Aspectos sobre a valsa no Rio de Janeiro no longo século XIX: de folhetins, música de salão e serestas
()
Sobre este e-book
Relacionado a Aspectos sobre a valsa no Rio de Janeiro no longo século XIX
Ebooks relacionados
Balança que o Samba é uma Herança: Sambistas, Mercado Fonográfico, Debates Culturais e Racismo nas Décadas de 1960 a 1980 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDa roda ao auditório: Uma transformação do samba pela Rádio Nacional Nota: 0 de 5 estrelas0 notasModernidade em Desalinho: Costumes, Cotidiano e Linguagens na Obra Humorística de Raul Pederneiras (1898-1936) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Samba no Rádio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Orpheon Carlos Gomes: Uma sociedade musical na belle époque do Rio de Janeiro Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs Sons das Malocas e os Ambientes Culturais da Cidade de São Paulo nos Anos 1950 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMúsica, Juventude e a Construção da Identidade de Gênero no Espaço Escolar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Frevo no Discurso Literomusical Brasileiro Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA construção da brasilidade: Apontamentos histórico-musicais na trajetória e obra de Mário de Andrade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPáginas de sociabilidade feminina: Sensibilidade musical no Rio de Janeiro Oitocentista Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNo Ceará não tem disso não: Nordestinidade e macheza no forró contemporâneo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMúsica Pop-Periférica Brasileira: Videoclipes, Performances e Tretas na Cultura Digital Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOxente Music: a história de sucesso do forró eletrônico Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNo princípio, era a roda: Um estudo sobre samba, partido-alto e outros pagodes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasManoel Monteiro: (Re)Inventando o Cotidiano nas Diferentes Facetas do Cordel Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSururu na cidade: Diálogos interartes em Mário de Andrade e Pixinguinha Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMúsica e(m) sociedade: artigos, crônicas, reflexões Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNacionalismos Musicais Brasileiros Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCelly Campello - A Rainha Dos Anos Dourados Nota: 0 de 5 estrelas0 notasJoias do Rio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBlack Rio nos anos 70: a grande África Soul Nota: 3 de 5 estrelas3/5A segunda Cinelândia carioca Nota: 5 de 5 estrelas5/5300 anos de histórias negras em Minas Gerais: Temas, fontes e metodologias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs três irmãs: Como um trio de penetras "arrombou a festa" Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOlinda no coração: história afetiva da cidade-humanidade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Folia Carnavalesca de 1913 e o Rancho Ameno Resedá Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAfro-Latinos em Movimento: Protesto Negro e Ativismo Institucional no Brasil e na Colômbia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAmérica Latina Em 78 Ritmos Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Música para você
Aprenda Teclado Já!: Um método rápido e eficaz para apaixonados por teclas Nota: 4 de 5 estrelas4/5Glossário de Acordes e Escalas Para Teclado: Vários acordes e escalas para teclado ou piano Nota: 5 de 5 estrelas5/5Curso Básico De Violão Nota: 4 de 5 estrelas4/5A essência da verdadeira adoração: Descubra como adorar a Deus de todo coração Nota: 5 de 5 estrelas5/5Violão Nota: 5 de 5 estrelas5/5AS MELHORES LETRAS DA MPB e suas histórias Nota: 3 de 5 estrelas3/5Rítmico Básico Nota: 5 de 5 estrelas5/5Aprenda Violão Facilmente Nota: 5 de 5 estrelas5/5Método Solo - Iniciante Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTeoria