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Teoria do fim da arte
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E-book161 páginas2 horas

Teoria do fim da arte

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Sobre este e-book

O debate sobre o fim ou a morte da arte, que se desdobrou ao longo de todo o século XX, teve como ponto de partida uma ideia de Hegel formulada em seus cursos de estética: a arte permanecerá para nós, do ponto de vista de sua destinação suprema, algo do passado. Este livro apresenta teorias de filósofos, artistas, críticos e historiadores que, tendo como referência a tese hegeliana, debateram o tema do fim arte, seja para anunciar a morte da tradição artística, seja para compreender a origem da arte moderna e contemporânea. Neste ensaio de uma teoria do fim da arte, Pedro Süssekind mostra como a repercussão dessa ideia foi abrangente e complexa, em abordagens apresentadas como formulações de problemas e abertura de caminhos para pensá-los. Desse modo, as diversas abordagens do tema podem permitir uma visão crítica da situação das artes, a fim de discutir seu papel cultural e de interpretar obras concretas, com suas poéticas singulares.
IdiomaPortuguês
Editora7Letras
Data de lançamento29 de jul. de 2020
ISBN9786586043440
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    Pré-visualização do livro

    Teoria do fim da arte - Pedro Süssekind

    Sumário

    Prólogo

    1. Tema hegeliano

    2. O declínio da aura

    3. Indústria cultural e desartificação

    4. Semiótica, poética e vanguarda

    5. O fim da criação de objetos-valor

    6. A negação modernista da arte contemporânea

    7. Hegel e a Brillo Box

    8. O fim da história da arte

    9. O enquadramento da teoria

    10. Após o fim da arte

    Epílogo: consideração sobre o caso brasileiro

    Referências bibliográficas

    O presente trabalho foi realizado com apoio do cnpq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil (305094/2014-9).

    Prólogo

    Em 1912 o artista e galerista mexicano Marius de Zayas decretou: A arte está morta. Segundo ele, os movimentos artísticos daquela época não eram indícios de vitalidade, não eram nem mesmo as convulsões da agonia anterior à morte, mas sim ações reflexas mecânicas de um defunto submetido à força galvânica.¹ Contudo, surgiram nas décadas seguintes diversos movimentos novos, como o dadaísmo, o surrealismo, o expressionismo abstrato, o De Stijl, a Bauhaus, o suprematismo, a arte pop, a arte conceitual, o minimalismo, a land-art, o construtivismo, o neoconcretismo, entre outros.

    Mais de sessenta anos depois daquele diagnóstico de Zayas, o pintor e escritor franco-canadense Hervé Fischer apresentou em Paris, no Centro Pompidou, uma performance em que dizia: Neste dia do ano 1979, constato e declaro que a história da arte como última criação desta cronologia asmática está encerrada. Antes de fazer a declaração, ele calculou o tamanho da sala com uma fita métrica, segurando um cordão ao som do tique-taque de um despertador. Depois, cortou o cordão e acrescentou: O instante em que cortei este cordão foi o último evento da história da arte.²

    Ao longo de todo o século vinte, filósofos, artistas, críticos e historiadores debateram o fim ou a morte da arte, cujo primeiro anúncio costuma ser atribuído a Hegel, com base na introdução dos cursos de estética que ele ministrou nas primeiras décadas do século anterior. A repercussão dessa ideia foi abrangente e complexa. Algumas das retomadas do diagnóstico hegeliano dizem respeito aos rumos da arte moderna, com sua ruptura em relação à tradição clássica. Essa ruptura se expressou nos manifestos vanguardistas que, no começo do século vinte, propunham redefinições radicais da prática artística. E, entre as vanguardas históricas, o dadaísmo foi provavelmente a mais contestadora, já que não pretendia trocar os valores e convenções tradicionais por nada além de sátiras, de balbucio, pelo non-sense de criações aleatórias. A própria beleza estava morta, como sentenciou Tristan Tzara, um dos líderes do movimento concebido em 1916, em meio aos horrores da Primeira Guerra Mundial. Os readymades de Duchamp estão entre as obras mais emblemáticas dessa tendência de questionamento da tradição, com destaque para o urinol que, em 1917, ele inscreveu em uma exposição da Sociedade dos Artistas Independentes, com o título Fonte. Mais tarde essa obra se tornaria tanto um marco na história da arte do século vinte, quanto um modelo da atitude é arte o que eu disser que é arte, ideia que deu origem às instalações e performances contemporâneas.

