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Princípios Elementares da Teologia Cristã: a Bíblia substituindo a tradição
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Princípios Elementares da Teologia Cristã: a Bíblia substituindo a tradição

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Sobre este e-book

Se todas as religiões falam sobre o mesmo Deus, por que temos tantas religiões descrevendo a Deus e nossa relação com Ele de formas contraditórias? Se Cristo é um, e explicitamente apelou pela unidade de seus seguidores, por que temos uma multiplicidade de denominações professando representá-lo ao mundo?
Diferentes denominações cristãs repousam sobre diferentes projetos teológicos. Diferentes projetos teológicos resultam da aplicação de diferentes metodologias teológicas. Diferentes metodologias teológicas derivam do contorno no qual teólogos cristãos decidiram sobre as fontes da teologia por meio das quais Deus se revela a eles. Finalmente, os projetos teológicos diferem por causa dos princípios de interpretação teológica que os teólogos escolhem como guias em sua interpretação das Escrituras e na construção das doutrinas cristãs.
O projeto teológico delineado brevemente em Princípios elementares da teologia cristã é construído substituindo-se a tradicional multiplicidade de fontes da teologia pelo princípio da "Reforma Radical" da sola-tota-prima Scriptura. Por causa dessa decisão metodológica, seremos compelidos a nos afastar radicalmente dos projetos teológicos católico romano, protestante e conservador. As razões e conteúdos desse afastamento se tornarão autoevidentes à medida que desenvolvemos os elementos básicos da teologia cristã.
IdiomaPortuguês
EditoraUnaspress
Data de lançamento15 de set. de 2020
ISBN9788584631261
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    Princípios Elementares da Teologia Cristã - Fernando Canale

    (epílogo).

    As fontes do conhecimento teológico

    Uma teologia para a igreja deve ser uma teologia para os crentes, para aqueles que ensinam e pregam, bem como para aqueles que, semana após semana, sentam-se nos bancos da igreja. Crentes buscam conhecer a Deus pessoalmente e experiencialmente ao compreender os seus atributos. Isso é o que fundamenta a sua crença e desenvolve a sua fé. Porém, devemos perguntar: De onde origina-se o conhecimento do crente sobre Deus? Em outras palavras, qual é a fonte que os cristãos possuem para conhecer a Deus? Essas perguntas dão início ao nosso estudo sobre o princípio fundamental do método teológico. O método teológico é simplesmente o sistema ou processo que os cristãos seguem para chegar à sua interpretação de Deus, das Escrituras e da formulação das crenças religiosas.

    Ao longo da história, os cristãos têm embarcado em vários trajetos em sua busca para compreender a Deus. Diferentes fontes para a reflexão teológica têm levado a diferentes correntes teológicas, com o resultado natural de dividir o cristianismo em várias práticas, igrejas ou denominações conflitantes. Consideremos brevemente alguns dos principais rumos tomados pelos teólogos para desenvolver sua compreensão de Deus.

    §5 Ateísmo

    Não só cristãos pensam sobre Deus. Religiões não cristãs também pensam sobre ele. E até mesmo aqueles que não creem que há um Deus também têm que levá-lo em conta. Esses últimos são chamados de ateus. O ateísmo é a convicção de que Deus não existe. Pelo fato de que a percepção sensorial não nos fornece informações sobre Deus, nem a razão é capaz de provar a existência do que os religiosos chamam de Deus, os ateus concluem que ele é simplesmente inacessível. Para o ateu, Deus é um termo sem nenhuma realidade por trás dele. É como se falássemos sobre o Sol, mas sem nenhuma estrela correspondente à definição Sol.

