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Como Entender Teologia: estudos sobre o método teológico
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Como Entender Teologia: estudos sobre o método teológico
E-book617 páginas9 horas

Como Entender Teologia: estudos sobre o método teológico

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Sobre este e-book

Por que há tantas igrejas e crenças divergentes se a Bíblia é uma só? E o que leva teólogos a chegarem a conclusões às vezes muito diferentes até quando estudam um mesmo objeto? A resposta a essas questões passa, em grande medida, pela forma como eles interpretam as Escrituras, ou, antes, o método utilizado para a pesquisa bíblica.
Como entender teologia: estudos sobre o método teológico é uma obra que apresenta ao leitor profundas reflexões sobre a hermenêutica bíblica. Ao longo de nove capítulos, os autores abordam tópicos que têm sido cruciais para os rumos da interpretação bíblica ao longo da história e, de maneira especial, na atualidade. Uma obra que já nasce essencial para todos que levam a sério o estudo da Palavra de Deus.
IdiomaPortuguês
EditoraUnaspress
Data de lançamento16 de mar. de 2021
ISBN9788584631612
Como Entender Teologia: estudos sobre o método teológico

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    Como Entender Teologia - Unaspress

    Organizador

    Noções

    Interpretação das ideias expressas em textos: o método filosófico de pesquisa nas ciências humanas

    Fernando L. Canale

    Resumo¹: Este capítulo apresenta a estrutura e os princípios básicos da pesquisa de ideias expressas em textos escritos. A primeira seção distingue as metodologias de pesquisa nas ciências factuais² e nas ciências humanas. A segunda seção distingue as metodologias do pensamento filosófico (metodologias usadas pelos filósofos para desenvolver seu pensamento) e as metodologias de pesquisa filosófica (metodologias utilizadas por estudantes de pós-graduação e pesquisadores). Depois de descrever a noção geral de método e suas condições, são identificados os componentes necessários para qualquer metodologia. Em seguida, é analisado brevemente o papel de cada componente na pesquisa de ideias transmitidas em textos. Os componentes envolvidos são os materiais, os objetivos e os princípios de interpretação. Depois, o funcionamento do método de pesquisa filosófica é brevemente discutido. O capítulo termina apontando algumas das limitações do método que interpreta ideias expressas em textos escritos.

    Desde o início da Revolução Científica (séculos 15-17), a influência das disciplinas filosóficas tem diminuído, e seus postulados e procedimentos substituídos pelos procedimentos e postulados das ciências factuais. Consequentemente, no século 21, o domínio da metodologia científica se estendeu não apenas à pesquisa do mundo natural, mas também à pesquisa do mundo das ciências humanas. Neste contexto, falar em método de pesquisa filosófica parece, à primeira vista, o resquício de um passado que já foi superado. No entanto, com frequência, pesquisas desenvolvidas com o método científico incluem referências a ideias que não resultam da aplicação do método científico. Além disso, as ciências humanas não aplicam somente o método científico experimental, mas também uma variedade de metodologias entre as quais ainda figura o método filosófico. Essas referências indicam que o método filosófico de pesquisa continua a desempenhar um papel decisivo na área das humanidades. Infelizmente, a ênfase nas chamadas metodologias científicas levou, na prática, a negligenciar a metodologia filosófica de pesquisa.

    Com frequência, encontro estudantes que pesquisam um tópico na área das ciências humanas convencidos de que o método filosófico de pesquisa é simples comparado ao método científico. A razão desse preconceito é o desconhecimento do que é exigido por uma pesquisa de ideias produzidas por seres humanos. Por exemplo, um dos mitos a respeito da pesquisa filosófica é que ela não requer precisão. Nossas ideias são imprecisas e relativas; portanto – sustenta o mito –, a pesquisa filosófica não exige a precisão da pesquisa científica. Muitos chegam a pensar que a metodologia filosófica de pesquisa consiste em ler alguns livros, principalmente relacionados ao assunto, fazer anotações e, em seguida, relatar as informações coletadas ou apresentar a opinião pessoal que se chegou por meio da leitura. Outros, mais sofisticados, identificam a metodologia filosófica com técnicas de pesquisa bibliográfica. Embora essas técnicas sejam indispensáveis, representam apenas um aspecto da metodologia teórica.

