal quanto não verbal, uma vez que a busca pela justiça está intimamente atrelada a tornar comum os anseios das partes, a fim de se alcançar a justiça. Como muito bem é ressaltado nesta inestimável obra, é a "capacidade de expressar o pensamento".

O livro da professora Návia Costa seguramente é um diferencial para todos os profissionais, tanto para aqueles em fase de formação quanto para aqueles já atuantes e que desejam se aperfeiçoar em seu exercício profissional. Portanto, sentemo-nos à mesa e partilhemos deste banquete de ferramentas para que tenhamos uma justiça cada vez mais célere, objetiva e eficiente, bem como profissionais mais qualificados.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de mar. de 2021
ISBN9786558592082
COMUNICAÇÃO JURÍDICA: Linguagem, Argumentação e Gênero Discursivo

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    COMUNICAÇÃO JURÍDICA - Návia Costa

    leitura!

    PARTE 1

    A LINGUAGEM E SUA

    RELAÇÃO COM O DIREITO

    Para pensarmos na relação estabelecida entre o Direito e a linguagem e sobre o valor que ela assume na atividade comunicacional jurídica, é importante destacarmos que o termo ‘linguagem’ abarca tanto os signos linguísticos quanto os não linguísticos. Nesta obra, o enfoque é ao signo linguístico, utilizado nas comunicações verbais orais e escritas, conforme passaremos a apresentar. Obviamente, não desconsideraremos a reflexão sobre os signos não linguísticos, que fazem parte, por exemplo, da tarefa da oratória, como os gestos e o jogo rítmico do corpo utilizados pelo orador enquanto realiza a oração. Outra ponderação é de que a discussão sobre linguagem e suas particularidades aqui realizada constitui-se tão somente como pontos de partida para as reflexões mais amplas que buscaremos fazer ao longo de todo este material, na medida em que, como dissemos, discorrer sobre a linguagem é uma atividade complexa e que jamais se esgotaria em algumas páginas.

    Para Medeiros e Tomasi (2007), a linguagem é um conjunto de signos usados para se constituir uma comunicação entre as pessoas. Nasceu da necessidade que essas, por serem sujeitos sociais, tinham de se comunicar e de alcançar seus objetivos.’

    Em sentido amplo, de acordo com Rocha Lima (2003), a linguagem pode ser entendida como qualquer processo de comunicação, seja ele verbal ou não verbal. Como exemplos, citamos, respectivamente, os textos escritos ou falados nos diferentes contextos de atividade comunicacional jurídica e os elementos encontrados na cena de um crime, objetos de análise pericial.

    A linguagem verbal, para Medeiros e Tomasi (2007, p. 17), é

    uma faculdade que o homem utiliza para exprimir seus estados mentais por meio de um sistema de sons vocais, denominado língua. Esse sistema organiza os signos e estabelece regras para seu uso.

    Já a linguagem não verbal exterioriza-se por meio da linguagem corporal – corpo, olhar, gestos etc. Quanto a isso, podemos pensar que a falsidade de um depoimento pode revelar-se até mesmo pela transpiração, pela palidez ou pelo movimento palpebral, pelo desviar do olhar, o calar-se, entre outros gestos. Também se inclui, nessa categorização da linguagem, tudo o que na natureza puder gerar significação, como o vestuário (ex: o branco (médicos), o preto dos ternos (advogados) e da toga (juiz) etc.), os sistemas de sinalização, as bandeiras, as imagens em fotografias, entre uma infinidade de outros elementos.

    Assim, ainda que ambas as formas de linguagem sejam importantes para a comunicação, para a linguística, porém, só interessa a linguagem que se exterioriza pela língua, como um sistema de signos, em que um se define na relação com o outro, por meio do estabelecimento das diferenças. Neste estudo, conquanto os signos não verbais também sejam parte da comunicação jurídica, focalizaremos em especial a linguagem verbal, isto é, a que se pratica nas interações sociais valendo-se do uso da língua.

    Saussure (2012, p. 41, 57) define a língua assim:

    [...] ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. [...] É um produto social depositado no cérebro de cada um.