Musical E Técnica Vocal Nota: 5 de 5 estrelas5/5O som dos acordes: Exercícios de acordes para piano de jazz Nota: 5 de 5 estrelas5/5O segredo do músico cristão Nota: 5 de 5 estrelas5/5Modos Gregos: Guitarra Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA música é um jogo de criança Nota: 5 de 5 estrelas5/5Ouvir cantar: 75 exercícios sobre ouvir e criar música Nota: 4 de 5 estrelas4/5Teoria Musical Avançada Nota: 5 de 5 estrelas5/5Curso De Violão Completo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDicionário de acordes cifrados: Harmonia aplicada à música popular Nota: 5 de 5 estrelas5/5Método rápido para tocar teclado - vol. 1: Com dicionário de acordes cifrados Nota: 5 de 5 estrelas5/5O som dos acordes 2: Novos desenvolvimentos Nota: 4 de 5 estrelas4/5Kit Ritmos no Violão: Aprenda 33 Ritmos e 64 Batidas no Violão Nota: 5 de 5 estrelas5/5O Livro Do Cantor Completo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPiano para Iniciantes Nota: 3 de 5 estrelas3/5Apostila De Harmonia E Improvisação - Nível 1 - Juninho Abrão Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSongbook Chico Buarque - vol. 2 Nota: 5 de 5 estrelas5/5Curso De Teclado Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMotivação na Aula de Instrumento Musical Teorias e Estratégias para Professores Nota: 0 de 5 estrelas0 notas9 Estudos Rítmicos Para Piano Nota: 5 de 5 estrelas5/5Estudos para improvisação Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Avaliações de Aspectos sobre a valsa no Rio de Janeiro no longo século XIX
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Aspectos sobre a valsa no Rio de Janeiro no longo século XIX - Martha Tupinambá de Ulhôa
Martha Tupinambá de Ulhôa
ASPECTOS SOBRE A VALSA NO RIO DE JANEIRO NO LONGO SÉCULO XIX
De folhetins, música de salão e serestas
Copyright © 2022 dos autores
Copyright © 2022 desta edição, Letra e Imagem Editora.
Todos os direitos reservados.
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Grafia atualizada respeitando o novo
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Revisão: Priscilla Morandi
Imagem da capa: Acervo pessoal da autora.
Todos os esforços foram realizados para a identificação dos detentores dos direitos autorais das imagens. Caso alguém se sinta prejudicado, favor entrar em contato com a editora.
CONSELHO EDITORIAL
Felipe Trotta (PPG em Comunicação e Departamento de Estudos Culturais e Mídia/UFF)
João Paulo Macedo e Castro (Departamento de Filosofia e Ciências Sociais/Unirio)
Ladislau Dowbor (Departamento de pós-graduação da FEA/PUC-SP)
Leonardo De Marchi (Faculdade de Comunicação/UFRJ)
Luana Pinho (Faculdade de Oceanografia/Uerj)
Marta de Azevedo Irving (Instituto de Psicologia/UFRJ)
Marcel Bursztyn (Centro de Desenvolvimento Sustentável/UNB)
Micael Herschmann (Escola de Comunicação/UFRJ)
Pablo Alabarces (Falculdad de Ciencias Sociales/Universidad de Buenos Aires)
Roberto dos Santos Bartholo Junior (COPPE/UFRJ)
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) DE ACORDO COM ISBD
U38a Ulhôa, Martha Tupinambá de
Aspectos sobre a valsa no Rio de Janeiro no longo século XIX: de folhetins, música de salão e serestas / Martha Tupinambá de Ulhôa. - Rio de Janeiro : Fólio Digital, 2022.
244 p. ; 15,5cm x 23cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-86911-35-0
1. Valsa. 2. Folhetins. 3. Rio de Janeiro. 4. Século XIX. I. Título.
CDD 784.18846
CDU 78.085.2
2022-2282
Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949
Índice para catálogo sistemático:
Danças de salão: Valsa 784.18846
Danças de salão: Valsa 78.085.2
www.foliodigital.com.br
Fólio Digital é um selo da editora Letra e Imagem
tel (21) 2558-2326
letraeimagem@letraeimagem.com.br
www.letraeimagem.com.br
Sumário
Agradecimentos
Prefácio, por Maria Alice Volpe
CAPÍTULO 1. À guisa de introdução: entre o relatório de pesquisa e o ensaio
Bruno Kiefer e a valsa
A valsa nos periódicos
Valsa como gênero musical, entre arte e comércio
Que valsa, então?
