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Prepare seu coração: Histórias da MPB
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Prepare seu coração: Histórias da MPB
E-book276 páginas3 horas

Prepare seu coração: Histórias da MPB

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Sobre este e-book

Responsável pela existência da sigla MPB e revelação do elenco, resultado de sua iniciativa, o ex-ator, ex-roqueiro, diretor, produtor e realizador Solano Ribeiro atualizou a pedido da Editora Kuarup o livro Prepare seu Coração – Histórias da MPB, que chega agora às livrarias e que terá noite de autógrafos na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em 18 de setembro e na Livraria da Travessa, no Leblon, Rio de Janeiro, no dia 02 de outubro.

As memórias de Solano são as memórias do maior movimento musical que este país já teve – os Festivais - e que revelou os artistas mais talentosos de todas as gerações: Elis Regina, Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gal Costa, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Jair Rodrigues, Itamar Assumpção e tantos outros. Relembra a parceria dele com as figuras mais criativas do universo artístico, entre elas, Décio Pignatari, Augusto de Campos, Rogério Duprat, Lennie Dale, Augusto Boal, Júlio Medaglia.
Mais do que desenhar a trajetória da música no Brasil o livro de Solano Ribeiro traça a partir de relatos saborosos dos momentos de sua carreira a evolução tecnológica da indústria da televisão, cinema, publicidade e da música, visto que, o autor, eclético, trafegou por todas elas.
Foi o introdutor no mercado da publicidade da TV, do Cine-VT, ao fazer a captação e imagens em película para depois editá-las em vídeo, processo utilizado ainda hoje.

Aos 79 anos e na mais plena atividade, Solano Ribeiro continua com sua missão de revelar os melhores talentos musicais do país juntando o rádio e a internet. Produz e apresenta o programa Solano Ribeiro e a Nova Música do Brasil há 11 anos na Rádio Cultura Brasil, transmitido também por várias emissoras brasileiras. A atração foi premiada pela APCA na categoria Iniciativa Cultural com o Troféu Catavento, evento criado para dar maior visibilidade à nova safra de cantores, músicos e compositores que participam do programa e que destaca os melhores do ano.
A sua mais nova causa é o portal, no qual, sob sua curadoria, vai exibir o trabalho de artistas da nova geração que ainda não conseguiram qualquer exposição. "Serei o primeiro oldtuber brasileiro porque acredito que esses novos talentos podem construir um movimento que será maior do que a Bossa Nova e os Festivais", diz Solano.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de set. de 2018
ISBN9788568494158
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    Prepare seu coração - Solano Robeiro

    tona.

    Rua Cunha Horta, 82 – 1o andar

    1945. Aos 6 anos, uma tarefa:

    – Leva isso, menino – ordenou Dina, ao me entregar um cartão azul cheio de quadradinhos numerados.

    – E vem comigo!

    Sem saber que cartão era aquele, para que serviria e para onde me levava desci as escadas de mármore atrás da empregada até a rua onde uma grande agitação revelava algo diferente na rotina da pacata rua Cunha Horta, de cuja limitada perspectiva eu podia acompanhar o crescimento da cidade ao redor. Ainda no meio do quarteirão entramos numa longa fila que virava a esquina da Amaral Gurgel até à padaria. Todos na fila com cartões semelhantes.

    – Pra que é isso? – perguntei, intrigado.

    – Pra comprar pão.

