A Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte
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A Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte - Wojciech Andrzej Kulesza
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
PREFÁCIO
Decroly: moça sem reputação aluna da Escola de Aperfeiçoamento?
Em 1929, foi inaugurada, na cidade de Belo Horizonte, então capital de Minas Gerais, uma instituição destinada a aprimorar o exercício da profissão docente, voltada inicialmente para especialização de professores das escolas primárias, a Escola de Aperfeiçoamento. A situação da escola pública brasileira e a formação de professores era muito precária. Em Minas Gerais, embora já tivesse havido a reforma de ensino em 1906, que instalou os grupos escolares (com o ensino primário graduado em quatro anos) e a Escola Normal da Capital em 1907, além da reforma de 1928, o que predominava, como em todo o Brasil, era uma profunda desigualdade escolar, fosse nos processos de escolarização das crianças, nas modalidades de formação de professores ou na ausência mesmo de formação escolar. De acordo com recenseamento de 1940, o índice de analfabetismo no Brasil era de 56%.
A questão é que, no mesmo contexto de avanço do industrialismo, também avançava a exploração do trabalho infantil, sendo que, em 1927, foi editado o Código de Menores, regulamentando a exploração de trabalho de crianças e, consequentemente, as dificuldades de frequência escolar. Também, em fins da década de 1920 e início de 1930, cresciam as tensões políticas e sociais (pelas quais se expunham as crises da república oligárquica e do modelo econômico vigente), bem como as articulações golpistas, tão comuns nas práticas políticas da elite brasileira. Em 1929, formou-se a Aliança Liberal, havendo cisão no tradicional Partido Republicano Mineiro, sendo que sua pauta política indicava a necessidade de amplas reformas educacionais. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, surge o Ministério da Educação e Saúde Pública, sob a direção do mineiro Francisco Campos, figura central na articulação das reformas educacionais em Minas Gerais e fundador da Escola de Aperfeiçoamento.
O texto instigante de Wojciech Andrzej Kulesza nos leva para esse passado, com a originalidade de analisar as atividades da Escola de Aperfeiçoamento como integrante substancial do ideário da modernidade em curso, em suas contradições. O autor mostra como a criação dessa instituição teve grande impacto na capital, na época com população em torno de 120 mil habitantes e apenas 32 anos de existência, tendo sido construída sob o símbolo do progresso e do moderno. Como mostra Kulesza, muitos fatores contribuíram para isso, levando-se em consideração que, em contraste com a concepção moderna de uma cidade-capital, parte de sua população era originária de tradições religiosas e conservadoras.
A Escola de Aperfeiçoamento colocou Minas Gerais no roteiro acadêmico internacional, com a vinda de professores europeus para Belo Horizonte, para ministrarem cursos e palestras, morando e circulando pela cidade; e também com o retorno de professoras mineiras, que haviam ido aos Estados Unidos para se especializarem, tudo com subvenção do governo. Fundada sob a égide da concepção pedagógica escolanovista, a criação da Escola de Aperfeiçoamento consolidou o eurocentrismo e americanismo nas definições das políticas públicas educacionais no Brasil.
Por sua vez, também houve uma intensa movimentação de pessoas que vieram do interior do estado e de várias partes do país para frequentar seus cursos, possibilitando, ainda, ampla circulação de ideias, com vários artigos sobre pedagogia publicados nos jornais da época, além da participação de escritores mineiros, como Carlos Drummond de Andrade e Moacyr de Andrade. Mas Kulesza ressalta o efetivo aumento de circulação de mulheres, havia muitas moças (a primeira turma contou com 142 a 169 alunas) morando sozinhas, sem familiares, em pensionatos, construindo sua autonomia como profissionais da educação. Evidentemente que tanta modernidade nem sempre foi bem recebida pelas famílias mineiras, como é possível detectar pela repercussão do romance de Moacyr de Andrade, Republica Decroly, nome em alusão ao médico, professor e psicólogo belga Jean-Ovide Decroly. Alguns setores da população, na intenção de desqualificar a conduta de moças pensionistas, se perguntavam: quem seria essa
tal de Decroly? Com isso, a primeira edição, em 1935, esgotou-se em tempo recorde.
