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A Renascença Russa
A Renascença Russa
A Renascença Russa
E-book418 páginas5 horas

A Renascença Russa

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Sobre este e-book

Constantine não pode mais se esconder na Europa. Ao descobrir um segredo centenário, ele deve fugir de volta para Moscou, perseguido por assassinos.

Apenas um homem pode salvá-lo: Eugene Sokolov, um oficial da melhor unidade de resgate de elite do mundo, lenda das artes marciais ... e irmão de Constantine.

Juntos, os irmãos enfrentam um inimigo inigualável. Num jogo comandado por um espião da KGB, o destino da Rússia depende da sobrevivência deles.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento14 de nov. de 2019
ISBN9781071518984
A Renascença Russa

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    A Renascença Russa - Ian Kharitonov

    1941

    A UNIÃO SOVIÉTICA 

    A MORTE ERA O ÚNICO destino nos cinco anos de operação daquele trem. 

    Até o nome dele tinha um som estridente: Felix Dzerzhinsky, uma locomotiva de 137 toneladas, era cria de sua era – uma massa metálica imparável de pura potência bruta.

    Durante 1936, seu primeiro ano de operação, o Felix Dzerzhinsky percorreu estações e cidades desconhecidas na Rússia, transportando gado. Os animais haviam empesteado os novos vagões de carga com um cheiro de suor e fezes, e parasitas infestavam as rachaduras entre as placas carcomidas. Uma sensação de matança iminente pairava no trem.

    Logo, o gado foi substituído por pessoas. Homens e mulheres, velhos e jovens, a maioria doente, muitos feridos, encheram os vagões de carga rumo aos gulags, um destino muito mais terrível que o dos animais. Quem tinha mais sorte morria no caminho.

    Quando a guerra estourou, o Felix Dzerzhinsky levou um carregamento especial para a segurança da Ásia Central: centenas de caixas de madeira retiradas dos cofres secretos de Leningrado e Moscou. Passageiros especiais – uma escolta de seis homens do Exército Vermelho – ocupavam o recém-construído vagão de primeira classe.

    Um único feixe de luz cortava a noite enquanto o Felix Dzerzhinsky rugia através das vastas estepes do Cazaquistão. O trem exigia de suas caldeiras até o limite, rumo à invisível linha de chegada. No entanto, sua viagem foi amaldiçoada pela presença daquela carga preciosa.

    A morte ainda esperava na outra extremidade da rota. 

    ––––––––

    NO INTERIOR do único vagão de passageiros, tiros interromperam o som monótono. Os soldados do Exército Vermelho demoraram para reagir, pois não esperavam um ataque vindo de dentro. Não de seu comandante, o camarada Yehlakov, da NKGB.

    À queima-roupa, Yehlakov explodiu a cabeça de quatro vigias, todos com apenas 18 anos. Os outros dois procuravam seus rifles, ainda confusos de sono, quando Yehlakov os eliminou da mesma forma.

    O novo vagão agora também estava manchado de morte. 

    Yehlakov recarregou seu TT semiautomático, entrou na cabine do maquinista e atirou eu toda a equipe de bordo. Com as mãos cheias de fuligem, o maquinista tentou parar a torrente de sangue que brotava do pescoço. Ele tropeçou, gemendo e olhando seu sangue negro, quando um segundo tiro desfigurou seu rosto, e ele caiu sobre o cadáver do assistente.

    ––––––––

    PASSANDO SOBRE OS CORPOS, Yehlakov puxou a alavanca do freio. As rodas se travaram, e a enorme fricção fez soltar faíscas em todas as direções. Um ruído penetrante de metal reverberou pelo compartimento. O trem tremia quando tentava conter seu próprio movimento. Pouco a pouco, o Felix Dzerzhinsky parou.

    Yehlakov desceu da cabine e olhou em volta. As trevas eram impenetráveis. A lâmpada do trem agia como um marcador de posição.

    Leningrado, a origem do Felix Dzerzhinsky, era uma cidade comandada por uma evacuação caótica. Combustível, provisões, armamentos e fábricas inteiras eram transferidos para evitar os alemães, e muitas remessas foram perdidas no processo. O desaparecimento do comboio, se notado, seria justificado por uma incursão da Luftwaffe em Moscou por membros do exército. Yehlakov não se importava muito. Afinal, havia poucas chances de Moscou sobreviver.

