Introdução à estética de Georg Lukács
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Introdução à estética de Georg Lukács - Cristina Lontra Nacif
Sumário
Apresentação
O caráter libertador da Arte na Estética de György Lukács - Ronaldo Vielmi Fortes
Notas sobre as categorias estéticas de Lukács e sua atualização - Maurício Vieira Martins
Literatura na estética de Lukács - Ranieri Carli
Arquitetura e estética - Juarez Duayer
Estética – notas introdutórias e comentários sobre o cinema - Ronaldo Rosas Reis
Sobre os autores
Landmarks
Title-Page
Table of Contents
Cover
Apresentação
Esta pequena publicação realizada pelo Laboratório de Estudos da Legislação Urbanística (LabLegal) tem o objetivo de difundir e facilitar o acesso ao pensamento estético de Georg Lukács, em especial à obra Estética: a peculiaridade do estético.
O laboratório tem reunido um grupo de estudantes que, mais recentemente, se incorporou ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Ontologia Crítica (Gepoc) para a realização de leituras e debates em torno da grande estética de Lukács. O minicurso Introdução à Estética de Georg Lukács
nos permitiu reunir um grupo de intelectuais dedicados ao estudo da obra lukacsiana para debater o estatuto ontológico e o conjunto categorial que definem a reprodução ideal do fenômeno estético. Sendo assim, esta publicação é o resultado desse encontro, e esperamos que possa despertar o interesse de um conjunto cada vez maior de intelectuais por essa obra tão fundamental, não apenas no âmbito do marxismo, mas de todo o pensamento do século XX.
Georg Lukács é considerado um dos filósofos mais influentes no interior do marxismo, e a sua estética, apesar de inconclusa, pode ser considerada uma síntese de cinco décadas de estudos dedicados a caracterizar o que considerava ser o lugar da arte e do comportamento estético na totalidade das atividades humanas
. Daí a precisão do título dado ao primeiro volume: A peculiaridade do estético
. A obra foi planejada em três partes, das quais apenas a primeira foi concluída e publicada. Mesmo assim, Lukács chama a atenção para o fato de que a primeira parte é plenamente compreensível sem as demais. Em seu prólogo, o filósofo aponta que nas duas partes iniciais, A peculiaridade do estético
e A obra de arte e o comportamento estético
, haveria um domínio do materialismo dialético, enquanto na terceira parte, A arte como fenômeno histórico social
, o domínio estaria no campo do materialismo histórico. Lukács parte de uma ontologia marxiana para estabelecer uma crítica radical a toda a herança filosófica do pensamento estético. Trata-se de um debate com toda a filosofia da sua época.
Esta publicação pode ser entendida em duas partes. Na primeira, são estabelecidos, por meio das categorias lukacsianas, os contornos gerais do ato estético. Trata-se de um panorama mais geral da obra. Na segunda parte, são apresentadas algumas particularidades do ato estético na arquitetura, literatura e cinema.
São duas exposições que tratam do problema da arte em Lukács
: a exposição do professor adjunto da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora, Ronaldo Vielmi, e a do professor associado do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, Maurício Martins. Ronaldo Vielmi, em sua exposição, busca apresentar a obra com o objetivo geral de entender os contornos do ato estético e apresentar as categorias que compõem esse contorno geral. Inicialmente, apresenta as implicações no pensamento estético de uma revisão baseada na ontologia marxiana e da defesa da historicidade das categorias estéticas. A partir daí, apresenta cada uma das categorias e sua gênese. Ronaldo Vielmi busca demonstrar e ilustrar as categorias por meio de comentários sobre duas obras: A criação de Adão, de Michelangelo, e a Casa de bonecas, de Henrik Ibsen. Maurício Martins, por sua vez, faz apontamentos sobre a questão da primazia do conteúdo e a sua relação com a autoconsciência da humanidade em Lukács. Apresenta questões referentes ao reflexo estético e ao realismo em oposição ao descritivismo naturalista, bem como a forma como a arte se posiciona diante do mundo; segundo Lukács, a arte é partidária
. Além disso, Maurício aponta tendências do ódio ao humano na arte contemporânea e, por fim, exibe um contraste entre a posição de Bourdieu e a posição de Lukács em relação à arte, a qual, na opinião do primeiro, se refere à posição do autor, ao indivíduo, enquanto, para o segundo, deve se constituir uma autonomia relativa do estético que a faça se referir ao gênero.