Referências
CAPÍTULO 2. Prelúdio ao estudo de gêneros musicais do passado
Da musicologia histórica às musicologias
Musicologia da escuta
Escuta e competência
Aproximações sonoras: a valsa no século XXI
Valsa brasileira
Danúbio Azul
Observações parciais do CAPÍTULO
Referências
CAPÍTULO 3. A prova e o motivo do crime
: uma introdução à pesquisa com periódicos
Abertura: breve histórico da pesquisa com periódicos no Brasil
Primeiros passos: revisitando a história da música – Projeto Matrizes
Continuando a pesquisa no Jornal do Commercio JC(RJ)
A Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional (HDB-BN) e novas possibilidades de pesquisa
A valsa no Diário do Rio de Janeiro (DRJ):
o percurso da pesquisa
Rastreando uma publicação: Bouquet das Pianistas
Pesquisa sobre música em periódicos e ciência aberta
Coda: observações a título de recomendação
Referências
CAPÍTULO 4. Nos volteios da valsa: música, gênero e sociedade nos folhetins de rodapé no Diário do Rio de Janeiro (1821-1858)
Valsa: estilo e gênero
O folhetim, leitura, público feminino
José de Alencar: de folhetinista a escritor
O folhetim no Diário do Rio de Janeiro (DRJ)
Le gentil Hussard: contemplando as origens camponesas da valsa por meio do romance seriado
Livro de Domingo: crônica social
Coda mínima: valsa, relações afetivas e controle do espaço
Referências
Anexo 1. Síntese do folhetim O gentil Hussard
CAPÍTULO 5. Geraldo Antonio Horta: pianista, professor de piano e compositor de valsas de salão
O que se sabe sobre Geraldo Antonio Horta
Um perfil do pianista, professor e funcionário
O repertório de valsas: partituras disponíveis
Geraldo Horta e o início da imprensa musical
A comercialização das partituras
Horta, Paula Brito e a Marmota
Horta e Raphael Coelho Machado
Horta, Chopin e Gottschalk
Reflexões finais
Referências
Anexo 2. Listagem de obras
Anexo 3. Recepção de Geraldo Horta nos periódicos
Anexo 4. Partitura de A moreninha
Anexo 5. Partitura de A Violeta
CAPÍTULO 6. Da valsa à modinha: a trajetória de
Nas horas mortas da noite
A valsa no século XIX no Brasil
A modinha
Modinha de rua
Primeiras gravações mecânicas de valsas e modinhas
O repertório de modinhas em compasso de valsa de
Mário Pinheiro
Nas horas mortas da noite: recepção, prosódia e performance
Anotações sobre transmissão e transcrição: contribuição do
estudo para a musicologia
Referências
Anexo 6. Repertório de modinhas valseadas gravadas por
Mário Pinheiro entre 1904 e 1906
CAPÍTULO 7. Post-scriptum: avaliando o processo
Perspectivas musicológicas e viradas teóricas
Revendo o popular
no oitocentos
Estudos recentes e abertura para pesquisas futuras
Referências
Sobre a autora
AGRADECIMENTOS
Este livro pretendia ser um relatório de pesquisa expandido sobre a valsa nos periódicos oitocentistas. Agora que está finalmente sendo publicado percebo que é mais do que isto, pois além da divulgação dos resultados obtidos, estou tendo a oportunidade de socializar um pouco da minha experiência como pesquisadora e orientadora, bem como de refletir sobre os caminhos da área de musicologia no Brasil.
A primeira instituição a agradecer é o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, que aprovou e deu suporte para o desenvolvimento de um projeto de pesquisa específico entre 2015 e 2019. A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO abrigou a mim e ao banco de dados Música em periódicos oitocentistas, incluindo o aperfeiçoamento do mesmo de modo a caminhar para o compartilhamento de dados de pesquisa qualitativos. O Programa de Pós-Graduação em Música e o Instituto Villa Lobos continuam a ser a minha casa na UNIRIO, a convivência com os colegas e alunos sendo uma fonte de estímulo e ocasião para crescimento.
Do PPGM agradeço especialmente a Carlos Alberto Figueiredo, cujo comentário após uma mesa-redonda em Goiânia me fez ver que estava trilhando uma nova frente de pesquisa em música, me incentivando a oferecer, em vez de uma palestra, todo um curso sobre a pesquisa em periódicos. Isto acontecendo me permitiu colocar em prática alguns aspectos metodológicos, dentre eles a possibilidade de oferecer aos alunos, citados ao longo do texto, um processo de investigação que começa pela vivência afetiva da música.