    A língua, por sua vez, expressa-se de duas formas: pela fala e pela escrita. A língua falada é livre, solta, individual, isenta de compromisso com as regras gramaticais. Já a língua escrita é comprometida com os cânones gramaticais vigentes, com a norma-padrão (MEDEIROS; TOMASI, 2007). Aqui, cabe uma ressalva: embora a língua falada, em sentido amplo, seja descomprometida com as regras gramaticais, deve o orador considerar o ambiente sociocomunicativo e a função de sua fala, como nos discursos jurídicos orais ou sustentações perante os tribunais, que requererão dele uma oração pautada na norma padrão, dada a formalidade do Direito e o cuidado com a sua credibilidade profissional, que, sem dúvida, se manifesta por meio da linguagem que pratica.

    Conforme Bakhtin (apud DAHLET, 2005), [...] toda a parte verbal de nosso comportamento (quer se trate de linguagem exterior ou interior) não pode, em nenhum caso, ser atribuída a um sujeito individual considerado isoladamente. Nesse sentido, o estudo da linguagem jurídica deve considerar o uso da língua no processo de interação humana como prática social, que, por sua vez, se constitui dos seguintes elementos da comunicação: emissor (destinador ou remetente) – aquele que emite a mensagem; receptor (destinatário) – aquele que recebe a mensagem; mensagem – conjunto de informações compartilhadas; veículo (ou canal) – meio concreto pelo qual a mensagem é compartilhada; código – conjunto de sinais utilizados na enunciação da mensagem; contexto – situação em que transcorre a comunicação (JAKOBSON, 2008). Esses elementos devem ser considerados de forma imbricada, na medida em que todos são parte do processo comunicativo e funcionam de forma interdependente. Aqui separamos apenas para efeito didático.

    Podemos representar essa imbricação dos elementos na comunicação jurídica, considerando-se a necessária cooperação entre os interlocutores, em que o emissor possui o pensamento e busca a expressão verbal oral ou escrita para fazê-lo conhecido no mundo sensível e o receptor possui o conhecimento da expressão verbal, movimentando-se em direção ao pensamento expresso, com o propósito de compreender a mensagem. Essa ideia pode ser assim esquematizada:

    Tomando como exemplo uma Petição Inicial, podemos compreender o esquema anterior, da seguinte forma: o emissor é o peticionário (advogado); o receptor é o juiz a quem foi endereçado o pedido (além do juiz, supomos a presença de outro receptor: o advogado da parte contrária); a mensagem são os fatos que, fundamentados juridicamente, embasam o pedido que contém a peça jurídica; o código é a língua portuguesa, expressando um nível específico de linguagem, a forense; e o canal é o meio físico (papel) ou virtual (no caso de processo on line) que veicula a mensagem.

    Assim, o peticionário deve ter a capacidade de expressar seu pensamento de forma oral e escrita, pois o juiz possui a capacidade de compreensão desse pensamento, o que se dá pela decodificação da mensagem expressa. Desse modo, se houver objetividade e clareza na construção do pensamento pelo peticionário, o juiz encontrará a compreensão do que foi emitido e deferirá ou não o pedido, por meio de uma resposta (sentença). Nesse momento, o receptor passa a ser o emissor e vice-versa. Daí a importância da habilidade com o uso da linguagem na atividade jurídica, compreendendo todas as suas particularidades. Isto é, só haverá comunicação, caso o emissor se faça entendido pelo receptor e o receptor se faça entendido pelo emissor, num processo dialético, havendo, por conseguinte, uma interação social. Caso contrário, pode ocorrer apenas o transmissionismo de informações, o que não caracteriza comunicação, por nós entendida como criação de sentidos no encontro entre os interagentes.

    Ainda, no ato social comunicativo, associam-se, aos elementos da comunicação, as funções e os níveis da linguagem. Pensar em função da linguagem equivale a dizer: todas as vezes que nos utilizamos da língua nos processos comunicacionais o fazemos sempre com um propósito – emitir nosso ponto de vista; convencer e/ou persuadir o receptor da mensagem; explicar o significado de algo; informar etc. Daí é que advém a necessidade de se estudarem as funções da linguagem. De acordo com Jakobson (apud GREGORIM, 1996), tais funções assim se classificam:

    emotiva: enfatiza o ponto de vista, a atitude do emissor em relação àquilo que expressa – exemplo: a narrativa jurídica na petição inicial;

    referencial: cuida da objetividade e da busca da clareza na mensagem; a mensagem é o foco de atenção – exemplo: o todo das peças jurídicas;

    poética: ocupa-se da forma da expressividade da mensagem – exemplo: as rimas nos poemas; os jogos de linguagem nas propagandas.

