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Romancistas Essenciais - Maria Firmina dos Reis
Romancistas Essenciais - Maria Firmina dos Reis
Romancistas Essenciais - Maria Firmina dos Reis
E-book226 páginas3 horas

Romancistas Essenciais - Maria Firmina dos Reis

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Sobre este e-book

Na coleção Romancistas Essenciais o crítico August Nemo apresenta autores que fazem parte da história da literatura em língua portuguesa.
Neste volume temos Maria Firmina dos Reis,Maria Firmina dos Reis é considerada a primeira romancista brasileira. De acordo com Conceição Evaristo, "Maria Firmina apresenta o negro em sua dimensão humana e confere a ele uma posição de sujeito de discurso, o que pode revelar uma íntima identificação com o escravo negro, apresentando uma solidariedade que, nas palavras de Eduardo de Assis Duarte, "nasce de uma perspectiva outra, pela qual a escritora, irmanada aos cativos e a seus descendentes, expressa, pela via da ficção, seu pertencimento a este universo de cultura".

Não deixe de conferir os demais volumes desta série!
Essa obra inclui:

- Gupeva*.
- Úrsula*.*Os textos estão na grafia da época da publicação.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2020
ISBN9783967241303
Romancistas Essenciais - Maria Firmina dos Reis

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    Romancistas Essenciais - Maria Firmina dos Reis - Maria Firmina dos Reis

    Publisher

    A Autora

    Maria Firmina dos Reis nasceu na Ilha de São Luís, no Maranhão, em 11 de março de 1822, mas foi registrada somente em 21 de dezembro de 1825, como filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis. Era prima do escritor maranhense Francisco Sotero dos Reis por parte da mãe. Em 1830, mudou-se com a família para a vila de São José de Guimarães, no continente. Viveu parte de sua vida na casa de uma tia materna mais bem situada economicamente. Em 1847, concorreu à cadeira de Instrução Primária nessa localidade e, sendo aprovada, ali mesmo exerceu a profissão, como professora de primeiras letras, de 1847 a 1881. Maria Firmina dos Reis nunca se casou.

    m 1859, publicou o romance Úrsula considerado o primeiro romance de uma autora do Brasil. Em 1887, publicou na Revista Maranhense o conto A Escrava, no qual descreve uma participante ativa da causa abolicionista.

    Aos 54 anos de idade e 34 de magistério oficial, anos antes de se aposentar, Maria Firmina fundou, em Maçaricó, a poucos quilômetros de Guimarães, uma aula mista e gratuita para alunos que não podiam pagar: conduzia as aulas num barracão em propriedade de um senhor de engenho, à qual se dirigia toda manhã subindo num carro de boi. Lá, lecionava às filhas deste, aos alunos que levava consigo e a outros que se juntavam. A acadêmica Norma Telles classificou a iniciativa de Maria Firmina como um experimento ousado para a época. Essa ação inovadora vai ao encontro das lutas das feministas brasileiras do final do século XIX que desejam a igualdade de ensino para meninas.

    Maria Firmina dos Reis participou da vida intelectual maranhense: colaborou na imprensa local, publicou livros, participou de antologias, e, além disso, também foi musicista e compositora. A autora era abolicionista: ao ser admitida no magistério, aos 22 anos de idade, sua mãe queria que fosse de palanquim receber a nomeação, mas a autora optou por ir a pé, dizendo a sua mãe: Negro não é animal para se andar montado nele. Chegou também a escrever um Hino da Abolição dos Escravos

    Descreveu-se, em 1863, como tendo uma compleição débil, e acanhada e, por conta disso, não poderia deixar de ser uma criatura frágil, tímida, e por consequência, melancólica. Os que a conheceram, quando tinha cerca de 85 anos, descreveram-na como sendo pequena, parda, de rosto arredondado, olhos escuros, cabelos crespos e grisalhos presos na altura da nuca. Uma antiga aluna caracterizou-a como uma professora enérgica, que falava baixo, não aplicava castigos corporais, nem ralhava, preferindo aconselhar. Era reservada, mas acessível, sendo estimada pelos alunos e pela população da vila: toda passeata de moradores de Guimarães parava em sua porta, ao que davam vivas e ela agradecia com um discurso improvisado.

    Maria Firmina dos Reis morreu, cega e pobre, aos 92 anos, na casa de uma ex-escrava, Mariazinha, mãe de um dos seus filhos de criação. É a única mulher dentre os bustos da Praça do Pantheon, que homenageiam importantes escritores maranhenses, em São Luís.

