Um país chamado favela: A maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira
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Sobre este e-book
A pesquisa Radiografia das Favelas Brasileiras reuniu números surpreendentes e reveladores sobre este território, muitas vezes estigmatizado pelo senso comum. Da pesquisa surge este livro, que mostra que é difícil entender o Brasil sem entender as favelas, unindo o rigor científico das pesquisas de opinião com o conhecimento prático dos moradores de favela.
O universo da favela real parece ainda invisível à grande mídia, aos intelectuais e a boa parte dos planejadores de negócios, que ignoram e desprezam seu poder transformador. Estamos diante de um novo cenário nas favelas do Brasil. Então, quais são os perfis que se revelam e as perspectivas que trazem à nossa sociedade?
Os autores desmistificam a favela de hoje apoiando-se em informações inéditas, mostrando que esse é um território não apenas importante e em desenvolvimento, mas também uma área de grandes e compartilhadas oportunidades – o coração vibrante do Brasil.
Se as favelas fossem um estado, seriam o quinto mais populoso da federação, capaz de movimentar 63 bilhões de reais a cada ano.A pesquisa Radiografia das Favelas Brasileiras reuniu números surpreendentes e reveladores sobre este território, muitas vezes estigmatizado pelo senso comum. Da pesquisa surge este livro, que mostra que é difícil entender o Brasil sem entender as favelas, unindo o rigor científico das pesquisas de opinião com o conhecimento prático dos moradores de favela.O universo da favela real parece ainda invisível à grande mídia, aos intelectuais e a boa parte dos planejadores de negócios, que ignoram e desprezam seu poder transformador. Estamos diante de um novo cenário nas favelas do Brasil.
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Um país chamado favela - Renato Meirelles
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Meirelles, Renato
Um país chamado favela : a maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira / Renato Meirelles, Celso Athayde. – São Paulo : Editora Gente, 2014.
ISBN 978-85-7312-951-9
1. Consumo (Economia) 2. Empreendedorismo comunitário 3. Favelas – Aspectos econômicos 4. Favelas – Aspectos sociais 5. Favelas – Brasil 6. Planos de negócios I. Meirelles, Renato. II. Título.
Índices para catálogo sistemático:
1. Favelas brasileiras : Pesquisas com os habitantes das comunidades : Tendências de consumo : Administração de negócios 658
NOSSO MUITO OBRIGADO.
Este livro é de vocês e para vocês.
Escrever um livro definitivamente não é uma tarefa fácil. Juntar experiências de vida ao mesmo tempo tão diferentes e complementares como as nossas tornou o desafio ainda maior. Seria impossível chegar ao resultado que é este livro sem o empenho e o entusiasmo das pessoas que no dia a dia nos acompanham no Data Popular e na Cufa. Maíra Saruê, João Paulo Cunha, Preto Zezé e Dinorá: nosso muito obrigado. Em nome de vocês, agradecemos a cada pessoa das centenas que nos ajudaram e ainda ajudam a transformar a pesquisa e a criação do Data Favela em realidade.
A ideia de criar um instituto de pesquisa especializado em favela surgiu no dia em que nos conhecemos, em uma sala da Rádio Beat98. Foi amor à primeira vista
. Eva e Irene, madrinhas queridas, nosso muito obrigado. Vocês, antes de todo mundo, acreditaram no potencial de juntar técnicas de pesquisa e vida real para mostrar para o mundo o potencial oculto das favelas brasileiras.
Quem nos conhece sabe que realizar uma pesquisa nacional, treinar pesquisadores de dentro da favela para fazer entrevistas e analisar os dados e criar o Data Favela não seria suficiente. O que nos move é mostrar para o mundo a realidade e as oportunidades (para as empresas e para os moradores) presentes nos milhares de favelas do Brasil. Para isso, decidimos lançar a pesquisa em grande estilo. Sem absolutamente nenhum patrocínio na largada e com um cheque sem fundo, alugamos o Copacabana Palace no Rio de Janeiro e realizamos o 1º Fórum Nova Favela Brasileira. Isso ocorreu graças à parceria e à generosidade de Gabriela Onofre que, com a P&G, é parceira de todas as horas, de Luiz Barretto, do Sebrae Nacional, de Thais Lima e de Larissa Kaneko, queridas amigas da C&A. Obrigado a Avante, a Vai Voando e a Light. Pessoas e empresas que acreditaram na gente, graças a vocês nosso cheque não voltou. Obrigado também a todos os palestrantes que imediatamente aceitaram nosso convite e participaram do evento: Padilha, Lázaro Ramos, Flávia Oliveira, Luis Fernando Nery, Siro Darlan, Coronel Cesar, Jailson Silva, Elias Tergilene, Laércio Cardoso, Cacá Diegues, Dudu Nobre, Nega Gizza, Rene Silva, Anderson Quack e Regina Casé. Este livro é de vocês também.
