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"O nascimento do morto": punkzines, Cólera e música popular brasileira
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"O nascimento do morto": punkzines, Cólera e música popular brasileira
E-book353 páginas4 horas

"O nascimento do morto": punkzines, Cólera e música popular brasileira

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Sobre este e-book

Este livro procura investigar a cultura punk ao longo das décadas de 1980 e 1990 e sua apropriação pelo mercado de massa. Para tanto, discute o "niilismo punk juvenil", considerado como estratégico para se compreender a cultura punk representada nos fanzines. Verifica como foram produzidos esses fanzines e suas formas de circulação no interior do movimento punk. Problematiza o posicionamento anarquista e as visões políticas, econômicas, sociais e religiosas dos editores. Prioriza-se a trajetória do grupo paulistano Cólera, por intermédio dos boletins organizados por seu fã-clube, permitindo recuperar a atuação da banda dentro e fora da cena underground, bem como os impasses e questionamentos ao grupo em razão de sua proximidade com a grande mídia. O movimento e sonoridade punk e suas tensões com a música popular brasileira e com o rock comercial são rastreados, visando reaver um espaço para o punk brasileiro dentro da historiografia da "MPB".
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de out. de 2019
ISBN9788593955518
"O nascimento do morto": punkzines, Cólera e música popular brasileira

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    "O nascimento do morto" - Gustavo dos Santos Prado

    Gustavo dos Santos Prado

    O nascimento do morto:

    punkzines, Cólera e música popular brasileira

    São Paulo

    e-Manuscrito

    2019

    PREFÁCIO

    Há alguns anos, o escritor uruguaio Eduardo Galeano e o cineasta argentino Fernando Birri participaram de um evento em Cartagena das Índias, Colômbia. Em certo momento um estudante indagou ao cineasta sobre a utilidade da utopia, numa clara desconfiança dos grandes sonhos e projetos de sociedade. Birri, então, lançou luz na desesperança, dizendo que a utopia seria como o horizonte; você caminha dois passos, ele se afasta dois. Dez passos e o horizonte se afasta na mesma proporção. Não importa o quanto você se movimente, jamais o alcançará. Então para que serve a utopia? Para isso: para que você não deixe de caminhar, disse ele.

    Neste belo trabalho aqui disponível, do professor, historiador e amigo Gustavo dos Santos Prado, pode-se flertar o tempo todo com a utopia do movimento Punk. Uma utopia que já nasceu morta, que se moveu nas trilhas alternativas e/ou undergrounds da cultura jovem e, por esta razão, não atingiu o horizonte, se é que há algum modo de fazê-lo. Ao optar pela ação avessa ao padrão do capital, do mercado e da mídia, os punks construíram um movimento introvertido de contracultura e de negação da sociedade, mas que nem por isso deixou de produzir histórias e ações que movimentaram a cena cultural dos anos 80 no Brasil e, antes disso, no mundo.

    Ao tomar a cultura Punk e os punkzines como objetos de pesquisa, Gustavo Prado dialoga com a historiografia que voltou suas análises para grupos e/ou indivíduos situados fora dos altos escalões sociais e políticos, numa perspectiva que teve destaque com E. P. Thompson, na Inglaterra, mas que se disseminou em variadas correntes historiográficas, com destaque para a Nova Histórica Cultural, a Micro-História, a Nova História e a Nova História Política.

    Nessa senda, o livro traz à baila a cultura Punk brasileira nos anos 1980-90, não apenas visando reconstruir experiências de um grupo marginal no passado, mas posicionando a análise dos punkzines e dos punks num panorama relacional complexo, que vai do micro ao macro e do local ao global de maneira significativa, o que demonstra todo o esforço metodológico do autor para oferecer um trabalho coeso e centrado que, embora traga à discussão diversos elementos, não se desconecta de seu objetivo central em momento algum.

    Não obstante essa segurança analítica e, por que não dizer, a rigidez metodológica na confecção do trabalho, o texto se apresenta de forma leve e de prazerosa leitura, dado seu estilo narrativo. Como disse Peter Gay, em O Estilo na História, não há regra condicionando que o cientista deva ser ilegível, e esse, definitivamente, não é o caso de Gustavo Prado.

    Assim, é possível visualizar que o movimento Punk, caracterizado nesta obra como niilista e existencialista, isto é, de negação de toda a estrutura social e de percepção da realidade nos seus aspectos mais mundanos e individuais, carregava também um idealismo juvenil marcado pelas condicionantes da vida periférica e marginal. Uma espécie de utopia de transformação de um mundo que em nada se adequava às perspectivas de uma população excluída desde seu nascimento.