    Conceição Evaristo apresenta a escrevivência como a escrita de um corpo, de uma condição, de uma experiência negra no Brasil. O primeiro elemento que compõe a escrevivência, o corpo, reporta à dimensão subjetiva do existir negro, sendo um arquivo de impressões ao longo da vida, marcado na pele e na luta constante por afirmação e reversão de estereótipos. A condição da mulher negra, o segundo elemento, evidência diversos problemas herdados da situação colonial, visto que através da escravidão as mulheres foram subjugadas em diversos âmbitos. A escrevivência de Maria Firmina dos Reis, uma escritora negra, também pode ser percebida na representação das suas personagens negras, pois a história da literatura influencia diretamente na nacionalidade e, por consequência, também na construção da imagem dos gêneros, meio utilizado para consolidação do poder masculino.

    Maria Firmina apresenta o negro em sua dimensão humana e confere a ele uma posição de sujeito de discurso, o que pode revelar uma íntima identificação com o escravo negro, apresentando uma solidariedade que, nas palavras de Eduardo de Assis Duarte, nasce de uma perspectiva outra, pela qual a escritora, irmanada aos cativos e a seus descendentes, expressa, pela via da ficção, seu pertencimento a este universo de cultura

    Gupeva

    I

    Era uma bela tarde. O sol de agosto, animador e grato, declinava já seus fúlgidos raios; no ocaso, ele derramava um derradeiro olhar sobre a terra e sobre o mar, que a essa hora mágica do crepúsculo estava calmo e bonançoso como uma criança adormecida nos braços de sua mãe.

    Seus raios desenhavam no horizonte as cores cambiantes do prisma e desciam com melancólico sorriso às planuras da terra e à superfície do mar.

    Uma tarde de agosto nas nossas terras do Norte tem um encanto particular; quem ainda não as gozou não conhece na vida o que há de mais belo, mais poético, não conhece a hora do dia que o Criador nos deu para esquecermos todas as ambições da vida, para folhearmos o livro do nosso passado, buscarmos nela a melhor página, a única dourada que nela existe, e aí nos deleitarmos na recordação saudável da hora feliz da nossa existência: aquele que ainda não a gozou é como se seus olhos vivessem cerrados à luz, é como se seu coração empedernido nunca houvera sentido uma doce emoção, é como se a voz da sua alma nunca uma voz amiga houvera respondido.

    O que a gozou, sim; o que a goza, esse adivinha os prazeres do paraíso e sonha as poesias do céu, escuta a voz dos anjos na morada celeste, esquece as dores da existência e embala-se na esperança de uma eternidade risonha, ama o seu Deus e lhe dispensa afetos, porque nessa hora como que a face do Senhor se nos patenteia nos desmaiados raios do sol, no manso gemer da brisa, no saudoso murmúrio das matas, na vasta superfície das águas, na ondulação mimosa dos palmares, no perfume odorífero das flores, no canto suavíssimo das aves, na voz reconhecida da nossa alma!

    Era, pois, como dissemos, uma bela tarde de agosto, e dessa encantadora tarde gozavam com delícia os habitantes da Bahia, nessa época bem raros e ainda incultos, ou quase selvagens. O disco do sol amortecido em seu último alento beijava as enxárcias de um navio ancorado na baía de Todos os Santos, a cuja frente eleva-se hoje a bela cidade de São Salvador, e afagava mansamente as faces pálidas de um jovem oficial que, à hora do crepúsculo, com os olhos fitos em terra, parecia devorado por um ardentíssimo desejo, por um querer que a seu pesar lhe atraía, para onde quer que fosse, todos os sentimentos da sua alma.

    Sonhava acordado, mas era esse sonhar desesperado, ansioso, frenético como o sonhar de um louco; era um sonhar doído, cansado, incômodo, como o sonhar do homem que já não tem uma esperan­ça; era o sonhar frenético de Napoleão nas solidões de Santa Helena, era o sonhar doído de Luiz XVI na véspera do suplício. Encostado ao castelo da popa, o mancebo parecia nada ver do que lhe ia em torno, nem mesmo o sol que dava-lhe então seu derradeiro e melancólico adeus, escondendo seu disco nas regiões do oceano.

    Patética, sublime e quase misteriosa era a despedida desse sol, brincando tris­temente nos cabelos acetinados do moço oficial e fugindo vagaroso, e de novo voltando, envolvendo-o pelas espáduas como em um último abraço, e depois mergulhando-se pressuroso nas trevas, como um amigo que, junto do sepulcro, beija as faces geladas e lívidas do {outro} amigo e corre com a saudade no coração a cobrir seus membros de lutuosas vestes.