Embora apareça apenas um nome na capa, muitas pessoas contribuíram para a escrita deste livro. Entre elas, aqueles que escutaram, leram e discutiram versões de vários capítulos, especialmente minha mãe Cecy Ulhôa, minha irmã Rachel Ulhôa, meus ex-alunos e agora colaboradores Renato Borges, Cláudia Azevedo e Lula Costa-Lima Neto. Minha amiga Salomea Gandelman, que além das leituras e conversas sobre música me convidou para as aulas de filosofia sobre Espinosa com o prof. Marcos Gleizer, que estão abrindo toda uma nova perspectiva de ser e encarar a vida, ampliando minha visão e maneira de interpretar a pesquisa.
Destaco, também, a colaboração mais estreita de Cláudia Matos e Marcílio Lopes no capítulo sobre a modinha em ritmo de valsa, além de Miguel Ângelo Azevedo, o Nirez, que inúmeras vezes me indicou gravações e livros que ensejaram novas possibilidades de interpretação.
A saudosa Vera Ribeiro traduziu do francês o poema que deu origem ao folhetim sobre a valsa camponesa e me ouviu pensando em voz alta para processar e construir uma narrativa a partir do emaranhado de notícias e anúncios dos jornais.
Talitha Peres gravou em vídeo belas interpretações de quatro valsas e uma redowa de Geraldo Horta, especialmente para este projeto.
Finalmente, agradeço pelas discussões de várias etapas da pesquisa sobre música no longo século XIX, meus companheiros da seção latino-americana da International Association for the Study of Popular Music (IASPM-AL), na pessoa de Juan Francisco Sans e do Grupo de Trabalho sobre Música e Periódicos (GTMP) da Associação Regional para a América Latina e o Caribe da Sociedade Internacional de Musicologia (ARLAC-IML) na pessoa de Maria Alice Volpe.
PREFÁCIO
Este livro vai te surpreender!
E, na difícil missão de redatora do prefácio, vou tentar explicar o porquê – ou, pelo menos, alguns porquês…
O mundo acadêmico está acostumado com textos bem-acabados, que exprimam um pensamento concluído, que percorreu o trajeto trifásico do levantamento de hipótese, da demonstração das evidências (e do contraditório, claro) e da comprovação de tese. Mesmo no campo das Humanidades, onde podemos situar a Musicologia, há a expectativa de se ter a leitura guiada por um fio condutor com começo, meio e fim.
Se o leitor quiser tirar o melhor proveito desta leitura, terá que mudar de perspectiva. Talvez até de perspectivas, no plural. Sim, porque este livro expressa o espírito inquieto de uma pesquisadora, para quem tão importante quanto os resultados – ou talvez até mais – são os caminhos percorridos pela pesquisa. Esse é o registro mais valioso desse conjunto de textos. Não vou chamá-lo de relatório de pesquisa
porque vão muito além disso – justificarei mais adiante.
Há que se adentrar também, pelo menos um pouco, no perfil psicológico de quem escreve, pois os teores diversos de cada um desses textos revelam a espontaneidade transbordante de sua autora, sua generosidade intelectual, a multiplicidade de interesses que instigou permanentemente sua postura interdisciplinar e, ainda, aquele jogo de pertença versus não pertença aos segmentos que se autodenominam musicologia
, etnomusicologia
, popular music studies
e as diversas especialidades neles embutidas, que tem permeado a vida acadêmica da pesquisadora. Jogo existencial, aliás, que não condiz com a autopercepção da autora, pois implica a fragmentação de algo que para ela é indissociável: a música como experiência sensorial, social e estética no entrecruzamento de diversos contextos.
A espontaneidade transbordante que experienciamos no contato interpessoal com Martha Tupinambá de Ulhôa confere-lhe a coragem, natural para ela, de abordar com profundidade um tema – a valsa – que tem permanecido às margens da musicologia, ora por desinteresse, ora por desconhecimento, ora por preconceito… O sorriso largo de Martha derruba os muros do preconceito com uma alegria contagiante.