A pesquisa de Kulesza, fruto de um estágio de pós-doutoramento na Faculdade de Educação da UFMG, no Grupo de Pesquisa Processos Educadores, sob minha supervisão, é de total relevância para a ampliação da compreensão histórica do período, tendo em vista que os investimentos nas reformas educacionais, como bem demonstra o autor, rendiam visibilidade política. Um exemplo de repercussão política foi a reconciliação Igreja e Estado, não sem tensões e reticências quanto à nova pedagogia materialista
, no âmbito dos processos de discussão das reformas educacionais e da criação da Escola de Aperfeiçoamento, por meio da organização de cursos específicos para religiosas docentes. Ao que tudo indica, essa negociação interferiu na reintrodução do ensino religioso nas escolas públicas, garantida na Constituição de 1934.
Kulesza investiga, ainda, as dinâmicas metodológicas dos ensinos de leitura, escrita, matemática e artes, bem como a produção de livros didáticos. Destaca a efetiva influência da Escola de Aperfeiçoamento na criação do Instituto de Educação de Minas Gerais em 1946, quando foi incorporada à Escola Normal e já oferecia cursos de Administração Escolar, embrião do curso superior de Pedagogia, de 1970, que posteriormente iria compor a Universidade Estadual de Minas Gerais. Outra influência esteve na organização, em 1956, do Centro de Pesquisas Educacionais de Belo Horizonte, braço do Centro Brasileiro de Estudos Educacionais, e no convênio estabelecido entre o governo de Minas Gerais e Estados Unidos, denominado Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (Pabaee), do mesmo ano.
Não obstante, embora as ações da Escola de Aperfeiçoamento tenham tido importância fundamental para a organização do campo pedagógico no Brasil, a leitura deste livro nos possibilita problematizar o elitismo histórico presente nas políticas públicas de educação, redundando na efetivação da desigualdade escolar. Os limites do republicanismo brasileiro podem ser perfeitamente identificados pelo estudo histórico das ações e projetos políticos de educação nacional, tais como a criação da Escola de Aperfeiçoamento. A contribuição de Kulesza, com este livro, é um convite para essa discussão. Boa leitura!
Cynthia Greive Veiga
Professora Titular da Faculdade de Educação da UFMG
Sumário
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................11
ANTECEDENTES.................................................................................................................................19
Organizando a reforma.................................................................................................................................22
A EA e a reforma......................................................................................................................................27
PREPARANDO O TERRENO......................................................................................................35
Uma vitrine para a reforma .......................................................................................................................39
Suprindo as carências.................................................................................................................................45
A REFORMA EM MARCHA.........................................................................................................51
Inauguração da EA.................................................................................................................................58
Recrutamento............................................................................................................................................61
REPERCUSSÕES...................................................................................................................................67
Em movimento.........................................................................................................................................71
ENSINAR A LER...................................................................................................................................81
Escrever......................................................................................................................................................86
Ler e escrever...........................................................................................................................................91
PRIMEIROS RESULTADOS..........................................................................................................95
Continuidade..........................................................................................................................................103
PSICOLOGIA EXPERIMENTAL...............................................................................................107
Educação e civilização.................................................................................................................................110
Pensamento social.................................................................................................................................114
CONSOLIDAÇÃO.................................................................................................................................121
Harmonização com a Igreja.................................................................................................................128
ENSINO DE ARITMÉTICA...........................................................................................................139
DESDOBRAMENTOS.......................................................................................................................153
Intercâmbio..............................................................................................................................................156
No ensino superior.................................................................................................................................161
Renascimento...........................................................................................................................................165
ENSINO DE ARTES.................................................................................................................................173
Trabalhos Manuais.................................................................................................................................182
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................189
APRESENTAÇÃO
No decorrer de minhas pesquisas sobre as escolas normais, me chamou a atenção um livro chamado República Decroly. Trazendo no título o nome de um dos pedagogos que inspiraram o movimento escolanovista no Brasil, o livro trata de forma romanceada das peripécias de uma professora do interior matriculada numa instituição de ensino pós-normal na Belo Horizonte do início da década de 1930. Publicado originalmente em 1935, o livro causou polêmica na cidade por tratar da intimidade das professoras.¹ Para além da questão moral, o livro me chamou a atenção por tratar da formação pós-escola normal da professora. Quando se trata da qualidade do ensino, é recorrente nas propostas de reforma educacional o destaque conferido ao professor e à sua formação, sempre tendo em vista a necessidade de seu aperfeiçoamento. Historicamente, a escolarização do professor primário no Brasil vai se ampliando com o passar do tempo, passando-se do curso normal de nível secundário ao curso superior de pedagogia ministrado em faculdades ou nas universidades.