    Eu morava no primeiro piso de um pequeno prédio estilo art déco cinzento com três andares que ainda hoje, num amarelo periferia, resiste na esquina da rua Cunha Horta com a Cesário Motta Júnior, na Consolação. Apartamento cercado por uma marquise com aproximadamente 1 metro de largura. Tentação irresistível para que não levasse a sério as ordens de jamais pôr os pés ali. Mãe e pai no trabalho. Ela, tradutora na agência de notícias Press Information, editora da revista Ilustração. Ele, na época gerente-geral de uma Drogadada, que mais tarde viria a ser Drogasil. Meu irmão no colégio. Se em casa não iria perder tempo naquela fila formada por portadores de cartões azuis que indicavam quantos pães poderiam ser comprados naquele dia. Os primeiros da fila levavam os de trigo, que pela escassez da farinha logo acabavam. Então, e dentro da cota, era possível comprar pão de milho. O cartão picotado só poderia ser utilizado de novo no dia seguinte. Como a fila não andava e tudo aquilo era muito chato, a gente sentava na calçada à espera de algum movimento. Dina logo encontrava um papo. Mulatona, bonita, com nome pomposo: Erondina Dutra Valadares, noiva de um Clemente Cid, que nunca aparecia porque minha mãe proibia e aconselhava Dina a não se casar, pois diziam ser ele tuberculoso. Depois da longa espera, a volta feliz com os pães. Eu achava o de milho mais gostoso, mas em casa a preferência era pelo de trigo. Em frente ao apartamento havia um pequeno armazém de secos e molhados que pertencia a um casal de japoneses. A venda, onde minha mãe comprava mantimentos cujos preços anotados numa caderneta eram pagos ao final de cada mês. O nome do japa não me lembro, mas sua mulher era dona Íris. Dois filhos: Noboyuque, cuja idade regulava com a do meu irmão, oito anos mais velho que eu, e Xoxa, japonesinha cheia de graça. Lá, meu pai, tenente reformado do Exército, todo fim de tarde parava para a saideira antes de subir. O papo devia ser sobre as ações dos aliados na Segunda Guerra que rolava contra o Japão. A rua Cunha Horta era calçada de paralelepípedos com pouco menos de 100 metros entre a Cesário Motta Júnior e a Amaral Gurgel, via sobre a qual hoje passa o Minhocão. De lá era possível acompanhar a lenta construção, ao lado do imponente prédio Martinelli, do Banco do Estado, que prometia ser o edifício mais alto da que, para orgulho dos paulistas, ostentava o pomposo título de A cidade que mais cresce no mundo. Lembro meu irmão comentar com orgulho que São Paulo havia superado o primeiro milhão de habitantes. O rádio falava sobre as batalhas das tropas aliadas na Europa. De tempos em tempos, por ordens sei lá de quem, éramos obrigados a exercícios noturnos. Os blackouts. Todas as luzes apagadas, janelas fechadas, ruas escuras. Automóveis só podiam circular à noite com os faróis cobertos de tinta preta com pequena tarja que deixava tênue nesga de luz a iluminar o caminho. Obrigatório o uso de pneus com faixa branca para serem percebidos na escuridão. A frota, relativamente pequena, era toda de carros importados, cuja maioria, pelo racionamento da gasolina, era movida a gasogênio. Estranha engenhoca. Um tanque cilíndrico acoplado à traseira do automóvel que produzia gás a partir da queima de carvão ou lenha e fazia o motor funcionar. Quem já tentou fazer churrasco em dia de chuva pode imaginar a mão de obra para fazer o carro andar se chovesse. Certa tarde, grande alvoroço. A Cunha Horta se encheu de gente a olhar para o céu. Depois de longa espera, sons de ruidosos motores de avião ocuparam o espaço. Em voo rasante, vários caças em formação faziam evoluções sobre a cidade. Como ainda não havia nenhum arranha-céu, era possível acompanhar os Thunderbolts P-47, que celebravam, para delírio da população, a volta de sua missão na Itália. Senta a Pua, o nome da esquadrilha. Meu irmão exultava. Já havia determinado seu destino. Talvez por influência do tenente Faria, nosso pai, estava para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes, localizada no prédio onde hoje está a ala do Hospital Sírio-Libanês perto da Nove de Julho. Avenida que me lembra outro acontecimento aviatório. Certa tarde, ruídos de vários aviões fizeram com que eu corresse até a janela, deixando de lado o dever de casa para o jardim da infância do Colégio Rio Branco da rua Dr. Villa Nova. Formação de quatro bimotores A-20s, bombardeiros médios da FAB, sobrevoava a cidade. Um deles se separou da esquadrilha e caiu em parafuso, sumindo por entre as edificações. Naquela tarde uma passadeira de roupas balançava o ferro a carvão no pequeno apartamento.

    – Maria... caiu um avião, eu vi!

    Não me levou a sério. Com o mesmo entusiasmo, relatei o fato à minha mãe quando chegou, mas ela também não acreditou. Algum tempo depois de terminado seu trabalho, Maria volta toda nervosa, tendo abandonado o caminho de casa para confirmar minha história.

    – Caiu mesmo. Lá na Nove de Julho. O menino tava certo. Tá cheio de gente, bombeiros, polícia, nem deu pra passar.