    O navio em que acabamos de ver esse moço, que ainda mal conhecemos, era O Infante de Portugal, vaso de guerra que havia trazido à Bahia Francisco Pereira Coutinho, donatário daquela capitania, depois que a célebre Paraguaçu, prince­sa do Brasil, cedera seus direitos em fa­vor da coroa de Portugal. O Infante acabava de receber as últimas ordens de Coutinho, e velejava no dia seguinte em demanda do Tejo.

    Voltemos, pois, ao mancebo que, conquanto fosse noite, permanecia ainda no mesmo lugar em que o encontramos. Em seus grandes olhos negros transparecia todo desassossego de um coração agi­tado. Sua idade não podia exceder a vinte e um anos. Era jovem e belo; o uniforme de Marinha fazia sobressair as delicadas formas do seu talhe esbelto e juvenil.

    Mas as trevas eram já mais densas, e o coração do moço confrangia-se e redobrava de ansiedade. Seus olhos ar­dentes pareciam querer divisar através dessas matas ainda quase virgens um objeto qualquer. Sem dúvida, nesse lugar outrora solitário, hoje populoso e civilizado, havia alguma coisa que o man­cebo amava mais que {a} vida, em que fazia consistir toda a sua felicidade, resumia todo o seu querer, todas as suas ambições, toda a sua ventura. Havia aí algum ente extremamente amado, alguém que atraía para si todas as faculdades, toda a alma do mancebo europeu.

    — Que tens tu, meu querido Gastão? — interpelou-lhe um outro jovem oficial, tocando-lhe amigavelmente no ombro. — O que te aflige? Estás triste!!...

    O moço interrogado estremeceu ligeiramente, como quem desperta de um profundo sono, e, fitando o seu interlocutor com pungente sorriso, disse:

    — Triste... sim, Alberto, contrariado, meu caro amigo.

    — Tu, meu caro? E por quê? — tornou-lhe aquele a quem este designara Alberto. — O que te aconteceu, caro Gastão?

    — Sairemos amanhã! — respondeu Gastão.

    Nestas duas únicas palavras encerrava-se tudo quanto o homem pode sofrer de mais doloroso, amargo e acerbo na carreira da vida, e por isso o acento com que as proferia calou na alma de Alberto. Este contemplou-o por algum tempo com uma curiosidade travada de surpresa, e sem poder compreender o acento de tais palavras, nem qual a causa de tão grande amargura, disse-lhe:

    — É isso o que te contraria e te aflige?

    Gastão ergueu a fronte até então abatida e, deixando cair suas vistas sobre seu amigo, murmurou:

    — Alberto, para que me interrogas? Podes acaso compreender o martírio do meu coração?

    — Ah! pensas nela?!... — exclamou sorrindo-se o jovem Alberto. — Ora, Gastão, pelo céu! Meu amigo, creio que estás louco.

    Gastão abaixou novamente a cabeça e balbuciou:

    — Embora... mas... — Era um delírio, que poderia ter suas consequências. Alberto pensou nisso e procurou dissuadi-lo.

    — Gastão — disse, procurando tomar-lhe entre as suas mãos —, que loucura, meu amigo — que loucura a tua apaixonares-te por uma indígena do Brasil, por uma mulher selvagem, por uma mulher sem nascimento, sem prestígio. Ora, Gastão, sê mais prudente: esquece-a.

    — Esquecê-la! — exclamou o moço apaixonado — nunca!

    — Tanto pior — lhe tornou o outro —, será para ti um constante martírio.

    — E por quê?

    — E por quê?! Porque ela não pode ser tua mulher, visto que é muito inferior a ti; porque tu não poderás jamais viver junto dela, a menos que intentasses cortar a tua carreira na Marinha, a menos que, desprezando a sociedade, te quisesses concentrar com ela nestas matas. Gastão, em nome da nossa amizade, esquece-a.

    — Pede à Terra que esqueça seu constante movimento, ao vento que cesse o seu girar contínuo, às flores que transformem seus odores em pestilentos cheiros, às aves que emudeçam as galas da madrugada — murmurou Gastão com melancolia.

    Alberto guardou silêncio por alguns minutos e de novo disse:

    — Louco! louco! Gastão, meu amigo, traga até às fezes o teu cálice de amargura, mas faze o sacrifício do teu amor em atenção a ti mesmo, ao teu futuro...

