Testemunhas digitais
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Testemunhas digitais - Padre Anderson Marçal
Table of Contents
Siglas e abreviaturas
Introdução
PARTE I A identidade cristã na atual cultura dos meios de comunicação
A identidade cristã: princípio que define o discípulo de Jesus
A questão da identidade nos tempos de hoje
A crise da identidade cristã
Identidade cristã e o pluralismo religioso e multicultural
Um tempo para uma nova evangelização
Da evangelização permanente à nova evangelização
A nova evangelização em uma sociedade pós-alfabetizada
A nova evangelização: desafio para a Igreja do terceiro milênio
A finalidade da nova evangelização
A nova evangelização e a mídia
Mídia: mentalidade formativa e/ou deformativa
O impacto da mídia e o fenômeno da midiatização
Comunicação: a necessidade da experiência e da tecnologia
A nova evangelização e o fenômeno da comunicação da fé
A comunicação da Palavra de Deus como Boa Nova aos homens
A Igreja diante da mídia: posicionamento geral
A comunicação entre fé e cultura no terceiro milênio
As novas tecnologias a serviço da evangelização
Percurso do relacionamento: magistério e meios de comunicação nos últimos anos
Os meios de comunicação social na evolução do Magistério até o Vaticano II
Inter Mirifica: a comunicação social pela primeira vez em um Concílio
A comunicação social e o Magistério após o Vaticano II
O percurso histórico do relacionamento pastoral da Igreja no Brasil e os mass media
PARTE II A formação da identidade cristã na cultura midiática
A identidade cristã, sociedade pós-moderna e a tecnologia digital
Conhecer para admitir a mudança tecnológica comunicativa
Diante das mudanças culturais
Os cristãos e a mídia
O cristianismo na era da nova comunicação
A identidade cristã e a comunicação ao próximo
Os nativos digitais e a emergência educativa
A identidade cristã e a comunicação a distância
Alguns desafios presentes hoje
A comunicação como cultura: uma nova ambiência
O desafio cultural e pastoral
O desafio ético
A pessoa como ser teológico e tecnológico
A passagem real-virtual-real
e seus riscos
Fama e dinheiro: o novo Olympus
do pregador midiático
O músico católico midiático: ministério e postura
O desafio da ortodoxia do início ao fim da mensagem transmitida
PARTE III A comunicação como um Locus Theologicus para a formação da identidade cristã
Princípios para a formação da identidade cristã
Fundamentos teológicos e eclesiológicos para a formação da identidade cristã
O sacramento do Batismo como fundamento da identidade cristã449
O sacramento da Crisma como confirmação da identidade cristã465
Comunicar a fé na cultura contemporânea
Instrumentos para cultura
Teologia e comunicação
A fundamentação do desejo do Reino de Deus na cultura midiática
A transmissão da fé é comunicação
A transmissão da fé na comunicação midiática
A teologia da comunicação
A iniciativa de Deus de se comunicar
A Encarnação como plenitude da comunicação de Deus com Seu Povo
Jesus: o comunicador por excelência
A revolução comunicativa: teologia e formação
A boa formação da identidade cristã na mídia pelo cristão leigo
A comunicação ad intra
da Igreja
A boa formação da identidade cristã na mídia pelo religioso consagrado
A boa formação da identidade cristã na mídia pelo sacerdote
PARTE IV Uma proposta de amadurecimento da fé através dos meios de comunicação
Do ponto de vista litúrgico-pastoral
A Eucaristia transmitida
A sacramentalidade da missa participada pelos meios de comunicação social
É possível uma formação eclesial-comunitária
A formação litúrgica e sacramentária
A adoração ao Santíssimo Sacramento
Do ponto de vista bíblico-catequético
Retiros e pregações teletransmitidos
Homilia: a oportunidade da pregação da Palavra nos novos areópagos
A Lectio Divina teletransmitida
Do ponto de vista da dimensão humana eticamente transmitida
Um jornalismo comprometido com a verdade evangélica
Programação educativa e de consciência social
Uma programação para as diversas idades
Uma programação para as crianças
Uma programação para os jovens
Uma programação para os adultos
Conclusão
Referências bibliográficas
Siglas e abreviaturas
AAS – Acta Apostolicae Sedis
