Pobre gente: o ódio das elites por governos populares
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Pobre gente - José Américo Leite
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Àqueles que se sacrificaram e foram amordaçados, presos, torturados e assassinados pela ditadura militar instalada no Brasil em 1964, dedico.
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! Noites! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
[...]
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!…
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus…
São os guerreiros ousados
Que como tigres mosqueados
Combatem na solidão
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos
[...]
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
[...]
Astros! Noites! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
(Castro Alves, Navio Negreiro
)
APRESENTAÇÃO
Muito embora as injustiças perpetradas pelas elites contra a população mais humilde do Brasil venham ocorrendo desde o ano de 1500, este livro tem como objetivo mostrar e analisar as razões da exploração dos estratos mais submissos da sociedade por setores dominantes a partir de 1930. Busca, portanto, uma explicação histórica e científica de por que as classes dominantes, em geral, têm logrado êxito na defesa de seus privilégios.
Logo que Getúlio Vargas assume o poder, em 1930, um quarto poder foi incorporado com força e definitivamente aos principais porta-vozes alienantes das massas: a imprensa! Esta, por meio de jornais, revistas e ondas de rádio, usurpou o lugar antes ocupado apenas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A imprensa tem à sua disposição uma arma poderosíssima, capaz de destruir um país inteiro divulgando notícias falsas. No Brasil, quatro famílias são proprietárias da mídia em geral. Os barões midiáticos sempre guardaram em seus corações e mentes os ensinamentos do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, que dizia: uma mentira, repetida mil vezes, vira verdade
. Realmente. O envenenamento produzido por uma mensagem mentirosa repetida à exaustão provoca uma espécie de torpor nos diversos estratos sociais, transformando-os em prisioneiros da notícia mentirosa, como se tudo o que é divulgado pela vassalagem reacionária fosse a suprema verdade. Um comunicado repetido centenas de vezes tem efeito análogo a uma infestação virótica pela maneira sutil com que ataca as vítimas. A alienação mental produzida, em geral, pelo rádio, pela TV, pelas revistas, pelos jornais e, mais recentemente, pela internet, converte as pessoas mais suscetíveis em presas de si mesmas, já que se tornam incapazes de pensar com racionalidade sobre os fatos mais elementares do cotidiano. Os sintomas iniciais da alienação mental manifestam-se pela falta de interesse do indivíduo em ouvir outras opiniões que não sejam as dos grandes grupos midiáticos. O agente alienante embota a mente da presa de tal maneira que essa passa a ter como única referência a opinião dos meios de comunicação contrários à libertação do homem.
O surto virótico provocado pelas manchetes ou imagens televisivas na classe média e principalmente na classe baixa tem posicionado o Brasil, perante o mundo, como uma nação de terceira classe. Os estratos que ocupam o vértice da pirâmide social, por serem beneficiários diretos das notícias reacionárias, são aliados históricos da imprensa conservadora. Portanto, Industriais, neoliberais, latifundiários, Poder Legislativo (composto em sua maioria por políticos reacionários), grande parte dos membros do Poder Judiciário – juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores –, Forças Armadas, maçonaria, e, mais recentemente, pastores evangélicos (com destaque para as Igrejas Pentecostais), não suportam governos que introduzam em seus programas a inclusão social. As razões das elites lutarem pela manutenção das normas vigentes são variadas. Apresentaremos, a posteriori, as principais hipóteses.
Não obstante, encerro a apresentação deste livro dizendo apenas o óbvio: os privilegiados querem a manutenção de seus privilégios, daí o seu ódio cego contra governos populares.
O autor
PREFÁCIO
Após cinco séculos de ocupação do território brasileiro por europeus, o Brasil não logrou as condições de uma nação desenvolvida e soberana, tendo como causa imperativa o estado mental de uma elite do atraso, autoritária, portadora de uma cultura de rapinagem evidenciada na exploração de abundantes recursos naturais e humanos, sob o pálio de um sistema econômico dependente, com todas as externalidades negativas debitadas à pobre gente e à massa da classe média. O segmento pobre e miserável, atualmente representado por três quartos da população com ascendências europeia, oriental e africana, detém uma renda mensal individual inferior a 2,5 salários mínimos, e, ao lado dessa pobre gente, reside uma massa de classe média, ínfima, diuturnamente manipulada pela velha mídia, cujo objetivo é aliená-la em garantia da manutenção dos interesses das classes dominantes.