Com uma percepção muito aguçada das questões críticas que permeiam a historiografia musical brasileira, Martha elenca os diversos motivos que relegaram a valsa a um plano secundário na pesquisa acadêmica, salientando que não se trata apenas de uma ‘lacuna’ na literatura musicológica, mas também de uma questão de orientação teórica
. Este enunciado é surpreendente e merece muita reflexão. A autora constata que o descaso pela valsa como objeto de estudo resulta da postura assumida pelos intelectuais e folcloristas envolvidos com a busca de identidade e autenticidade
e cujos esforços se voltavam para a identificação de traços de nacionalidade na música ‘brasileira’
.
Essa questão remete às teorias de formação do caráter nacional brasileiro
, cujo estudo pioneiro de Dante Moreira Leite (1992 [1954]), baseado no método da psicologia social, demonstrou o impacto de Silvio Romero no Pensamento Social Brasileiro. O sistema romeriano conferiu cientificidade ao conceito herderiano e à hipótese do Volksgeist buscando fundamentação nas teorias cientificistas do século XIX (ORTIZ, 1994 [1985], p. 16) e perdurou em suas grandes linhas até o Modernismo
(NUNES, 1998, p. 332).
As ideias de identidade nacional, defendidas por Mário de Andrade, são transposições quase diretas das ideias de Silvio Romero, superando, no entanto, as teorias racistas implícitas na visão da Escola de Recife. Mário de Andrade trouxe para o campo musical – incluindo a criação, a pesquisa e a historiografia musical brasileira – uma concepção de caráter nacional
guiada pelo paradigma culturalista em aproximação teórica com a Völkerpsychologie (psicologia do povo), que tinha o intuito de apreender o espírito do povo
, o espírito da nação
, o sentir especial do brasileiro
e a alma brasileira
(VOLPE, 2011, p. 21, 34, passim).
Nesse ambiente intelectual, não havia lugar para gêneros estrangeiros
, como a valsa, e as atenções foram voltadas para aqueles que pudessem constituir as raízes da música popular brasileira
, consagrando-se, então, a modinha e o lundu. Essa questão é colocada em perspectiva pelas pesquisas conduzidas por Martha Ulhôa sobre a valsa, desde a contextualização desse gênero coreográfico-musical na sociedade fluminense em meados do século XIX, os diversos espaços em que se davam as práticas culturais, a disseminação do repertório musical e suas inúmeras formas de recepção e apropriação.
A autora está certíssima ao afirmar que seu estudo efetua uma quebra de paradigma em dois aspectos
: primeiro, por superar a ideologia do nacionalismo ao estudar um gênero musical muito disseminado, porém dissociado das concepções do que seria música brasileira
; segundo, por superar o preconceito contra a música de entretenimento, que tem sido alimentado pela suposta primazia da qualidade artística
da música de concerto.
Tal primazia também tem relação com a hipótese do Volksgeist que predominou no século XIX, segundo a qual o espírito nacional se manifesta em nível elementar na música folclórica e em nível elevado na música artística
(DAHLHAUS, 1989 [1980], p. 82). Mais uma vez, confirma-se a projeção de ideias do longo século XIX para além da primeira metade do século XX na historiografia musical brasileira.
