Horizonte de eventos ou contratempos

De Raphael Calais

Quando se é criança, a vida passa devagar.Quando se é adulto, a vida passa rápido.Quando se é criança, o tempo é cheio de novidades.Quando se é adulto, o tempo não apresenta mais nenhuma novidade.E é por isso que o tempo passa rápido para quem é adulto: Porque o tempo já decorou as regras do jogo. Perde-se o sabor da descoberta! E de repente somos velhos... E o tempo passa lento novamente, pois nos traz um monte de deficiências. Estou com trinte e três, e, quando a nave estiver no horizonte de eventos, eu já serei idoso e, com as novas descobertas do homem, o tempo passará cada vez mais rápido. Tão rápido, que teremos de viver o dobre de tempo para compensar o valor de nossas existências.  

• Idioma: Português
• Editora: Editora Buqui
• Data de lançamento: 18 de out. de 2019
• ISBN: 9788583385295

Pré-visualização do livro

© Raphael Calais 2019

Produção editorial: Vanessa Pedroso

Revisão: Helen Bampi

Capa: Raphael Calais

Editoração: Cristiano Marques

Produção de ePub: Cumbuca Studio

CIP-Brasil, Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros

C143h

Calais, Raphael

Horizonte de eventos ou contratempos [recurso eletrônico] / Raphael Calais. - 1. ed. - Porto Alegre [RS] : Buqui, 2019.

recurso digital

Formato: ebook

Requisitos do sistema: adobe digital editions

Modo de acesso: world wide web

ISBN 978-85-8338-529-5 (recurso eletrônico)

1. Crônicas brasileiras. 2. Livros eletrônicos. I. Título.

19-60129 | CDD: 869.8 | CDU: 82-94(81)

Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644

24/09/2019 | 30/09/2019

Todos os direitos desta edição reservados à

Buqui Comércio de Livros Eireli.

Rua Dr Timóteo, 475 sala 102

Porto Alegre | RS | Brasil

Fone: +55 51 3508.3991

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Sumário

Capa

Créditos

Folha de Rosto

Este livro é dedicado a ela.

Vazam da minha cabeça milhares de informações, e eu tento organizá-las de alguma forma inteligente para manifestar uma frase perfeita, ignorando que frases perfeitas não existem, pelo simples fato da controvérsia.

Estamos assistindo ao lançamento do foguete que levará o homem para a sua maior missão, e neste momento eu não tenho nada a dizer, nada a declarar, nenhuma frase para parafrasear.

Estou ansioso e entorpecido em um momento glorioso! E estamos todos de pijamas… Calados e descrentes de que chegamos tão longe.

Amanda está com o balde de pipoca entre as coxas; Manuel, que normalmente apenas lê, deixa o livro de lado e coça o queixo, provavelmente pensando em algo inteligente para compartilhar; Santos está prestes a perder o maior feito da humanidade por estar confrontando sua idade em detrimento do horário, e Ted está no banheiro, como sempre.

Nós cinco dividimos o mesmo apartamento por conta dos caminhos que tomamos durante nossas vidas e pelo fato de não sermos premiums. Se hoje estamos aqui, onde estaremos quando esse foguete atravessar a galáxia?, me pergunto.

Amanda corta a repórter na tela dizendo o clichê que todos compartilharam em seus SIAs¹: Este é um pequeno passo para um ser humano, um gigantesco salto para a humanidade!.

Na tela, a fumaça começa a vazar das turbinas do foguete. Procuro novamente alguma coisa inteligente para dizer… Nada me vem.

Um momento frustrante. Um homem é enviado para um buraco negro, e eu apenas consigo pensar no vácuo, no ócio e no vulgar.

Há um momento de silêncio em toda a sala, por toda a cidade… Não há nem um suspiro. Nos céus, os aviões parecem ter parado; na terra, os ares-condicionados e os carros estão desligados. Tudo parece pausado ou desconectado, entretanto estamos no clímax. E estamos todos coexistindo com essa sensação.