Luciano Huck, Preto Zezé, Luiz Eduardo Soares e MV Bill, muito obrigado pelas palavras generosas neste livro e na vida.
Obrigado, Cris Zago Zácari. Você inspira. Sem dúvida, depois de você o Renato se tornou um cara melhor. Obrigado a Márcia Oliveira, Marina Soares Athayde e Maria Barbosa de Paiva, nossas mães e referências.
Para terminar, o nosso agradecimento especial a todos os favelados, protagonistas deste livro e do Brasil. Dedicamos este livro a vocês. Chegou a hora de o Brasil reconhecer tudo que a favela fez, faz e fará para o nosso país. Estamos apenas começando.
Sumário
Prefácio
Apresentação
A casa-grande, a senzala e os novos protagonistas
Capítulo 1 – A refavela: onde o Brasil muda primeiro
Uma história de saudáveis impermanências
O nome do que já havia
Episódios de força e verticalidade
Capítulo 2 – O formidável laboratório da nova economia popular
Migalhas e novas percepções da riqueza
O magnata que começou camelô
Hospedagem no morro
Berço de empreendedores
Para quem sabe onde fica
Rito de iniciação sobre asas
Desafios na gestão da casa
Capítulo 3 – As famílias que refazem o paradigma do consumo
Os multiconectados
A agenda da compra futura
O lugar e a motivação
Confiança e dissonância
O complexo universo das aspirações
Capítulo 4 – Uma cultura de movimento
Os eventos da rua
O lugar e o espaço
Capítulo 5 – Os agentes da transformação
Um poderoso agente interno
Capítulo 6 – Violência: entre o mito e a realidade
O resgate da cidadania
Capítulo 7 – Onde mora o meu lugar
O horizonte visto do morro
Prefácio
No léxico político e cultural brasileiro, favela é uma palavra importante, cujo emprego inicialmente ocorreu no Rio de Janeiro, no começo do século XX, para descrever o bairro popular formado no morro da Providência. A palavra vem assumindo múltiplos sentidos ao longo da história e de acordo com variações regionais e conjunturais. Nem sempre é o nome do território onde moram pobres em uma cidade. Em Porto Alegre, há as vilas. Na própria cidade que inaugurou seu uso, há áreas refratárias à denominação, a despeito da similaridade com algumas outras às quais ela se aplica. Nem sempre é o nome adotado pelos próprios habitantes e não está necessariamente comprometida com a referência à superfície inclinada dos morros. No Rio, o termo preferido, em geral, nas últimas décadas, é comunidade. Por vezes, favela e favelado equivalem a categorias de acusação, que estigmatizam a dimensão social da geografia e estendem preconceitos a toda uma população – a ponto de moradores de favelas verem-se instados a falsificar endereços para evitar discriminação quando procuram emprego.
Há institutos de pesquisa em que a palavra cede lugar a definições prolixas, pretensiosas e, nem por isso, precisas ou isentas de cargas valorativas, como aglomerações urbanas subnormais
. Em muitas ocasiões, no discurso oficial, durante o século XX, favela foi sinônimo de problema que o poder público deveria antes remover que resolver. Nas primeiras décadas do século XX, imersa na atmosfera emanada pelo ímpeto autoritário das reformas de Pereira Passos, favela, como as cabeças de porco e o casario popular localizados no centro da cidade, esteve associada à precariedade de condições higiênicas e sanitárias. Reduzia-se a metáfora alusiva à insalubridade, que indicava focos de doenças contagiosas. Sua extinção, ou seu deslocamento, converteu-se em exigência de saúde pública.
