Crônica e copa do mundo: Interdiscurso e intertextualidade
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Crônica e copa do mundo - Losana Hada de Oliveira Prado
CAPÍTULO I
O CORPUS
Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola.
Nelson Rodrigues
Fonte: Portinari. Futebol. Óleo sobre madeira compensada, 1958.
1. Apresentação e constituição do corpus
Tendo em vista os objetivos pretendidos por esta obra, o corpus escolhido para a análise é constituído de sete crônicas jornalísticas intituladas (1) Torcer ou pensar, eis a questão, (2) A Copa e o tempo, (3) O futebol não é um jogo, (4) Copa do mundo, (5) Beleza espanhola, (6) Pior é melhor e (7) Rio, campo minado. A publicação das crônicas no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo compreende os meses de junho e julho de 2010, período em que foi realizada, na África do Sul, a 19ª edição da Copa do Mundo. Os autores selecionados discutem, dialogam e ironizam por meio de suas crônicas diárias os fatos cotidianos desse esporte.
O tema futebol despertou-nos interesse porque o assunto evoca riqueza de possibilidades de estudo, além de aspectos como criticidade, ironia, reflexão, linguagem, proximidade entre texto e leitor, circulação nacional e o fato de ser dirigido a leitores de diferentes idades. Os sete autores selecionados para esta pesquisa exploram esses elementos e, por meio dessa temática instauram uma conversa com o leitor, reafirmando a disposição dialógica da crônica, a cumplicidade entre autor e leitor e a qualidade do texto que emerge dos comentários e desabafos produzidos pelos cronistas, independentemente da mídia em que os textos forem divulgados.
Segundo Pinheiro (2002, p. 267):
Para a análise de textos midiáticos, a concepção bakhtiniana parece ser a mais adequada, pois a flexibilidade de sua teoria permite a adequação e a transposição de seus fundamentos sobre a organização genérica às obras deste tempo, especialmente, aos textos midiáticos contemporâneos.
Acompanhamos, durante os meses de junho e julho de 2010, as publicações de vários textos jornalísticos veiculados no jornal. As crônicas jornalísticas chamaram nossa atenção por conterem os elementos que procurávamos, ou seja, a intertextualidade e suas várias formas de constituição, além de relações interdiscursivas.
Para contextualizar o corpus em estudo, faremos um breve histórico sobre o jornal Folha de S. Paulo, escolhido por se tratar de um jornal de grande circulação territorial nacional, assim como por sua expressiva vendagem e por nossa acessibilidade à fonte de consulta. Consideraremos informações sobre o caderno Ilustrada, bem como o conceito sobre crônica, além de informações a respeito dos cronistas Ferreira Gullar, Luiz Felipe Pondé, Marcelo Coelho, Carlos Heitor Cony, Drauzio Varella, José Pereira Coutinho e Contardo Calligaris.
O breve histórico que apresentaremos a seguir foi elaborado segundo informações constantes do Manual da Redação (2006) do jornal Folha de S. Paulo e de trabalhos dessa área relativos ao estudo do gênero crônica.
2. Folha de S. Paulo: um breve histórico
Em 1921 começou a funcionar o jornal Folha da Noite, que foi o primeiro veículo de comunicação impresso da empresa Folha da Manhã, dona de vários jornais, dentre eles a Folha de S. Paulo. A empresa Folha da Noite Ltda. foi fundada por Olival Costa e Pedro Cunha. Tratava-se de um jornal vespertino que obteve grande crescimento e, em 1925 lançou o periódico Folha da Manhã. Ambos, Folha de S. Paulo e Folha da Manhã tinham uma linha editorial voltada para as questões urbanas locais.
Octaviano Alves de Lima, Diógenes de Lemos e Guilherme de Almeida compraram, em 1931, os títulos e alteraram a razão social da empresa que os editava para Empresa Folha da Manhã Ltda. A partir dessa mudança, a linha editorial dos diários passou a ser marcada pela defesa dos interesses dos produtores rurais paulistas.
Em 1945, o jornalista José Nabantino Ramos assumiu o controle acionário da empresa e mudou sua razão social para a que mantém atualmente, Empresa Folha da Manhã S. A. Ainda fundou a Folha da Tarde em 1949 e, em 1960, uniu os três títulos em um, Folha de S. Paulo. A linha editorial do jornal, que havia sido mantida até 1945, sofreu mais uma mudança e passou a identificar-se com os interesses das classes médias urbanas do estado.
A empresa passou por sérias dificuldades econômicas; em 1962, os empresários Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho assumiram o controle acionário da empresa. A partir de então, o desafio dos empresários era reestruturá-la financeira e administrativamente. Durante cinco anos, esse foi o principal objetivo.