    OBS.: a linguagem poética não é indicada nos discursos jurídicos;

    metalinguística: destaca o código, constituindo-se este como objeto de descrição – exemplo: os significados dos verbetes no dicionário jurídico ou os conceitos das categorias nas doutrinas;

    conativa: centra-se na busca da atuação sobre o destinatário da mensagem. Há dois tipos: exortativa (alerta – exemplo: discurso religioso); autoritária (intimação – exemplo: discurso jurídico-legal nas fundamentações);

    fática: enfoca o canal da comunicação – cuidado com o início, a manutenção e a finalização da comunicação – exemplo: o uso dos vocativos e fechos padrão nas peças jurídicas.

    E, para cada forma típica de comunicação, a linguagem será utilizada em um nível. Os níveis de linguagem, segundo Trubilhano e Henriques (2013), podem ser

    culto: centra-se em regras gramaticais – variante padrão;

    comum/familiar: é menos formal – variante usual no cotidiano;

    popular: é livre – gírias, palavras obscenas – variante popular.

    Uma vez passada em revista a breve discussão sobre a linguagem e suas particularidades realizada, passamos agora a pensar sobre a especificidade da linguagem jurídica.

    A LINGUAGEM JURÍDICA

    A terminologia ‘linguagem jurídica’ se aplica à linguagem do Direito, em sentido lato. Ela é elemento substancial tanto da criação quanto da realização e expressão do Direito, como já explicitamos. Especificamente, ao se realizar em diferentes âmbitos jurídicos, classifica-se, de acordo com Petri (2009), em níveis, da seguinte forma:

    linguagem legislativa (cria o Direito);

    judiciária, forense ou processual (aplica o Direito);

    contratual (cria direitos e obrigações entre as partes);

    doutrinária (explica os institutos jurídicos, ensina o Direito);

    cartorária (registra os atos de direito).

    Cada um desses níveis de linguagem jurídica, com a sua finalidade, cria a juridicidade, palavra empregada para indicar o caráter ou a qualidade do jurídico (SILVA, 2002). Em outros termos, é o conjunto de práticas textuais de linguagem do Direito (BITTAR, 2010, p. 15). Essa juridicidade é o que singulariza a linguagem jurídica como uma linguagem especializada, na medida em que se constitui de um vocabulário próprio, denominado vocabulário jurídico. Este é comum a todos os níveis de linguagem jurídica; todavia, em cada nível e de acordo com o contexto de uso, as palavras assumem significação própria.

    De todos os níveis de linguagem jurídica citados, tomaremos o domínio discursivo forense como representativo para pensarmos a prática comunicacional jurídica. Comecemos por especificar um pouco mais o significado do termo forense, que vem de fórum, relacionando-se a toda linguagem praticada no âmbito dos tribunais, na aplicação do Direito. Dito de outro modo, a linguagem forense é um sistema sígnico (ou de palavras), por meio do qual os operadores do Direito estabelecem comunicação entre si, no âmbito do fórum. Constitui-se como uma forma própria de linguagem, que se materializa em peças processuais, decisões interlocutórias, sentenças dos juízes de direito e em muitos outros eventos comunicativos forenses.

    A linguagem forense, assim como a linguagem jurídica em geral, implica lógica e tecnicismo. No dizer de Nascimento (2009), ela é técnica porque visa a informar; é lógica porque busca convencer e/ou persuadir por meio de recursos como a oratória (beleza e estilo na fala) e a retórica forenses, presentes nos discursos jurídicos[1]. Tudo isso é feito por meio do uso da língua em situações reais de comunicação, daí a importância da habilidade com o manejo do vocabulário e das expressões jurídicas. Adiante, teremos uma seção específica para tratarmos do assunto.

    VOCABULÁRIO JURÍDICO

    Como vimos até aqui, a linguagem jurídica, além de constituir o Direito, é também substância natural da comunicação jurídica, estabelecendo-se como o próprio instrumental de trabalho do profissional desse campo, em suas diferentes áreas. Desse modo, como um bisturi mal instrumentalizado por um médico cirurgião, nas comunicações no âmbito do judiciário, uma expressão mal colocada, por exemplo, numa petição inicial ou num recurso pode comprometer o resultado da ação esperado pela parte.