    Nosso estudo do método filosófico de pesquisa de ideias expressas em textos escritos exigirá várias etapas. Para começar, situaremos a metodologia filosófica dentro do campo das metodologias de pesquisa. Em segundo lugar, distinguiremos a metodologia filosófica de pesquisa nas ciências humanas, o método filosófico e o método hermenêutico-exegético. Depois, vamos explorar a noção de método. Em seguida, consideraremos suas condições formais, isto é, os elementos sem os quais nenhum método pode operar. Esses passos preliminares nos servirão de base para identificar os componentes do método filosófico de pesquisa, isto é, os materiais com os quais trabalhamos, seu objeto e os princípios de interpretação necessários para processar seus dados. Encerraremos esta breve consideração da metodologia filosófica de pesquisa com uma referência sucinta à sua operação e limitações. Antes de tudo, porém, quero indicar ao leitor que este capítulo deve ser entendido como uma introdução limitada e preliminar ao estudo da metodologia da pesquisa em geral e da metodologia da pesquisa filosófica em ciências humanas em particular.

    ESCOPO E DISTINÇÕES PRELIMINARES

    A metodologia da pesquisa filosófica pertence, devido à natureza de seu objeto de estudo, à área das chamadas ciências humanas. As ciências humanas se diferenciam claramente das ciências factuais, pois estas têm como objeto de estudo o mundo natural, enquanto aquelas direcionam sua atenção para o ser humano e o mundo por ele criado. Sob a ampla esfera das humanidades, encontramos, entre outras, a filosofia, a psicologia, a sociologia, a educação, a história e a teologia. Como mencionei na introdução, as ciências factuais usam o método experimental, enquanto os vários grupos de ciências humanas usam uma variedade de métodos, de acordo com seus objetos e propósitos específicos. Entre as metodologias de pesquisa que são aplicadas na área de humanidades estão, por exemplo, o método empírico quantitativo, o método empírico qualitativo, o método histórico-documental, o método exegético-teológico e o método filosófico. Fica claro, portanto, que o método filosófico de pesquisa aplica-se primariamente ao campo das ciências humanas e apenas de maneira secundária e indireta à área das ciências factuais. As várias aplicações do método filosófico nas ciências humanas ou sua aplicação indireta nas ciências factuais são questões importantes, mas estão fora do propósito específico deste capítulo.

    Antes de considerar a noção de método, devemos distinguir entre metodologias de pesquisa e metodologias de disciplinas. As primeiras são aplicadas no processo de pesquisa dentro de uma determinada área, enquanto as últimas são aplicadas à busca da verdade que cada disciplina persegue. A distinção entre os dois tipos de metodologias é determinada, em grande parte, por seus respectivos objetos de estudo. O método filosófico de pesquisa busca, como veremos mais adiante, a compreensão de ideias e conjuntos de ideias produzidos por seres humanos, enquanto os métodos das disciplinas filosóficas perseguem a verdade a respeito de seus objetos específicos.³ Assim, por exemplo, a ética filosófica e suas metodologias específicas buscam a verdade acerca do que é bom e do que é mau, enquanto a metodologia filosófica de pesquisa tem um objeto muito mais reduzido, a saber, a compreensão de ideias ou conjunto de ideias produzidas pelos seres humanos e comunicadas por meio de textos escritos.

    Devemos distinguir também, dentro do escopo específico da pesquisa dos fatos humanos, entre a metodologia da pesquisa filosófica e as demais metodologias aplicadas na área das humanidades, por exemplo, metodologias empírico-quantitativa, empírico-qualitativa, histórico-documental e exegético-teológica. A distinção entre as diferentes metodologias de pesquisa na área das humanidades pode ser estabelecida a partir do objeto específico perseguido por cada uma. De modo geral, podemos dizer que as metodologias empírico-quantitativas e empírico-qualitativas estudam o comportamento humano tanto individual quanto social no presente. A metodologia histórico-documental examina eventos humanos tanto individuais quanto sociais no passado. A metodologia filosófica de pesquisa – que analiso neste capítulo – tenta elucidar as ideias e grupos de ideias produzidos pelos seres humanos, tanto no passado quanto no presente. Por fim, a metodologia da pesquisa exegético-teológica integra e aplica ao seu objeto específico as metodologias de pesquisa filosófica, histórico-documental, empírico-qualitativa e empírico-quantitativa. Naturalmente, tudo depende de como o teólogo define o objeto próprio das ciências teológicas.