    O ateísmo, portanto, não permite uma teologia. Para os ateus, há apenas a compreensão filosófica e científica de si mesmos, do mundo e do futuro. Sendo que o ateísmo questiona a existência de Deus com argumentos racionais, muitos teólogos cristãos têm apresentado argumentos racionais de que ele existe. Esse exercício racional é parte da apologética cristã. Alguns autores iniciam sua exposição da teologia cristã argumentando racionalmente em favor da existência de Deus. Tomás de Aquino, o principal teólogo da Igreja Católica Romana, é um clássico exemplo dessa abordagem. Os ateus, assim, negam que há uma forma de compreendermos a Deus, simplesmente porque, segundo eles, não há uma realidade divina. Compreender a Deus, na mente deles, equivale a não compreender nada. Esse pensamento produz uma forma de compreender a realidade sem Deus e ficou conhecido como naturalismo ou niilismo.

    Ao se testemunhar a ateus, evidências racionais da existência de Deus podem ajudar bastante. O Espírito Santo pode usar esses argumentos racionais para derrubar alguns dos preconceitos culturais que dificultam a fé em muitas pessoas pós-modernas.

    §6 Filosofia

    Além de elaborar argumentos racionais em favor da existência de Deus, filósofos têm buscado conhecer a natureza de Deus contemplando a natureza e a história. Em outras palavras, na filosofia, as fontes para conhecer a Deus são os dados cotidianos que encontramos em nosso ambiente natural e em eventos históricos. Aristóteles (384-322 a.C.) provavelmente foi o primeiro filósofo a desenvolver uma ideia de Deus contemplando a natureza.

    Durante a Idade Média (séculos 7-13), filósofos continuaram a desenvolver um conhecimento natural de Deus. Eles conceberam a natureza de Deus negando todas as imperfeições e más características que encontramos na natureza e na história (via da negação); afirmando todas as boas características e perfeições que encontramos na realidade (via da afirmação); e reivindicando que Deus possui estas últimas em um modo infinitamente perfeito (via da eminência). Essas três formas de conhecer a natureza de Deus produz a noção de um Deus pessoal e atemporal geralmente classificada como teísmo.

    Nos tempos modernos (séculos 18-20), filósofos colocaram Deus fora da linha de causa e efeito do continuum espaço-temporal. Eles não mais concebem a Deus como uma pessoa com características semelhantes aos humanos (Deus antropomórfico), mas como algo que existe além dos limites de nossa condição de criaturas. O conceito de Deus se torna associado sobretudo com a energia que permeia e guia a natureza e a história. Essa forma de conhecer a Deus ofusca a distinção entre Deus e o mundo. Para todos os propósitos práticos, Deus e o mundo são a mesma coisa. As designações acadêmicas que identificam essa forma de compreender a Deus são o panteísmo e o panenteísmo.

    O estudo de Deus baseado em fontes naturais e históricas ajuda os filósofos a continuar em sua busca pelo significado das realidades naturais e históricas; por exemplo: o mundo, os seres humanos, o conhecimento, a história e o bem. Os conceitos e ensinamentos moldados pela abordagem natural/histórica se tornaram o conteúdo do que os estudiosos chamam de teologia natural.

    §7 História das religiões

    Nos tempos modernos (séculos 17-20), a mesma abordagem descrita acima (ver Filosofia) iniciou o estudo de Deus usando dados produzidos por diferentes religiões. Com base panteísta ou panenteísta, alguns pensadores modernos começaram a estudar a Deus refletindo sobre a experiência religiosa. Várias religiões têm desenvolvido ideias sobre Deus com base em experiências religiosas, cuja existência os cientistas não podem negar como fenômeno humano. Os filósofos, então, iniciam seu estudo científico de Deus usando as ideias produzidas pelas experiências religiosas como dados para construir uma ideia de Deus que não podem justificar por meio de procedimentos científicos.

    Esse procedimento, então, toma como fontes do conhecimento teológico, os ensinamentos produzidos por todas as tradições religiosas, inclusive a religião cristã. Os estudiosos denominam essa abordagem história das religiões ou história das tradições. Os conceitos e noções sobre Deus reunidos a partir da tradição como fontes do conhecimento teológico também são parte da teologia natural.

