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No Ceará não tem disso não: Nordestinidade e macheza no forró contemporâneo
No Ceará não tem disso não: Nordestinidade e macheza no forró contemporâneo
No Ceará não tem disso não: Nordestinidade e macheza no forró contemporâneo
E-book220 páginas2 horas

No Ceará não tem disso não: Nordestinidade e macheza no forró contemporâneo

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Sobre este e-book

Em seu mais recente livro, No Ceará não tem disso não, Felipe Trotta aborda questões que permeiam desde o estudo da identidade nordestina até as características que a música traz sobre este povo.
O Ceará a que o autor se refere é o Nordeste como um todo, não apenas o estado, fazendo referência à canção homônima, interpretada por Luiz Gonzaga e de autoria de Guio de Morais.
Neste livro, o leitor descobre a importância do forró como um "marco identitário, um símbolo de pertencimento, uma chave de compartilhamento de ideias" do Nordeste, onde a música mostra (ou quebra) estereótipos fixos em nossa memória, como o homem valente, macho e viril nordestino – marca do conservadorismo machista ainda presente em vários estados brasileiros. O autor tenta, através de estudos e análise de letras do forró (do pé de serra ao eletrônico, das clássicas às contemporâneas), mostrar a riqueza da cultura nordestina, e nos livrar do preconceito, infelizmente ainda vivo na sociedade atual.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de out. de 2014
ISBN9788561012335
No Ceará não tem disso não: Nordestinidade e macheza no forró contemporâneo

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    Pré-visualização do livro

    No Ceará não tem disso não - Felipe Trotta

    Recife

    Agradecimentos

    Em primeiro lugar, às agências que financiaram a pesquisa, em suas várias fases. Facepe e CNPq nos estágios iniciais, Fundarpe em um período intermediário e FAPERJ pela finalização e edição.

    A Ângela Prysthon e Paulo Cunha, que me levaram pro Recife.

    A Tina, pela parceria constante.

    A Nina e Fernando, pelo núcleo niteroiense na capital pernambucana.

    A Jeder Janotti, Simone Sá e Thiago Soares, pelas muitas conversas em torno dos temas do forró.

    A Micael, pelo estímulo e pelo prefácio.

    Aos forrozeiros com quem conversei, que ouvi e vi nesse período de pesquisa, materializados metonimicamente nos (geniais) artistas Josildo Sá, Santanna, Maciel Melo, Petrúcio Amorim, Xico Bizerra e Targino Gondim.

    Aos bolsistas que participaram do projeto, me ensinando muita coisa sobre forró: Bruna Alquete, Paulo Thiago Camelo, Maria Cecilia Hunka, Débora Baia, Vagno Higino da Silva, Pedro Paz e Erlan Siqueira.

    A Gabi, por tudo: a vida, o amor, a viagem, o retorno, a felicidade.

    A Ana e Nina, por existirem!

    PREFÁCIO

    Repensando a relação da música com a identidade regional

    Por Micael Herschmann¹

    Ao longo da história do país a relação da música com processos de (re)construção e afirmação de uma identidade nacional e/ou regional é uma temática recorrente e bastante presente no debate nas diversas esferas da sociedade. Basta lembrar-nos da famosa aproximação que envolveu atores do mundo do samba (como Pixinguinha e Donga) e intelectuais modernistas (tais como Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Hollanda) nos anos de 1920 e 1930 (VIANNA, 1995) ou das polêmicas entre os partidários da agenda política-cultural dos Centros Populares de Cultura (como, por exemplo, Roberto Schwarz) e aqueles que – como Augusto de Campos – argumentavam a favor do trabalho dos músicos tropicalistas nos anos de 1960 (DUNN, 2009).

    Lendo No Ceará não tem disso não – resultado de uma densa investigação elaborada pelo pesquisador Felipe Trotta – é possível se recordar de outra polêmica mais recente (dos anos de 1990), a qual envolveu Ariano Suassuna (organizador do Movimento Armorial) e Chico Science (principal liderança do Movimento Manguebeat), ambos já falecidos. Ainda que algum tempo depois ambos fizessem publicamente as pazes, as tensões entre o então Secretário Estadual de Cultura e este expoente do manguebeat movimentaram durante alguns anos intensas discussões, as quais mobilizaram a cena musical de Pernambuco e mesmo do Nordeste.