    O estreito escopo das metodologias de pesquisa determina que, como no caso da ciência teológica mencionada no parágrafo anterior, a maioria das ciências humanas deve usar mais de uma metodologia de pesquisa. Torna-se evidente que as metodologias mencionadas não são contraditórias, mas complementares.

    A fim de que nosso estudo seja adequadamente limitado dentro da dinâmica da pesquisa de ideias, é necessário distinguir claramente entre o método filosófico de pesquisa que nos interessa neste capítulo, a metodologia filosófica propriamente dita e a metodologia hermenêutico-exegética de textos.

    DIFERENÇAS ENTRE MÉTODO FILOSÓFICO DE PESQUISA, MÉTODO FILOSÓFICO E MÉTODO HERMENÊUTICO-EXEGÉTICO

    O objetivo deste capítulo é descrever analiticamente os componentes básicos da metodologia filosófica de pesquisa (entendida como ferramenta de trabalho) e o modo como esses componentes estão interligados quando aplicados ao estudo das ideias gerais produzidas pelos seres humanos que recebemos por meio de textos escritos. Antes de continuar com a exposição do assunto e para evitar confusão, é necessário distinguir entre a metodologia filosófica propriamente dita e o método filosófico de pesquisa de ideias, presente nas ciências humanas. A distinção entre esses métodos se baseia no objetivo que eles perseguem. Enquanto o método filosófico propriamente dito procura a verdade filosófica e termina em um discurso ou texto filosófico, o método filosófico de pesquisa não é focado na produção de ideias e verdades filosóficas, mas na interpretação de ideias já produzidas por outros seres humanos que chegam até nós por meio de textos escritos.

    Essa diferenciação nos confronta com a necessidade de estabelecer uma nova distinção; desta vez devemos distinguir entre o método filosófico de pesquisa e o método hermenêutico-exegético. Essa distinção é necessária porque o método filosófico de pesquisa – como definimos nesta seção – parece coincidir com o método hermenêutico-exegético de pesquisa de textos.

    Para começar, devemos reconhecer que o método filosófico de pesquisa que nos interessa neste capítulo é uma especialização do método hermenêutico-exegético. A diferença entre o método filosófico de pesquisa e o método hermenêutico-exegético se baseia no objetivo que eles perseguem na interpretação de textos. O método hermenêutico-exegético busca interpretar todo o conteúdo incluído nos textos. Em outras palavras, esse método considera e analisa os textos concentrando-se em dados de todas as áreas, como, por exemplo: geográficos, históricos, científicos, políticos, sociológicos, psicológicos, matemáticos, biológicos, zoológicos etc. O método filosófico de pesquisa, por outro lado, se concentra especificamente na interpretação das ideias gerais que encontramos nos textos, considerando outros conteúdos apenas de modo secundário, quando aparecem condicionando o discurso ideológico. Fica evidente, portanto, que o método filosófico de pesquisa não deve ser identificado com o método hermenêutico-exegético, mas considerado como uma especialização dele por causa de seu objetivo específico (ideias gerais). Precisamente por esse objetivo específico, o método de pesquisa que descrevo neste capítulo está essencialmente ligado à filosofia, uma ciência que se concentra na descoberta de verdades e princípios gerais, daí seu nome: método de pesquisa filosófico.

    Com essas diferenciações em mente, podemos direcionar nossa atenção para a tarefa de descrever analiticamente o método de pesquisa filosófica. Para começar, é necessário esclarecer a noção de método em seus aspectos gerais, isto é, identificar as características que se aplicam a qualquer metodologia, seja ela de pesquisa ou disciplinar.

    NOÇÃO GERAL DE MÉTODO

    A que nos referimos quando falamos de método? Em outras palavras, qual é a definição da ideia de método? Nesta seção, não temos o objetivo de introduzir a complexa e intrincada discussão filosófica sobre a natureza do método, mas sim descobrir algumas de suas características mais marcantes.⁴ No século 21, a ideia de método está inseparavelmente ligada à noção de ciência. O método experimental tornou-se a base das ciências factuais.⁵ No entanto, não devemos identificar a noção geral de método com o método experimental. O procedimento de observação meticulosa e ordenada, hipótese, experimento, obtenção e registro de dados e avaliação da hipótese é apenas uma das muitas aplicações concretas da ideia geral do método.