    §8 Fontes múltiplas

    A maioria das tradições teológicas usam a abordagem das múltiplas fontes do conhecimento teológico. Argumentando que a filosofia fala corretamente sobre Deus, e em harmonia com a revelação de Cristo, Justino Mártir (100-165 d.C.) deu início à convicção teológica de que o cristianismo deve estudar Deus e desenvolver suas doutrinas usando múltiplas fontes de informação.1 Seguindo seu exemplo, a maioria dos teólogos católicos e protestantes construíram suas ideias sobre Deus e seus sistemas teológicos baseado em múltiplas fontes da matriz do conhecimento teológico.

    Embora a tradição católica romana tenha originado a abordagem da matriz de múltiplas fontes, os protestantes, na prática, nunca a rejeitaram completamente, apesar de sua alardeada convicção sobre o princípio da sola Scriptura (as Escrituras somente). Eles se referem às múltiplas fontes do conhecimento para o estudo de Deus e de todas as doutrinas cristãs como o quadrilátero de fontes, que inclui a experiência, as Escrituras, a tradição e a filosofia. A convicção de que o cristianismo deve construir sua compreensão de Deus e seu sistema doutrinário em uma matriz de fontes múltiplas se tornou um dogma metodológico quase incontestável. Para alguns, questioná-lo equivale a proferir uma heresia.

    §9 As Escrituras

    Outra forma possível de compreender a Deus e desenvolver os ensinos da teologia cristã para nosso mundo contemporâneo é o uso das Escrituras, o Antigo Testamento (AT) e o Novo Testamento (NT), como a única fonte de informações sobre Deus e as doutrinas cristãs.

    No século 16, os reformadores protestantes introduziram o revolucionário princípio da sola Scriptura (as Escrituras somente). No entanto, apesar de seu arrojado desafio formal às múltiplas fontes da matriz teológica, os teólogos protestantes, na prática, continuam a produzir teologias a partir da matriz de fontes múltiplas. Por causa do dogma metodológico incontestado, o qual insiste que os teólogos cristãos construam suas teologias a partir de uma multiplicidade de fontes inter-relacionadas de conhecimento, as principais tradições e denominações cristãs ainda não desenvolveram uma compreensão de Deus baseada somente nas Escrituras.

    §10 Considerações finais

    Obviamente, refletir sobre Deus requer uma forma pública de conhecê-lo. Com público, quero dizer que é facilmente acessível a todos os seres humanos em todas as épocas. A fonte de conhecimento teológico é, portanto, a questão básica e fundamental sobre a qual repousa a metodologia teológica. Uma clara explanação da metodologia teológica é necessária para justificar o modo como identificamos e compreendemos os elementos da teologia cristã na atmosfera pluralista do cristianismo do século 21.

    A posição que um teólogo toma sobre a fonte ou fontes do conhecimento teológico determinará a direção geral e o sistema de sua busca teológica pelo significado de Deus e as doutrinas cristãs. Em certo sentido, a escolha da fonte do conhecimento teológico é o divisor de águas entre os vários projetos da teologia cristã.

    A maioria dos teólogos seguem de maneira acrítica as fontes teológicas da tradição à qual pertencem. Essa decisão necessariamente predetermina sua compreensão de Deus e suas premissas de como ele se revela. O ateísmo, ao negar a existência de Deus, nega a possibilidade da revelação e, portanto, de uma teologia verdadeira. Consequentemente, essa opção não ajuda os teólogos a tomarem uma decisão sobre a fonte do conhecimento teológico.

    A teologia natural desenvolve várias interpretações de Deus. Em suas interpretações teísta e panenteísta, a teologia natural se desenvolve como a versão humana do que Deus se parece. A teologia natural imagina Deus no silêncio de sua ausência. O resultado é um Deus totalmente separado do mundo, como no deísmo, ou totalmente identificado com ele, como no panteísmo e no panenteísmo. Essas versões diferem radicalmente da versão bíblica de Deus.