    ––––––––

    UMA COLUNA DE CAMINHÕES apareceu a distância, com seus faróis cintilantes se aproximando. Os imensos veículos ZIS-5 pararam na frente de Yehlakov, iluminando-o por inteiro. Na luz ofuscante, ele não distinguiu os rostos dos homens que se aproximaram dele.

    Bem na hora, comemorou Yehlakov, semicerrando os olhos. 

    Pior para você, respondeu o homem do caminhão principal. Três figuras apontaram as metralhadoras para Yehlakov – pela silhueta, eram Thompsons americanas.

    O grito de Yehlakov foi cortado por uma rajada de balas calibre .45 que dilacerou seu corpo. 

    Muito bem, homens. E veio a ordem: Mexam-se, vamos!

    Duas dúzias de soldados avançaram para o Felix Dzerzhinsky como carniceiros devorando uma baleia encalhada. 

    Passar todas as caixas para os caminhões provou ser um enorme trabalho, mas os soldados levaram a cabo com eficiência. Houve só um problema: uma caixa caiu, espalhando antigas imagens no chão empoeirado. Na escuridão, os halos irradiavam o rosto dos santos; aqueles sacerdotes olhavam os assassinos com uma serenidade divina, um olhar cheio de sofrimento e perdão.

    Quando tudo acabou, chamas furiosas engoliram os vagões vazios, e os soldados voltaram a sumir pela noite. 

    O monstro de metal, agora morto, completava sua jornada final, encharcada de sangue. 

    20??

    CAZAQUISTÃO 

    DURANTE SUA ATRIBULADA história de 200 anos, a cidade passou por várias encarnações; foi rebatizada e reconstruída cada vez que mudava de dono.  Originalmente conhecida como Akmolinsk, tinha sido uma fortaleza construída pelas tropas cossacas da Sibéria que viajavam para o sul. Naquela época, o império russo explorava suas terras recém-adquiridas, povoadas por tribos nômades de cazaques. Mais tarde, virou Tselinograd, um trampolim para as ilusórias ambições soviéticas com a agricultura. Rumo ao século 21, ela recebeu o título de Astana, capital do Cazaquistão independente.

    A palavra Astana significava exatamente isso – capital. 

    James Quinn, o embaixador dos EUA no Cazaquistão, sabia que ainda faltava muito para que aquela cidade pudesse ser chamada de centro urbano. No entanto, ainda em seu mandato, ele testemunhou uma transformação impressionante pela qual Astana passava. Astana sempre parecera um gigantesco canteiro de obras, mas os olhos do embaixador nunca tinham testemunhado um desenvolvimento tão rápido como agora. Um dos responsáveis pela nova Astana era Clayton Richter – um empresário americano que Quinn foi receber no salão VIP do aeroporto internacional da capital.

    Richter pouco mudou desde quando se conheceram. Aos 50 anos, ele ainda era cheio de vigor e confiança, mas calmo e discreto; magro, era um pouquinho mais alto do que Quinn, mas muito mais em forma. Richter vestia uma camisa de seda e jeans sob medida. Além da jaqueta no braço, não carregava mais nada – em poucas horas, seu jato particular o levaria de volta aos Estados Unidos.

    Por trás daquela aparência casual, viajando desacompanhado por uma falange de adidos e guarda-costas, havia um homem que muito poderoso: Clayton Richter fazia parte do círculo mais íntimo do presidente dos Estados Unidos.

    Esse privilégio veio junto com o cargo de CEO das Indústrias Seton. As IS eram uma gigante corporação típica da globalização. Seu interesse central começou na infraestrutura energética, mas as atividades da Seton acabaram se expandindo para transporte e logística, construção e investimento, finanças e comércio de petróleo. Mesmo com tanta influência, e lidando com contratos governamentais de alto nível, as IS evitavam publicidade. Quaisquer que fossem os destinos dos orçamentos, os contratos anunciados e iniciados, Clayton Richter estava lá. Além do extenso portfólio internacional, as IS também dominavam o mercado doméstico: usando várias afiliadas e subsidiárias, as Indústrias Seton tinham o sétimo maior contrato com as Forças Armadas dos EUA. Para alguns, negócios significavam guerra; para Clayton Richter, no entanto, a guerra virou negócios.