    A palavra método vem do grego meta, com, em, e hodós, caminho. Seu significado literal é com o caminho ou no caminho. A noção básica de método está conectada com o significado literal da palavra. José Ferrater Mora (1965, v. método) sugere que "temos um método quando seguimos um certo ‘caminho’, hodós, para chegar a um determinado fim, proposto antecipadamente como tal". Essa descrição simples e objetiva revela uma das características mais distintivas do método: a ação. Se o método consiste no procedimento que seguimos para atingir um alvo, sua característica essencial é a atividade.

    Todo conhecimento, mesmo o que poderíamos descrever como conhecimento vulgar, é resultado de uma ação (método) que pode ser explícita ou implícita. Num sentido fundamental, então, o método é algo que alguém faz. Em sentido secundário ou derivativo, pode-se dizer que método é um conjunto de procedimentos e regras prescritos para facilitar a obtenção do alvo proposto.⁷A formulação de metodologias específicas, portanto, não é o resultado de simples especulação teórica; pelo contrário, ocorre como consequência de refletir intencionalmente sobre uma ação que alcançou seu objetivo com sucesso.

    Podemos dizer, então, que a reflexão teórica acerca do método tenta apenas descrever e explicar os princípios, regras e procedimentos que desempenham um papel decisivo na consecução do objetivo proposto. O propósito por trás da formulação teórica dos métodos é disponibilizar a todos o conhecimento (ou mapa) do caminho a seguir para alcançar com sucesso um determinado objetivo. A reflexão acerca da metodologia a seguir produz um discurso que, por assim dizer, encerra e transmite a fórmula das atividades necessárias para alcançar um determinado objetivo. O discurso do método abre o método ao alcance público, de modo que todos que estiverem dispostos a seguir as especificações do método alcançarão o alvo proposto.

    Nesta seção, demos um passo importante para elucidar a noção de método como caminho, atividade e conjunto de normas e operações que asseguram a realização do objetivo proposto. Vimos também que o caminho, ou normas e operações a serem seguidas, é descoberto quando se caminha – isto é, primeiro viajamos e chegamos ao nosso destino e então desenhamos o mapa para futuros viajantes. Para desenhar o mapa, sempre é necessário existir um pioneiro. Neste capítulo, dependemos dos pioneiros que percorreram o caminho e nos deixaram o benefício de sua experiência como legado metodológico. Mas o método não surge como atividade incondicional, e sim essencialmente condicionada.

    CONDIÇÕES FORMAIS DO MÉTODO

    Na seção anterior, vimos que o método é uma ação, uma operação, uma tarefa. O discurso do método, vimos também, é uma reflexão teórica acerca da ação ou ações necessárias para se obter um alvo proposto. Como a característica essencial do método é a atividade, somos obrigados a considerar os fatores que estão necessariamente ligados à implementação de qualquer tipo de atividade. Mais especificamente, devemos perguntar sobre os fatores que determinam continuamente a atividade e o resultado da aplicação de qualquer método. Em termos ontológicos aristotélicos, devemos buscar as causas ou princípios da ação. Em termos epistemológicos kantianos, devemos procurar as condições necessárias para o funcionamento do método.

    A noção de condição está intimamente relacionada às noções de causa e princípio. Mais uma vez devo explicar que este não é o lugar para discutir essas noções e suas diferenças específicas em detalhes. Entretanto, ao discutir a ideia de método como uma ação, não podemos deixar de nos referir a essas noções e, portanto, apresentar uma explicação geral de seus significados e inter-relações. Devemos entender causa no sentido positivo de ser aquilo sem o qual não ocorreria o que eventualmente torna-se o resultado de uma ação (MORA, 1965, v. condição). A relação entre causa e condição só é elucidada quando percebemos que, com base na maioria dos processos ou atividades, encontramos uma combinação de causas e condições.⁸ Para compreender qualquer tipo de processo, é necessário que nos familiarizemos com suas causas e condições.