A criação do Pedagogium
, como a instituição foi denominada no romance, ilustraria um momento importante nesse processo de formação: o estabelecimento de vários tipos de cursos de aperfeiçoamento ou de especialização, concebidos geralmente como extensão das escolas normais e estreitamente vinculados à especialização funcional do sistema escolar. Esses cursos procuravam atender à demanda da escola moderna para as mais variadas funções, inspetores, diretores, supervisores, orientadores, tendo como base comum a formação para o magistério, O estado de Minas Gerais foi pioneiro na organização desses cursos, já aventados na legislação de ensino em 1920 e previstos pelo regulamento de 1925 na forma de escola normal superior exatamente para ministrar esse tipo de cursos².
Esse tipo de instituição escolar, rebatizada como Escola de Aperfeiçoamento pela reforma Francisco Campos, seria finalmente concretizado em Belo Horizonte a partir de março de 1929. Contando com o concurso de professores especialmente arregimentados na Europa pelo governo estadual, com destaque para aqueles ligados ao Instituto Jean-Jacques Rousseau em Genebra e, também, com professores mineiros que haviam sido previamente enviados para estagiar no Teacher’s College nos Estados Unidos, a escola mineira constituiria um marco decisivo na introdução da teoria e prática do escolanovismo na educação brasileira. Interessado nos reflexos desse tipo de escola na profissionalização dos professores, uma vez que aos seus diplomados estaria assegurada a exclusividade do exercício de cargos de direção, orientação e supervisão no sistema estadual de educação, redigi um ensaio exploratório para ser apresentado no VII Congresso de Pesquisa e Ensino em História da Educação, realizado em setembro de 2013 em Mariana, Minas Gerais.
Em continuidade à apresentação desse trabalho, que intitulei Do interior para a capital: o caminho do aperfeiçoamento para enfatizar o paralelismo entre a profissionalização do professor e a urbanização da sociedade, elaborei um projeto de pesquisa para ser desenvolvido num estágio pós-doutoral na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse estágio, sob a supervisão da professora Cynthia Greive Veiga, foi realizado nos anos de 2014 e 2015 em Belo Horizonte junto ao Centro de Pesquisa em História da Educação (Gephe). A posição ímpar da Escola de Aperfeiçoamento no cenário mineiro e nacional foi responsável pela grande quantidade de fontes levantadas, relativas a várias áreas do conhecimento. O período histórico bastante conturbado durante o funcionamento da instituição, de 1929 a 1945, também contribuiu para revelar liames insuspeitados da escola com o contexto social.
Ao nos debruçarmos sobre a história da Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte, doravante designada pela sigla EA, posta em funcionamento em março de 1929 e extinta em janeiro de 1946, chama logo nossa atenção a reiteração constante dos sobrenomes das pessoas com ela envolvidas, mulheres em sua grande maioria pertencentes à tradicional família mineira (Figura 1). Assim, por exemplo, Maria de Oliveira Prates, autora do primeiro trabalho acadêmico abrangente tendo a EA por objeto, não hesitou em entrevistar sua mãe, Violeta Penido de Oliveira, na condição de ex-aluna da escola. Sua dissertação, publicada em 1989, tem se constituído, desde então, numa fonte indispensável, em particular por estar recheada de depoimentos de professoras que foram protagonistas fundamentais de sua história. Sua caracterização dessas mulheres, normalistas, é taxativa: eram a ala feminina das famílias que compunham as oligarquias regionais e a elite intelectual mineira
.³
Figura 1 — Quadro de professoras da EA em 1940
Fonte: Faria Filho e Peixoto (2000, p. 75)⁴.