AG – Decretum de activitate missionali ecclesiae Ad Gentes (7.12.1965), in AAS 58 (1966) 947-990
AN – Aetatis Novae
CDC – Código do Direito Canônico
Cfl – Adhortatio apostolica post-synodalis Christifideles Laici (30.12.1988), in AAS 81 (1989) 393-521
CIC – Catecismo da Igreja Católica
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CP – Instrução Pastoral Communio et Progressio, São Paulo, Paulinas, 1971
CV – Litterae encyclicae Caritas in Veritate (30.11.2009), in AAS 99 (2009) 985-1027
DCE – Litterae encyclicae Deus caritas est (25.12.2005), in AAS 98 (2006) 217-252
DPPL – Diretório sobre piedade popular e liturgia
DV – Constitutio dogmatica de divina revelatione Dei Verbum (18.11.1965), in AAS 58 (1966) 817-835
EA – Adhortatio apostolica postsinodalis Ecclesia in America (22.1.1999), in AAS 91 (1999) 737-815
ECS – Ética nos meios de comunicação social
EE – Adhortatio apostolica post-synodalis Ecclesia in Europa (28.06.2003), in AAS 96 (2004) 825-924
EI – Ética na internet
EN – Adhortatio apostolica Evangelii Nuntiandi (8.12.1975), in AAS 68 (1976) 5-76
GS – Constitutio pastoralis de Ecclesia in mundo huius temporis Gaudium et Spes (7.12.1965), in AAS 58 (1966) 1025-1120
II – Igreja e internet
IM – Decretum de instrumentis communicationis socialis Inter Mirifica (4.12.1963), in AAS 56 (1964) 145-157
LG – Lumen Gentium
NMI – Epistula apostolica Novo millennio ineunte (6.1.2001), in AAS 93 (2001) 266-309
OT – Decretum de institutione sacerdotali Optatam Totius (28.10.1965), in AAS 58 (1966) 713-727
PDV – Adhortatio apostolica postsinodalis Pastoris Dabo Vobis (25.3.1992), in AAS 91 (1992) 737-815
PO – Decretum de presbyterorum ministerio et vita Presbyterorum Ordinis (7.12.1965), in AAS 58 (1966) 991-1024
RCC – Renovação Carismática Católica
RD – Epistula apostolica De celeri progressione mediorum communicationis socialis (Rápido Desenvolvimento) (24.1.2005), in AAS 97 (2005) 265-274
RM – Litterae encyclicae Redemptoris Missio (7.12.1990), in AAS 83 (1991) 249-340
SC – Constitutio de Sacra Liturgia Sacrosanctum Concilium (4.12.1963), in AAS 56 (1964) 97-138
SCa – Adhortatio apostolica post-synodalis Sacramentum Caritatis (22.2.2007), in AAS 99 (2007) 105-180
SSa – Litterae encyclicae Spe Salvi (30.11.2007), in AAS 99 (2007) 985-1027
UR – Decretum de oecumenismo Unitatis Redintegratio (21.11.1964), in AAS 57 (1965) 90-112
US – Litterae motu próprio Ubicumque et semper, in AAS 102 (2010) 790
VC – Adhortatio apostolica post-synodalis Vita Consecrata (25.3.1996), in AAS 88 (1996) 377-486
VD – Adhortatio apostolica post-synodalis Verbum Domini, in AAS 102 (2010) 718
VS – Litterae encyclicae Veritatis Splendor (6.8.1993), in AAS 85 (1993) 1133-1228
Introdução
No nosso século, tão marcado pelos mass media
ou meios de comunicação social, o primeiro anúncio, a catequese ou o aprofundamento ulterior da fé não podem deixar de se servir desses meios, conforme já tivemos ocasião de acentuar.¹
Nos últimos anos, a Igreja Católica Apostólica Romana vem utilizando uma forma totalmente nova de evangelização: os meios de comunicação. São milhares de sites, rádios e tv’s espalhados por todo o mundo que levam, cada um à sua maneira, uma imagem de Deus aos seus seguidores². Esses meios estão sendo utilizados para se falar de algo real, de alguém real, Deus. O próprio Vaticano tem um portal com milhares de informações e documentos da Igreja (www.vatican.va). Essa mídia, como o próprio nome diz, é um meio poderoso para a anunciação do Evangelho, entretanto, podemos dizer que ela não simboliza somente um meio, mas também um lugar: o ciberespaço³.
Uma das formas de comunicação de Deus conosco é a Bíblia. E nós podemos utilizar os meios de comunicação para divulgar esta Palavra, atingindo, assim, um número incontável de pessoas. Porém, o conteúdo dessa mensagem e dessa imagem de Deus depende de quem o transmite. Para quem oferece um serviço, a mídia exige um bom conteúdo, criatividade, arte e beleza. Já para quem busca informações, é preciso critérios na hora da escolha das fontes. Em primeiro lugar, é preciso saber se determinada mídia que oferece um conteúdo religioso, católico, está realmente de acordo com a doutrina cristã.