Amanda deixa a pipoca no chão.

Manuel tira a mão do queixo.

Santos desperta.

Ted abre a porta do banheiro.

Na tela, aparece a contagem regressiva:

Dez;

Nove;

Oito;

Sete;

Seis;

Cinco;

Quatro;

Três;

Dois;

Um.

O foguete decola! Amanda, Manuel, Santos e eu — eufóricos.

Em um lapso de segundo e lá fora, alguns rojões e fogos, carros e aviões, festas e comissões… Na tela, a repórter não conserva as suas emoções e chora de alegria. Todos nós sabemos que em breve teremos as respostas do universo e seremos deuses.

Este é um grande passo para um ser humano, um dos últimos passos para a humanidade. Dentro de todas as possibilidades científicas, caminhamos todos juntos para este grande feito e encontramos diversos limites neste caminho. É papel do ser humano agora expandir seus limites e trazer as questões certas para as respostas que já possuímos.

Acordei cedo em uma segunda-feira quente, e me vem uma ideia que perdi ao levantar. Vou procurar a ideia me dirigindo até a cozinha, mas paro no corredor. Vejo todas as portas abertas, com exceção do banheiro. No quarto de Manuel, à direita do meu, vejo livros na estante; no quarto de Amanda, à minha frente, vejo fitoterápicos no criado-mudo; no quarto de Santos, no fim do corredor, vejo cigarros e uma garrafa de pinga vazia na escrivaninha. Ted está no banheiro. Ele dorme na sala e vive no banheiro…

Concluo que todo mundo procura algum jeito de amenizar a rotina e volto para o meu itinerário sem me encontrar com a ideia que perdi.

A viagem até o buraco negro vai levar muitos anos e meu feed no SIA é preenchido por informações sobre o astronauta.

— Será que essas informações preencherão minha vista por toda a missão? — me pergunto em voz alta.

Amanda e Manuel sentam no sofá ao meu lado. Cada qual com seus SIAs, lendo possivelmente as mesmas notícias que eu. Amanda parece indignada. Começa a balbuciar algo e por fim diz, arrastando a voz:

— Algumas pessoas acreditam que é tudo mentira. Viagem nenhuma irá acontecer.

— Como é possível fazer dez anos em quinhentos anos-luz? — Manuel apenas parafraseia aquilo que lê em seu feed.

— Até duvidam que haja alguém dentro da nave! — digo, aborrecido com certos comentários que leio.

— Descrentes da física. Eles acreditam que é impossível qualquer forma orgânica sobreviver à gravidade massiva do buraco negro — diz Amanda.

— Os novos físicos elaboraram uma teoria sobre a supertradução. Essa nova teoria explica que a informação não é perdida, mas armazenada em forma de um holograma. Cientistas inventaram um aparelho que ficará fora do buraco negro e que emitirá ondas que traduzem as informações que ali dentro estão, assim tais informações não serão perdidas temporariamente pelo buraco negro. — lê Manuel, dando ênfase à simplicidade da informação.

— É um risco que a humanidade está tomando para no fim dizer que concluiu uma extensa jornada. A quântica e a relatividade unidas como uma forma de interpretação precisa e perfeita do universo onde habitamos — digo, entusiasmado, mas não o parecendo. — Acredito plenamente que este é o fim, chegamos ao limite.

Manuel e Amanda ficam quietos por um tempo. Cada um parece ter se perdido em seus respectivos SIAs e seus respectivos feeds.

Já há humanos de proveta melhores do que humanos convencionais, já atingimos nossos limites biológicos, continuo pensando enquanto os vejo desconectados dessa realidade. "Hoje você pode nascer premium ou nascer classic, assim como você pode escolher entre ter um robô premium ou classic, pacotes de data premium ou standard, os streams premium ou free…".

Conheço Manuel há mais de dez anos e já faz cinco que trabalho com ele em uma livraria no centro da cidade.

As características principais de Manuel são a sua sutileza e a sensibilidade, facilmente confundíveis com uma