    A causa do método é o ser humano que realiza a ação. Na metodologia filosófica de pesquisa, portanto, a causa é o pesquisador por cuja ação a pesquisa é realizada. Se fôssemos determinar o conteúdo do método somente a partir de sua causa, isto é, do sujeito que realiza a atividade, a metodologia da pesquisa filosófica seria totalmente subjetiva. Em geral, as metodologias não possuem uma base subjetiva desse tipo. Pelo contrário, os pesquisadores determinam o conteúdo de suas metodologias a partir de um cuidadoso reconhecimento dos princípios que condicionam as atividades metodológicas. Quais são os princípios que condicionam a atividade metodológica?

    A reflexão aristotélica acerca das causas do movimento nos ajudará a identificar algumas das principais condições do método. Devemos lembrar que uma condição é algo sem o qual a atividade metodológica não pode ocorrer. A reflexão de Aristóteles sobre as causas do movimento é relevante para o nosso tópico, porque o método é ação, e a ação é movimento. Ao rever a interpretação aristotélica das causas do movimento, meu interesse limita-se aos tipos de condições relacionadas ao movimento ou à ação, deixando de lado a interpretação ontológica que Aristóteles atribui a cada tipo de causa. Essa leitura seletiva de Aristóteles nos permitirá descobrir algumas das condições presentes no movimento do método.

    Aristóteles discute as causas do movimento em várias partes de seus escritos.⁹ Ele identificou quatro causas do movimento: material, formal, eficiente e final.¹⁰ A causa material é aquele constitutivo interno de que algo é feito: o bronze é a causa da estátua (Metafísica, 1.1013a, 26-27).¹¹ A causa eficiente é o princípio primário da mudança [...] o que faz algo é causa do que é feito, e o que faz mudar é causa do que sofre a mudança (Metafísica, 1.013a, 31-32).¹² A causa formal é a forma e o paradigma, isto é, a definição da essência adotada pelo processo de movimento (Metafísica, 1.013a, 26).¹³ A causa final é aquilo para o qual é algo (Física, 194b, 33; cf. Metafísica 1.013, 32-33).

    Segundo Aristóteles, a atividade da causa eficiente não é autossuficiente, mas depende de, ou é condicionada por três condições principais, a saber, as causas material, formal e final. O mesmo tipo de condicionamento ocorre no caso de movimento ou atividades metodológicas. O conteúdo e perfil de toda atividade (método) depende de três condições principais: o material com o qual o pesquisador trabalha corresponde à causa material,¹⁴ o paradigma que o pesquisador utiliza para processar o material corresponde à causa formal¹⁵ e, finalmente, o objetivo que será alcançado por meio do processamento do material correspondente à causa final.¹⁶ Essa análise nos permitirá identificar, na próxima seção, os principais componentes do método de pesquisa filosófica.

    COMPONENTES DO MÉTODO FILOSÓFICO DE PESQUISA

    Os métodos, para poderem funcionar, requerem materiais com os quais trabalhar, um paradigma para processar os materiais e um fim ou objetivo para dar direção e propósito ao movimento. Para que possamos falar em metodologia científica de pesquisa, essas condições interligadas sempre devem estar presentes no processo concreto da pesquisa. Se cada uma dessas condições não for claramente especificada, o processo metodológico sofrerá prejuízos e o resultado será seriamente diminuído em qualidade e precisão.

    No caso do método filosófico de pesquisa, a condição material aparece principalmente sob a forma da linguagem escrita ou ocasionalmente oral. A condição formal pode ser vista nos princípios hermenêuticos que direcionam o processamento dos dados, enquanto a condição final do método é apresentada como o objeto de pesquisa que direciona o processo e as atividades do pesquisador.

    Estamos agora em condições de especificar os componentes de qualquer método e explicar a forma específica que esses componentes assumem no caso do método filosófico de pesquisa. Vejamos primeiro os quatro componentes de qualquer método. São eles: os materiais, o objeto, os princípios aplicados e a atividade pela qual os dados são processados em busca de atingir o objetivo proposto previamente. A seguir, veremos a forma específica que esses componentes assumem no método filosófico de pesquisa. Este procedimento nos permitirá observar, por assim dizer, a radiografia ou descrição analítica do método que estamos estudando.

    OS MATERIAIS

    Como todos os componentes do método precisam um do outro, é difícil decidir por onde começar a análise. Escolhi iniciar pelos materiais porque eles, em grande parte, nos ajudam a compreender uma característica fundamental do método filosófico de pesquisa. Os materiais com os quais o método filosófico de pesquisa trabalha são principalmente publicações que, em geral, são encontradas em bibliotecas na forma de livros e artigos veiculados de forma impressa ou eletrônica.