Conhecer a fonte, como se diz no jornalismo, é fundamental para darmos credibilidade à informação. Na mídia, a credibilidade só é adquirida com o tempo, com seriedade e compromisso, e com o retorno constante dos seguidores em busca de informações. Para isso, é imprescindível a transmissão de uma imagem de Deus coerente com os Evangelhos. A mensagem já está pronta para ser divulgada, basta publicá-la de modo criativo. E no caso de meios eletrônicos não há limites para este trabalho. Aliás, o limite é a criatividade e a seriedade de cada um.
A interatividade⁴ é outra chave importante para a sobrevivência da mídia hoje. Os emails, sugestões, críticas e todas as informações que chegam por parte dos seguidores devem ser respondidas o mais rápido possível. Tudo na mídia hoje é instantâneo, e não se pode deixar para depois.
Administrar uma mídia é como administrar uma loja de departamentos. Para isso, existem ferramentas que ajudam a conhecer os seguidores, suas preferências e tendências, quais as páginas, canais e conteúdos mais visitados e o que eles estão buscando. Como exemplo disso temos a enquete⁵, uma ferramenta poderosa para o melhor conhecimento sobre seguidor.
A imagem que podemos fazer de Deus, a partir de uma mídia, pode ser tão real quanto a de uma passada dentro da igreja durante a consagração na Santa Missa? Além do bom conteúdo da mídia, o que também ajuda na formação dessa imagem de Deus são os próprios seguidores⁶, as pessoas que, com fé, buscam o crescimento espiritual e, cada vez mais, a formação da identidade cristã. A partir de suas buscas, o administrador pode e deve ser ousado na elaboração do conteúdo a ser oferecido, porque a mídia, de um modo geral, é atraente, envolvente e tem o poder de prender nossa atenção por muito tempo.
Mas também o que pode ser observado na mídia, em relação aos meios de conteúdos católicos, é a forma simplória⁷ com que apresentam a imagem de Deus⁸. Esses meios oferecem quase os mesmos conteúdos: santo do dia, liturgia diária, orações, produtos, notícias e documentos da Igreja... Tudo isso é importante e necessário, mas podemos e devemos ir além. Precisamos encantar os seguidores com textos, imagens e sons, da mesma forma com que Jesus fazia em seu tempo por meio das parábolas. A tecnologia está a nosso favor. Os recursos oferecidos hoje são ilimitados, e a criatividade⁹ é a ferramenta mais importante desse processo. Contudo, não podemos esquecer que é o Espírito de Deus que nos inspira na missão de evangelizar. Ele é o verdadeiro protagonista da evangelização¹⁰.
Entretanto, percebe-se que as pessoas, de um modo geral, têm um conhecimento espiritual mínimo, e por isso acabam buscando um Deus milagreiro¹¹, que resolva seus problemas de saúde, familiares, financeiros e amorosos. Aqui é a prova de que a rede hoje não é mais um meio, mas um lugar¹² formador. São pessoas de fé que acreditam sim em Deus, porém não sabem se relacionar com Ele¹³ por falta de conhecimento, de uma fé madura, de uma boa formação catequética, bíblica, litúrgica e social. É altamente questionável a eficácia dos trabalhos de evangelização da própria Igreja e dos meios de comunicação católicos. As pessoas estão buscando um Deus que se adapte às suas necessidades mais urgentes, e os comunicadores estão oferecendo exatamente o que elas estão buscando. Não se vê um trabalho mais criativo de aprofundamento e amadurecimento da fé, que confronte o mundo secular, hedonista, erótico... Assim, a tv e a internet se tornam apenas mais um meio para a evangelização, pois, infelizmente, elas não são exploradas¹⁴, em todo o seu potencial, para verdadeiramente formar a identidade cristã. Por conseguinte, está se fazendo uma imagem virtual de Deus. Estamos buscando um Deus virtual.
Buscamos sim, o único e verdadeiro Deus, uno e trino, mas de maneira errada, e não como Ele é verdadeiramente. Queremos um Deus que se molde à nossa realidade, que resolva os nossos problemas, que faça a justiça que queremos. Se fizermos uma análise fria e corajosa, perceberemos que, por falta de conhecimento e de aprofundamento na fé, reduzimos o Criador a um mero milagreiro¹⁵, alguém a quem damos uma satisfação no domingo, e pronto, estamos em dia com nossa vida espiritual.
Para se criar um meio de comunicação, qualquer que seja, é preciso definir o público, o conteúdo, que será dividido em páginas de programação ou pontos de vista, o layout ou o visual dessas páginas e a navegabilidade, ou seja, como os seguidores irão acessar as informações, de modo fácil e rápido. Depois vem a parte mais trabalhosa: a administração da mídia. Algumas informações devem ser atualizadas minuto a minuto. Não se pode esquecer que hoje, com o avanço da internet, a mídia é um lugar altamente dinâmico¹⁶. Portanto, se não houver essa atualização constante, os seguidores buscarão outra fonte.