    Richter gostava de chamar as IS de pequena empresa com grandes recursos – uma descrição longe de ser verdadeira. A lista de entidades que cercavam as IS sempre crescia: advogados, banqueiros, fabricantes e intermediários atendiam as necessidades da Seton sem saberem exatamente até onde os tentáculos da empresa alcançavam. Tirando as unidades externas que ela comandava, a empresa virava um núcleo compacto difícil de rastrear e mais ainda de penetrar. A engenhosidade de Richter criou uma megacorporação que nunca chamava a atenção. Ele valorizava a discrição, pois, dessa forma, tinha mais margem de manobra para escolher seus métodos. Que, aliás, eram questionáveis, para dizer o mínimo, e principalmente corruptos – iam do lobby agressivo no Congresso ao suborno em países do Terceiro Mundo.

    Quinn apertou cordialmente a mão de Richter. O empresário sorriu, mas seus olhos não mostraram simpatia. Sua mente perspicaz parecia sempre ocupada com números, porcentagens, cálculo de preços e margens de lucro. Ele enxergava todo mundo como uma ferramenta para o sucesso, desprovido de qualquer afeto humano. Essa mente matemática era uma característica que sempre esteve com ele, desde quando Clayton Richter e Jim Quinn ainda trabalhavam no mesmo andar da sede das IS, em Manhattan.

    A carreira de Quinn como embaixador começou nos escritórios das Indústrias Seton. Antes de virar Chefe de Missão em Astana, Quinn tinha sido o associado mais próximo de Richter na corporação. Foi Richter quem lhe arranjou o posto de embaixador no Cazaquistão, e Quinn viu a importância daquela mudança: Richter precisava de um homem leal somente a ele naquele país; depois de contribuir para a bem-sucedida campanha do presidente, uma indicação e aprovação no Senado não seria um problema.

    Os interesses da empresa no Cazaquistão iam muito além do setor de construção e logística, e James Quinn atuava como um elo secreto entre Richter e o presidente do Cazaquistão, Timur Kasymov. 

    Hoje, Clayton Richter chegava a Astana incógnito, após um pedido urgente de reunião vindo do próprio presidente Kasymov. Quinn levaria Richter direto para a residência presidencial, como Kasymov havia insistido. Dessa forma, ninguém de fora saberia do evento, nem mesmo a equipe presidencial.

    Juntos, o empresário e o embaixador apareceram na área restrita do terminal. Ao saírem, foram imediatamente atingidos por uma onda de ar seco tão quente que parecia vindo de um forno. O Cadillac da embaixada, caracterizado pela bandeira americana, já estava à espera. O sol brilhava elegantemente contra a lataria negra, enquanto o guarda da segurança diplomática segurava a porta aberta para eles. Era um ex-agente do Serviço Secreto, que agora trabalhava para a Blackwood Soluções, uma empresa de segurança particular que ganhara a licitação do Departamento de Estado dos EUA para proteger as missões diplomáticas no Cazaquistão – e que pertencia às Indústrias Seton.

    Ao entrar no carro, Quinn ficou aliviado por sair daquela temperatura de 35 graus e afundou no assento frio e confortável. Richter enxugou um fio de suor da testa pálida.

    Calor dos infernos, retrucou Richter. 

    É o clima das estepes, explicou Quinn. Astana, no verão, é mais quente do que o deserto e, no inverno, gelado como a Sibéria.

    Quando a viatura diplomática saiu do terminal – um moderno prédio de arquitetura japonesa – e entrou na rodovia, o silêncio reinou entre o embaixador e o empresário. Como regra, Richter nunca discutia negócios no carro, mesmo que a blindagem de policarbonato os isolasse completamente do motorista e que um bloqueador impedisse qualquer espionagem eletrônica.

    O aeroporto ficava a apenas 16 quilômetros ao sul de Astana; logo, o processo de expansão da cidade começou a aparecer: arranha-céus, shopping centers e blocos residenciais formavam um glamoroso labirinto de vidro e concreto. Era de se esperar que a maior parte das obras se concentrasse naquela área, já que o sul de Astana era a parte mais próspera da cidade, onde quarteirões inteiros foram construídos do zero.