Por sua vez, mulher e família nos remetem, imediatamente, na Minas Gerais da primeira metade do século passado, ao catolicismo dominante na região, concretizado nas congregações das igrejas e nas escolas confessionais femininas. Lançada em desafio à ordem vigente, tal como foi, aliás, a reforma de ensino empreendida pelo presidente Antônio Carlos, o governador do estado na época, a EA passou por confrontos e acomodações com a Igreja Católica, numa trajetória própria de duas instituições em busca de renovação. O resultado desse embate foi amplamente favorável à Igreja: manteve a hegemonia religiosa na região, ampliou o número de estabelecimentos confessionais e modernizou o ensino em suas escolas. Entretanto coube à EA assumir uma posição de vanguarda na difusão da Escola Nova no Brasil e inaugurar uma tradição de pesquisa educacional que seria perpetuada em Minas Gerais por instituições educacionais nela inspiradas.
Arquitetada como uma escola pós-normal, a EA veio satisfazer os anseios femininos por uma educação superior livre dos constrangimentos sofridos pelas mulheres nas faculdades, então quase que exclusivamente masculinas. É verdade que, socialmente, o curso normal das moças equivalia às habilitações obtidas nas faculdades pelos rapazes, sendo ambos concluintes considerados formados. Inadvertidamente, Cyro dos Anjos, rememorando seus tempos de ghost-writer de políticos mineiros, insistentemente chamados a paraninfar turmas de formandos, incluiu as professoras no rol dos que o obrigavam a escrever discursos a serem proferidos nessas solenidades:
Médicos, bacharéis, engenheiros, odontólogos, farmacêuticos, agrônomos, economistas, normalistas, eu gostaria de torcer-vos o pescoço, quando, ao deixardes as faculdades, o birô me mandava compor um hino à vossa profissão e desejar-vos venturas, êxitos, vitórias!⁵
Detentoras da hegemonia no ensino primário desde a criação dos grupos escolares por João Pinheiro, as professoras iam paulatinamente ocupando os cargos de direção das escolas e inspeção do ensino primário e normal em Belo Horizonte, viabilizando assim uma carreira docente para as mulheres. A criação da EA significou para elas a oportunidade de obter a certificação legal para progredir nessa carreira, antes da instalação dos cursos superiores de pedagogia, todos os quais, aliás, de uma forma ou de outra, herdeiros do curso de aperfeiçoamento. Apesar desse processo de profissionalização encontrar obstáculos intransponíveis fora da capital, mormente nas pequenas cidades, a EA, como escola de mulheres para mulheres, exerceria um papel fundamental na luta por melhores condições de trabalho para as professoras, contribuindo significativamente para a emancipação feminina em Minas Gerais.
Plantada na jovem e moderna Belo Horizonte, a EA iria usufruir dessas qualidades da cidade, identificando-se com seu dinamismo. As transformações desejadas no estado, que motivaram a mudança da capital cerca de 30 anos antes e que vinham sendo experimentadas na urbe, encontraram na educação uma poderosa via de difusão, como se a cidade se expandisse para ocupar todo o território mineiro, a modo de se transmutar numa Grande Belo Horizonte. A EA, ao reunir professoras do interior e da capital em torno de uma nova proposta educacional, praticava um modelo a ser seguido e aplicado em todas as escolas de Minas Gerais. Como um fractal, a nova estruturação do ensino primário baseada nos princípios escolanovistas foi concebida para ser replicada em qualquer dimensão escolar, almejando inclusive se realizar em escala nacional. Caberia à EA fornecer os quadros técnicos necessários para conformar a reforma aos moldes projetados, colocando em marcha o conjunto do sistema.