    As múltiplas fontes da matriz do conhecimento teológico sobre as quais as tradições clássica, moderna e pós-moderna da teologia cristã estão construídas, distorcem grandemente a autorrevelação de Deus testemunhada nas Escrituras. Os ensinos da teologia natural dominam a interpretação das informações bíblicas sobre o ser e os atos de Deus. Nesse processo, o pensamento bíblico ou é completamente negligenciado ou é distorcido. Infelizmente, é por meio dessa visão distorcida que o cristianismo subsiste e continua a representar Deus a milhões de crentes e interessados sinceros.

    Claramente, deve haver uma forma melhor de apresentar Deus aos crentes, livre de distorções e construída sobre um fundamento confiável. Essa forma não é outra senão a bíblica. Em Princípios elementares da teologia cristã, pretendo ajudar cristãos a compreender a Deus a partir de sua autoapresentação feita ao longo da história humana, conforme atestada nos registros públicos das Escrituras. Compreender a realidade de Deus é o primeiro elemento básico da teologia cristã, do qual todo o resto é um desdobramento.


    ¹ "Justino tenta traçar um vínculo real entre a filosofia e o cristianismo: de acordo com ele, tanto um quanto o outro tem parte no logos, disseminado parcialmente entre os homens e manifesto plenamente em Jesus Cristo (Justino, I, v, 4; I, xlvi; II, viii; II, xiii, 5, 6)". Disponível em: https://bit.ly/2mhaT4I>.

    Método teológico

    Como expliquei no primeiro capítulo, Princípios elementares da teologia cristã não pretende ser a última palavra teológica para a igreja, mas um ponto de partida que leve os crentes a iniciarem sua reflexão e ação à luz das Escrituras. Isso requer que todos os crentes concordem com algumas premissas e procedimentos básicos. Uma vez que concordamos com as pressuposições e o método básico, a diversidade dos talentos concedidos por Deus atuarão em harmonia, produzindo unidade na mente e nas ações.

    Por essa razão, antes de passarmos ao estudo de Deus, precisamos considerar nosso roteiro, ou seja, o caminho que percorreremos. Os teólogos costumam se referir a isso como prolegômenos, isto é, aquilo que precisamos apresentar explicitamente antes de tentar identificar e interpretar alguns elementos básicos da teologia cristã. Neste capítulo, vamos considerar o princípio das Escrituras, o princípio de intepretação, a desconstrução da tradição e a construção do pensamento teológico por meio da teologia bíblica e da teologia sistemática.

    Uma última palavra antes de prosseguirmos: é provável que alguns membros de igreja achem intimidador ou desencorajador o conteúdo analítico e técnico deste capítulo. Se esse for o seu caso, sugiro que pule este capítulo e retorne a ele depois. Por outro lado, alunos de teologia, pastores e professores de ensino religioso talvez desejem estudá-lo atentamente, para se familiarizarem melhor com os aspectos básicos do pensamento teológico.

    §11 O princípio da sola Scriptura

    Nenhuma teologia cristã é capaz de funcionar ou mesmo existir sem as Escrituras. A teologia natural e a história das religiões não podem produzir teologia cristã. Só a Bíblia possui as informações necessárias para produzir teologia cristã. Assim, todas as correntes teológicas falam sobre o princípio das Escrituras. No entanto, como ficará mais claro em nosso estudo, a forma como o princípio das Escrituras atua em determinado projeto teológico depende da compreensão de revelação e inspiração presumida por cada projeto teológico.

    Com projeto teológico, refiro-me a qualquer tradição que tenta compreender a Deus e os ensinos cristãos de modo coerente. No sentido mais amplo, podemos dizer que o número de projetos teológicos é o mesmo do de teólogos. No sentido mais estrito, podemos dizer que há três principais projetos ou tradições teológicas: o católico romano/ortodoxo oriental, o protestante/evangélico e o modernista/científico. Quando eu mencionar tradições ou projetos teológicos, estarei me referindo a esses três projetos como as principais tradições, escolas ou projetos da teologia cristã. Sendo que cada tradição compreende a revelação-inspiração das Escrituras de forma diferente, o princípio das Escrituras atua diferentemente em cada projeto.