    Assim, em meados dos anos de 1990, mesmo depois do sucesso, as críticas dos grupos conservadores ao manguebeat prosseguiram no Nordeste e Suassuna (um dos que defendia a abolição das guitarras elétricas, tal como fizeram os puristas que condenaram a Tropicália nos anos de 1960) recusava-se, por exemplo em entrevistas, a chamar Chico Science pelo nome artístico, traduzindo-o para Chico Ciência. Certa vez, inclusive, avisou ao cantor através dos veículos de comunicação: faça música brasileira, que aí sim a gente conversa.

    Este é um caso que indica como ainda é atual e necessário refletir sobre as crises das identidades regionais no mundo contemporâneo – marcado por rápidas mudanças, pela hiperconectividade das novas tecnologias e pelo conjunto de processos complexos que caracterizam a globalização – as quais afetam o imaginário e as construções identitárias. O livro de Trotta de certa maneira contribui para preencher algumas lacunas no meio acadêmico, especialmente no campo da comunicação no Brasil.

    Seduzido pelo debate sobre a crise da identidade regional nordestina, Trotta convida o leitor em No Ceará não tem disso não – que traz os resultados de uma longa pesquisa realizada entre 2008 e 2013 – a mergulhar no universo cultural do forró pé de serra e do chamado forró eletrônico. O pressuposto que orienta o livro é o de que especialmente o forró eletrônico tem buscado construir novos modelos de identidade nordestina, o qual continua preso a um forte referencial patriarcal que é constitutivo da ideia de nordestinidade construída na primeira metade do século XX. Assim, algumas ideias fundadoras dessa nordestinidade – o erotismo, a festa e macheza – são atualizados e tensionados pelo forró atual, de diversas maneiras (através não só das sonoridades, das letras das canções e performances, mas também pelas dinâmicas deste nicho de mercado musical). A tese do autor é a de que o forró ocupa certa centralidade no debate sobre a nordestinidade contemporânea, sendo um ambiente cultural privilegiado para se repensar os deslocamentos de significados da identidade regional tradicional.

    Talvez por sua condição de migrante (que viveu em Recife por alguns anos) – que, inclusive, ironiza de forma bem-humorada os preconceitos regionais (presentes no contexto brasileiro) no título desta publicação –, Trotta conseguiu analisar este conjunto de polêmicas com certo distanciamento crítico e de uma perspectiva que foge das explicações reducionistas e simplistas sobre essa dinâmica cultural regional.

    Nesse livro o autor brinda o leitor, por um lado, com uma análise muito perspicaz do mundo do forró pé-de-serra, analisando canções de artistas como, por exemplo, Alceu Valença, Trio Nordestino, Dominguinhos e Elba Ramalho, os quais desenvolvem interessantes estratégias para reificar uma tradição musical de raiz; e, por outro lado, faz um balanço das trajetórias de grupos como, por exemplo, Calcinha Preta, Aviões do Forró e Garota Safada – as quais, em geral, são marcadas pelo grande êxito e pelas intensas polêmicas que ganham invariavelmente repercussão na cena midiática – sublinhando como estes atualizam e seguem reinventando a tradição (HOBSBAWN e RANGER, 1997) da nordestinidade.

    Tomando como referências não só os discursos dos atores veiculados na mídia regional, nas entrevistas e em algumas incursões etnográficas, mas também algumas obras de cunho teórico-metodológico dos Estudos Culturais e da Etnomusicologia (que foram empregadas de forma interdisciplinar e bastante criativa), Trotta em seu livro parte da premissa de que as distinções entre o forró pé de serra e o eletrônico não são tão significativas como parecem a princípio: por trás do debate da qualidade o autor identifica e problematiza detalhadamente (e de forma inovadora) como há articulações entre as duas vertentes estilísticas deste gênero musical.

    Chama a atenção neste trabalho a maneira oportuna como o autor toma a declaração desastrosa de Chico César aos jornais (quando este artista assumia a função de Secretário de Cultura da Paraíba): a partir desta polêmica, Trotta procura evidenciar como o forró é ainda tomado como um importante marco identitário, um símbolo de pertencimento, uma chave de compartilhamento de ideias, um ambiente de interação festiva e um eixo de negociações culturais. Revisitando autores importantes do debate intelectual sobre nordestinidade – tais como Gilberto Freyre e Albuquerque Junior –, ao longo deste volume o autor toma as inúmeras polêmicas existentes como uma espécie de pano de fundo, no qual estão inseridas as articulações e tensões entre o forró pé de serra e o eletrônico.