    Outros diagnósticos do fim da arte se referem à ruptura posterior, a partir do final dos anos 1950, não só com todos os modelos e formas clássicos, mas também com a arte moderna que já tinha se consolidado como tradição. Essa segunda ruptura afeta, em muitos casos, o próprio conceito de arte ligado à criação de objetos de qualquer tipo. O escultor Richard Serra chegou a dizer naquele período: Eu não faço arte, estou empenhado em uma atividade; se alguém quiser chamá-la de arte, é problema seu. Já Ad Reinhardt, um dos últimos expoentes do expressionismo abstrato norte-americano, tinha escrito que a arte está sempre morta, e uma arte ‘viva’ é uma decepção. As duas frases são citadas no texto de 1969 A arte depois da filosofia, escrito pelo artista conceitual Joseph Kosuth para defender a tese de que os objetos eram conceitualmente irrelevantes para a condição de arte.³

    No campo da filosofia, o tema hegeliano do fim da arte reaparece em obras de autores como Theodor Adorno, no contexto da Escola de Frankfurt, mas também é discutido em enquadramentos intelectuais totalmente diferentes por Martin Heidegger, por exemplo, ou por Arthur Danto. Já sob uma perspectiva histórica, diagnósticos de morte podem ser encontrados em textos de Giulio Carlo Argan e Hans Belting, entre outros. Enquanto constatação crítica, a questão se faz presente de diversas maneiras, especialmente em avaliações negativas da arte contemporânea como as feitas por Clement Greenberg, um dos grandes teóricos do modernismo que, a partir da década de 1960, considerou movimentos artísticos recém-surgidos uma negação da própria arte.

    No Brasil, a postura do poeta e crítico Ferreira Gullar – baseada em sua teoria do neoconcretismo – reencenou à sua maneira a avaliação negativa da arte contemporânea por Greenberg e Argan. Mas discussões sobre o tema do fim da arte podem ser encontradas também, ora mais explícitas, ora indiretamente, em textos de intérpretes da arte moderna e contemporânea como Mário Pedrosa, Ronaldo Brito, Paulo Sérgio Duarte e Lorenzo Mammì.

    Não pretendo fazer um levantamento completo das abordagens da morte da arte, nem no campo da filosofia, nem no da crítica. Concordo com o autor de O fim da história da arte, Hans Belting, quando ele afirma: quem hoje se manifesta a respeito da arte e da história da arte vê toda tese que gostaria de apresentar a um leitor talvez ainda existente invalidada de antemão por muitas outras teses.⁴ Pressuponho a existência do leitor interessado no assunto e, com isso, minha intenção a seguir é comparar e contrapor algumas dessas teses, considerando-as como formulações de problemas e como aberturas de caminhos para pensá-los. Sendo assim, as retomadas do tema hegeliano, abordadas como variações em torno de um diagnóstico, constituem referências decisivas para o exercício da teoria da arte. Essas referências problematizam os marcos de continuidade e de ruptura entre a criação artística atual e a do passado.

    Enfatizar a ruptura, a ponto de pôr em xeque a sobrevivência da arte no mundo contemporâneo, impõe a necessidade de um questionamento. Segundo a formulação precisa de Belting, enquanto a arte não for questionada, é preciso apenas narrar a sua história e enaltecer as suas realizações ou lamentar a sua decadência. Mas a atitude de não aceitar a existência da arte como dada permite que se pergunte, mais uma vez, como ela se realiza e qual o papel que desempenha na cultura. Então uma arte que para nós não é mais uma evidência apresenta um novo tema em sua evidente historicidade.

    Com a falta de evidência do conceito de arte, e com a evidência de sua historicidade, ficam em questão não só a criação artística produzida no presente e o legado cultural clássico ou moderno, mas também a relação problemática entre a arte e as várias modalidades de produção de imagens e de ofertas de entretenimento que surgiram a partir do século vinte. Desse modo, as perspectivas diferentes que serão percorridas nas próximas páginas podem permitir uma visão crítica da situação das artes, seja a fim de discutir seu papel cultural, seja a fim de interpretar obras concretas, com suas poéticas e propostas singulares.