A identidade cristã, como vimos acima, encontra-se, pelos próprios cristãos, em uma crise de adesão e vivência. Podemos constatar essa crise devido aos novos estilos de vida de hoje. Se antes o tempo e o espaço de formação eram limitados a um nível paroquial, hoje, com a chamada globalização, isto é diferente. Assim, constatamos uma outra crise agora na evangelização, ou nos métodos de evangelização usados hoje que, por terem dado certo no passado, estão sendo aplicados atualmente, porém isso não significa que hoje continuam dando certo. Por isso o apelo da Igreja, nos últimos anos, para uma nova evangelização
. Nova no método, e não no conteúdo.
Uma contribuição que o presente trabalho quer dar é mostrar que, dentro de um contexto de globalização, as novas tecnologias são fortes instrumentos para a evangelização. Assim, quando este meio de comunicação é usado por pessoas formadas na sua identidade cristã – estas são as primeiras a receberem o conteúdo na sua essência –, a informação passada adquire um peso relevante e evangélico, pois, uma vez atingido pela mensagem de Jesus, não se pode conter em não anunciá-la. Isso gera vida cristã, e não apenas telespectadores ou ouvintes de canal de tv ou de rádio. Forma identidade, pois leva a uma mistagogia, que parte do anúncio explícito bíblico-catequético-espiritual a uma busca da celebração da fé e dos sacramentos em uma comunidade não mais virtual, mas paroquial, e também a uma vivência da fé cristã crida e celebrada.
Todo batizado é chamado a levar a Boa Nova de Jesus onde quer que esteja, por isso, hoje, a evangelização pelos meios de comunicação não é somente um trabalho da Igreja hierárquica, mas de todos, e cada um que receber o logos via mass media também pode anunciá-lo pelos mesmos meios.
Atenta a esta evolução pelos meios e nos meios de comunicação, e na maneira de pensar e agir do homem moderno, crente e não-crente, a Igreja tem entrado cada vez mais no campo da evangelização pelos meios de comunicação, ou ao menos no que diz respeito à educação da fé cristã por esses meios, como disse Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi: "No nosso século tão marcado pelos ‘mass media’ ou meios de comunicação social, o primeiro anúncio, a catequese ou o aprofundamento ulterior da fé não podem deixar de se servir desses meios, conforme já tivemos ocasião de acentuar¹⁷."
No dia 24 de janeiro de 2010, por ocasião do Dia Mundial das Comunicações e por ser esse dia um contexto do ano sacerdotal, Bento XVI escreveu sua mensagem sobre o Sacerdote e a pastoral no mundo digital: as novas mídias a serviço da Palavra
, onde destaca principalmente a urgência da entrada da Igreja, por meio dos seus pastores, nos meios de comunicação modernos, e não apenas naqueles que até então eram já conhecidos por todos, como a tv e o rádio. Com o evento internet e todas as possibilidades de comunicação que se abrem, pastores, religiosos e religiosas, leigos e leigas devem se inserir neste vasto mundo, que são como verdadeiros areópagos modernos, para a formação e/ou a deformação, se assim forem utilizados.
Sabe-se que hoje existe um grande número de pessoas batizadas, mas não evangelizadas¹⁸, como nos diz a Evangelii Nuntiandi¹⁹, e um número maior ainda de pessoas não batizadas e que nem ouviram falar de Jesus. Sabemos também que o evento Jesus Cristo é para todos, mas só O aceitarão, aqueles que O conhecerem, e os meios de comunicação, por meio de uma evangelização explícita, ajudarão as pessoas a conhecerem Jesus.
Tendo essa consciência e principalmente o desejo de que todo povo, em geral e em particular, que hoje tem acesso aos meios de comunicação receba esta mensagem, urge a necessidade de uma programação atrativa e aceita por todos, mas que seja bem feita, formando, assim, homens novos para um mundo novo. Aqui podemos falar de diversidades culturais, de raças, povos e línguas que receberão a mesma informação. Assim, a cultura cristã, que em muitos lugares perdeu espaço para a nova cultura globalizada, encontrará mais uma vez o seu espaço por excelência no coração e na vida do povo de Deus.
Bento XVI escrevendo aos sacerdotes, porém podemos incluir todos os fiéis, disse:
De fato, pondo à nossa disposição meios que permitam uma capacidade de expressão praticamente ilimitada, o mundo digital abre perspectivas e concretizações notáveis ao incitamento paulino: Ai de mim se não anunciar o Evangelho!
(1Cor 9,16). Por conseguinte, com a sua difusão, não só aumenta a responsabilidade do anúncio, mas esta se torna também mais premente, reclamando um compromisso mais motivado e eficaz²⁰.