    Consoante isso, para discutirmos vocabulário, antes é importante fazermos distinção entre léxico e vocabulário. Léxico são todas as palavras de uma determinada língua existentes à disposição do usuário dessa língua. Vocabulário é a seleção de palavras ou expressões, dentro do léxico, para se elaborar um discurso, como o jurídico, por exemplo. A isso chamamos seleção vocabular.

    No meio forense, o manuseio da língua, às vezes, apresenta dificuldades, visto que as palavras apresentam um sentido amplo e outro estrito, o que deve, cuidadosamente, ser observado. Ainda há a questão de uma mesma palavra possuir dois ou mais significados, dependendo do contexto em que é empregada. Tomemos, como exemplo, o vocábulo competência. No sentido geral, competência significa erudição, preparo intelectual, aptidão, e então se diz: O juiz é muito competente. Com efeito, competência, em sentido estrito jurídico, significa tão somente o âmbito de atuação do juiz, conferido pela lei. Assim, não se dirá que um juiz é competente porque estudou muito, alcançou preparo intelectual, mas porque é legalmente habilitado para despachar na área cível, ou penal, ou trabalhista etc.

    Na linguagem jurídica, as palavras que compõem o vocabulário classificam-se nas seguintes categorias:

    Unívocas: vocábulos que possuem uma única significação. Essas palavras são categorizadas como termos técnicos.

    Exemplos: furto (Art. 155 do CP – subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel); roubo (Art. 157 do CP – subtrair, para si ou para outrem, coisa móvel alheia, mediante grave ameaça ou violência, depois de reduzir a resistência da pessoa) (SILVA, 2002).

    Sobre a linguagem técnica do Direito, observemos o texto a seguir, que é um trecho retirado do texto de Paulo César de Carvalho, publicado na revista Discutindo Língua Portuguesa [20- -].

    A EXATIDÃO DOS TERMOS TÉCNICOS

    As diferentes atividades sociais promovem usos distintos da língua. Cada profissão tem um léxico especializado, isto é, um conjunto de palavras que integram a terminologia da área. Desse modo, há palavras que já existem no senso comum, mas que sofrem uma especialização de sentido, para integrar dada terminologia, ou ainda há palavras existentes apenas na língua técnica. Nos dois casos, elas servem para facilitar a comunicação entre os profissionais, evitando ambiguidades, imprecisões ou mal entendidos.

    Por exemplo, no Direito, os termos delito, crime e contravenção, considerados sinônimos perfeitos pelo senso comum, têm definições precisas. Tanto o crime quanto a contravenção são delitos. O delito, assim, é um hiperônimo (palavra de sentido mais abrangente); crime e contravenção são hipônimos (palavras de sentido mais restrito). A distinção entre elas é feita pelo traço de sentido da gravidade do ato: o crime é considerado mais grave do que a contravenção (não, à toa, esta também é chamada de crime anão).

    No caso da distinção entre injúria, difamação e calúnia, esta última significa atribuir falsamente a alguém um fato definido como crime. Por exemplo, dizer que alguém roubou. Se o fato atribuído falsamente a outrem não for considerado crime, afetando apenas a reputação da vítima (o que a sociedade pensa sobre certos fatos e valores), deve-se empregar o termo difamação. Por exemplo, divulgar que alguém sai com várias pessoas, namora muito (isso não é crime). Já a injúria ofende a dignidade, a chamada honra subjetiva" (o decoro, a imagem que alguém faz de si mesmo). Por exemplo, afirmar que alguém é burro, incompetente.

    Por fim, as palavras domicílio e residência. Segundo o livro Tópicos de Gramática, O Direito Civil estabelece uma distinção semântica entre as palavras domicílio e residência: esta significa ‘o Iugar de habitação da pessoa natural, ou aquele em que ela se fixa, ou permanece, embora em caráter não definitivo’; aquela se refere ao local em que a pessoa estabelece sua residência ‘com ânimo definitivo’, além de significar também a sede legal da pessoa jurídica (São Paulo, Editora CPC, 2005).