Neste livro, o autor, com muita consciência crítica e de forma lúcida, disponibiliza, cronologicamente, significativa revisão histórica e interpretativa acerca do empenho de personagens e organizações que, em oposição, lutaram para viabilizar ou impedir a concretização de qualquer projeto de soberania do Brasil. Essas forças antidemocráticas, oponentes a qualquer projeto de soberania, pertencem à mesma vertente, de ontem e de hoje, que, consciente e convenientemente, optou pela interrupção dos esforços destinados à consolidação da democracia, golpeando a república em submissão e associação voluntárias aos ditames dos colonizadores históricos. Em discordância com a resultante desse processo histórico, permanentemente acalentado pelas mentes colonizadas e opressoras, o autor evidencia a sua e a nossa indignação, devidas às consequências expressas na vergonhosa desigualdade social herdada do passado, mas produzida, reproduzida e agravada cruelmente nos dias atuais. Sem sombra de dúvida, o país encontra-se envolto pelo impiedoso manto do neoliberalismo, gestado nos países de economia central e responsável por acelerar a concentração da renda, da riqueza e do poder mediante seus efeitos exponencialmente deletérios sobre a população brasileira. Restam, talvez, tênues fios de esperança para o advento de acontecimentos que possam substituir essa história que negou o berço e o sentido de pertencimento à maioria excluída da outrora Terra de Santa Cruz.
Garibaldi Batista de Medeiros
Eng. Agr. Sc. Instituto Agronômico do Paraná. Pesquisador aposentado
Sumário
1
COM APENAS DOIS MESES NO PODER 15
2
O GOVERNO DISCRICIONÁRIO TERMINA. GETÚLIO ASSUME A PRESIDÊNCIA DO NOVO GOVERNO 17
3
CAI GOVERNO CONSTITUCIONAL DE VARGAS. VARGAS ASSUME O NOVO GOVERNO COMO DITADOR 21
4
QUEDA DO ESTADO NOVO 27
5
DA VOLTA AO PODER AO SUICÍDIO 35
6
BREVE DIGRESSÃO 103
7
GÊNESE DA ESCURIDÃO 109
8
ASCENSÃO E QUEDA DO GOVERNO JANGO 113
9
ANOS DE CHUMBO 125
10
UM RETIRANTE NORDESTINO 145
11
SURGE UM LÍDER 163
12
LULA PRESIDENTE 2003-2006 187
13
LULA PRESIDENTE 2007-2010 197
14
DILMA ROUSSEFF, UMA BRAVA MULHER 215
15
UMA ESTUDANTE CONTRA A DITADURA 223
16
PRESA E TORTURADA 231
17
LIBERDADE, LIBERDADE! 247
18
DILMA PRESIDENTA 2010-2016 265
20
O GOLPE 273
REFERÊNCIAS 283
ÍNDICE REMISSIVO 285
1
COM APENAS DOIS MESES NO PODER
Sou mestre na arte de falar em silêncio. Toda a minha vida falei calando-me e vivi em mim mesmo tragédias inteiras sem pronunciar uma palavra.
(Dostoiévski)
Com apenas dois meses no poder, Getúlio Vargas decretou a primeira de suas muitas leis trabalhistas. A partir de 1930, Getúlio, chefe do governo provisório, governava por decretos. Após dissolver o Congresso, as Assembleias Legislativas, as Câmaras Municipais, e destituir prefeitos e governadores dos estados, o governo criou em 26 de novembro de 1930 através do Decreto no 19.433, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Até então, no Brasil, as questões relativas às disputas trabalhistas eram da alçada do Ministério da Agricultura, que, na prática, não atuava como árbitro nos dissídios entre patrões e empregados. A partir da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, as elites insurgiram-se contra Getúlio, um governante de viés popular. Os poderosos viram na medida tomada pelo governo a sua própria ruína. Jornais que, quinze meses antes, apoiavam a chegada de Getúlio ao poder, passaram a publicar artigos e editoriais inflamados contra o chefe do executivo. Alheio aos insultos, Getúlio formou a sua primeira equipe, que elaborou a Lei dos Sindicatos, assinada pelo governo, que regulava os direitos e deveres de patrões e empregados por meio de associações de classes autorizadas. E, como interlocutor oficial das discórdias trabalhistas, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. No futuro, muito ainda haveria de ser discutido sobre as consequências de uma legislação trabalhista. Fica evidente, então, que desde 1930 o Brasil é palco da disputa entre dois projetos: o da esperança de um país para a maioria, e o de uma elite que pretende apossar-se das riquezas do país para o bolso de meia dúzia.