    Nessa empreitada, o livro nos apresenta o universo punk utilizando de seus principais meios de comunicação, os punkzines. Assim, é possível identificar o niilismo punk como elemento ímpar de organização social. A vida dura das periferias e a exclusão daqueles jovens do cotidiano citadino, violentados dia a dia pelos mecanismos de poder, fizeram-nos (re)agir na mesma proporção de forma simbólica e prática. Imagens e ícones que a todo tempo referenciavam a morte tiveram lugar comum em suas colagens, além de se valerem de brigas de rua para marcar terreno, numa clara organização tribal urbana, como nos ajuda a analisar o sociólogo Michel Maffesoli.

    Desta feita, nessa tribo urbana, o punkzine funcionou como mecanismo de socialização e compartilhamento de visão de mundo e ideais. Sem esse meio de comunicação, que era confeccionado pelas próprias bandas, certamente o movimento punk não teria sido o mesmo.

    Esse destaque tanto do movimento quanto da música punk permitiu alocá-los dentro da Música Popular Brasileira (MPB), como bem defende esta obra. Mais que isso, é possível perceber que Gustavo Prado realiza interessante crítica à historiografia, que, em sua análise, assumiu postura um tanto quanto elitista ao estudar a história da MPB, relegando a segundo plano estilos populares nas e das periferias.

    Para sustentar essa novidade analítica, o autor traz o conceito de luta de classes na música (Periferia x Classe Média), que se evidenciava nos conflitos estilísticos e estéticos da música punk com as músicas mais populares divulgadas nos grandes meios de comunicação. Essa relação ácida dos punks com as bandas do mercado se apresentou continuamente nos punkzines, nos quais grupos punks que flertavam com as gravadoras showbusiness passaram a ser atacados e acusados de vendidos e traidores.

    Tal rigidez é apresentada como uma das razões que esvaziou o movimento punk, pois esse foi incapaz de perceber que as bandas ícones, que começavam a ocupar espaço na grande mídia, eram cruciais na divulgação do movimento em geral. Talvez aí seja possível identificar a morte do nascer, nas palavras do próprio autor.

    Este livro presenteia cada leitor com uma viagem pela história da música punk brasileira por meio dos punkzines, mas oferece muito mais, ao debater o papel da historiografia da MPB, ao configurar os anos 1980 como a Era do Rock no Brasil, ao identificar uma luta de classes no universo cultural e ao trazer um novo conceito, o niilismo punk juvenil, como elemento basilar de todas as ações do movimento punk no país.

    É com felicidade que escrevo estas primeiras linhas a convite do Gustavo Prado, que vem se revelando um admirável historiador. Feliz por ter em mãos este trabalho maduro e consistente, que só poderia ser escrito por um profissional de alto nível, mas muito mais por ter feito parte da história desse ser humano incrível. Desde a graduação em História, na UNESP/Assis, nos idos de 2003, quando iniciamos essa bela amizade, pude conviver com o Gustavo e perceber que carrega em si um coração enorme, um grande senso de justiça e apreço louvável pela família e amigos; características que fazem para mim a leitura ainda mais interessante.

    O leitor não saberá quem é o cientista por trás das letras, mas saberá reconhecer a importância da Ciência para a compreensão do mundo, mais especificamente, para mensurar o papel da cultura e ação periférica na construção conflituosa da sociedade. Viajando nos caóticos punkzines, emerge a história da música e do movimento punk, que denunciava e vociferava as agruras provocadas pela injustiça social.

    Se os punks buscaram sua utopia e, por isso, não deixaram de caminhar, a História e os historiadores fazem o mesmo. A ciência histórica desnuda o passado oferecendo lentes potentes para a leitura do mundo e, com esse ferramental, prospecta, como toda ciência, a formação de uma sociedade mais justa, humana e melhor. Que a utopia nunca nos deixe parar!

    Boa leitura a todas e a todos.

    Rodolfo Fiorucci

    A Maria Laura, minha sobrinha, que cresça sabendo a importância do estudo. Você será tudo que quiser ser: esta é minha declaração de amor!