    Richter admirava o horizonte da cidade. 

    "Olhe para isso, Jim. Novos edifícios crescem todo dia. Eu vejo ambição aqui. Os cazaques estão usando bem as receitas do petróleo. E é apenas o começo. Será um país de crescimento fantástico, com dezenas de cidades como Dubai e Doha. A diferença é que o império petrolífero árabe está acabando, enquanto o Cazaquistão está atingindo seu ápice."

    Sei lá, disse Quinn. "Nunca gostei de Astana. Não é só o tempo que me desanima. O clima é severo por causa do terreno. Astana fica no meio do nada. Os soviéticos não poderiam ter escolhido lugar mais apropriado para o gulag feminino que Stálin construiu aqui. Nenhuma capital nacional é tão remota e desolada a ponto se ser quase inacessível ao resto do país. Eu entendo a lógica de a capital sair de Almaty: era o desejo de um novo começo após conquistarem a independência. Mas eles não precisavam levar isso ao pé da letra, pelo amor de Deus! Esses edifícios só estão aqui para satisfazer o ego dos governantes. É uma cidade de fachada. Não importa o que tentem fazer aqui, continua sendo uma terra desolada."

    E apontou para a planície que a estrada atravessava. O caminho até os limites da cidade era uma superfície plana e queimada, coberta por arbustos.

    Richter riu da bronca do amigo. 

    Dá para ver que você está com saudades de casa, Jimmy. 

    Com certeza. Mas não importa. Vou aguentar mais um ano, ou o tempo necessário para terminar o que começamos.

    Terra desolada, hein? Engraçado você mencionar essa palavra. Muito irônico. Você ficaria surpreso se eu dissesse o motivo para a reunião com Kasymov hoje.

    Na verdade, Quinn ficou espantado. 

    Ele achava que a última visita de Richter tinha a ver com o Mar Cáspio. Era o aspecto mais importante da operação das IS no Cazaquistão, e Quinn tratava pessoalmente disso. Tinha que ser o Cáspio. Nada mais exigiria uma convocação tão extraordinária.

    Mesmo assim, algo muito mais sensível do que o projeto petrolífero estava em curso, e sem o conhecimento dele.

    Havia pelo menos uma habilidade que Quinn adquiriu como agente diplomático para manter sua reputação: fingir não ouvir as observações às quais ele não desejava responder. 

    A residência presidencial, conhecida como Ak Orda, também se localizava ao sul de Astana, ocupando uma propriedade considerável na margem esquerda do rio Ishim.  Era um enorme palácio de granito que provocava uma mistura de admiração e confusão. O exterior da Ak Orda, principalmente o pórtico semicircular, tinha uma semelhança impressionante com a fachada sul da residência 1.600 da Avenida Pennsylvania, em Washington, DC, nos EUA.

    O que deixava a Ak Orda radicalmente diferente era uma gigantesca cúpula azul que coroava o centro, característica mais apropriada para mesquitas do que para uma residência oficial.

    O nome escolhido também era uma tradição asiática: significava Horda Branca, uma parte da antiga Horda Dourada que governava aquelas terras. 

    A espiral dourada que toca a cúpula islâmica estava prestes a aparecer. 

    Um bairro tranquilo separava o carro americano da avenida que levava diretamente à Ak Orda. O Cadillac andava tranquilo pelo tráfego leve, a poucos quarteirões da curva até a entrada, quando, de repente, um Toyota velho apareceu por trás e bloqueou o caminho. Tentando evitar a colisão, o motorista virou bruscamente o volante e acelerou. Mesmo batendo o para-choque no farol traseiro do Toyota, o Cadillac tentou seguir em frente, mas sem sucesso. No momento seguinte, o Toyota foi engolfado pelas chamas.

    A explosão atingiu o Cadillac como uma marreta. As ondas de choque tremeram o corpo de Quinn, que fechou os olhos. Ele quis gritar, mas não conseguiu; agoniado, sentiu uma dor ensurdecedora.

    Gemendo, o embaixador recuperou os sentidos; viu que o grosso para-brisa do carro havia se desintegrado. Com a explosão, o capô dobrou para cima, obstruindo a frente. O corpo do motorista pendia no assento, preso pelo cinto de segurança; ele estava morto, e seu sangue pintava a blindagem de vidro.