    Como ainda não existia televisão, e o rádio estava ocupado pelas novelas, só o jornal do dia seguinte deu a notícia confirmando meu testemunho, assunto do papo papai-mamãe no café da manhã. O A-20 havia caído num terreno baldio e não causara nenhuma vítima além da tripulação. Na primeira página, foto do falecido piloto, já declarado herói por ter evitado vítimas em terra. Ao longo daqueles meses lembranças da chegada da esquadrilha de B-17 usados pela FAB que voltavam da Europa se misturam ao comprido bombardeiro B29 da USAF a voar solitário sobre a cidade e o enorme Zeppelim silencioso a baixa altitude para incrementar a política americana da boa vizinhança. Contraponto com a visão dos pés molhados da dona Fortunata, solitária viúva italiana do andar de cima que revezava com Dina a faxina da escada de mármore que dava acesso aos dois apartamentos.

    Não era bonita, mas seu corpo sensual atraía olhares do tenente Faria, o que provocava grandes discussões a portas fechadas quando minha mãe cobrava o exagero nas mesuras. Da rua Cunha Horta são as primeiras lembranças de infância normal, onde o dia mais esperado era o da compra do material escolar no Colégio Rio Branco. Voltava para casa cheio de cadernos, livros para desenhar, borracha e lápis de cor que seriam, pelos meses seguintes, os instrumentos do início da minha educação. Num fim de tarde, ouço meu irmão a gritar histérico na sala de visitas. Com o rádio no máximo volume, pulava sem parar sobre o sofá:

    – A guerra acabou! Acabou a guerra! Acabou a guerra! O Japão se rendeu! Pela euforia desmedida percebi que alguma coisa importante acabava de acontecer. Comentários de poderosa bomba e mais outra sobre cidades japonesas tinham sido assunto no café papai-mamãe dos últimos dias. Pelo agito da rua fui proibido de sair de casa enquanto a Cunha Horta se enchia de gente a gritar e comemorar o fim da guerra. Meu irmão no meio. Dina, sem noção muito clara do que acontecia, atenta para evitar minha fuga. Pela janela podíamos ver o armazém, a venda do japa, encher de gente. Ficamos por muitas horas à espera até que mãe, pai e irmão entraram eufóricos. Repetiam irônicos afirmações enfáticas de dona Íris:

    – O Japão não se rendeu. O Japão perdeu a guerra. Nunca se renderia.

    Naquela noite, para frustração da Dina, a radionovela não foi transmitida. A voz de Heron Domingues com seu Repórter Esso ocupou, nas ondas da Rádio Nacional, o espaço do horário nobre da sucessora de Em Busca da Felicidade, precursora de O Direito de Nascer. E por que não?... de Avenida Brasil ou da novela das 9 que estiver no ar. A gente se vê por aí!

    O velho violão

    Num dia de ano que não posso precisar, ganhei, aliás, pedi emprestado a tia Hildegard um velho e pequeno violão, que jamais devolvi e que seria o meu instrumento na descoberta de que, de um lado ficam aqueles que querem se exibir, se afirmar e, do outro, a legião de pessoas que, sem nunca ter uma cara definida, formam o que geralmente chamamos de plateia. E se alguém tem talento atrai a atenção de quem nela se colocou, que pode ser uma família, classe, rival, garota ou uma comissão julgadora. As primeiras e desajeitadas experiências às vezes podem ser terríveis, opinião no geral unânime também para o outro lado. Mas com o tempo, um pouco de estudo e experiência, se você realmente tiver talento e alguma dedicação, começará a perceber que passam a tratá-lo de maneira diferenciada, com certa admiração e respeito, alguns até arriscando dizer que você é um artista.

