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Tia da Internet
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E-book139 páginas1 hora

Tia da Internet

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Sobre este e-book

Não sei quando comecei a entender que eu, eu também, era responsável. Responsável por causa da minha inércia, da minha indiferença, da minha posição confortável, que me faziam simplesmente pensar: "não posso fazer nada".
A minha indignação não faria diferença. A minha repulsa não faria diferença. O meu grito não faria a diferença. Para demonstrar o meu descontentamento, só havia uma possibilidade: votar em branco. Não escolher ninguém, entre os candidatos que me apontavam e em quem eu não confiava. Eu era só parte do povo, e o povo não tinha vez nem voz. Eu costumava dizer: "o Brasil ainda é dos mesmos". E era. O Brasil era dos mesmos políticos, dos mesmos partidos, dos mesmos candidatos indicados pelos partidos, dos mesmos velhos raposos que ocupavam o galinheiro, digo, o poder. E, mais do que tudo, o Brasil pertencia à mesma força que era ainda não sei se um pouco menor — ou maior — do que a dos políticos: a mídia.
Em especial a Rede Globo de Televisão, que deixei de assistir há décadas, depois das novelas e programas cheios de sexo e depravação e, acima de tudo, que demonstravam como era conivente com governos corruptos e que nos envergonhavam.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de set. de 2020
ISBN9786586118506
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    Tia da Internet - Laurineide da Silva Leite

    história.

    01

    MEMóRIAS DE UM PASSADO

    GOVERNO MILITAR: A DITADURA

    Eu vivi durante o Governo Militar.

    Era criança quando eles assumiram o poder, e era adulta quando ele se findou. Durante todo o Governo Militar, quantas mudanças ocorreram no Brasil!

    Lembro que não tínhamos luz elétrica em casa, mas ela foi instalada. Não tínhamos água corrente, mas, de repente, água saía de nossas torneiras. Colégios de ensino médio foram criados na cidade. Para ensino público. Gratuito. Escolas públicas se multiplicavam. Usinas elétricas instaladas, estradas asfaltadas, paz, segurança.

    Adolescente, íamos a festas ou simplesmente nos sentávamos nas praças da cidade, indo tarde da noite para casa, sem medo, sem ameaças. Sentávamos nas calçadas, para ver o movimento das ruas, para fofocar, para brincarmos, até altas horas da noite.

    Ninguém via diferença em ninguém, mesmo porque, em cada rua, todos éramos uma só família. Vizinhos e amigos. Brancos, pretos, amarelos, pobres e os de melhor condição.

    Tanto fazia se era católico (o que quase todos éramos) ou se frequentavam igrejas protestantes ou candomblé. Os do candomblé tinham a vantagem de poderem se exibir, fazendo danças e ritos que nos encantavam.

    Sem divisões.

    Opções sexuais, nem sequer sabíamos o que era.

    Ninguém falava a respeito de sexo, nem mesmo quando namorávamos, o máximo que ocorria era rirmos dos trejeitos dos viados. Que não deixavam de ser nossos amigos por causa disso.

    Eles sofriam gozações, como qualquer um de nós, por ser preto, feio, gordo, magro, dentuço, ruivo, cabeludo, careca, ter pés chatos ou cabeça grande… ou ser viado… ou usar roupas velhas ou fora de moda… ou qualquer coisa que o fizesse diferente.

    Magoava, mas era o que acontecia. Acontecia com muitos.

    No ensino primário (naquele tempo se chamava assim mesmo, primário), eu, que era negra, gorda, tinha cabelo duro e era filha de mãe solteira, tinha toooodooos os motivos para sofrer discriminação.

    A pior delas por um motivo: eu era inteligente e, geralmente, tirava as melhores notas na escola. Por isso, a menina que, antes de mim, era a melhor aluna desenvolveu um método todo especial de me maltratar: um método que tinha, a meu ver, mais de dois metros de altura, comprido como um varapau — seu irmão mais velho.

    Ele tinha uns 12 anos, eu tinha 8. Eu, com pouco mais de um metro no tempo da 2ª série, tinha que levantar a cabeça para encará-lo. E tinha de encará-lo todo dia, na saída da escola, onde ele me surrava sem dó nem piedade, aos gritos dos demais alunos do Elizabete Lira, que formavam uma roda para me ver apanhando.

    Em meu favor, tinha o fato de que jamais derramei uma lágrima na vista de ninguém, e de que enfrentava o monstro com mordidas e pontapés. Bem poucos, é verdade. O desgraçado nem sequer tinha cabelo grande o bastante para eu puxar.

    Meu irmão mais novo, coitado, que ainda estava na primeira série — tinha 7 anos — na primeira vez quis me ajudar e apanhou de meia. No segundo dia, eu lhe pedi que ficasse de fora, e ele ficou lá, me esperando para me levar para casa. Isso durou bastante tempo, todo dia uma surra, com espectadores animados.

    Tornei-me a gozação não só da classe, mas de toda a escola. Ninguém me ajudou.