Se a reforma de ensino, imposta autocraticamente de cima para baixo por Francisco Campos, acompanhando o modus operandi da política oligárquica, iria logo ser descaracterizada pelas alternâncias do poder, a EA manteve uma autonomia suficiente para ser reconhecida como tendo características próprias. Comentando na abertura do ano letivo de 1939 os dez anos de funcionamento da EA, Helena Antipoff afirmou que uma escola "merece este nome quando é capaz de imprimir nos seus alunos, e nas obras destes, um cunho espiritual sui generis".⁶ A seguir, para demonstrar que esse era o caso da EA, Antipoff assinala a presença desse espírito
, cuja introdução a ela muito devia, em suas classes anexas, na Escola Normal Modelo, no Instituto Pestalozzi, no Abrigo de Menores, no Departamento de Educação, na Rádio Inconfidência e nos grupos escolares onde operavam suas ex-alunas, refletindo os ensinamentos de uma "alma mater comum. Incontestavelmente, a possibilidade de transformação das alunas em discípulas e a consequente abertura para a formação de pesquisadoras foi a marca distintiva da EA, viabilizando a reprodução do
espírito que orientou sua organização: o de fazer o ensino do ponto de vista experimental". ⁷
Trazendo no próprio nome, Escola de Aperfeiçoamento, uma velada crítica ao ensino primário ministrado em Minas Gerais, seu estabelecimento estava de acordo com a eugenia característica de época, que almejava o melhoramento do homem brasileiro, processo no qual a educação desempenhava um papel fundamental. Por isso, como, aliás, em toda a reforma do ensino implementada pelos pioneiros da educação nova, a ênfase no urbano, na vida citadina, e o descarte da vida rural, espaço de onde todos um dia migraram e para o qual sonhavam voltar. Romantizada e idealizada, matéria ficcional de livros didáticos, a vida rural continuaria, porém, a fornecer as metáforas prediletas utilizadas para o entendimento dos objetivos da reforma. A árvore com o tronco imponente solidamente enraizado na terra que simbolizava a EA, árvore da mitologia grega que ungia com seu aroma e com sua resina os transeuntes que por ela passavam, tornando-os lúcidos e fortes
, segundo interpretou Lúcia Casasanta⁸, era a mesma árvore frondosa e forte que será o esteio futuro da nossa grande e querida pátria
, exaltada por um assistente técnico de ensino.⁹
O ideal de uma escola primária única para o filho do branco e do preto
, como é bem resolvido na canção Morro Velho
de Milton Nascimento, contribuía para encaminhar uma solução para a tensão entre centro e periferia, distinção claramente delineada no plano urbanístico da cidade e que já se acirrava em Belo Horizonte. Começar a regeneração da população pela criança, não só pela sua suposta inocência e pureza, mas também como vetor de moralização e higienização das famílias, coadunava-se perfeitamente com a centralidade da criança no processo educativo preconizada pela Escola Nova. A socialização
dos resultados da escolarização na comunidade completava o projeto de civilizar a sociedade ao modo dos países ocidentais. Outras características do escolanovismo, como a atividade e a liberdade da criança, a coeducação infantil e a valorização da natureza, evocando a vida no campo, também presentes na reforma, foram objeto de atenção na EA, que inovaria também pela flexibilidade adotada em seu currículo.
Como se sabe, a reforma do ensino mineira, avaliada por indicadores de escolarização, a começar da taxa de analfabetismo, pouco se afastou do famigerado fracasso escolar brasileiro, caracterizado pelas altas taxas de evasão, baixa qualidade de ensino e flagrante seletividade socioeconômica da educação escolar. No balanço da reforma em geral, não há dúvida sobre o diminuto alcance da reforma em cumprir as metas proclamadas pelo governo para a escola primária, apesar de se reconhecer a forte perturbação que provocou na educação e na sociedade mineira. De fato, não se podem limitar os