Seguindo a intuição do Sumo Pontífice, entrar neste vasto mundo, porém favorável à evangelização, é vocação (vocare-chamado) aos cristãos de boa vontade. Para isso, o saber dialogar com os outros meios já existentes, principalmente para os cristãos que neles trabalham, não é apenas uma profissão, mas um campo de missão, onde a identidade cristã bem formada testemunhará o bom, o belo e a verdade.
Assim sendo, como se poderia passar essa formação por meio de ondas virtuais do computador, da tv e do rádio? Por isso a urgência da formação da identidade cristã pelos meios existentes hoje, e por todos aqueles que surgirão, para que a mensagem evangélica chegue a todos os povos, como nos manda o próprio Senhor²¹.
Existem alguns outros pontos que serão considerados, mas que não serão aprofundados exaustivamente, porém servirão para uma base ainda mais sólida e segura para um desenvolvimento ainda maior do assunto.
Como exemplos desses pontos, podemos elencar o relacionamento da perda de sentido da própria identidade do homem contemporâneo; a falta de uma catequese voltada não apenas para um conteúdo programático, mas também para a realidade da pessoa humana perante um mundo a ser desbravado; a situação da crise existencial e religiosa, resultante de uma má formação dos leigos; dentre outras. Porém, cada um desses pontos que foram citados e que são frutos de uma verificação empírica servirá como um trampolim para o aprofundamento e a constatação da hipótese deste livro, que simboliza a esperança existente no coração de cada ser humano à comunicação com Deus. Que esta comunicação gere, forme e eduque a própria identidade pessoal.
PARTE I
A identidade cristã na atual cultura dos meios de comunicação
No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, um rumo decisivo²².
Ao ter como ponto de partida para a nossa reflexão Bento XVI, na sua primeira encíclica, ele afirmou que a identidade cristã não se baseia em um conceito apenas intelectual, nem mesmo numa decisão apenas sobre um agir moral e ético, mas afirma que é através de um verdadeiro encontro pessoal com alguém que acontece uma mudança total na pessoa humana, capaz de fazê-la entrar em uma dinâmica de vida, em um modo de agir e pensar que a faça esperar, buscar e construir um mundo melhor, mais fraterno e solidário, mas que também saiba que aqui não é o fim. Uma mudança que parte não apenas de uma adesão a algo, mas também de uma resposta dada, a cada momento, a alguém que teve a iniciativa de vir ao encontro tanto de uma realidade particular da pessoa humana, como assumindo de tal forma essa particularidade que se fez, não apenas um conosco, mas um de nós, um dentro de nós. E é justamente isto que nos dá uma verdadeira identidade do que somos, e não somente do que fazemos.
Dois fatos nos são impostos. Um deles é a falta de identidade pessoal, familiar, social e cultural, pois sem elas vivemos dilacerados. Sofremos a dor de rupturas profundas. Caminhamos curvados pelas divisões internas. Quando paramos, um instante sequer, rói-nos a dúvida da inautenticidade do existir, por não sabermos quem realmente somos.
E, por sua vez, destacamos a pós-modernidade, que tritura as totalidades. Fragmentando-as. Avança rasgando as identidades. Pulveriza a cultura. Gira em torno de nós como um maravilhoso caleidoscópio com imagens fascinantes, porém feitas de caquinhos de vidros baratos. Seduz na sua falsidade ilusória. Sociedade das aparências. Corpos sarados, espíritos parvos. Desafia-nos, pois, a manter uma sadia identidade em meio à sua pulverização e a todos os seus desafios.
Chegamos então a nos quetionarmos: Qual é o conceito de identidade? O que constrói uma identidade? Se olharmos para uma realidade, perceberemos que ela tem elementos constantes, permanentes, os quais lhes dão determinada configuração. Se os substituímos, ela deixa de ser ela mesma. Como um diamante que se perdesse a beleza, a resistência, a possibilidade de ser lapidado como pedra preciosa, já não seria diamante.
Valendo-se das coisas materiais, também entendemos das coisas humanas, pessoais, sociais e culturais. Como chamar de brasileiro alguém que já não falasse português, que não se sentisse vinculado ao rincão nativo, à cultura e aos valores do nosso povo?
Frequentemente, usamos a palavra essência para definirmos o que permanece na identidade. Mas tal palavra não dá conta o suficiente de compreendê-la no momento atual. No fundo, as identidades oscilam entre dois extremos: uma mudança de elementos fundamentais, na qual se perde a identidade, e uma fixidez rígida, que não corresponde à nossa compreensão de realidade.