    O projeto teológico que vou delinear brevemente em Princípios elementares da teologia cristã não só assume uma compreensão diferente da revelação e inspiração das Escrituras, mas também substitui o contexto de múltiplas fontes por uma aplicação plena do princípio protestante da sola Scriptura (as Escrituras somente). A aplicação plena do princípio da sola Scriptura envolve não só o NT mas também o AT como uma revelação indivisível de Deus (tota Scriptura). Comprometendo-se com a totalidade da Escritura, Princípios elementares da teologia cristã abandona a tendência herética de construir a teologia a partir do NT, sem a estrutura doutrinária do AT. A fim de compreender a Deus e as doutrinas cristãs, precisamos descobrir a lógica intrínseca da continuidade histórica divina, revelada pelo AT e pelo NT.

    A fidelidade à totalidade das Escrituras também rejeita a típica metodologia do cânon dentro do cânon. Em outras palavras, ela reverte a tendência de moldar a teologia cristã selecionando e escolhendo das Escrituras aquilo que melhor se encaixa em determinada tradição religiosa.

    No contexto das múltiplas fontes teológicas, o procedimento da prima Scriptura significa que os teólogos iniciam com um ensino, passagem ou conceito bíblico, o qual eles complementam ou adaptam à informação ou conceitos derivados de outras fontes. No contexto do princípio da sola Scriptura, o procedimento da prima Scriptura atua da seguinte forma. Primeiro, os teólogos buscam os significados de toda a revelação bíblica guiados por princípios hermenêuticos, derivados da própria Escritura. Só então, aplicamos as ideias bíblicas sobre Deus, o mundo e a humanidade, para compreender e criticar toda a sabedoria humana. Assim, no princípio da sola Scriptura, o procedimento da prima Scriptura significa que os teólogos dão prioridade hermenêutica e interpretativa à verdade das Escrituras acima de todas as verdades que alcançamos por meio de metodologias filosóficas e científicas. Além disso, criticamos e compreendemos as últimas à luz da primeira.

    Pelo fato de que decidimos definir o princípio do conhecimento teológico substituindo o paradigma tradicional de múltiplas fontes pela aplicação plena do princípio protestante da sola Scriptura, o projeto teológico que vou desenvolver em Princípios elementares da teologia cristã se afastará radicalmente dos principais projetos da teologia cristã.

    §12 Princípios de interpretação

    A teologia é uma atividade interpretativa intelectual. Como tal, ela envolve não só dados (o princípio do conhecimento), mas também seres humanos tentando compreender os dados e a realidade sobre a qual os dados falam (o princípio de interpretação). Aqui é o momento no qual teólogos profissionais, pastores e membros de igreja se unem na tarefa teológica. Embora leigos não estejam diretamente relacionados com os conteúdos dos dados teológicos, sua compreensão dos conteúdos molda a doutrina cristã.

    Visto que a teologia é a tarefa de compreender a revelação divina (§1), a qual Deus tornou disponível nas Escrituras (§11) por meio da revelação-inspiração, precisamos nos familiarizar com os princípios de interpretação.

    Conhecer é compreender, e compreender é interpretar. Todo conhecimento humano, inclusive a teologia, está dentro dos padrões gerais da interpretação. Então, o que é interpretação? Pode-se definir interpretar como conceber à luz de determinada crença, juízo ou circunstância. Fundamental para o conceito de interpretação é a luz na qual vemos as coisas. Na linguagem técnica, essa luz é formada pelas pressuposições ou contexto que presumimos quando tentamos compreender dados, informações ou fatos.