A chamada revolução constitucionalista de 1932, segundo a história oficial, foi um movimento armado para destituir o governo discricionário de Getúlio Vargas. Alegavam os militares que Getúlio governava por decretos. Porém, o fulcro, o cerne da discórdia, era o fato de o governo estar tomando medidas a favor dos desamparados históricos. Os militares encontraram apoio imediato das elites: Endinheirados; Mesquitas, Marinhos, Frias e Civitas (proprietários dos jornais O Estado de S. Paulo, O Globo, Folha de S.Paulo e da Editora Abril, respectivamente); latifundiários e Igreja. As oligarquias falavam aos quatro ventos que estavam defendendo tão somente a constituição. Em nenhum momento disseram ser contra as medidas governamentais a favor dos miseráveis. As elites alegavam que os grandes temas nacionais não fossem prerrogativa apenas da vontade do governo, mas que deveriam ser discutidos e referendados por Assembleias Legislativas e pelo Congresso Nacional. O governo respondia que caberia ao Estado, de cima para baixo, incorporar o proletariado à sociedade
. Entendia Vargas que submeter as reformas sociais de que o Brasil necessitava com urgência a um congresso conservador seria ingenuidade. No dia 1º de outubro de 1932, após 87 dias de luta, a Revolução Constitucionalista, como a chamavam os paulistas, foi derrotada de modo melancólico. A contrarrevolução, como se definiam os getulistas, ganhou a batalha. Segundo os que lutaram a favor dos paulistas, os números oficiais falavam de 633 mortos, além de cerca de 15 mil feridos. As estatísticas governamentais nunca foram esclarecidas. Essa seria apenas a primeira batalha que Vargas iria enfrentar com as reformas nacionalistas e sociais que pretendia implementar. As elites conservadoras, por sua vez, entenderam, com a derrota, que nas próximas investidas contra o governo popular de Getúlio Vargas deveriam estar mais bem articuladas.
2
O GOVERNO DISCRICIONÁRIO TERMINA. GETÚLIO ASSUME A PRESIDÊNCIA DO NOVO GOVERNO
Creio que tenho prova suficiente de que falo a verdade: a pobreza
(Sócrates)
Após sair vitorioso do levante, o governo precisava com urgência atualizar o expediente de trabalho. O fato da data marcada para as eleições à Constituinte, 3 de maio de 1933, exigia uma atenção especial de Vargas. O governo precisava providenciar um parecer jurídico para legitimar uma limpeza na área, e assim impedir que seus desafetos pudessem participar do pleito. Em 17 de Julho de 1934, depois de oito meses de reuniões, a Assembleia cumpria sua última tarefa: eleger o futuro presidente da República. Finalmente a nova Constituição foi promulgada. Três dias antes, o governo provisório e discricionário tinha chegado ao fim. Às três horas da tarde de terça feira, a carta assinada e aprovada por Antônio Carlos deu início ao processo de votação para a escolha de um novo governo. Por volta das cinco horas, todos os sufrágios haviam sido depositados na urna de madeira e entregues a Antônio Carlos. Ao final da apuração, Getúlio havia recebido 175 votos dos constituintes, contra apenas 59 de seu opositor Antônio Augusto de Medeiros Borges. Em seu juramento de posse, Vargas, conforme protocolo, leu o compromisso solene: Prometo manter e cumprir, com lealdade, a Constituição Federal
(NETO, 2013, p. 191). Porém, as más línguas atribuíam a Getúlio a seguinte frase: As constituições são como as virgens, nasceram para ser violadas
(NETO, 2013, p. 191). A nova Constituição era composta por 187 artigos, e com ela, foi instituído no país o conceito de segurança nacional, regularizou-se a federação das minas, jazidas minerais e quedas d’água, aprovou-se a expulsão dos estrangeiros perniciosos à nação, foi reconhecido o direito dos trabalhadores a férias remuneradas, salário mínimo e limite diário na jornada de trabalho e o voto feminino. A construção do trabalhismo foi uma dádiva criada no governo de Getúlio Vargas, elevando-o à condição de pai dos pobres. Como era esperado, as medidas constitucionais em vigor geraram divergências entre os vários segmentos da sociedade. Os tenentes lutavam por um governo forte e centralizado, destinando maior poder ao executivo. Ao contrário, as oligarquias desejavam a descentralização política e maior autonomia para as unidades federativas. Na década de 30, o nazifascismo, liderado por Adolf Hitler na Alemanha e por Benito Mussolini na Itália, proclamava que as democracias deveriam ser substituídas por ditaduras, obviamente de direita. No Brasil, Plínio Salgado, líder supremo do movimento integralista brasileiro, adotou rigorosamente a doutrina nazifascista. Os integralistas saíam em marcha com uniformes verde-musgo, usavam braçadeiras grafadas com a letra grega sigma em negro, marchavam em passo de ganso e faziam suas saudações com o braço direito em riste, a exemplo dos nazistas. A única diferença era que, ao invés do "Heil Hitler, cumprimentavam-se usando a palavra