Nessa mesma esteira da hipótese do Volksgeist reside o próprio conceito de música popular
, questão muito cara à pesquisadora Martha Ulhôa. O estudo sobre a valsa no Rio de Janeiro do século XIX ensejou a reflexão sobre termos e conceitos amplamente debatidos pelas diversas comunidades musicológicas, nacionais e internacionais, e que podem ser agrupados em duas perspectivas. A primeira seria o conceito amplo de Trivialmusik [música trivial], proposto por Dahlhaus (1967) e que abrange diversos segmentos – música de entretenimento
, música ligeira
, música de salão
, música de cabaré
, música de taverna
, música dançante
, música doméstica
, música do teatro ligeiro
, música de sarau
etc. A segunda, enfeixada sob a expressão música popular
– questão que ocupou a 2.ª conferência internacional da IASPM (Itália, 1983), os diversos escritos referenciais do etnomusicólogo Bruno Nettl (2005 [1983]), o simpósio internacional e interdisciplinar Musicologia no Terceiro Milênio
(Finlândia, 2010), no qual se destaca o artigo de Franco Fabbri – pode denotar três sentidos básicos distintos: música folclórica
, música popular urbana
e música com alto índice de popularidade. Martha Ulhôa traz uma atualização do problema, evocando questionamentos recentes sobre noções de obra e autoria na música popular, cujo processo criativo é frequentemente coletivo e compartilhado entre compositores e diversos agentes da cadeia produtiva. E ainda dos próprios parâmetros analíticos e respectiva terminologia, que devem ser repensados nos estudos de música popular. Martha Ulhôa revisita esse campo de discussão para repensar a valsa no Rio de Janeiro no longo século XIX e avança para o estudo da valsa no repertório seresteiro ao enfocar a adaptação da valsa em modinhas em compasso ternário.
Esse conjunto de textos revela-se extremamente interessante pela diversidade de fontes de pesquisa utilizadas. Numa postura investigativa das possibilidades metodológicas, a abordagem da partitura está potencialmente concebida de modo entrelaçado com periódicos, literatura, manuais de dança e gravações históricas. Constitui um avanço possibilitado pela crescente digitalização dos acervos brasileiros, especialmente a Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional e a Discografia Brasileira do Instituto Moreira Salles. Adentra as possibilidades metodológicas da musicologia da escuta
e as questões da escuta
e da competência
musical.
A pesquisa nos periódicos tem sido acelerada pelas ferramentas de busca digital, especialmente o OCR (Optical Character Recognition) [Reconhecimento Ótico de Caracteres]. As considerações metodológicas e as reflexões interdisciplinares, especialmente da Música com a História Cultural, são preciosas. Mais uma vez, os estudos de Martha Ulhôa são surpreendentes, pois o levantamento e a análise estatística, ainda que preliminares, sobre a valsa revelaram dados tão significativos que tornam intolerável qualquer negligência futura a um repertório vasto e disseminado em diversos espaços sociais e práticas culturais. Ademais, como diz a autora, em se tratando de pesquisa musicológica, o ponto de partida e o ponto de chegada são sempre a própria música
. Esta premissa se expressa perfeitamente na redescoberta do pianista, professor de piano e compositor de valsas de salão Geraldo Antonio Horta (1835-1913), cujo estudo, ao problematizar o gênero biografia nos estudos históricos, nos conduz a um fascinante passeio pelo Rio de Janeiro do século XIX por meio das partituras, dos jornais de época e dos livros pioneiros sobre a história da música no Brasil, desvendando detalhes interessantes sobre o início da imprensa musical, o comércio de partituras, o periodismo musical e a recepção do virtuosismo pianístico.
Não menos importante é o alerta dado pela pesquisa empírica realizada no Seminário conduzido na UniRio, que demonstrou o estranhamento
ou a distância cultural entre o pesquisador no presente e o objeto de estudo no passado, marcada por percepções e visões de mundo oriundas de tempos históricos distintos. Tal consciência precisa ser exercitada ao longo da formação de novos pesquisadores da área de musicologia histórica, tanto quanto da área da etnomusicologia. O musicólogo terá que usar ferramentas da etnomusicologia para encontrar as categorias de avaliação pertinentes do ponto de escuta do seu público constituinte para, a seguir, construir um modelo de análise adequado ao gênero de música em estudo
.
A generosidade intelectual de Martha Ulhôa resulta em valorosa postura ética ao revisitar, com os devidos créditos, os poucos estudos tangentes à valsa no Brasil, com especial deferência à Bruno Kiefer (1990 [1979]), que sistematizou o conhecimento que estava esparso em estudos anteriores e trouxe à luz o processo de nacionalização das danças estrangeiras no Brasil.
Gostaria de realçar uma das inúmeras ponderações trazidas pela maturidade acadêmica de Martha Ulhôa:
O certo é que, com a sucessão de gerações de musicólogos, algumas vezes, é necessário refletir sobre as premissas da disciplina. À medida que eles ampliam seu campo de ação e se envolvem com músicas específicas fora do cânone consagrado, são levados a rever sua concepção sobre a natureza da disciplina, refinando sua metodologia e adaptando as ferramentas analíticas existentes.