Cabe-nos outra maneira de explicar a identidade, sem apelar para uma essência imutável, abstrata, estática²³. Recorremos então à ideia de relação. Ela tem a dupla qualidade de mostrar permanência e mudança. Como exemplo temos a relação entre pai e filho, a qual permanecerá por toda a vida, enquanto ambos viverem. Esta não se transforma em outra relação. Se o pai, por exemplo, por falsa compreensão de si, se transforma num amigão do filho, conivente com todos os seus defeitos, dizemos que ele perdeu a identidade de pai. Não se trata do simples plano biológico, mas de um conceito amplo de pai. Por sua vez, pai e filho modificam, ao longo de toda a vida, a maneira de conduzir a relação, sem perder a verdadeira condição de filho e de pai. A identidade permanece nas mudanças.
A dificuldade da reflexão consiste em entender como as relações se constituem e se mantêm, na sua realidade fundamental, em meio às transformações históricas. A lucidez pede que os polos da relação se entendam como dois polos diferentes, que se enriquecem mutuamente. Nenhum se deixa subjugar, dominar-se pelo outro. Se o pai vira filho, acaba a relação, desaparece a identidade; e se o filho assume o papel de pai, ocorre o mesmo.
Os desequilíbrios doentios se originam precisamente por não se captar o jogo de uma identidade em face de outra, que lhe surge como diferente. Apenas se ambas se conservarem na própria singularidade, elas se enriquecerão mutuamente. A simbiose e a fusão impedem o enriquecimento mútuo. Em vez de identidade, temos a mesmidade²⁴. Fenômeno semelhante de perda acontece pelo oposto. Dois seres diferentes se encontram como pedaços isolados, sem relação, caleidoscopicamente. Estar ao lado não significa relacionar-se.
A pós-modernidade está provocando outro problema grave: a ilusão da relação. Esta impede que os dois polos se questionem mutuamente. A identidade só se clarifica no encontro com outra identidade que, no caso, transforma-se em alteridade, em diferença. O filho se forja como pessoa humana na relação permanente com o diferente dos pais. Se vivessem numa simbiose ou numa vida paralela, não se estruturariam como pessoa humana equilibrada.
Avancemos na reflexão. Por que uma coisa tão simples e evidente se torna difícil, e na pós-modernidade ainda mais problemática?
Há pessoas e culturas que se moldam facilmente àquelas com que se deparam. Falta-lhes autoestima básica e autoconsciência dos próprios valores, para resistirem na própria identidade ao impacto de fora. Acomodam-se sem mais. Assumem a estratégia da tolerância total ao adversário. No máximo, estabelecem certa negociação ao aceitar parte do que vem de fora e ao rejeitar outra. E como diz João Batista Libanio, mas o fazem por meio de jogo bem político de buscar convivência pacífica, sem se dar o trabalho de um diálogo crítico e positivo. No fundo, não se institui nenhum confronto dialético
²⁵.
A modernidade avançada desenvolve uma sofisticada técnica de absorção pela via subliminar. E a mídia americana controla as principais fontes de difusão globalizante de tal cultura. Ela invade, com seus valores, critérios de ação, configuração mental e imaginário social, os países pobres, ditos subdesenvolvidos ou eufemisticamente emergentes. Entra não como um diferente em diálogo com a identidade dos países colonizados, mas como uma avalanche que arrasa os modos locais de pensar, viver, comportar-se
²⁶.
A perda de identidade, no caso da cultura brasileira, por exemplo, tem afetado os diversos setores da vida. Começa-se pela linguagem. Uma quantidade gigantesca de anglicismos se infiltra no vocabulário, na construção das frases, na maneira abreviada de escrever, especialmente pela via da internet. Esta se transformou em uma fonte decisiva na estruturação linguística da geração jovem. O programa de busca Google, forjado e controlado sutilmente pela cultura hegemônica globalizada, alimenta enormemente o mundo de estudos nos diversos níveis. Vale falar de uma cultura Google
, que substitui o trabalho real de pesquisa²⁷.
Em outro extremo, situa-se uma pequena minoria que reage, quase inutilmente, numa crispação da própria identidade pessoal ou cultural. Intenta-se resistir aos influxos de fora. Em casos exagerados, como os de alguns países árabes, chega-se a arrancar as antenas de tv e a impedir o uso de programas da internet. Esforço baldado. A cultura pós-moderna informatizada, virtual, penetra arrasadoramente por todas as partes. Une o caráter devastador com a sutileza da ideologia envolvente, de modo que as pessoas e as culturas locais apenas se dão conta da manipulação de fora.
As identidades nacionais se desgastam continuamente em elementos fundamentais e preciosos. Desafia-se, pois, o desenvolver de uma atitude de abertura que não signifique capitulação em face do diferente dominante, em nível pessoal e cultural. Para tal, supõe-se lúcida a consciência crítica que conjugue a reestruturação de valores, de imagens, de comportamentos em perspectiva nova, sem abrir mão da originalidade e singularidade de si e de sua cultura.