Anauê". O movimento integralista, que adotou ipsis litteris a doutrina fascista não poderia estar conformada diante da promulgação constitucional de 1934. Assim sendo, convocaram através de seu jornal, A ofensiva
, um evento na Praça de Sé, para deixar bem clara sua insatisfação contra a governo recém empossado de Getúlio Vargas. As esquerdas idealizaram uma contramanifestação, combinada propositalmente no mesmo local. O embate entre esquerda e integralistas não terminou em paz. O conflito ocorreu logo que os pelotões de seguidores de Plínio Salgado adentraram a Praça da Sé. O saldo final da tragédia foi de seis mortos e cerca de cinquenta feridos. Miguel Reale, então estudante de direito e secretário do movimento integralista, escreveu: não houve batalha nenhuma, mas uma tocaia suja, com os agressores bem protegidos, alvejando do alto das janelas moços inertes e desprevenidos
(NETO, 2013, p. 195). Fica, portanto, bem claro que o viés de direita do senhor Miguel Reale é bem antigo. As esquerdas, ao contrário, comemoraram o embate como uma vitória contra o fascismo e apelidaram o confronto como A revoada das galinhas verdes
. O Jornal do Povo e o Jornal da Manhã, dirigidos pelo barão de Itararé, estamparam em sua primeira página: um integralista não corre, voa
. Na legenda, lia-se: A debandada integralista foi na mais perfeita desordem
. No dia seguinte, 11 de outubro, o governo acordou com outra péssima notícia estampada nos principais jornais. Uma batida policial comandada por Filinto Muller na sede do sindicato dos garçons, uma entidade clandestina, acabou em novo derramamento de sangue. Segundo relatório do senhor F. Muller, as esquerdas haviam marcado para o lugar uma reunião convocada pela Frente Única Proletária. Os agentes da Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS), enviados para acompanhar o evento, tentaram impedir a realização da assembleia e ameaçaram de prisão os inscritos que iriam se pronunciar. Como os sindicalistas recusaram acatar a determinação do DESPS e reagiram gritando palavras de ordem contra o capitalismo e contra Getúlio, começou então uma briga, na qual foi morto com uma bala de revólver o imigrante Luís Bordinalli, de 26 anos, filiado ao sindicato dos garçons. Outros 20 sindicalistas foram feridos por balas ou cassetetes. Naquele mesmo dia, o chefe de Polícia do Distrito Federal, F. Muller, mandou um bilhete a Getúlio nos seguintes termos:
Tenho a honra de comunicar a vossa excelência que, baseado no que estabelece o artigo 113, n.º 9, in finis, da Constituição da República, determinei a suspensão do periódico Jornal do povo, devido à propaganda subversiva da ordem pública que, pelo menos vem sendo feita ultimamente" (NETO, 2013, p. 195).
Mais adiante, mostraremos com mais detalhes a figura sinistra e criminosa que foi Filinto Muller. Naquele momento histórico, Getúlio procurava endurecer a sua posição contra os ativistas de esquerda e chamou o general Góis Monteiro para discutir o avanço da propaganda comunista. O general compartilhava da mesma opinião quanto à ameaça vermelha e aproveitou o encontro para informar que estava muito preocupado com a bolchevização no interior da caserna. A imprensa conservadora e a Igreja Católica completavam o total apoio às brutalidades do governo contra os operários que ousavam, através de sindicatos, reivindicar seus direitos trabalhistas, agora amparados na lei. O Globo, através de editoriais assinados por Roberto Marinho, alertava o governo para a iminente tomada do poder pelos comunistas. E, de maneira cada vez mais ostensiva, aplaudia os atos de violência praticados pela polícia do Distrito Federal contra as massas trabalhadoras.
3
CAI GOVERNO CONSTITUCIONAL DE VARGAS. VARGAS ASSUME O NOVO GOVERNO COMO DITADOR
As constituições são como as virgens, nasceram para ser violadas.