    Artista. Apesar de todos os tratados e teorias que havia lido sobre comunicação, por meio de manifestação artística singela acabei por entendê-la de maneira muito simples e inesperada ao assistir ao show do Cyro Monteiro e Dilermando Pinheiro chamado Telecoteco Opus No 1, numa reedição da famosa Dupla 11. Em determinado momento do espetáculo, percebi que através daqueles dois sambistas todos na plateia em comunhão cantavam, vibravam, riam e choravam. Todos se comunicavam, se amavam tendo a dupla no palco como catalisadores. Essa experiência, numa conclusão por certo ingênua, foi um insight e serviu para que eu realizasse a precisa noção do significado das reações do espectador diante de uma obra de arte, seja ela pintura, escultura, concerto, poema, balé, foto, filme, récita, show, sambinha, romance e, por que não?, missa regida por qualquer liturgia, primitiva, católica, muçulmana ou mesmo o serviço religioso dos negros americanos que transformaram seu culto em riquíssimo espetáculo musical. Enfim, pude perceber a essência do efeito dos códigos usados, consciente ou inconscientemente, tradicionais, modernos ou de vanguarda por todo aquele que busca comunicação e que contém a célula que poderá modificar o comportamento, ou até mesmo a visão do mundo de quem o observa. Como diz Fayga Ostrower no seu livro A Sensibilidade do Intelecto, diante de uma obra de arte, você entende alguma coisa não só da personalidade do artista, mas da sua visão de vida que aquela obra ilustra.

    Ou, em contraponto, como escreve Miguel Reale: A verdadeira forma de arte adquire validade universal sem ficar vinculada, no entanto, à pessoa do artista, por mais que com ela se confunda. Identificar-se com o artista, transcendendo-o, eis o inefável sentido universal da obra de arte. No meu entender, a comunhão de sentimentos que uma manifestação artística provoca, além de ser a chave mágica, às vezes inconsciente, da comunicação do artista, é o que transforma seus admiradores ante sua obra em cúmplices de uma mesma percepção.

    Observador

    Sempre me comoveu a chegada do público a um espetáculo, seu aplauso e suas reações, que para mim tocam mais do que o show em si. O que leva uma pessoa a um teatro, auditório ou cinema? Serão infinitas as razões – culturais, sociais, educacionais –, mas a motivação que me fala mais de perto é a carência, um componente, sem dúvida, muito pessoal. Hoje temos uma incalculável gama de ofertas em tecnologias da comunicação que será ampliada sempre numa progressão geométrica nos próximos anos e cujas consequências sociológicas ninguém se atreve a prever.

    Aqui vai uma observação que poderá vir a ser útil a quem queira avaliar a influência do meio televisão no comportamento do espectador e, creio, num estudo mais profundo, oferecer dados para conclusão mais precisa na controvertida discussão sobre as consequências, principalmente nas crianças e adolescentes, da convivência sistemática com programas e jogos com conteúdo que hoje geram polêmica, como sexo e violência.

    A televisão, com seus códigos peculiares, age sobre o espectador de uma maneira inibidora, causando uma espécie de frustração inconsciente que pode se manifestar às vezes de forma violenta, como pude constatar ao testemunhar a reação do ouvinte/espectador/torcedor em diferentes momentos quando da participação da nossa seleção de futebol nas várias copas transmitidas por diferentes meios. Não quero me envolver em teorias como as de Marshall McLuhan a respeito de meios quentes ou frios na comunicação eletrônica, mas apenas relatar observações pessoais.

    No rádio como num livro a imaginação reina. O livro também provoca a visualização individual, o que permite uma interpretação diferente para cada leitor.

    Quando um livro é transformado em filme é comum ouvirmos: Gostei mais do livro. O significado, que a imaginação daquele leitor criou, agradou mais do que o filme mostrou pela interpretação que o diretor e o roteirista fizeram do mesmo livro. O filme é apenas uma das leituras possíveis.