    Tais palavras, também usadas fora do Direito, adquirem nele sentidos particulares. São exemplos que ratificam a importância da terminologia, da precisão vocabular, da exatidão dos termos técnicos na comunicação entre os especialistas, nos gêneros que circulam na área (como o mandado de segurança, a petição inicial, a contestação etc.).

    Equívocos: vocábulos que possuem mais de um significado, de acordo com o contexto. São plurissignificantes ou polissêmicas.

    Exemplos: sequestro (Direito Civil – apreensão ou depósito judicial de coisa certa, sobre que pesa um litígio, ou sujeita a determinados encargos, a fim de que seja entregue, quando solucionada a pendência a quem de direito); (Direito Penal – ato pelo qual, ilicitamente, se priva alguém de sua liberdade, mantendo-a em cárcere privado – é crime contra a liberdade de locomoção) (SILVA, 2002).

    Nesse contexto, é importante considerar a semântica dos verbos largamente utilizados no Direito, com os quais se deve ter o cuidado para expressar a ideia adequadamente. Para tanto, à menor dúvida, orientamos a consulta a dicionários, em busca das significações dos termos.

    Citamos como exemplos os seguintes:

    arguir: acusar (a defesa arguiu a sentença de injusta em suas razões de apelação); alegar (a Exceção de suspeição arguiu a incompetência do juiz para conhecer do pedido); interrogar (o juiz arguiu a testemunha);

    implicar: acarretar (a inércia da defesa implica a revelia do réu); ter implicância (em suas alegações finais, a defesa alegou que a vítima sempre implicou com o réu); envolver-se em (conforme demonstrado nos autos, o réu implicou-se em tráfico de entorpecentes).

    Análogos: vocábulos pertencentes a uma mesma família ideológica ou tidos como sinônimos.

    Exemplos: resolução (dissolução de um contrato, acordo, ato jurídico); resilição (dissolução pela vontade dos contraentes); rescisão (dissolução por lesão do contrato) (SILVA, 2002).

    A sinonímia é a substituição de um termo por outro com o sentido semelhante. Há de observarmos que não há sinonímia perfeita, pois seria perfeito aquele sinônimo permutável em todos os contextos (DAMIÃO; HENRIQUES, 2004, p. 52).

    Mais exemplos: casa (sentido genérico de habitação); residência (lugar de parada ou permanência); domicílio (lugar onde a pessoa responde pelos atos da vida civil); morrer/falecer/expirar/ extinguir-se; soldo (renda do militar); salário (renda dos assalariados); féria (renda do comerciante); vencimentos (renda dos deputados); honorários (renda dos advogados); estipêndios (renda dos magistrados); velho (homem); anoso (vegetais); antigo (objetos); arcaico (termos); remoto (épocas).

    Se não há sinonímia perfeita em sentido amplo, mais ainda em sentido estrito. No Direito, os verbos prolatar, proferir, exarar e pronunciar se referem todos à decisão judicial, porém não representam a mesma ideia. Ei-los (DAMIÃO; HENRIQUES, 2004):

    prolatar = declarar a sentença oralmente ou por escrito;

    proferir = sentença oral;

    exarar = lavrar;

    pronunciar = decisão anunciada em voz alta.

    Afora a dificuldade de se utilizarem as expressões equívocas, que são plurissignificantes ou polissêmicas, também as palavras homônimas e parônimas podem gerar dúvidas, imprecisão de sentido e graves problemas na comunicação.

    A homonímia é a identidade fônica (homofonia) ou gráfica (homografia) de dois morfemas que não têm o mesmo sentido, de modo geral.

    Exemplos: acender – alumiar, pôr fogo; ascender – subir/ pena – dó, comiseração; pena – castigo jurídico.

    A paronímia é a diversidade de palavras que se aproximam pela forma gráfica ou mesmo pelo som.

    Exemplos: absolver (perdoar), absorver (assimilar); deferimento (concessão), diferimento (adiamento); descriminar (isentar de crime), discriminar (diferenciar); emenda (correção), ementa (resumo); flagrante (evidente), fragrante (perfumado); infligir (aplicar pena), infringir (desobedecer); mandato (procuração), mandado (ordem); tráfico (comércio), tráfego (trânsito) (DAMIÃO; HENRIQUES, 2004).