    Um dia, porém, as surras pararam. Não sabia por que até bem pouco tempo. Um dia desses, meu irmão, meu herói, me contou que foi à casa do facínora e denunciou aos irmãos dele o que estava acontecendo. Nunca soube que aquele menino tão pequeno tomou aquela atitude de super boy para me salvar. Mas vou lhe ser grata pelo resto da vida.

    Aqueles episódios moldaram nossos temperamentos — eu me tornei agressiva, impetuosa, lutadora, não fugia de briga nenhuma, corporal ou verbal. Aí, também comecei a receber uma pecha — houvesse uma briga, se eu estivesse no meio, era a culpada de tudo. Porque aprendi a não levar desaforo para casa. Cismasse que alguém ia mexer comigo, até através de olhares, eu ia em cima. Nem sempre ganhava as brigas, mas nunca corria delas.

    Meu irmão, também ele, assumiu sua personalidade — entendeu que tudo pode ser resolvido pelas vias diplomáticas. Teve mais sorte.

    Nossa mãe, graças a Deus, não sabia o que acontecia, e, se soubesse, com certeza me daria outra surra ao chegar em casa.

    Era assim, antigamente. Apanhou na rua, apanhava em casa.

    Bons tempos.

    E, apesar de desenvolver um ódio saudável por aquela menina e seu irmão, jamais quis me fazer de vítima.

    Muitos outros colegas meus sofreram bullying.

    Em todos os tempos, crianças e adolescentes vão ter motivos para fazer chacota dos colegas.

    Incrível não perceberem a dor que causam, ou que se rejubilem com essas dores. Incrível não entenderem que podem matar, tanto física como moralmente, as suas vítimas.

    FALANDO DE POLíTICA

    Nos últimos tempos, depois que a política passou definitivamente para o domínio civil, fala-se muito dos padrinhos políticos, aqueles que arrebanham eleitores como gados bovinos e formam currais eleitorais, principalmente no Nordeste. Não, não estou falando de Bolsonaro, estas são lembranças do tempo em que eu era criança e adolescente.

    Sei que, em minha cidade, Timbaúba, Pernambuco, desde que me lembrava, sempre tinha um Ferreira Lima na prefeitura.

    E como Timbaúba era bonita! Próspera! Tantas fábricas de calçados. A fábrica de tecido. Indústrias. SESI. Fábrica de arroz, que nunca foi inaugurada, e era nosso parque de brinquedos. Fábrica de beneficiamento de milho. Produção de cana-de-açúcar. Engenhos. Os colégios eram bem-estruturados, públicos, com educação de qualidade, e eram bancados pelos governos municipais. Uma das maiores usinas do país, a Usina Cruangi, ficava no nosso município, e era quase uma cidade. Referência nacional.

    O Hospital Municipal funcionava perfeitamente e atendia de maneira exemplar a todos nós. Acho que nossos padrinhos eram, realmente, perfeitos. Queria ainda estar sob as asas deles.

    Eu consegui estudar no melhor colégio da cidade porque o prefeito pagava metade da minha mensalidade. Bolsas de estudo, dadas pela prefeitura aos meninos que estudavam em escolas municipais e se destacavam com boas notas.

    Devo aos Ferreira Lima ter conseguido poder competir, no mercado de empregos, e ter uma vida digna. E ter servido de exemplo para os meus irmãos: a gente pode!

    Preto, branco, pobre, rico, homem, mulher, hétero, gay, se estudar e lutar para conseguir chegar a um objetivo, consegue.

    Consegue estudar, fazer faculdade (naquele tempo, apesar do que diz o PT, já existiam as faculdades públicas, e foi no Governo Militar que se criou o Crédito Educativo), lutar por uma vida melhor.

    Não é vedado a ninguém, nem a quem se diz vítima da sociedade. Ninguém é vítima da sociedade por si só, apenas se quiser se deixar levar pelo pessimismo, pela pobreza, pela preguiça, pela falta de determinação e pelo pior dos males: o vitimismo.

    Há muito tempo existem os colégios públicos para o ensino do 2º e 3º graus, assim como há muito tempo existem faculdades públicas.

    E lembrem-se bem DISTO: o FIES, ou Crédito Educativo, como era chamado, foi criado pelo Governo Militar em 1975. Desde muito antes da chegada do PT ao poder. E é irônico e insultante que o governo do PT tenha se apropriado da criação de todos os benefícios sociais que outros governos criaram, ainda que, quase sempre, com SUA TOTAL E IRRESTRITA CRÍTICA E DESAPROVAÇÃO.

    Acho que nunca cheguei a votar em nenhum Ferreira Lima, pois quando atingi a idade para votar — e a permissão, pois mulheres não votavam quando eu era criança — já não morava em Pernambuco.

    Obrigada, aos Ferreira Lima! Exemplo de que, se forem apadrinhados por homens honestos, os currais eleitorais não se formam por opressão, mas por escolha dos gados que se sabem protegidos e respeitados.

    Lembro-me de um dito que se tornou piada: João Ferreira Lima, o patriarca

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