A identidade se reestrutura processual e historicamente. E isso só acontece caso se mantenha a dialética da conservação da própria identidade com as modificações impostas pelo processo e pelas novas situações históricas.
A pós-modernidade dificulta essa relação por produzir nas pessoas e nas coletividades o medo da decisão²⁸. A modernidade salientara o sujeito conquistador, autônomo, senhor de si, e elaborou uma bela filosofia da decisão, insistindo no permanente devir do sujeito por meio de suas opções. Pensar como alguém em construção. Vinicius de Moraes versejou genialmente sobre o brotar de tal consciência em Operário em construção
.
O pós-moderno se situa no lado oposto. Anuncia o sujeito em desconstrução, fragmentação, perda de consistência. A identidade se cinde, quebra-se em pedaços. Vai além de Freud, que já sinalara as camadas do id, do superego no ego humano. Ao se entregar facilmente às pulsões, aos desejos sem limite, segundo o impactante dito de maio de 1968, é proibido proibir
, não se conhece um eu unitário, responsável. Perde-se a dimensão de história, de continuidade. Cada momento se torna só ele. Não há amanhã. Ora, identidade significa precisamente que as ações de hoje se fazem por nós mesmos e as carregamos para o futuro. E daí o sentido profundo de responsabilidade. A pós-modernidade, ao fragmentar a identidade das pessoas e das coletividades, imuniza-as contra a consciência histórica e ética.
Dentro desta realidade, colocamos algumas perguntas: Quais aspectos da comunicação humana viriam evidenciados à luz da antropologia humana? É possível falar de esperança da identidade cristã na cultura pós-moderna? Na cultura e na comunicação social, é possível uma antropologia cristã?
Parece evidente que uma ciência da comunicação de inspiração cristã deveria, antes de tudo, atingir a rica fenomenologia da palavra, lida internamente da tradição personalista. E isto porque a criatura humana foi criada para entrar em diálogo com Deus e é constitutivamente aberta à comunhão interpessoal. Como recorda Giuseppe Tanzella-Nitti: A antropologia cristã, para uma identidade cristã, nos recordaria que a comunicação, como a palavra, não pode ser separada do fim no qual vem pronunciada
²⁹. Em sentido estreito, não existe comunicação neutra: esta revela sempre a interioridade do sujeito. Pode-se comunicar para convidar, unir, doar, ou também para capturar, separar e dominar. Todavia, somente o primeiro modo de comunicar se apresenta conforme a verdade da pessoa, porque esta não pode se realizar nem se reencontrar plenamente, senão através de um dom sincero de si
³⁰.
Não é, então, sem interesse que a revelação apresenta o pecado como uma ruptura do diálogo entre Deus e a criatura humana, uma fratura que prejudica a comunicação interpessoal com a introdução da suspeita, do engano, da traição. Com uma expressão que parece ligar a traição original da narração do Gênesis à traição sofrida por Cristo, dirá o Salmo 55: Se tivesse me insultado um inimigo, teria suportado; se fosse traído por um adversário, dele teria me escondido. Mas és tu, meu companheiro, meu amigo confidente; ligava-nos uma doce amizade, em direção à casa de Deus, caminhávamos em festa
³¹.
Uma verdadeira teologia da comunicação, para formar a identidade cristã, sobretudo neste tempo, não pode ignorar que a verdadeira comunicação se encontra na situação, na necessidade de ter que ser redimida. Se a razão mais profunda da comunicação humana diz referência à imagem de Deus no homem (identidade-antropologia cristã), então cada ofuscamento dessa imagem vicia e prejudica, na sua essência, a sinceridade e a gratuidade de todo o comunicar.
Não surpreende, portanto, que a redenção do pecado se apresente historicamente como um novo encontro com a Palavra, do qual surge o pleno restabelecimento da relação dos homens com Deus e entre eles: aquilo que era um não-povo, agora torna a ser um povo que comunica, num mesmo Espírito, a nova comunicação; e entre as línguas originadas em Pentecostes, restaura a confusão causada pelo pecado de Babel.
A revelação nos apresenta a comunicação humana essencialmente ligada à interioridade do sujeito, tácito testemunho do seu relacionamento com Deus, orientado pela natureza ao dom de si, mas necessitado de redenção, quando cede à suspeita e ao egoísmo.