    Expressões Nominais Definidas para os Diferentes Atos Jurídicos

    Fazem parte do vocabulário jurídico as expressões nominais definidas para cada ato jurídico, as quais assumem valor técnico; logo, é imprescindível o conhecimento sobre elas. Por expressão nominal definida devemos entender os nomes atribuídos às partes que praticam e que sofrem o ato, a depender da especificidade, como veremos no quadro seguinte.

    Quadro 1: Algumas expressões nominais, de A a Z, utilizadas nos atos jurídicos

    Fonte: adaptado de Trubilhano; Henriques (2013).

    Nota: as expressões nominais definidas devem obedecer às regras de flexão de gênero.

    Assim como existem as expressões nominais definidas apropriadas para referência a cada uma das partes envolvidas no ato jurídico, há os verbos específicos correspondentes a tais atos, o que pode ser visualizado no quadro que se segue.

    Quadro 2: Os atos jurídicos e seus verbos correspondentes

    Fonte: adaptado de Trubilhano; Henriques (2013).

    À primeira vista, pode parecer complexa a apreensão do vocabulário jurídico, mas, à medida do contato com a linguagem do Direito, naturalmente essa apreensão vai se estabelecendo. Não obstante isso, é importante adotar algumas técnicas para o aprimoramento do vocabulário jurídico. Segundo Viana (2010), há três técnicas que podem ser usadas: a primeira é a leitura de obras jurídicas, fazendo o levantamento das palavras desconhecidas, buscando o significado delas no dicionário. Essa técnica chama-se levantamento vocabular. A segunda é o emprego da nova palavra na elaboração das peças jurídicas, buscando possíveis sinônimos. A terceira é o ato da conversação entre operadores jurídicos para treinar o vocabulário.

    Alguns Vocábulos de Uso Duvidoso na Linguagem Jurídica

    Os vocábulos a seguir apresentados não são específicos da linguagem jurídica, são de uso corrente, mas, stricto sensu, também oferecem dificuldades. Trazemos apenas alguns como forma de chamar a atenção para eles e de provocação à busca de aprimoramento com o seu uso, considerando-se a norma gramatical, que define o uso como correto e incorreto[2].

    mesmo / mesma

    "O advogado foi até a vítima e falou com a mesma". (incorreto)

    O advogado foi até a vítima e falou com ela. (correto)

    Mesmo, em português, não tem função de pronome pessoal (não é anafórico), logo não pode ser usado sem acompanhamento de substantivo.

    através de

    "Através da petição inicial, abriu-se o processo". (incorreto)

    Por meio da (ou por intermédio da) petição inicial, abriu-se o processo. (correto)

    A locução preposicional através de significa de um lado para o outro lado, expressando a ideia de atravessar. Logo, devemos analisar o contexto de emprego.

    uma vez que

    "De vez que saiu a sentença, cumpram-se as determinações da Justiça". (incorreto)

    "Uma vez que saiu a sentença, cumpram-se as determinações da Justiça". (correto)

    vez que ou de vez que são criações vocabulares no meio forense que não correspondem com o sentido da locução conjuntiva causal uma vez que (que significa visto que, porque etc.).

    eis que

    "O réu foi absolvido, eis que não havia provas suficientes contra ele". (incorreto)

    "O réu foi absolvido, uma vez que (ou já que) não havia provas suficientes contra ele". (correto)

    eis que é usado como advérbio, que pode ser substituído por quando, e não locução conjuntiva causal. Seria correto, por exemplo, em: "Estava para começar a audiência, eis que anunciaram a ausência do juiz".

    face a

    "Face ao julgado, condeno o réu, disse o juiz". (incorreto)

    "Em face do julgado, condeno o réu, disse o juiz". ( correto )

    A locução prepositiva correta é face de e exige a preposição a ou em antes da palavra face, de modo que à face de significa em frente de, conforme etc. e em face de significa em frente de, perante etc.

    dado o

    "Dado ao ocorrido, o júri foi suspenso". (incorreto)

    "Dado o ocorrido, o júri foi suspenso". (correto)

    Como particípio do verbo dar, no sentido de admitir, verificar, dado não admite preposição e também concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere.

    Exemplo: "Dados os acontecimentos, encerra-se a audiência".

    isso/isto posto

    "Isto posto, passo

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