    Com frequência, essa metodologia é classificada como pesquisa bibliográfica. Ao chamar a atenção para a fonte majoritária de dados, essa designação do método tem a desvantagem de dar ao pesquisador inexperiente a impressão de que a metodologia filosófica de pesquisa é basicamente reduzida a técnicas para encontrar dados. Porém, quando não é identificado com o todo da metodologia, esse nome enfatiza o tipo de habilidades e treinamento que o pesquisador deve possuir.

    Entre essas habilidades, podemos mencionar o manejo preciso da língua materna, bem como, dependendo da disciplina, especialidade e trabalho específico de pesquisa, alguns idiomas estrangeiros e línguas mortas. O pesquisador precisa estar familiarizado com os recursos bibliográficos para encontrar e coletar. Os cursos introdutórios de pesquisa geralmente cobrem os aspectos introdutórios da pesquisa bibliográfica; no entanto, a grande maioria dos procedimentos é aprendida na prática de pesquisa. Por exemplo, cada pesquisador se torna um detetive tentando descobrir fontes, dados ou ideias que não aparecem diretamente por meio dos canais usuais de informação. E ainda, quando as ideias de um autor desconhecido devem ser analisadas como parte de um projeto, é aconselhável começar com fontes que possam dar uma visão geral do autor ou das ideias que queremos determinar. Geralmente, essas fontes, chamadas secundárias, citam e avaliam as fontes primárias, dando ao pesquisador maior precisão em suas pesquisas e economizando uma grande quantidade de tempo que, de outra forma, seria preciso para rastrear a ideia ou os dados necessários em centenas ou até milhares de páginas. Outra habilidade atualmente indispensável para esse método é o uso do computador e da internet. Somente aqueles de nós que começaram a desenvolver pesquisas na era pré-computador podem apreciar o tempo que economizamos por meio da informática. Entre as habilidades mencionadas neste parágrafo, o mais importante, e ao mesmo tempo aquele cujo domínio requer maior esforço e tempo, é o domínio de línguas estrangeiras.

    Fica evidente que os pesquisadores de todas as ciências, incluindo as ciências factuais, devem desenvolver as habilidades mencionadas no parágrafo anterior. Isso porque até o cientista que estuda a natureza precisa saber o que outros descobriram, e isso é feito principalmente por meio da página escrita. A razão pela qual os materiais bibliográficos se tornam a fonte primária de dados para o método filosófico de pesquisa vem do objeto formal da pesquisa, que consideraremos na próxima seção.

    O OBJETO

    Nesta seção, nos referimos ao objeto formal do método filosófico de pesquisa, e não aos objetos formais de cada uma das ciências que usam o método de pesquisa, nem aos objetos concretos dos projetos de pesquisa específicos que são realizados em cada uma das ciências humanas. Esse objeto é o objeto formal do método filosófico de pesquisa pelo qual podemos distingui-lo de outros métodos de pesquisa. Infelizmente, aqueles que pretendem usar esse método geralmente permanecem com a noção reduzida de que o método começa e termina com a parte material da coleta de dados. Na realidade, o método filosófico de pesquisa compartilha as técnicas de coleta de dados bibliográficos com outros métodos, por exemplo, o histórico-documental e o exegético-teológico. O que diferencia o método filosófico dos outros é seu objeto formal.

    Como objetivo principal, o método filosófico de pesquisa tenta compreender as ideias gerais que, por sua generalidade, influenciam um grande número de ideias e realidades mais específicas e concretas. Além disso, o método filosófico de pesquisa procura compreender o conjunto de ideias gerais e ensinamentos sobre eles produzidos por outros seres humanos. Por ideias nos referimos a conceitos ou noções que dão sentido aos grandes aspectos da realidade e à experiência dos seres humanos. Em outras palavras, nos referimos ao que é comumente definido como ideias abstratas. Por ideias abstratas quero dizer ideias que não têm uma referência visível direta. Por exemplo, podemos facilmente visualizar a referência direta da ideia de pato. Mas dificilmente visualizaremos a referência direta, por exemplo, dos conceitos educação ou história. É claro que podemos identificar na prática uma ou várias atividades que consideramos educativas ou históricas, mas quando tentamos elucidar a ideia de educação e história em termos gerais, a tarefa fica mais complicada e o referente se torna nebuloso e difícil de visualizar.