    Precisamos perceber a diferença entre dados (fatos, informações) e conhecimento (compreensão). Que 2 + 2 = 4 e que o Sol é quente são dados que recebemos por meio da linguagem. Descobrimos o significado de ambos quando os colocamos no contexto das realidades às quais se referem. Isto é, compreendemos que 2 + 2 = 4 quando ligamos esse conjunto de sinais com os cálculos de maçãs, por exemplo. Quando tomamos uma maçã e a colocamos ao lado de outra maçã, temos duas maçãs. Quando tomamos duas maçãs e as colocamos ao lado de outras duas maçãs, temos quatro maçãs. Aprendemos esse procedimento cognitivo cedo em nossa infância e o trazemos conosco sempre que nos defrontamos com uma equação aritmética. Aprendemos à luz de nossa familiaridade prévia com o objeto, ao qual os sinais que tomamos como dados se referem. O conhecimento prévio, que trazemos à tarefa de compreender sinais ou realidades, automaticamente molda nossa compreensão ou interpretação deles. O mesmo acontece na frase: o sol é quente. Porque o conhecimento que essas declarações expressam é tão claro para nós, e porque o corroboramos por meio de nossa experiência imediata, os chamamos de fatos e tendemos a nos esquecer de que os obtivemos por meio da intepretação.

    No entanto, nem todo conhecimento é tão claro e imediatamente aberto à nossa experiência e corroboração. Quando as questões são complexas, a interpretação geralmente conduz a pontos de vista diferentes sobre o mesmo objeto, texto, realidade ou problema. Esse é o caso quando tentamos compreender textos, questões ou realidades de natureza científica, filosófica ou teológica. O conhecimento científico, filosófico e teológico sempre depende de pressuposições que os seres humanos assumem em sua compreensão dos dados.

    Devemos ter em mente, portanto, que, quando teólogos, pastores e membros de igreja tentam compreender a revelação divina dada na linguagem das Escrituras, suas conclusões refletem não só os dados da revelação que estudam, mas também as pressuposições, ou luz, na qual os veem. Em poucas palavras, a luz na qual vemos as coisas é o conhecimento que já temos sobre as coisas que tentamos compreender. Assim, os intérpretes não inventam a luz ou as pressuposições que precisam para compreender seus objetos de estudo, mas os assumem a partir dos próprios objetos, com base em conhecimento ou experiência prévios.

    Sendo que conhecimento é interpretação, todos os projetos teológicos são o produto da aplicação de diferentes pressuposições, ideias preconcebidas ou luzes a respeito do objeto que estudamos. No caso da teologia cristã, todo projeto teológico é uma interpretação que busca compreender Deus e Cristo conforme revelados nas Escrituras.

    As fontes de conhecimento teológico que estudamos na seção sobre o princípio das Escrituras (§ 11) deixam claro que um projeto teológico baseado só nas Escrituras será radicalmente diferente de todos os projetos teológicos baseados na matriz de múltiplas fontes do conhecimento teológico. Se os teólogos trabalham com diferentes conjuntos de dados, suas conclusões necessariamente serão diferentes. Contudo, por que há diferentes projetos teológicos entre os teólogos que concordam com a matriz de múltiplas fontes de conhecimento teológico? A resposta é simples. Os teólogos que trabalham a partir dessa matriz interpretam a teologia e constroem sua compreensão da teologia a partir dos ditames da filosofia e da ciência. Como essas fontes mudam com o desenvolvimento do conhecimento humano, o mesmo acontece com a luz a partir da qual os teólogos constroem seus projetos teológicos.

    Por exemplo, o projeto clássico da teologia cristã (em suas versões católica romana, ortodoxa oriental, protestante e evangélica) trabalha à luz de conceitos platônicos e aristotélicos da realidade e do conhecimento. O projeto modernista da teologia cristã trabalha sob conceitos filosóficos kantianos e hegelianos, bem como sob a teoria científica da evolução. O projeto teológico que pretendo delinear em Princípios elementares da teologia cristã afasta-se significativamente da tradição, já que extrai sua luz da própria Escritura. Assim, vamos derivar os princípios de interpretação do princípio das Escrituras. Fazendo isso, continuaremos a direção teológica dos escritores do AT e do NT e a tradição da chamada Reforma Radical, iniciada, entre outros, pela comunidade anabatista. Os princípios de interpretação dizem respeito à realidade (ontologia), à articulação (metafísica) e ao conhecimento (epistemologia). O princípio da realidade lida com as características básicas de Deus, dos seres humanos e do mundo. O princípio da articulação lida com a forma pela qual Deus, os seres humanos e o mundo interagem. E o princípio do conhecimento lida com o modo pelo qual o conhecimento humano atua, a origem do conhecimento teológico e a maneira pela qual devemos interpretar os dados teológicos. Pelo fato de que este não é um estudo acadêmico, mas uma teologia para a igreja, não vou desenvolver uma análise teorética dos princípios cognitivos ou interpretativos da teologia.1 Em vez disso, vou abordar os princípios da realidade e da articulação como parte da busca teológica pelo significado da revelação bíblica.