    Assim, ao longo do livro Trotta analisa detalhadamente o repertório forrozeiro, destacando algumas temáticas, tais como tradição, sexualidade e qualidade, são mais socialmente acionadas que outras, isto é, ele busca refletir as razões destes tópicos seguirem acumulando mais investimento por parte dos atores nos processos de (re)construção desta identidade regional. Portanto, ao longo dos capítulos finais, o autor oferece pistas valiosas para se compreender melhor a sensação de crise que envolve o panteão identitário nordestino. Segundo Trotta, há uma dificuldade por parte dos setores mais conservadores da sociedade local em se acostumar com um novo estilo de vida que de alguma maneira está ganhando visibilidade na experiência musical do forró eletrônico. Assim, vem emergindo um novo imaginário social, no qual o Nordeste configura-se como jovem e tecnológico; urbano e festivo; regional e globalizado.

    Antes de finalizar vale a pena ressaltar que este é um livro contemporâneo e inteligente, elaborado por um autor que além de não temer tratar de temáticas espinhosas (como demonstrou no seu trabalho anterior, O samba e suas fronteiras), também não receia salientar como preconceitos estéticos e sociais – ainda que velados – presidem os debates em certos contextos socioculturais. Portanto, recomenda-se o formidável No Ceará não tem disso não a todos os interessados em problematizar a regionalidade e o Brasil contemporâneo como uma comunidade imaginada (ANDERSON, 2008). Esta publicação certamente cativará a todos os interessados em repensar de que maneira as elaborações (que envolvem sonoridades, letras de canções e performances) podem ser negociadas, conquistando lugares significativos no imaginário (LEGROS et al., 2007) de segmentos expressivos da sociedade.

    Referências

    ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

    DUNN, Christopher. Brutalidade Jardim. São Paulo: UNESP, 2009.

    HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

    LEGROS, Patrick et al. Sociologia do imaginário. Porto Alegre: Sulinas, 2007.

    VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.

    INTRODUÇÃO

    Migrante, cheguei ao Recife em fevereiro de 2007 para atuar como professor na Universidade Federal de Pernambuco. Ao chegar, contagiado pela efusiva comemoração do centenário do frevo e de sua escolha como patrimônio cultural do Brasil, imaginei que era o frevo a música mais significativa da cidade. A simbiose entre o carnaval, o Recife e o frevo era velha conhecida minha (e, acredito, de todos brasileiros interessados em música), e naqueles dias iniciais, o gênero me servia de inspiração para pensar a música naquela minha nova cidade. Os ecos insistentes dos compassos iniciais de Vassourinhas e as sinuosas melodias de apologia da cidade como Voltei, Recife e Último regresso confirmavam meu interesse e a importância do frevo na ambientação sonora da Veneza brasileira.

    Porém, ao final do carnaval, o frevo calou.

    Foi possivelmente o silêncio das cinzas do centenário do frevo que despertou meus ouvidos para outros sons que me cercavam. Os sons eletrônicos do brega recifense, a liberdade estética roqueira da cena independente, acompanhados pelo batuque constante do maracatu nas esquinas formavam uma polifonia instigante e desafiadora. Nesses momentos iniciais, visitei cocos, caboclinhos e até rodas de samba em diversos lugares da cidade, tentando ouvir e conhecer suas sonoridades. Aos poucos, nessas incursões, o forró se tornou onipresente. De algum modo, o toque da sanfona e as novidades eletrificadas do forró eletrônico captaram minha afetividade auditiva mais do que qualquer outro som. Após alguns meses, tomei contato com alguns clássicos do repertório do forró, até então inteiramente desconhecidos para mim como Tareco e mariola, Cidade grande e Anjo querubim. Ao lado deles, Tome tome, Beber, cair e levantar e a Bicicletinha chamavam a atenção para a pluralidade de estilos do gênero. Até hoje não sei dizer exatamente o que fez com que o forró se tornasse meu objeto de estudo. Talvez o fato de ter experimentado um movimento migratório contrário ao fluxo que povoou o imaginário sulista sobre Nordeste tenha sido fator significativo. O forró também representou para mim uma chave para compreender melhor a cidade, o estado e, por extensão, parte de certa visão sobre a região, que se apresentavam cercados de mistérios e riquezas para mim.