A pesquisa e o ensino da história da música jamais poderão resultar em conhecimento conclusivo, fechado e acabado. Pelo contrário, pesquisa e ensino constituem um processo interligado em eterno devir. Esta compreensão traz um entendimento sobre aqueles que nos antecederam nessa lida, merecedores da mais alta consideração, pois, de alguma maneira, e da forma como puderam, abriram caminhos que hoje podemos questionar, contestar, corroborar ou reconfigurar.
O conjunto global desses estudos de Martha Ulhôa tem o mérito de nos ensinar também isso!
Qual é a prova e o motivo do crime?
Qual valsa, então?
Martha Ulhôa responde:
O tipo de musicologia exercitada aqui [é] uma musicologia centrada na escuta/recepção da música e busca, nas várias disciplinas das humanidades, ferramentas que possam ser usadas integral ou parcialmente no exercício de apreender o significado de repertórios ligados a diferentes gêneros musicais... inclusive sobre seu papel mobilizador dos corpos e sensibilidades de homens e mulheres...
Ah! Não o lamenteis! Foi venturoso!
Maria Alice Volpe
Referências
DAHLHAUS, Carl. Nineteenth-Century Music. Berkeley: University of California Press, 1989 [1980].
FABBRI, Franco. What is popular music? And what isn’t? An assessment, after 30 years of popular music studies. Musiikki, v. 2, p. 72-92, 2010.
KIEFER, Bruno. Música e dança popular, sua influência na música erudita. Porto Alegre: Movimento, 1990 [1979].
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro, história de uma ideologia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1992 [1954].
NETTL, Bruno. The study of ethnomusicology, thirty-one issues and concepts. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 2005 [1983].
NUNES, Benedito. Historiografia literária do Brasil. In: NUNES, Benedito. Crivo de papel. São Paulo: Ática, 1998.
ORTIZ, Renato. Memória coletiva e sincretismo científico: as teorias raciais do século XIX, e Da raça à cultura: a mestiçagem e o nacional. In: ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994 [1985].
VOLPE, Maria Alice. Traços romerianos no mapa musical do Brasil In: LOPES, Antonio Herculano et al. (org.). Música e História no Longo Século XIX. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011. v. 1, p. 15-35.
CAPÍTULO 1
À guisa de introdução
Entre o relatório de pesquisa e o ensaio
Esta obra tem como base pesquisa sobre práticas musicais ligadas ao entretenimento no Rio de Janeiro, em especial a valsa, a partir da consulta de periódicos oitocentistas da Hemeroteca Digital Brasileira (HDB) da Biblioteca Nacional (BN).¹ Especificamente foram inventariados vários periódicos onde aparece a valsa, sendo selecionado para estudo detalhado o Diário do Rio de Janeiro – DRJ (1821-1858, 1860-1878). Os anúncios, notícias e trechos de artigos sobre a valsa no DRJ estão disponibilizados no banco de dados on-line Música em periódicos oitocentistas
.² Resultados parciais do projeto sobre a valsa foram apresentados no II Congresso da ARLAC/IMS (Santiago, jan. 2016), no Colóquio Português: Palavra e Música
, da Fundação Gulbenkian (Lisboa, dez. 2016), no XIII Congresso da IASPM-AL (San Juan, Porto Rico, jun. 2018). Essas primeiras comunicações foram de natureza mais geral, explorando possibilidades de tratamento do material. Após o término da bolsa, foram feitas comunicações sobre a pesquisa, no IX Simpósio de Musicologia (EMAC-UFG) e no 20.º Congresso da IASPM (Camberra, Austrália), ambos em jun. 2019, sobre a valsa nos folhetins de rodapé do DRJ. No segundo semestre de 2019, foi oferecido um seminário relacionado à pesquisa com periódicos no PPGM-UNIRIO e em 2020 foram realizadas investigações complementares ao projeto, que resultaram em dois textos: um sobre Geraldo Horta, compositor de valsas de salão, e outro sobre a adaptação da valsa ao repertório seresteiro, este último publicado, em inglês, no Yearbook Song and Popular Culture, Vol. 65 (2020) e o primeiro, numa versão reduzida, aceito para publicação como capítulo do livro Musicologias em Interpelações Contemporâneas, pela Universidade Federal de Goiás.³ O estudo sobre a valsa no Rio de Janeiro oitocentista pela perspectiva da musicologia abrangeu os seguintes assuntos e respectivas fontes de pesquisa: (1) contextualização geral sobre a valsa na sociedade fluminense em meados do século XIX, por meio de periódicos oitocentistas, disponibilizados pela Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; (2) estudo preliminar do mundo da valsa de salão a partir do perfil de Geraldo Horta e seu entorno; além do (3) estudo sobre a adaptação da valsa em modinhas em compasso ternário pelos músicos de rua nas últimas décadas do século XX, por meio de gravações do início do século, disponíveis no acervo on-line Discografia Brasileira do Instituto Moreira Salles.