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO: O NASCIMENTO DO MORTO

    CAPÍTULO I – OS FANZINES E AS REPRESENTAÇÕES DO NIILISMO PUNK JUVENIL

    1.1 Escrita, leitura, estética e colagem

    1.2 Correspondência, divulgação e dificuldades

    1.3 O anarquismo

    1.4 Ceticismo político

    1.5 O terror neoliberal e religioso

    CAPÍTULO II – NIILISMO PUNK JUVENIL: UNDERGROUND E O CÓLERA

    2.1 Fanzines: histórias, trajetórias e divulgação

    2.2 O Cólera: punk e underground

    2.3 O Cólera e recepção: boletim e fã-clube

    2.4 Apropriações e permanências: tentações do mercado

    2.5 Questionamentos e crises: o Cólera e fanzines

    CAPÍTULO III – MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: ROCK E PUNKS

    3.1 MPB: histórias e historiografia

    3.2 Punk e MPB: recusas e resistências

    3.3 Entre o underground e o mercado: punks e rock comercial

    3.4 Populares e vendidos: tensões e críticas

    3.5 Punk e a MPB: incorporação e conflito

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    FONTES E BIBLIOGRAFIA

    APÊNDICE

    APRESENTAÇÃO

    Este livro tem como objetivo central investigar a cultura punk underground e sua difusão e apropriação pela grande mídia, com ênfase ao mercado fonográfico e à Música Popular Brasileira. Para discutir as tensões dessa apropriação, o livro utiliza como principal documentação os fanzines ou punkzines¹ – cabendo destacar que esse material foi pouco estudado em âmbito acadêmico.

    O texto é fruto da tese elaborada durante o Doutorado em História Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Os fanzines, boletins do Cólera e outros documentos analisados foram obtidos no Centro de Documentação e Informação Científica (CEDIC/PUC-SP) em um arquivo vasto chamado Movimento Punk. Ele foi doado por Antônio Carlos de Oliveira à instituição, com o intento de preservar a memória de uma parcela da cultura do punk rock nacional.

    Os punkzines são dotados de riqueza, apresentando um amontoado de linguagens justapostas, criando um plano imagético específico (poluído e agressivo). Surgiram no Brasil em 1982, na cidade de São Paulo, com o intuito de divulgar a cena punk underground. O impresso dialoga com várias formas de linguagem: quadrinhos, desenhos, charges, fotos, letras de música e matérias veiculadas na mídia impressa da época. É uma produção artesanal: o editor, que poderia ser um fã, integrante de uma banda ou partícipe do movimento, numa folha ofício, recortava os temas, colava textos e imagens, imprimia em uma fotocopiadora e partia para a distribuição de sua arte.

    De forma geral, os fanzines retratam o cenário punk brasileiro e estrangeiro (EUA, Inglaterra, Finlândia, Itália, Espanha...), falando sobre bandas, grupos e músicas e divulgando o mercado underground. Contudo, os punkzines também discutem temáticas não relacionadas diretamente à música: violência, miséria, exclusão, política, guerras, polícia, nazismo, ecologia, bombas nucleares, problemas urbanos etc. Por ser uma produção impressa confeccionada por jovens de periferia, o fanzine possui uma forte inclinação para questões sociais e um diálogo intenso com a cultura anarquista.

    Com o material em mãos, procurei sistematizá-lo. Adaptei textos que ilustram alguns passos para a análise de jornais e revistas visando dois pontos²: problematizar os fanzines e organizar o meu arquivo digitalizado em PDF. Como resultado, cada impresso possui uma ficha em que constam sua identificação, projeto gráfico, produção e distribuição, circulação, proprietário (nome do editor), assuntos e campanhas gerais. Adicionei a esses itens: divulgação de bandas, shows, de outros fanzines, fitas/LPs/compactos e lojas de som/fitas/discos, almejando compreender as relações que se estabeleciam entre os editores desses impressos.

    A análise dos fanzines é uma tarefa árdua; muitos não registram nomes de editores, cidade ou mesmo o ano de publicação. São raros os impressos que possuem uma mínima organização: predomina a falta de colunas, frisos e subtítulos, afinal, sua organização caótica tem seus motivos. A efemeridade dos números, a baixíssima tiragem e a linguagem rebuscada são um desafio a qualquer historiador.

    Contudo, a criatividade desses jovens de periferia incitava ainda mais meus questionamentos. Em um dado momento da pesquisa, comecei a notar que os impressos possuem inúmeras apologias a símbolos da morte (caveiras, esqueletos, monstros e demônios), que se configuram como uma linguagem de resistência. Além disso, há nos impressos um enorme sentimento de descontentamento em relação às pessoas, ao mercado, às cidades, às instituições e aos integrantes do próprio movimento punk. E, por fim, reparei que os fanzines retratam com ira qualquer tipo de intervenção dos mercados fonográfico, impresso e televisivo em sua cultura underground, sendo que essa repulsa se estende a qualquer integrante do movimento punk que se rendesse à óptica do mercado de massa.