    §13 Desconstrução da tradição

    A interpretação bíblica e a construção doutrinária acontecem como história. Pertencemos e atuamos dentro de uma história de interpretação e construção. Até mesmo quando definem os princípios do conhecimento teológico e da interpretação de formas diferentes, os teólogos precisam relacionar seus pontos de vista às tradições passadas e presentes.

    Nesta obra, vamos relacionar nossa busca pelo significado aos principais projetos teológicos do pensamento cristão que determinam o pensamento e as ações da maioria dos cristãos ao redor do mundo. Esses são: o projeto clássico, que inclui a versão católica romana original e a versão protestante da versão católica; e o projeto moderno, que também inclui as versões católica romana e protestante. O conteúdo desses projetos são a parte central do que os cristãos chamam de tradição. Os principais projetos da tradição cristã usam a teologia como a luz a partir da qual continuam a interpretar as Escrituras e a construir as doutrinas cristãs. Como um projeto teológico que intencionalmente interpreta as Escrituras e constrói as doutrinas cristãs em cima do princípio da sola Scriptura se relacionam com uma tradição que constrói a partir das múltiplas fontes da matriz teológica? Será que devemos rejeitá-lo completamente?

    Nas Escrituras, temos uma visão negativa e uma visão positiva sobre a tradição. Do lado negativo, por exemplo, encontramos Cristo respondendo aos fariseus e escribas quando acusaram os discípulos de quebrar a tradição dos anciãos, acusando-os de seguirem sua própria tradição em vez da lei de Deus (Mt 15:1-16; ver Mc 7:8-9, 13). Paulo expande o uso negativo da tradição na teologia ao incluir tradições originadas na filosofia (Cl 2:8). Do lado positivo, Paulo orienta os irmãos que vos aparteis de todo irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que de nós recebestes (2Ts 3:6). Pelo fato de que somos seres históricos, a tradição é inevitável. Tradição é a história a qual pertencemos. Portanto, há uma boa história/tradição teológica que brota de revelação divina contida nas Escrituras, e uma tradição errônea e distorcida, originada na imaginação e na filosofia humana.

    Obviamente, não podemos tomar ensinos tradicionais como fontes autorizadas da teologia. Em vez disso, devemos nos envolver criticamente na tradição para determinar se ela contribui para compreender a revelação bíblica à luz das Escrituras. Embora respeitemos a tradição e estejamos dispostos a aprender com ela, o princípio das Escrituras, a partir do qual trabalhamos, requer um envolvimento crítico na tradição como pré-condição para usar conceitos da tradição.

    A obtenção crítica da tradição decorre de uma hermenêutica da suspeita que gera uma desconstrução de todos os sistemas, interpretações e conceitos teológicos. Em outras palavras, nos engajamos na tradição, mas não a recebemos como dogma revelado. Em vez disso, vemos a tradição como construções humanas condicionadas pelos conceitos que seus criadores escolheram, implícita ou explicitamente, em suas construções teológicas. Consequentemente, não podemos tomar a tradição como fonte da teologia, mas devemos abordá-la com suspeita. Pelo fato de que seres humanos, trabalhando a partir das múltiplas fontes da matriz teológica, geraram as principais tradições da teologia cristã, uma teologia que trabalha a partir do

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