    1. Tema hegeliano

    Interpretações diversas e às vezes contraditórias da chamada morte da arte podem ser explicadas pelo caráter geral e pouco definido que essa noção tem na estética de Hegel. Paradoxalmente, as afirmações que sustentam tal diagnóstico de morte ou de fim se encontram no prefácio de um trabalho que, ao ser compilado e publicado, soma mais de mil páginas de reflexões sobre arte, com análises de obras de diversos gêneros artísticos e de diversas épocas históricas, incluindo a época do autor.

    Na verdade, o filósofo não usava nos seus Cursos de estética a expressão morte da arte. Essa expressão só começou a ser empregada a partir dos Dialogues Philosophiques de Ernest Renan, publicados em 1848. Mas Hegel considerava que a modernidade era uma época na qual prevaleciam o pensamento e a reflexão, e o espírito do mundo moderno, com sua formação racional, não era favorável à arte. Com isso, em suas palavras, os belos dias da arte grega assim como da época de ouro da Baixa Idade Média ficaram para trás, o estágio no qual as obras de arte eram veneradas como divinas foi ultrapassado. E o resultado disso é que a arte é e permanecerá para nós, do ponto de vista de sua destinação suprema, algo do passado.⁷ Como comenta Werner Koepsel em sua análise da recepção da estética hegeliana, não se trata propriamente de uma teoria da morte da arte, mas de uma doutrina do caráter passado da arte.⁸

    Quando os cursos de estética foram ministrados por Hegel em Berlim, o museu de arte antiga (Altes Museum) estava sendo construído naquela cidade, em consonância com a época de estabelecimento das grandes instituições de arte europeias – como o Louvre, de 1793, ou o British Museum, de 1753. Segundo um comentário de Arthur Danto, naquele momento Hegel se mostrava entusiasmado com a perspectiva de ter acesso a uma dessas coleções para, assim, poder observar o desenvolvimento histórico das artes visuais ao longo da tradição ocidental. No entanto, era evidente para o filósofo a diferença entre uma série de estátuas postas num museu, portanto segregadas da vida e tratadas como objeto de estudo, e a mesma série de estátuas como parte de uma forma de vida na qual elas representam um panteão de deuses.⁹ Isso porque, na sua conexão com a religião dos gregos antigos, as estátuas corporificavam os próprios deuses, elas eram deuses a ser venerados. Nota-se aí, na comparação entre o lugar ocupado pelas obras no presente e no passado, uma alteração evidente no estatuto da arte, uma vez que as estátuas no museu deixam de ser manifestações religiosas e se tornam objetos de contemplação estética ou de investigação erudita e especializada.

    De acordo com a definição do historiador Hans Belting, em O fim da história da arte, a fundação de museus foi o fator que fez do olhar sobre a arte, em geral, uma visão retrospectiva sobre a história da arte. Então Hegel poderia ser visto, neste contexto, como um representante do seu tempo que criou uma justificação decididamente metafísica para o museu de arte recém-surgido.¹⁰ Belting leva ao extremo essa caracterização do filósofo como uma espécie de fundador de uma historiografia linear e universal. Trata-se de um tipo de narrativa que opera como um enquadramento para organizar temporalmente as artes, assim como os museus as organizaram espacialmente, de acordo com uma cronologia da sucessão de estilos e movimentos. A comparação proposta por Belting serve para contextualizar a estética hegeliana no período do advento de uma nova perspectiva histórica. Mas, a meu ver, como comentarei mais adiante, essa caracterização é exagerada e não leva em conta a complexidade da filosofia da história por trás do sistema das artes desenvolvido nos Cursos de estética.

    Em todo caso, por seu propósito de fundamentar uma visão geral do desenvolvimento das artes de todos os tempos, a estética de Hegel pode ser considerada o auge de um processo de historização na filosofia da arte. Ela constrói um sistema muito abrangente, no qual a ideia do belo organiza o escopo de uma ciência das formas artísticas. Nesse sistema, as análises de obras orientam a classificação e organização dos diversos gêneros de cada arte particular (arquitetura, escultura, pintura, música e literatura), a fim de mostrar sua pertinência histórica e o processo de sua evolução cultural.

    Em suas investigações, o filósofo descreve um movimento dialético da história, no qual a arte aparece no primeiro momento como a

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