    Foi a partir dessa tríade que estruturei o livro. Meu intento inicial estava fortificado para problematizar as relações desses jovens com a mídia e com a própria cultura punk. Pela vigorosa inclinação social presente nos fanzines, pensei ainda em algumas formas de promover uma discussão em torno da música punk e sua inserção na MPB. Além da minha inclinação pessoal pelo tema, percebi que a música punk foi silenciada pela literatura da Música Popular Brasileira.

    O interesse do mercado fonográfico pela cultura punk se dava pelo estilo exótico dos jovens que andavam pelas ruas das cidades. Seu comportamento agressivo, contestador e violento era retrato de uma parcela da juventude que nasceu sob a égide da censura e que então podia desfrutar alguns benefícios da abertura política. Tais atitudes não poderiam ser creditadas somente ao anarquismo; logo, percebi que esses jovens retratados nos fanzines eram niilistas.

    Procurei uma literatura específica para conceituar o niilismo punk juvenil. Com esse conceito, consegui recortar meu livro e passei a buscar meios de compreender as interações da cultura dos fanzines com a mídia. Li os impressos dos anos de 1990, para perceber como esse tipo de comportamento se fazia presente na virada de década, mas ainda almejando circunscrever a análise à década de 1980. Consegui perceber as tensões existentes entre os punks e a grande mídia e o leitor notará a candência dos atritos ao longo do livro. Ainda mantive a ortografia das fontes no original, visando preservar a documentação analisada.

    Desse modo, a obra se encontra organizada em capítulos. Em Introdução: ‘o nascimento do morto’, são discutidas as apropriações dos fanzines em torno da questão da morte. Resgato a história do movimento musical em pauta e o niilismo punk, pois foi a partir dele que redefini outros temas problematizados ao longo do livro.

    No Capítulo 1 - Fanzines e punks: representações, ações e política, procura-se discutir a estética dos impressos, suas formas de divulgação e circulação, seu posicionamento anarquista e sua negação à política, ao neoliberalismo e à religião. São elencados fanzines de várias cidades e regiões do Brasil, para dar luz ao movimento punk nacional que está representado nos impressos.

    Avançando a investigação, no Capítulo 2 - Niilismo punk juvenil: underground e o Cólera verifica-se o caso da banda Cólera, de São Paulo, e como o grupo apareceu na mídia, fato que incomodou vários editores. Além disso, a banda liderada por Redson criou um fã-clube e uma gravadora independente – o que também ensejou atritos no interior do movimento. O caso dessa banda paulistana é profícuo para analisar as interferências do mercado midiático no underground, as reações provocadas e os desacordos, observando também a fragilização do movimento punk, que foi sucumbindo na virada de década.

    Por fim, no Capítulo 3 - Música Popular Brasileira: rock e punks, o intuito é discutir acerca das dificuldades de se tornar e se manter popular. Na esteira desse debate, é possível perceber que a cultura punk foi apropriada por inúmeros artistas da época, o que gerou atritos com a MPB e com o rock nacional. Tais relações levam ao questionamento sobre se o punk rock seria popular, já que suas pretensões temáticas eram populares.

    Acrescenta-se como anexo outro produto intitulado A morte do nascer. Nele, o leitor visualizará que a proposta niilista a tudo acabou por corroer os princípios do próprio movimento punk. Ou seja, ao envolver centenas de causas, os punks não se concentraram na sobrevivência do seu movimento, criando um caminho para a morte. Por sinal, a trajetória aqui narrada possui em seus extremos representações do morto, que mantém ativa a simbologia da cultura punk underground.

    INTRODUÇÃO: O NASCIMENTO DO MORTO

    Fanzine SP Punk. São Paulo, 1982.

    Os fanzines surgiram na década de 1930, nos EUA, com as publicações de ficção científica. O termo fanzine é derivado da junção dos termos ingleses fantastic e magazine e, em síntese, tornou-se magazine de fã.³ Alternativo e amador, foi um dos pilares da cultura punk underground⁴, pois qualquer nova banda que se prezasse não deixaria de editá-lo visando sua própria divulgação.⁵

    Manifestações culturais punks vêm sendo estudadas, a música, a vestimenta, o comportamento e as bandas tornam-se objetos de estudo, já que o movimento punk foi uma manifestação política e cultural significativa, promovida pela juventude, na segunda metade do século XX. Sua importância vai além da experiência estética, sensorial, comportamental, emocional e afetiva que dele provém. Desde sua gênese, o estilo musical teve a capacidade de infiltra-se em diferentes setores (underground e comercial) e países, arrastando suas influências para hábitos e costumes que são praticados diariamente.