A exposição do professor adjunto do curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense no campus de Rio das Ostras, Ranieri Carli, versa sobre a literatura na estética de Georg Lukács
, iniciando com o questionamento: se a arte como atividade humana tem um caráter inapelavelmente histórico, como é possível a permanência, por exemplo, da arte grega ou de Shakespeare? A arte apanharia os momentos essenciais de determinado tempo histórico e permitiria acessar a autoconsciência do gênero humano de determinado contexto. Carli opõe o cotidiano – como o reino da heterogeneidade, lugar privilegiado do singular – à atividade artística, que suspende momentaneamente o cotidiano e produz um meio homogêneo. Trabalha também a oposição entre narrar e descrever, comparando as obras Naná, de Émile Zola, e Anna Karênina, de Liev Tolstói. Além disso, contrapõe a categoria de tipo ideal de Weber com o tipo em Lukács. Por fim, o professor comenta sobre a não evolução da arte, no sentido de uma obra não anular a validade de outra, anterior a ela.
A exposição do professor titular da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, Juarez Duayer, trata da arquitetura e estética
. Em primeiro lugar, Duayer destaca a dimensão da obra e a bibliografia revisada pelo autor. Em seguida, ressalta a distinção que Lukács faz dos dois modos de refletir o mundo: a ciência e a arte e a centralidade da particularidade na arte. Essa distinção nos conduz ao tratamento da antropomorfização e desantropomorfização e ao direcionamento das artes ao mundo humano, porquanto a arte é o mundo humano plasmado pelo homem
. Duayer discorre também sobre o problema da permanência da arte, que se resolve nas permanências do mundo social frente às mudanças. Especialmente em relação ao tratamento da arquitetura, surge a questão da dupla mimese arquitetônica e seu meio homogêneo. Duayer trata também da necessidade da educação dos sentidos humanos, não somente para a produção, mas também para a recepção da arte. Finalmente, discorre sobre o phátos social e a sua dissolução no capitalismo, apontando para o que Lukács chamou de a quase
destruição da arquitetura como arte.
Encerrando a segunda parte dos textos, voltada para apresentação de algumas expressões estéticas particulares, Ronaldo Rosa Reis, professor titular aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, credenciado permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, apresenta a palestra: Notas Introdutórias e Comentários sobre o Cinema
. O texto começa, na nota I, com algumas considerações gerais sobre estética como disciplina de estudo, quer encarada na perspectiva gnosiológica ou na metafísica do passado, quer assumida pela ontologia crítica em Lukács. Na sequência, nas notas II e III, são apresentados em perspectiva, sequencialmente, os temas mais atinentes do campo disciplinar da estética – a saber, o belo, mimese e reflexo, incluindo o duplo reflexo no cinema. Por fim, a nota IV, conclusiva, traz uma digressão sobre a extraordinária eficácia ideológica do cinema e a sua capacidade de influenciar decisivamente a formação estético-cultural de seguidas gerações.