Com a infraestrutura da empresa recuperada, a Redação, a partir de 1974, passou a ser modificada. O jornal percebeu a abertura política do regime militar e investiu nela durante os dez anos seguintes. Chaparro (1994, p. 89) esclarece como teria surgido a ideia do Projeto Folha, após um encontro de Cláudio Abramo com Octávio Frias:
Abramo e Frias chegaram à conclusão de que somente num regime democrático a Folha de S. Paulo poderia crescer e tornar-se um jornal forte. E aí se tomou a decisão de implantar mudanças de linha editorial que colocassem a Folha na vanguarda da luta pela redemocratização do país.
O movimento das Diretas-Já, em 1984, foi muito importante para que a Folha de S. Paulo conquistasse prestígio entre vários segmentos da sociedade ao levantar a bandeira da redemocratização. Dois anos depois, o jornal tornou-se um dos diários de maior circulação no país, condição que mantém até os dias de hoje:
De qualquer forma, a experiência das Diretas-Já!
provou que um jornal não é só um produto a ser gerenciado com mais ou menos competência, quando conquista a confiança e atrai as expectativas do público, torna-se uma entidade social e cultural, carregada de emoções, alimentando processos complexos de comunicação com informações, análises e opiniões que podem contribuir para mudar os rumos de povos e nações. (Chaparro, op. cit., p. 92)
Em relação ao ponto de vista gráfico, o jornal Folha de S. Paulo é considerado arrojado, segue o modelo americano. Em janeiro de 1991 já utilizava a cor na primeira página e a organização em seis colunas apresentava uma menor rigidez. Salientou-se, nesse período, um aspecto que é mantido até hoje pelo jornal: a grande utilização de gráficos explicativos, tabelas e ilustrações coloridas a fim de romper com a monotonia e apresentar um diferencial frente a seu maior concorrente (o jornal O Estado de São Paulo – ESP).
A Folha de S. Paulo publica, atualmente, os seguintes cadernos²: Folha Poder, que se dedica à vida política, institucional e aos movimentos sociais; Folha Mundo, com as principais notícias internacionais; Folha Mercado, que tem como principal alvo a conjuntura econômica, brasileira e internacional, e o mundo dos negócios; Folha Cotidiano, que traz notícias relacionadas à segurança, à educação, ao trânsito e outras questões cotidianas; Folha Ciência, abordando descobertas e pesquisas mais recentes e importantes nas áreas científicas e médica no Brasil e no mundo; Folha Esporte, com assuntos do mundo esportivo nas mais diversas modalidades e Folha Ilustrada, dedicada à área de cultura e entretenimento. O jornal também publica os seguintes suplementos semanais: Folha Informática, Folha Equilíbrio, Folha Turismo, Folhateen, Folhinha, Folha Veículos, Folha Imóveis, Folha Negócios, Empregos e Guia da Folha.
Quanto à versão online, foi em 1995, com a criação do Universo Online (UOL), empresa da Folha de S. Paulo, que os conteúdos jornalísticos foram oferecidos ao público em um único pacote, via internet, era a versão online. Hoje, segundo o site oficial do jornal³, o UOL é líder absoluto no mercado brasileiro, na medida em que é acessado por 75% dos internautas. Octávio Frias de Oliveira observa, entramos em internet porque tínhamos certeza de que quem estivesse fora ficaria para trás. Mas, agora, já é difícil diferenciar o futuro do jornal do da UOL
. O empresário ainda prevê que no futuro, a Redação deve crescer. Haverá o fortalecimento do jornalismo da empresa e do profissional de imprensa
. As crônicas analisadas nesta obra também podem ser acessadas no site da Folha de S. Paulo.
3. Caderno Ilustrada
Como mencionado, o jornal Folha de S. Paulo⁴ está organizado em cadernos temáticos diários e suplementos de periodicidade semanal. Dentre esses cadernos, a Folha Ilustrada
, dedicada à cultura e ao entretenimento privilegia, também, o futebol que não é assunto apenas no caderno específico de esportes. Os autores selecionados para esta pesquisa abordam o tema futebol em suas crônicas e o recorte que fizemos compreende o período de junho e julho de 2010, período em que ocorreu a Copa do Mundo na África do Sul.
As competições esportivas acontecem quase que diariamente; já o futebol, que não tem periodicidade, mas desdobramentos, está presente no jornal todos os dias. Por essa razão, o leitor procura o jornal de sua preferência com o intuito de obter maiores informações sobre a contratação dos jogadores, dos técnicos, as tabelas de jogos, os times escalados, entre outros assuntos.