    Contudo, apesar dos estudos realizados, ainda faltam reflexões mais desenvolvidas que permitam a pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento observar o movimento com distintos recortes temporais e espaciais, para sedimentar a aceitação ou refutação das interpretações acerca desse objeto. Para tanto, a categoria niilismo punk juvenil torna-se uma ferramenta estratégica. Uma perspectiva de abordagem está na proposição de José Machado Pais com relação às bandas de garagem: a reunião dos jovens em torno do estilo musical, a socialização por intermédio da música, a escolha do nome da banda, o caráter nômade dos beligerantes e os sentimentos e emoções oriundos dessa experiência são pontos de partida para estudar o comportamento juvenil em face do rock.

    O niilismo punk verticaliza e afunila as interpretações realizadas neste livro. Valendo-se da simpática caveira que veste jaqueta de couro e usa moicano, extraída de um fanzine paulistano, nota-se que o punk representado⁷ coloca-se como um sujeito morto, que não acredita no lema Paz e Amor e que projeta a tutela da união e luta para defender os seus ideais. O punk lança mão desse ato niilista para refutar a memória de Woodstock.

    Esse tipo de comportamento caracterizava uma parcela dos sujeitos envolvidos no movimento punk. Desde a sua gênese nos subúrbios das cidades americanas, jovens adeptos criaram formas de negar inúmeras outras culturas que não fossem a sua, em um leque amplo, difuso e incerto. No caso do movimento hippie, havia nele uma apologia à vida: colocaram em debate os riscos da Guerra Fria, postergaram novas ações na esfera política (negando o capitalismo, bem como o socialismo), apregoaram o sexo livre e o uso de alucinógenos (discutindo o direito da juventude de valer-se do uso de seu próprio corpo), dinamitaram as concepções tradicionais de família, escola e política; tentando, utopicamente, fugir de tudo aquilo que afetasse sua razão. Sobre essas proposições, Maureen Tucker, baixista da banda The Velvet Underground e um dos pioneiros do movimento punk, disse: "Não gostei daquela merda paz e amor."

    Sabe-se que existiu entre a cultura punk (independentemente das gerações) e os hippies um processo de circularidade cultural⁹, haja vista que o movimento punk abordou alguns dos temas candentes na Guerra Fria. No entanto, para os integrantes das bandas The Velvet Underground (Nova York, 1964), MC5 (Detroit, 1964), Iggy and the Stooges (Michigan, 1967) e The Doors (Los Angeles, 1965)¹⁰, os artistas que participaram do Festival em Bethel (Estados Unidos, 1969) e passaram a integrar a Geração Woodstock seriam vendidos. Afinal, o evento foi organizado por empresários e composto por músicos que estavam ou queriam estar em projeção no mercado fonográfico da época: Jimi Hendrix, Janis Joplin, Joe Cocker, Jerry Garcia, Montana, Creedence Clearwater Revival, The Who e Jefferson Airplane. Mesmo com todo o "ethos" voltado para a cultura jovem, o Festival de Woodstock não foi underground e, por isso, coube ao movimento punk dirigir ao evento e suas simbologias inúmeras críticas.

    Diante dessas discussões, percebe-se que o niilista punk buscava o cênico, o trágico e o impacto, sem passar pelas amarras e interferências do mercado de massa. Lou Reed, vocalista do The Velvet Underground, num livro de título bastante sugestivo, disse:

    As pessoas deveriam morrer pela música. As pessoas estão morrendo por tudo o mais, então por que não pela música? Morrer por ela? Não é bárbaro? Você não morreria por algo bárbaro?¹¹

    Levando em conta a declaração do músico, tem-se a impressão de que a caveira estampada no fanzine SP Punk (São Paulo, 1982) – e apresentada anteriormente – já cumpriu a sua missão. Por incitar uma negação ao mercado, o niilista punk busca a exaltação de uma arte pura, em que a sonoridade pesada, seus gestos, suas músicas, suas falas e cultura estariam livres de qualquer tipo de amarra financeira, empresarial ou ideológica. Através do punk, o jovem procurava manifestar suas angústias, sentimentos e emoções de forma mais livre¹²; ou seja, o ato niilista sustentava a máxima do it yourself (faça você mesmo). Ou, como salientou Scott Asheton, baterista da banda The Stooges: "Foda-se toda essa merda somos lixo, não nos importamos."¹³

    [...] acaba no nihilismo

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