    — O meu futuro é ela... — replicou Gastão, interrompendo seu jovem amigo.

    — Primeiro-tenente da Marinha hoje, meu querido Gastão, breve terás uma patente superior que...

    — Que me importa a mim tudo isso, Alberto? Acaso isso pode indenizar-me da dor de perdê-la? Alberto, tu não és francês, o teu clima cria almas intrépidas, corações fortes ou rudes ardendo sempre, mas em fogo belicoso: o sangue que herdaste de teus avós gira em teu peito com ambição de glória, de renome; são nobres as tuas ambições, eu as respeito, porém as minhas são destituídas de toda a vaidade... As minhas ambições, o meu querer, o meu desejo resume-se todo nela. Para que me falas das grandezas deste mundo? Alberto, eu as desprezo, se não forem para repartir com ela.

    — Todos nós — lhe disse Alberto — temos a nossa hora da loucura; também o português, meu irmão, a experimenta às ve­zes. Não obstante, como dizes, o nosso clima gera corações mais rudes; mas, Gastão, teus pais! Queres acaso afrontar a maldição paterna?

    — Sim — tornou o jovem francês —, ainda quando ela houvesse de cair sobre minha cabeça, eu não poderia esquecer a mulher a quem dedico todo o meu coração.

    — Decididamente perdeste o juízo, meu caro amigo — disse Alberto, comovido. — Que pretendes, Gastão, fazer dessa mu­lher?

    — Amá-la, meu Alberto, como nunca se amou mulher alguma.

    — O amor, Gastão, é como um meteoro luminoso, é uma aurora boreal dos trópicos: sua duração é de momento.

    — Não — redarguiu o triste —, sinto que hei de amá-la enquanto me animar um átomo de vida, sinto que seu nome será o derradeiro que hei de pronunciar à hora da morte, sinto que ...

    — Cala-te, Gastão, cala-te! — retorquiu-lhe o jovem português. — Seus desvarios me causam um pungente sofrer.

    — E que me importa isso? — disse friamente o moço francês. — Sabes acaso a grandeza do meu sofrimento? Sabes, bem conheces, e não te apiedas de mim.

    — Ingrato! — exclamou comovido o jovem oficial português. — Gastão, em nome do céu, recompõe o teu juízo, não pen­ses mais nessa mulher. Eia, promete- me, e eu...

    — É impossível, Alberto. Impossível, meu amigo. Oh! se soubesses... Alber­to, eu a tenho aqui no coração. É ela a mulher dos meus sonhos da adolescência, é a visão celeste e arrebatadora da minha infância, o anjo que presidiu o meu nascimento. Alberto, quem a poderá resistir? Louco o que a vendo possa deixar de amá-la; louco o que a conhecendo não lhe render eterna vassalagem. Anjo na beleza e na inocência, anjo na voz, nas maneiras, é ela superior às filhas vaporosas da nossa velha Europa. Épica é o seu nome. No seu rosto, Alberto, se revela toda a candura da sua alma e toda {a} singeleza dos costumes ainda tão virgens da inculta América. Onde está, pois, o meu crime em adorá-la? Seus grandes olhos negros de doçura inexprimível falam à alma com suavíssima poesia: são arpejos da lira harmoniosa ou notas de anjos em torno do Senhor. E esse olhar seu exprime um quê de indizível pureza que obriga a adorá-la como se adora a Deus. Alberto, de joelhos suplicarias a essa mulher angélica, se a visses, perdão de não a teres amado mesmo sem conhecê-la, desde o dia em que começou a tua existência.

    Alberto suspirou com desalento: sentia-se fraco para lutar com o coração de seu amigo. Gastão compreendeu o pesar que, malgrado seu, causava ao moço português, e disse:

    — Perdoa-me, meu caro amigo, perdoa-me se te hei magoado. Sofro... tanto.

    Alberto não achava uma palavra para exprimir sua angústia. Tomou então as mãos a seu amigo, apertou-as com efusão, e depois, apertando-o contra o seu coração, a custo exclamou:

    — Meu amigo, meu irmão, fizeste bem em confiar-me tuas mágoas: eu te ajudarei no caminho espinhoso e direi do que tens a percorrer de ora em diante. Eia, coragem, serei o teu ciríneo[1].

    Mas o moço francês não compreendeu uma só das palavras de Alberto, e, julgando que este, mais compadecido, lhe aplainava a senda dos seus amores, ergueu para ele uns olhos onde havia gratidão e amizade, e disse-lhe:

    — Então

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