***
A historiografia da música oitocentista no Brasil, em especial da música popular, tem privilegiado o estudo da modinha e do lundu, deixando de lado outras práticas musicais, tão importantes quanto os dois gêneros musicais na vida social no Rio de Janeiro durante o século XIX – entre eles a valsa, assunto ainda pouquíssimo explorado pela pesquisa acadêmica. Um dos motivos para tal descaso pode ser o fato de a valsa ser música de entretenimento urbano dos estratos sociais médios e abastados e, o mais grave, ser um gênero estrangeiro
, quando, dos homens letrados do início do século XIX e folcloristas do final do XIX e início do XX aos modernistas na primeira metade do século XX, todos os esforços se voltavam para a identificação de traços de nacionalidade na música brasileira
.
Não se trata apenas de uma lacuna
na literatura musicológica, mas também de uma questão de orientação teórica, uma vez que apenas recentemente a historiografia da música no Brasil está contextualizando a orientação modernista. Entre os protagonistas da busca de identidade e autenticidade ligados a esse movimento, é central a figura de Mário de Andrade, que viu com muita desconfiança a influência
da valsa na modinha, preocupado que estava com a crítica da música em termos de qualidade artística e brasilidade.
Nesse sentido, este estudo efetua uma quebra de paradigma em dois aspectos: primeiro, por superar a ideologia do nacionalismo ao estudar gêneros musicais muito disseminados, mas fora do cânone da música brasileira; segundo, por transpor a barreira de preconceito, tanto no campo ligado à música de concerto em relação à preferência por música com qualidade
artística, quanto nos estudos da música popular, que nutre um certo desprezo pela música burguesa
, de classe média. A seguir, uma revisão breve da literatura sobre a valsa no Brasil e as opções de pesquisa, tendo em vista a viabilidade de fontes – por isso a opção pelos periódicos –, além de uma explicação sobre a escolha da categoria entretenimento
, em vez de popular
ou ligeira
, para lidar com a valsa.
Como ponto de partida, adota-se aqui a definição de Franco Fabbri e John Shepherd (2003) para gênero musical na EPMOW - Encyclopedia of Popular Music of the World, como um tipo de música habitualmente reconhecido por uma comunidade de acordo com certos critérios baseados em características estilísticas, práticas de performance e normas comportamentais associadas a atividades de produção e consumo
. Esses critérios são, em geral, convenções construídas por comunidades e se relacionam com a performance ou com o uso social dos gêneros em questão. Por sua natureza histórica e discursiva, os gêneros musicais podem ser entendidos e usados como categorias que representam
conjuntos complexos de normas, dando detalhes como garantidos e razoavelmente estáveis, alguns deles relacionados a estilo musical, mas deixando muito espaço para ambiguidade e conflito
, incluindo questões de poder e agência, como a construção de rótulos comerciais (p. 401-402).
Bruno Kiefer e a valsa
O pouco que foi estudado sobre a valsa no Brasil menciona sua chegada a partir do traslado da família real portuguesa em 1808, sua adoção nos salões, sua popularização na segunda metade do século – inicialmente como composição instrumental e depois como canção