(Getúlio Vargas)
O governo constitucional de Getúlio Vargas chegou ao fim em 30/11/1937, enquanto aguardava-se as eleições estabelecidas pela Constituição de 1934. Alegava o governo que o regime vigente não tinha mais nenhuma autoridade e que era prisioneiro de um estado de desordem e irresponsabilidade. Com esses argumentos, mandou fechar as Assembleias Legislativas, a Câmara dos Deputados e o Congresso Nacional, além de extinguir todos os partidos políticos e todos os sindicatos. Em 1936, O governo já havia deixado claro que não gostava do integralismo e que odiava o comunismo. Porém, como na época o fascismo e o nazismo reinavam absolutos na Itália e na Alemanha, Getúlio, talvez com receio de uma vitória do nazifascismo a nível mundial, era mais tolerante com o integralismo e suportava com reservas as manobras de Plínio Salgado. Ao contrário, sua falta de gentileza para com os comunistas era respaldada pelas Forças Armadas, imprensa, Igreja, endinheirados e grande parte da classe média, e, assim protegido, o governo exercia o arbítrio a seu bel prazer, sem susto. Em março de 1936, Getúlio manda prender Carlos Prestes e sua mulher, Olga Benário, na época grávida. O advogado Heitor Lima impetrou habeas corpus a favor de Olga Benário, acusada de ser estrangeira perniciosa à ordem pública. O habeas corpus era para que ela fosse julgada no Brasil, por supostos crimes cometidos no país, alegando-se gravidez da acusada. O STF negou provimento ao recurso, o que resultou na deportação de Olga Benário para a Alemanha nazista, onde morreu num campo de concentração em 1942. A negação covarde do Supremo Tribunal Federal ao habeas corpus a favor da acusada foi um vexame perante a história. Infelizmente, outros julgamentos espúrios e igualmente criminosos seriam, no futuro, homologados pelos pretensos guardiões da nossa Constituição. O arbítrio praticado pelo governo contra quem abertamente o combatia tinha o apoio velado das elites em geral. Entre o período de 1937 a 1940, Getúlio governou em relativa paz, porque naqueles anos estava empenhado em combater principalmente comunistas e os sindicalistas em geral. Porém, a partir de 1942, as elites reacionárias voltaram a se insurgir com força contra o governo, que, com o argumento de administrar tensões entre patrões e empregados, criou a Justiça do Trabalho, um instrumento que poderia, na percepção do patronato, ser bem pernicioso aos seus interesses. Os patrões propagavam, por meio da imprensa conservadora, que os dissídios entre eles e os trabalhadores poderiam ser resolvidos perfeitamente por acordos feitos entre as duas categorias, sem a interferência do governo – o que não deixa de ser uma piada de mau gosto. Na verdade, o medo mórbido dos exploradores da classe trabalhadora era simplesmente porque a partir da criação do Ministério do Trabalho as discórdias entre eles seriam também intermediadas pelo Ministério da Justiça. O patronato argumentava aos cochichos em suas assembleias que tanto o Ministério do Trabalho quanto o da Justiça foram criados com o objetivo de destruir o capitalismo cristão, caridoso e humano. Apesar de inconsistentes e inverossímeis, suas alegações ganhavam força diante de seus aliados históricos: Forças Armadas, Igreja, imprensa, e sua fiel guardiã, a classe média. O ódio das elites exacerbou-se quando Vargas, em 1942, fundou a Vale do Rio Doce, e, menos de um ano depois, criou a Companhia Siderúrgica nacional (CSN). Alegava o governo que um país só seria livre e independente quando sua produção de aço fosse suficiente para atender a demanda interna. Os ataques mais virulentos ao governo, no entanto, vieram quando, em 1º de maio de 1943, pelo decreto n.º 5452, Getúlio criou a CLT, que instituiu o salário mínimo, a jornada de oito horas diárias, férias renumeradas e indenização por dispensa sem justa causa. A partir daí, a imprensa dos Marinhos, Mesquitas, Frias e seus aliados históricos – políticos reacionários, Forças Armadas, Igreja e a classe média – não lhe deram mais trégua. Confrontos entre Oliveira Viana, a favor da criação do Ministério do Trabalho, e Waldemar Ferreira, contra, tornaram-se históricos, e os argumentos que ambos apresentavam, apesar de antagônicos, eram respeitosos. Mas embates muito mais virulentos vieram com a criação das estatais e da CLT. A imprensa difamava e caluniava sem cessar; o patronato, com medo das medidas do governo, posicionava-se contra qualquer medida governamental; as Forças Armadas ameaçavam tomar o poder a qualquer momento e a classe média repetia como um mantra tudo o que era divulgado pela imprensa reacionária; o Congresso, cheio de representantes das elites, sob a liderança de Carlos Lacerda, esbravejava que as ditaduras tinham sido derrotadas na Europa e, portanto, chegara o fim do Estado Novo. Até que, em 1º de novembro de 1945, Getúlio, chefe do Estado Novo, foi derrubado por uma junta militar medíocre, composta por Góis Monteiro, Eurico Gaspar Dutra e Eduardo Gomes. Um austríaco chamado Paul Frischauer