Na sequência, foi percebida como espaço da pobreza, que maculava e depreciava o valor imobiliário de bairros prósperos ou economicamente promissores para o investimento especulativo. Em seguida, tornou-se fonte do mal, sede do perigo, da ameaça aos bons costumes, que demandava campanhas menos sanitárias e mais moralizadoras, que entidades religiosas capitanearam por longos períodos, enquanto mitigavam a miséria com obras de caridade. Houve a era das remoções para limpar a paisagem, modernizar, arejar, oxigenar – e, de novo, higienizar e valorizar o patrimônio depreciado pela vizinhança imprópria. Incêndios criminosos, expulsões, intervenções brutais do Estado deixaram marcas profundas na memória da cidade. Entretanto, era preciso manter disponível e barata a força de trabalho feminina para o emprego doméstico nas residências da classe média, era conveniente contar com porteiros e prestadores de serviço, operários e mão de obra explorável por perto, capazes de sobreviver com o mínimo e comparecer com pontualidade. Em contrapartida, era necessário reduzir custos de deslocamento para tornar viáveis salários indignos.
Gradual e crescentemente, foram ocupadas as áreas disponíveis nos morros e nas regiões acessíveis, contíguas aos bairros nos quais havia empregos, na região metropolitana e, sobretudo, nos bairros afluentes da capital. A linha de trem rumo à zona norte deixou de ser o eixo da ocupação urbana, assim como a industrialização cedeu à hegemonia dos serviços e da informalidade. A decadência política do Rio de Janeiro preparou o declínio econômico, empurrando para as adjacências da zona sul da cidade os aglomerados de trabalhadores pobres e suas famílias. Os morros foram invadidos. As favelas proliferaram. O poder público viu-se diante do inexorável e chamou-o virtude. E, claro, soube extrair benefícios políticos, trocando a carta da remoção pelo compromisso com a fixação. Passou a falar em urbanização de favelas e reconhecimento de direitos.
Apesar desse casamento de conveniência entre os pobres e as elites governantes, com a aposentadoria das ameaças veladas ou explícitas de remoção, a favela não escapou à ciranda das (des)qualificações generalizantes: desde os anos 1980, virou sinônimo de transgressão à lei e à ordem, espaço que requer incursões policiais, praça de guerra.
Em síntese, para as elites e as camadas médias brancas, e, não raro, para os governantes, favela foi e tem sido, em um século de história, o lugar do Outro
. Curiosamente, não apenas a encarnação da alteridade nefasta, diabólica, que caberia destruir ou exorcizar, mas também redentora, iluminada, cujo destino histórico consagraria a libertação do país, instaurando um tempo de igualdade e justiça. Por isso, a narrativa sobre as favelas não pode omitir o movimento pendular, continuamente acalentado no imaginário carioca, senão brasileiro, sincopado pela oscilação entre dois polos, representativos de duas idealizações simétricas e inversas. A favela ora simbolizava o espectro noturno a assombrar a cidade, vampirizando a riqueza e aniquilando a paz e o sono dos justos, ora a alvorada romantizada, a promessa do amanhecer, pois, afinal, como dizia a canção, quando derem vez ao morro toda a cidade vai cantar
. Duas expectativas opostas, cultural e politicamente poderosas: o povo da favela vai descer para salvar o Brasil e promover a revolução desejada – supunha-se, sonhava-se ou temia-se. Ou: a favela vai descer para o asfalto e tocar o terror. Nessa figura sombria da paranoia coletiva, talvez mais do que em outro lugar, o racismo instilou seu veneno repulsivo e letal.
Em vez de bairros populares reais com suas diferenças e suas especificidades, onde relações sociais extremamente complexas se estabeleciam, o título icônico – favela – construiu imagens dotadas de elevado índice de artificialidade, repletas de ideias preconcebidas, estigmas e romantizações. Berços de fertilíssima cultura popular musical e religiosa, do samba e de tradições afro-brasileiras, como a umbanda, depois atravessadas por outras linhagens estéticas e espirituais, não sem conflitos internos agudos, as favelas, em parte por força de seu nome e da pesada biografia desse nome-signo, perderam suas singularidades, sacrificadas pela força homogeneizante das idealizações, negativas e positivas, prenhes de paixão. Se quisermos rastrear a pregnância do totemismo fluminense, que classifica as favelas segundo as identidades de facções criminosas (agora acrescidas das marcas produzidas por UPPs e milícias), devemos seguir os rastros da própria palavra, favela, depois comunidade, que incidem sobre a formação de sentido de unidades territoriais distantes e diversas. O trabalho de homogeneização executado pela palavra-fetiche – favela – preparou o terreno para a partição simbólica que só faz sentido quando assentada sobre o solo firme, contínuo, de uma plataforma entendida como dada e naturalmente comum. Uma espécie de natureza compartilhada.
Suas diferenças – as que se dão em seu interior e entre as localidades – foram e ainda são diluídas na univocidade artificial produzida pela categoria favela
. Justamente por isso, a resistência político-cultural do