    Em 1958, na Suécia, os jogos da Copa do Mundo em que o Brasil conseguiu seu primeiro título eram acompanhados pelo rádio. Em São Paulo, três nomes se destacavam nas preferências: Pedro Luís, Edson Leite e Fiori Gigliotti. No Rio, Valdir Amaral, Oduvaldo Cozzi e Jorge Cury. Eram estilos distintos de narração, mas faziam a descrição do jogo com tal velocidade e riqueza de detalhes que era possível, para quem estava atento ao rádio, participar da ação. O jogo era criado na imaginação de cada um pelos locutores. O ouvinte jogava junto. Ao apito final, a partida estava resolvida e, dependendo do resultado, alegria ou tristeza tinham seu peso relativo, para na sequência o torcedor continuar com seus afazeres habituais. Aos mais interessados, a leitura dos jornais no dia seguinte com fotos e informações adicionais serviria para completar o quadro. Em 1958, quando o Brasil foi campeão do mundo, a alegria se espalhou por todo o país. Mas foi somente na chegada dos jogadores vitoriosos que parte da população saiu às ruas para saudar seus ídolos em grandes manifestações. Que se restringiram, porém, ao itinerário cumprido pela delegação campeã. Na Copa do Chile, em 1962, também transmitida pelo rádio, quando a Seleção foi novamente campeã, o que se viu foi um comportamento semelhante ao de 1958. Em 1966, graças ao videoteipe, agilmente transportado pelas emissoras já então brigando pela preferência dos telespectadores, os jogos puderam ser vistos pela televisão, embora no dia seguinte. Não existiram manifestações de rua por parte dos torcedores. É preciso considerar o desempenho sofrível do nosso time naquele torneio. A Copa do México de 1970 trazia uma novidade: os jogos seriam ao vivo e em cores. Já ao final da primeira transmissão, após a seleção ganhar seu jogo de estreia na Copa, todo o país testemunhou a tomada das ruas por hordas de torcedores em manifestações ruidosas. Em alguns casos até explosivas. Foi a primeira vez que em comemorações espontâneas pela vitória de um time de futebol apareceram sinais de violência. Hoje, quase uma regra. Até em jogos de menor importância de campeonatos regionais.

    Essa simples observação pode nos levar à conclusão de que a televisão impõe ao espectador uma passividade que terá de ser compensada ao término do evento transmitido para dar vazão à energia emocional acumulada.

    A catarse não acontece durante o desenrolar do fato testemunhado através do vídeo. Ao contrário do teatro, do cinema, da música, do rádio ou de eventos em que a participação do espectador é simultânea.

    A constatação de que a televisão frustra e inibe o espectador passa a ser relevante na avaliação de seu efeito em toda e qualquer transmissão, programa ou reportagem e, como decorrência, comercial ou merchandising etc.

    Daí a importância de uma avaliação criteriosa da real responsabilidade que a televisão deve ter no comportamento do seu espectador, que, por sua frágil imunidade, passa a ser facilmente manipulável pelas técnicas sofisticadas, éticas ou antiéticas, até subliminares, farta e impunemente utilizadas por aqueles que detêm o controle dos veículos de comunicação no Brasil. Os que delas têm conhecimento, é claro.

    A evolução do entretenimento e a criação de plataformas de mídia trouxeram em seu bojo dois elementos que modificariam substancialmente o perfil e o comportamento dos espectadores. A violência passou a dominar o cinema e, como consequência, a televisão. E os videogames. Não consigo deixar de estabelecer ligação entre sua massiva utilização e os terríveis massacres que passaram a estarrecer o mundo, hoje a aldeia global prevista por Marshall McLuhan, interligada pela internet com sua informação imediata. No momento em que escrevo estas linhas com intenção de uma segunda edição, chega a informação de que um exótico artista coreano com estranha coreografia alcançou 1 bilhão de acessos. Poucos dias depois de outro massacre em escola americana no qual um adolescente, depois de assassinar a mãe com armas que pertenciam a ela, matou 25 pessoas, sendo 20 crianças entre 5 e 7 anos. Voltou à tona o debate sobre a proibição de armas. Nos Estados Unidos, tema em que poucos ousam tocar, pois a Segunda Emenda da Constituição americana permite a posse e a compra indiscriminada de armas sem dificuldade por qualquer pessoa. Ninguém ainda abordou um ponto sensível, que é a gênese do problema. A violência extrema há muito é apresentada com sofisticado glamour através do cinema, da televisão, das HQs e dos videogames. A trágica estreia do filme Batman em que um homem atirando a esmo mata vários espectadores é prova dessa ligação. Assim como aconteceu em São Paulo numa sessão do filme O Clube da Luta. Como grande parte da mídia tem interesse ou até produz o que é servido, não se toca no assunto. Esse jovem lá na América deu sequência ao sistemático condicionamento a que foi levado pelas imagens de cabeças estouradas, corpos explodidos e inimigos eliminados na sequência de seus games, filmes e programas de TV cuja violência é usada já nas chamadas para atrair audiência. Uma criança, assim que recebe seu primeiro artefato mórbido eletrônico, passa a vibrar com sua destreza e capacidade de matar e com ela obter mais pontos do que seus colegas na destruição virtual. Agora tenta explicar os porquês.

    Rock and roll

    Antes de começar a bater nas cordas do velho violão da titia, eu já havia estado em sessões de tumulto premeditado nas matinês

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