O caráter libertador da Arte na Estética de György Lukács
Ronaldo Vielmi Fortes
Esboço geral sobre a obra Estética de Lukács
É preciso, antes de qualquer consideração, fazer uma advertência sobre o tema que será aqui tratado: expor em poucas linhas a complexidade e a extensão programática de toda a obra de Lukács é uma tarefa muito difícil. Sobre tais dificuldades, podemos iniciar referindo o fato de que, além de ser uma obra pouco conhecida, pouco estudada, é uma obra extremamente densa e complexa, aspecto que nos leva a correr riscos, ao fazer uma exposição nas poucas linhas destinadas à redação desse artigo. Por esse motivo será necessário privilegiar em minha exposição apenas alguns elementos centrais da reflexão lukacsiana, na tentativa de apresentar aspectos importantes da peculiaridade do pensamento estético do autor. Para ilustrar a dificuldade de enfrentar uma obra desse porte, vale lembrar que se trata de um livro, no original alemão, de mais de 1.600 páginas. Além de volumosa, trata-se de uma obra de grande complexidade, não apenas pela quantidade de categorias tratadas, de temas abordados, mas pela qualidade e profundidade de seus conteúdos. Para ressaltar a dimensão dos intentos de Lukács, vale igualmente lembrar que suas intenções iam muito além das páginas que nos foram legadas; o projeto inicial de Lukács não se limitava ao primeiro tomo escrito, mas ele havia programado pelo menos três tomos para discutir a estética. Lukács só escreveu esse primeiro volume, abandonando o projeto da estética em prol da necessidade de escrever uma ética, projeto que culminou, dadas as necessidades da própria reflexão em curso, em sua obra derradeira – e que rivaliza com a Estética como sua produção mais importante –, Para uma ontologia do ser social.
Essas palavras iniciais visam dar destaque à densidade do pensamento do Lukács no período de sua última década de vida. Porém, importa ressaltar, logo de início, a questão decisiva que move as diretrizes principais do texto de Lukács, ou seja, cabe determinar qual a verdadeira natureza dos intentos de Lukács em suas reflexões sobre a estética. Primeira advertência que deve ser feita: não é de modo algum a mera tentativa de construir uma teoria comunista da arte, no sentido, por exemplo, daquilo que se deu na União Soviética ao logo nos anos iniciais da revolução de 1917, o assim chamado Proletkult,¹ ou seja, as incursões do marxismo (no sentido vulgar do termo) nos temas candentes da cultura, cujo objetivo era construir ideias próprias em oposição ao mundo ocidental, erguer uma concepção própria daquilo que vem a ser estética, daquilo que vem a ser a arte do ponto de vista do comunismo. Lukács está longe de uma proposta de tal monta, muito pelo contrário: os diversos artigos por ele escritos durante a década de 1930 mostram que o autor empreendeu uma briga ferrenha contra tais tentativas no interior do socialismo real. O que foi produzido dentro do campo do chamado marxismo oficial foi uma espécie de instrumentalização da arte cujo objetivo central consistia em fazer a propaganda do comunismo de base essencialmente stalinista. O pensamento marxista oficial da União Soviética atuava, nesse sentido, como uma extensão dos meios de difusão da doutrina do materialismo dialético histórico. Lukács, no período em questão, por meio de uma série de textos publicados em revistas literárias russas, fez uma crítica enérgica a essas posições e vertentes dogmáticas da teoria literária soviética.
A peculiaridade das elaborações de Lukács assenta-se exatamente sobre a tentativa de fazer uma reflexão à luz da inflexão filosófica trazida pelo pensamento de Marx. Trata-se de levar às últimas consequências as possibilidades abertas por essa inflexão, sobretudo nesse terreno variado e controverso da filosofia que é o pensamento estético. Vale insistir, portanto, não se trata simplesmente de edificar aquilo que seria a versão marxista da estética, mas, sob a nova perspectiva aberta pela radicalidade da inflexão marxiana diante de todo o pensamento filosófico anterior, entrar a fundo no debate da estética e extrair as consequências pertinentes acerca dessa dimensão da vida espiritual humana. O diálogo de Lukács é com alta tradição filosófica, e isto tendo como pano de fundo de suas reflexões aquilo que traz Marx enquanto novidade em seu pensamento. Se, portanto, insistirmos em dizer que em Lukács se realiza uma estética marxista, devemos entender sua realização teórica nesse sentido, qual seja: não é simplesmente a versão comunista de uma teoria da arte, mas é acima de tudo um debate com toda uma herança da filosofia, com a longeva trajetória filosófica das reflexões em torno da estética a partir das descobertas e conquistas do pensamento marxiano.
Essa observação é oportuna, pois nesse ponto é preciso fazer uma