Todos os jornais, escritos, radiofônicos ou televisionados, dispensam parte ou a totalidade de suas páginas ou programação para a cobertura de eventos esportivos. Talvez seja esse um dos motivos que levaram Coelho (2003) a afirmar que nenhuma matéria está tão escancarada diante do jornalista quanto às matérias sobre evento esportivo. Equipes esportivas proliferam pelo país e é preciso dar-lhes destaques, pois um dos assuntos que o leitor mais procura é a informação sobre esporte.
Cada jornal busca sua marca própria, a fim de conseguir a preferência diante dos concorrentes. Coelho (2003) considera que, quanto mais alto for o grau de reflexão que a matéria oferecer, e quanto maior for sua capacidade de atrair tanto o leitor que já tem conhecimento das notícias do esporte quanto o que ainda não as tem, mais elevado será o nível de elaboração dos jornais esportivos. Para realizar esse tipo de noticiário, maior também deverá ser a capacidade de investimento das empresas da imprensa esportiva.
Segundo Coelho (2003), o jornal Folha de S. Paulo nunca foi muito afeito às matérias de esporte. Até pela falta de cultura esportiva de seu diretor, Octávio Frias Filho, o jornal sempre preferiu voltar-se para a boa cobertura política, nas colunas e em um caderno de prestígio como a Ilustrada. No entanto, mesmo a Ilustrada, em ocasiões de repercussão do futebol, trata da temática e gera curiosidade porque os cronistas não são especialistas na área, como se pode ver pela breve biografia deles a seguir.
4. Cronistas
A crônica surgiu no Brasil em 1852 e, de acordo com os estudiosos literários, os escritores da época não tinham como se sustentar apenas por meio da literatura, e viam no jornal uma fonte de renda. Hoje, repórter e cronista dividem o mesmo espaço e se alimentam dos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica. O lugar da crônica no jornal é fixo e o cronista é como se fosse um amigo íntimo com quem o leitor conversa e compartilha opiniões, troca experiências do dia a dia.
A respeito do estilo dos cronistas, Moisés (1987, p. 117) afirma que é por meio do estilo que a crônica se sustenta: Crônica sem estilo parece incongruência
. Assim, o estilo é entendido como um idioleto, como característica da linguagem pessoal do cronista.
Selecionamos autores que escreveram crônicas referentes ao tema futebol e que, por meio de uma linguagem direta, espontânea e dialógica usaram a liberdade artística para posicionar seu ponto de vista e compartilhar com quem lê. O posicionamento de cada cronista sobre o futebol explicita a presença de um contexto social amplo.
A seguir apresentaremos, seguindo ordem cronológica das datas de publicação dos textos selecionados, breve biografia dos cronistas.
4.1. Carlos Heitor Cony
⁵
Deixei de acreditar em Deus no dia em que vi o Brasil
perder a Copa do Mundo no Maracanã...
Carlos Heitor Cony
Carlos Heitor Cony nasceu no Rio de Janeiro em 14 de março de 1926. Filho do jornalista Ernesto Cony Filho e de Julieta Moraes Cony. Casado com Beatriz Lajta. Tem três filhos: Regina, Verônica e André. Fez Humanidades e o curso de Filosofia no Seminário Arquidiocesano de São José, em Rio Comprido.
Quinto ocupante da Cadeira n. 3 da Academia Brasileira de Letras, foi eleito em 23 de março de 2000, na sucessão de Herberto Sales e recebido em 31 de maio de 2000 pelo acadêmico Arnaldo Niskier.
Em 1952 trabalhou como redator da Rádio Jornal do Brasil. De 1958 a 1960 foi um dos jovens escritores que colaboraram no SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil), com contos, ensaios, traduções. Em 1961 começou a trabalhar no Correio da Manhã, do qual foi redator, cronista, editorialista e editor. Com a revolução de 1964, foi preso várias vezes e passou um período na Europa e em Cuba. Numa das prisões, em 1965, teve como companheiros, entre outros, Flávio Rangel, Glauber Rocha, Antonio Callado, Mário Carneiro, Jayme Azevedo Rodrigues, Márcio Moreira Alves, Thiago de Mello e Joaquim Pedro de Andrade.
Colaborou por mais de 30 anos na revista Manchete e dirigiu Fatos & Fotos, Desfile, Ele Ela. De 1985 a 1990, foi diretor de Teledramaturgia da Rede Manchete, produzindo e escrevendo sinopses das novelas A Marquesa de Santos, D. Beja, Kananga do Japão. Em 1993, substituiu Otto Lara Resende na crônica diária do jornal Folha de S. Paulo, do qual é membro do Conselho Editorial. É comentarista diário da CBN, participando do Grande Jornal com o programa Liberdade de Expressão
.
Ganhou duas vezes o Prêmio Manuel Antônio de Almeida, com os romances A Verdade de Cada Dia, em 1957, e Tijolo de segurança, em 1958.
4.2. Marcelo Coelho
⁶
A mídia também está sob ataque e tem