A identidade cristã: princípio que define o discípulo de Jesus
Somos realmente filhos de Deus, nos diz São João³². É tão maravilhoso este fato, que deveria nos encher de imensa alegria e de uma confiança incondicional em Deus. Se Deus tanto nos ama, a ponto de fazer-nos seus filhos, o que mais poderíamos querer! Se Deus nos ama e nos chama de filho, todo o resto, para nós, pouco vale. Até mesmo, nenhum sofrimento, nenhuma fadiga, nenhum sacrifício, nem a morte podem nos tirar esta alegria interna, esta felicidade serena e segura de saber que somos filhos de Deus e de que Ele nos ama. Então começamos a entender melhor porque Jesus tantas vezes falou aos seus discípulos: Não tenhais medo
!³³
Se falarmos de nova evangelização, não é possível anunciar o Evangelho e testemunhar Jesus Cristo sem uma experiência concreta da fé citada acima, de sermos todos filhos, e filhos amados de Deus³⁴. Tal experiência, depois, requer ser comunicada e participada, por meio de um estilo de vida que envolve necessariamente um processo de formação e de educação.
Como é possível hoje falar de formação da identidade cristã ou de educação à vida boa do Evangelho, em um verdadeiro tempo de crise? Quanto da força do anúncio cristão hoje é diminuída pelo nosso estilo de vida moderno? As igrejas locais ainda têm alguma coisa para dizer ao mundo e à sociedade? Pode-se falar em reivindicar uma identidade cristã?
Se for verdade que na vida não é importante responder a todas as perguntas, mas sim colocar o interrogativo justo, então as questões acima citadas são justificáveis para a reflexão sobre a natureza missionária da Igreja e sobre a necessidade de recuperar a categoria de história e de experiência – o testemunho e a credibilidade da fé – no interno do projeto educativo da Igreja, como afirmou Bento XVI, na Carta Apostólica Porta fidei³⁵, publicada em 11 de outubro de 2011, na forma de Motu próprio, que antecede o ano da fé, e proclamada por ele mesmo, de outubro de 2012 a novembro de 2013.
Essencialmente, a nova evangelização é a redescoberta do sentido vivo da fé, principalmente nas comunidades de antiga cristandade, que perderam a força do Evangelho e a eficácia do seu anúncio, seja nos conteúdos, seja nos métodos e nas propostas operativas e pastorais. Anunciar a Boa Nova da ressurreição, e nela a nossa filiação Divina, não significa falar de uma doutrina para apreender na memória ou do conteúdo de uma sabedoria para meditar. Evangelizar é, antes de tudo, testemunhar uma transformação no interior do ser humano: com a ressurreição de Cristo, tudo mudou, modificou-se também o sentido da nossa vida e o destino do mundo.
A formação como evangelização e a conversão são questões de fé e de liberdade, ou seja, de disponibilidade e docilidade³⁶. A crise econômica, política, social e cultural dos nossos tempos também é um problema de fé e de liberdade. Para agir é sempre necessário confiar-se a alguém livremente. Pedagogo é quem vive uma experiência gratuita, que muda plenamente a existência e tem, portanto, alguma coisa – um conteúdo – para contar e para transmitir aos outros. Neste caso, o Evangelho de Jesus Cristo! Mestre é somente quem faz da gratidão e da liberdade recebida, a oferta de si mesmo.
O que de fato nós doamos aos outros, aos jovens e ao mundo, para que estes possam reconhecer Jesus Cristo como Senhor da vida, e formem, a partir de um encontro pessoal³⁷ com Ele, a própria identidade cristã? A gratuidade não é uma fórmula comprometedora do nada, ou de uma ideia, ou de um projeto, mas é o compêndio de uma existência doada³⁸.
A crise é sempre uma oportunidade para renovar a nossa confiança em Deus e redescobrir o sentido genuíno da fé, como Deus mesmo fala ao profeta Jeremias: Eu estou da tua parte, sempre próximo a ti, sou presente na tua vida
³⁹. Somente Deus é aquele que pode nos fazer estáveis. Liberando-nos de excessivas e, às vezes, inúteis e catastróficas análises sociológicas e econômicas, para repartirmos, como vivência ou forma de vida, a experiência da fé e do Evangelho, que nos renova e abre os nossos corações a uma alegria muito grande. Foi esta a experiência dos apóstolos que, depois de terem encontrado o Ressuscitado, O anunciaram com a vida. Isto é identidade cristã.
Na identidade cristã, aplica-se um princípio que nos faz fiéis ao Evangelho e que melhor exprime a natureza do cristianismo: Somos escondidos com Cristo em Deus
⁴⁰. O pecado consiste em uma resistência passiva diante da novidade de visão suscitada pelo Evangelho de Jesus Cristo e indicada pelos sinais dos tempos.
A mensagem cristã é a expressão concreta da liberdade amante de Deus. Não podemos colocar uma carga no discurso sobre a liberdade, através de um horizonte de sentido normativo ou jurídico. O mundo é a