    No entanto, o carro ainda se movia. 

    Quinn viu que os pneus haviam explodido, mas o sistema run-flat fez o Cadillac andar até o carro bater contra um obstáculo. 

    Depois desse impacto final, Quinn se virou e viu que Richter, sentado ao lado, estava inconsciente. Um fio de sangue escorria pelo rosto do empresário. Quinn não sabia se Richter estava morto, mas aquilo não importava: ele tinha que pensar em si mesmo agora. O carro estava pegando fogo, e ele logo ficaria preso lá dentro. Por sorte, o tanque de combustível ficou intacto, mas poderia explodir a qualquer momento.

    Desesperado, Quinn alcançou a maçaneta, empurrou a porta e saiu do carro. A alguns metros de distância, ele sentiu os joelhos se curvarem. A visão ficou turva, e ele caiu na rua. Com as pernas trêmulas, não conseguiu se levantar; então, juntou todas as forças para se virar e olhar ao redor.

    Um caos total.

    O carro suicida havia virado um chassi carbonizado; uma fumaça negra subia dos destroços do Toyota. Gritos angustiados enchiam a rua; pedestres fugiam agitados da área. Fragmentos de vidro cobriam a rua, vindos dos outros veículos atingidos pela explosão. Todos os carros próximos sofreram danos – atingidos por fragmentos, pelo fogo ou por outro carro. O sangue de motoristas e pedestres feridos e mortos manchavam o asfalto.

    O Cadillac, na pista oposta, havia atingido um carro estacionado na calçada e bloqueava o trânsito. O embaixador mal acreditava no estado do veículo.

    Só um tanque de guerra sobreviveria a ataque semelhante. Toda a frente do carro tinha sido destruída, incluindo o radiador e o motor. O chassi, amassado, tocava o capô. Foi a proteção extra para os passageiros que salvou a vida de Quinn, ou ele agora estaria tão mutilado quanto o motorista. A lateral do carro estava salpicada e amassada dos buracos dos fragmentos, e as janelas estavam todas quebradas.

    A fumaça e o fogo se espalhavam. 

    Então, do nada, apareceram duas figuras correndo em direção aos destroços.  Ambos vestiam uniforme militar e carregavam rifles Kalashnikov, mas não eram soldados. Em vez de insígnias, usavam faixas verdes com letras árabes, e bandanas negras escondiam os rostos.

    Um deles chutou a barriga de Quinn, que gritou de dor.

    Com os olhos marejados, ele viu o colega do agressor se aproximar do carro da embaixada. O guerrilheiro mascarado apontou o Kalashnikov para Richter, que ainda estava deitado no carro.

    Allahu akbar! 

    O Kalashnikov chacoalhou, disparando como um trovão. As balas atingiram Clayton Richter, espirrando sangue no estofamento de couro.

    Sem avisar, o homem de pé sobre Quinn disparou outra rajada. O embaixador imediatamente sentiu um calor pelo corpo.

    Quinn abriu a boca e espirrou sangue. 

    O assassino gritou para o segundo terrorista, e os dois fugiram. 

    Moribundo, Quinn se assustou com aquelas vozes: eram de jovens, ainda adolescentes.

    Ele nunca imaginaria que seria morto por uns pirralhos idiotas. 

    OS ESTADOS UNIDOS 

    WILLIAM UNDERHILL PASSAVA longas noites sem dormir. Langley vivia alheio aos fusos horários. Como diretor da Inteligência Central, ele havia aprendido há muito tempo que as piores contingências sempre surgem à noite. Bombardeios no Oriente Médio, assassinatos na Europa, hostilidades na Ásia... Era isso o que acordava o país mais poderoso do mundo. O dia já estava claro em qualquer outro lugar, e o desastre parecia ansioso para atacar a tempo de virar a manchete das manhãs da América. Clayton Richter foi morto onze horas após a meia-noite no estado americano de Virgínia.

    Indo para uma reunião de emergência na Casa Branca, Underhill sentia que aquelas últimas horas tinham sido mais frenéticas do que qualquer outra ocasião de que ele se lembrava. 