    Com a intensificação do contato com o repertório e artistas ligados ao forró, pude perceber uma constante reiteração de uma divisão mercadológica entre as bandas de forró eletrônico e os artistas identificados com o forró pé de serra, que funcionava como uma espécie de divisão entre qualidade e não qualidade. A tensão dessa distinção envolvia múltiplos aspectos que despertaram minha atenção e me fizeram mergulhar no universo do forró, desvelando questões que se revelam na organização deste texto. A identidade nordestina é uma espécie de pano de fundo desse debate, que se materializa no repertório forrozeiro passando por diversas outras temáticas igualmente candentes como a sexualidade, a tradição e a qualidade. Pé de serra e eletrônico formam, em certa medida, duas trincheiras conceituais a partir das quais tais temáticas são pensadas, processadas e negociadas. Contudo, com o decorrer da pesquisa, comecei a identificar que por trás dessa fissura aparentemente inconciliável, há várias ressonâncias, continuidades e rebatimentos recíprocos entre as duas vertentes estilísticas do gênero, que matizaram outra possibilidade de interpretação cultural sobre a circulação do forró na sociedade.

    Este livro parte da premissa de que as distinções entre o pé de serra e o eletrônico não são tão fortes quanto parecem ser. Ou, pelo menos, se o são, contêm ao mesmo tempo uma série de aproximações e escondem, como aposta o pesquisador e músico Climério Santos, uma infinidade de estilos forrozeiros que não se encaixam nessa divisão polarizada. O objetivo deste trabalho, contudo, não é discutir a polarização ou suas consequências. A intenção aqui é mapear pontos de contato, divergências, e discutir algumas ideias que são processadas pelo forró no Nordeste em seus diversos estilos, numa tentativa de interpretar pensamentos, ações e valores compartilhados através da experiência musical. Neste percurso, passamos por ideias, conceitos e posições que circulam entre os Estudos Culturais e a Etnomusicologia, sem ponto fixo de dogmatismo disciplinar, buscando colher os louros das esfumaçadas fronteiras entre tais campos de saber, pesquisa e reflexão.

    Certo dia, visitando a família nas férias, experimentando um sentimento estranho de saudades do Recife e das coisas do Nordeste, coloquei para tocar a gravação de Flávio José para o belo xote Espumas ao vento, de Accioly Neto. Aos primeiros acordes da introdução, ouvi de um parente próximo a frase Chegou o nordestino, proferida num misto de surpresa (afinal, sou carioca), preconceito e ironia. Sorri meio sem jeito e fiquei pensando sobre a força expressiva da sanfona, do xote e do repertório forrozeiro como um todo. Pensei sobre o preconceito, sobre a imensa carga simbólica que cerca a ideia de Nordeste e todas as questões culturais que estão associadas a ela e à sua música mais característica.

    O forró é um marco identitário, um símbolo de pertencimento, uma chave de compartilhamento de ideias, um ambiente de interação festiva e um eixo de negociações culturais. É, ao mesmo tempo, um evento social fortíssimo, um repertório de imagens, sons e narrativas, um espaço de circulação mercantil, um produto comercial, um alvo de disputas, uma ponte para hierarquizações geográficas, sociais e políticas.

    Fazer pesquisa sobre música popular num país como o Brasil significa interagir com demarcações socioculturais que classificam hierarquicamente pessoas, hábitos culturais e grupos sociais. Significa ter que lidar com estratégias de distinção e segregação que, na música, moldam espaços de convivência, universos de possibilidades afetivas, envolvimentos sexuais, étnicos, etários, faixas de renda e escolaridade. E esse é o maior desafio da pesquisa: processar e interpretar essa ampla gama de questões incorporando sua complexidade e riqueza. A música é uma atividade humana através da qual as pessoas trocam um monte de coisas. São essas coisas (nossas coisas!) e essas pessoas (nós todos!), fundamentalmente, que me interessam.

    Escrito majoritariamente em Pernambuco, o Ceará do título e que acompanha parte das discussões aqui presentes é fundamentalmente uma metonímia, que fala genericamente sobre o Nordeste imaginado e romantizado e, mais especificamente, sobre o forró. Porém, esse Ceará metonímia por vezes se localiza e, internamente, se torna o local simbólico de embates estéticos, por ter sido o berço ideológico e comercial do forró eletrônico. Adicionalmente, o Ceará genérico brinca – conforme uma longa tradição de humor reconhecida como característica do Ceará-Estado real –

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