    Ele foi chamado para o Salão Oval, onde o presidente o esperava com os detalhes completos da tragédia. Por mais que ele quisesse, a morte de Richter não era algo que dava para esconder do presidente. Mas os relatórios da Central de Inteligência tinham omissões mesmo no nível mais confidencial. Nem toda verdade beneficiava a segurança nacional. Underhill não tinha intenção de dizer ao presidente que Richter era da CIA, muito menos de justificar a presença dele no Cazaquistão.

    As paredes do Salão Oval convergiam em um teto abobadado cinco metros acima do presidente, que estava sentado atrás da enorme mesa de carvalho. As janelas panorâmicas atrás eram adornadas com cortinas de veludo verde-oliva, a mesma cor escolhida um século antes.

    O presidente fazia parte do Salão Oval: ele combinava com a grandeza do cargo. Era o líder que o país merecia – nos seus três anos no cargo, ele reunira o povo americano nos momentos difíceis.

    No entanto, o ônus de liderar a nação estava cobrando seu preço. Desafiado pelos problemas que os mandatos anteriores deixaram, as vitórias ficavam mais difíceis. Ele agora era um homem diferente daquele animado governador de Iowa que vencera as eleições por uma diferença apertada. Até as mudanças externas eram notáveis: com 58 anos, os cabelos loiros estavam grisalhos, e o rosto ganhou rugas.

    O presidente recebeu a pasta confidencial de Underhill e a colocou na mesa para olhar depois. 

    Isso, disse, apontando para a pasta, é uma catástrofe. 

    Ele não conseguiu conter a frustração. 

    Acabamos de sair da recessão, continuou o presidente. Ainda faltam alguns anos para a economia voltar a crescer, e, mesmo assim, duvido que a recuperação seja plena, com tantos déficits comerciais e orçamentários. Você sabe tanto quanto eu como precisamos do petróleo do Cáspio. Cada dólar a mais por barril aumenta nossa dívida. E, assim que a economia se recuperar, os preços do petróleo subirão novamente. Se isso acontecer, mergulharemos em um abismo mais profundo do que já encontramos. E agora estamos olhando uma possibilidade muito real de que isso aconteça.

    Entendo a preocupação, Sr. Presidente. Parece que perdemos o Cáspio.

    Com dez por cento da reserva total de petróleo do mundo, o Mar Cáspio era um tesouro intocado. A exploração das jazidas ficou parada por causa do conflito de interesses entre os Estados da região. O Mar Cáspio ficava completamente em solo soviético, mas, após a separação, todos quiseram uma pouco do seu petróleo. Durante anos, Rússia, Irã, Cazaquistão, Azerbaijão e Turquemenistão brigavam entre si pelo território.

    Cada um tinha uma maneira própria de dividir aquele mar em benefício próprio.   A Rússia insistiu no que era conhecido como Linha Mediana Modificada, ou seja, que a divisão seria proporcional aos respectivos litorais dos países. Isso era completamente inaceitável para o Irã e para as nações menores, que queriam partes iguais de vinte por cento. Outros países causaram mais confusão com seus próprios cálculos duvidosos. Ninguém queria perder, mas a incapacidade de resolver a disputa paralisou a produção de petróleo. Como tempo é dinheiro, as negociações foram retomadas, e um acordo estava prestes a ser fechado.

    Quero saber quem foi o responsável pelo ataque, Bill. Os russos? Os iranianos e os chineses?

    Duvido que os russos estejam por trás disso. A Rússia, claro, é o maior exportador de petróleo e gás natural do mundo. Nunca nos deixaram entrar no Cáspio. Para eles, é questão de segurança nacional. Ainda consideram o Mar Cáspio como propriedade particular deles. Mas o método da Linha Mediana está para ser aceito. Eles asseguraram a parte deles e não precisam se preocupar em perdê-la.

    O país com o maior litoral do Cáspio não é a Rússia, sugeriu o presidente. É o Cazaquistão.

    O agente assentiu. E a parte do Cazaquistão é responsável por quase oitenta por cento das reservas comprovadas. Os cazaques terão mais petróleo do que todas as nações árabes juntas. Os chineses estão usando o Irã para satisfazer suas ambições no Cáspio. Se os russos executarem seu plano, os iranianos – e, por extensão, os chineses – ficarão com apenas treze por cento. Eles não se contentarão com isso. Então é óbvio que eles se juntaram para influenciar os cazaques. Pode-se achar que essa tripla aliança é sensata. Principalmente do ponto de vista cultural, considerando que os cazaques são orientais e muçulmanos. Tendo dito isso, não acredito que seja uma opção viável. Não acho que o assassinato de Richter possa ser atribuído à China ou ao Irã.

    Mas o que você está dizendo? Que nenhum dos três principais países da região teve algo a ver com o assassinato?

    William Underhill limpou a garganta. 

    Sr. Presidente, identificamos a hipótese mais provável para a morte de Clayton Richter. A única pessoa que poderia sancionar o assassinato é o próprio Timur Kasymov.

    O presidente do Cazaquistão? Isso é inconcebível! Você entende a gravidade dessa implicação, Sr. Underhill?

    Senhor, minha agência não faz tais pressupostos por capricho. O senhor pode ver a análise completa no meu relatório. Basta dizer que é a única opção comprovada pelas evidências atuais. Esse ato terrorista foi sinal de intenção. Um aviso. Todo o ataque aponta para esse fato. Não há outra explicação para a inépcia da polícia, o planejamento preciso e a execução do ataque. Ele exigiu informações privilegiadas da visita de Richter, e não havia a menor chance de vazamento. Receio que nossa lista de suspeitos seja extremamente limitada, Sr. Presidente. Apenas Kasymov tinha os meios para executar o ataque. E o motivo. Estamos olhando para o maior exemplo de terrorismo patrocinado pelo Estado. Durante anos, sabíamos que o governo do Cazaquistão apoiava grupos islâmicos radicais. Agora, uma das células reivindicou a autoria do assassinato. Quando juntamos tudo, forma-se uma imagem muito assustadora e impossível de ignorar. É como se Kasymov quisesse que saibamos que foi ele quem fez isso.

    Deus amado... Para que isso? 

    Timur Kasymov quer mostrar que está violando todas as regras e agindo como deseja.   É um tapa na nossa cara, revelar nosso próprio plano secreto. E isso é só o começo. O Cazaquistão já é rico em recursos naturais, mas se o regime de Kasymov se apropriar do petróleo do Cáspio, ele sabe que pode construir uma potência a ser considerada. Uma potência agressiva.

    As últimas palavras pairaram no ar. 

    A situação que você descreveu é terrível, mas muito real. Espero que esteja errado.

    Também espero, respondeu o agente. Mas, na maioria das vezes, o inimigo mais perigoso é um ex-aliado.

    O presidente pegou o relatório da mesa e dispensou o assessor. Underhill andou pela Ala Oeste ocupado com uma outra consideração: talvez ainda mais essencial do que a riqueza mineral, era o valor geopolítico do Cazaquistão. Bastava lembrar da presença do Exército americano na Ásia Central durante a guerra contra o terrorismo. Do ponto de vista militar, era uma localização especial. O acesso é fácil não só ao Irã, Iraque e Afeganistão, mas a toda Europa, Rússia e China.

    A eficiência de um sistema bélico avançado com base no Cazaquistão seria incomparável. Após a morte de Clayton Richter, Underhill sabia que tal arma poderia ter caído nas mãos de Timur Kasymov. O real motivo do envolvimento das Indústrias Seton no Cazaquistão era um projeto militar conjunto. William Underhill viu consolo no fato de que isso só seria viável dali a muitos anos. Pelo menos, Kasymov não teria como usá-lo contra os Estados Unidos.

    Dentro da CIA, esse plano foi batizado de Projeto R. 

    Renascença. 

    PARTE I

    1

    FRANÇA 

    ANDREI BORISOV ESTAVA COM A bochecha pressionada contra a grama.  Ao atravessar o vinhedo do outro lado da casa vazia, ele sabia que haveria problemas, mas não esperava um violento ataque. Mesmo sendo um guarda-costas experiente, ele não evitou um ataque por trás.

    Para o crédito do agressor, tudo foi como um raio. Um chute acertou seu joelho, e ele caiu no chão úmido; o braço direito foi torcido atrás das costas, e a arma foi arrancada de baixo do cinto e prensada contra seu crânio.

    Um joelho cravou em sua espinha, com o corpo do atacante por cima. 

    Que fais-tu ici? 

    A voz era suave e calma, mas, pela respiração do homem, Borisov julgou

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