    Assim, apresentamos sinteticamente o objeto do método filosófico de pesquisa e a razão pela qual ele difere de outros métodos do mesmo tipo, especialmente aqueles com os quais compartilha técnicas de coleta de dados bibliográficos. Essa definição do seu objeto específico explica a razão pela qual esse método é identificado com o nome filosófico. Afinal, filosofia é a disciplina que trabalha produzindo ideias gerais que são posteriormente escritas, publicadas, ensinadas e praticadas.

    A desvantagem de caracterizar o método de pesquisa como filosófico é que o leitor pode ficar com a impressão de que o método é aplicado apenas na pesquisa de tópicos filosóficos. Ao mesmo tempo, o nome método filosófico tem a vantagem de enfatizar o objeto específico da metodologia, que quase sempre se perde quando usamos a chamada pesquisa bibliográfica. O método filosófico, portanto, exige do pesquisador mais do que o domínio das técnicas mencionadas, quando discutimos os materiais com os quais o método trabalha. O pesquisador precisa ser instruído a trabalhar com ideias gerais. Provavelmente, a melhor maneira de adquirir essa ferramenta de trabalho é se familiarizar com a problemática da filosofia ocidental.

    Para elucidar o objeto do método filosófico de pesquisa, vou compará-lo com o método experimental que é aplicado nas ciências factuais. O método experimental busca a compreensão do concreto e específico. O método filosófico busca o abstrato e geral. Por exemplo, o método experimental não pode ser usado para pesquisar a ideia da evolução biológica. Esse método só pode lidar com aspectos específicos que são repetíveis e, portanto, podem ser sujeitos a experimentação. No caso da evolução, uma vez que o fato estudado não é repetível e que sua magnitude corresponde ao nível da generalidade filosófica, não pode ser concebida e, subsequentemente, pesquisada por meio do método experimental. Ao tentar se pronunciar sobre aspectos gerais e abrangentes, as ciências factuais deixam o escopo que lhes pertence para entrar no que corresponde propriamente à filosofia. Os cientistas tentam se convencer da natureza científica de suas especulações filosóficas dizendo que são induções compatíveis com os resultados do método experimental. Na realidade, o conceito de evolução é uma ideia concebida filosoficamente. A discussão científica baseia-se no fato de que, com o método experimental, evidências podem ser produzidas a favor ou contra essa ideia filosófica. É nesse nível que o debate acontece. A ideia de evolução, no entanto, pertence à dinâmica da criação e da pesquisa filosófica.

    Neste capítulo, estamos lidando apenas com a pesquisa filosófica que se aplica a todas as ciências humanas, mencionando as ciências factuais quando é necessária a compreensão de noções gerais e ensinamentos criados por seres humanos. Se quiséssemos analisar o conceito de evolução usando o método filosófico de pesquisa, nosso objetivo seria elucidar o significado da evolução como uma ideia geral e não entrar na controvérsia sobre se é verdadeira ou não, nem avaliar as evidências favoráveis ou contrárias produzidas pelo método experimental. O mesmo se aplicaria se, em vez de analisarmos o conceito geral de evolução, quiséssemos examinar o conceito de criação. Novamente, o método filosófico de pesquisa visa nos ajudar a entender os conceitos gerais produzidos pelos seres humanos, mas não pode ajudar a determinar se esses conceitos são verdadeiros ou falsos.

    Isso nos levará a considerar o terceiro componente do método filosófico de pesquisa na próxima seção. Mas antes devemos parar para considerar o papel específico que a determinação do objeto desempenha no processo concreto de pesquisa.

    A determinação do objeto próprio do método filosófico de pesquisa é o que determinará se sua aplicação é exigida na pesquisa que queremos empreender. Basicamente, se a pesquisa que estamos propondo busca a compreensão de conceitos gerais, não podemos evitar o uso da metodologia filosófica de pesquisa. Uma vez que decidimos usar essa metodologia, devemos determinar com alto grau de especificidade o problema que nos motiva a pesquisar e o objetivo que queremos alcançar. Tanto a problemática quanto o propósito da pesquisa em que o método filosófico de pesquisa será utilizado deverão pertencer à área de ideias e conceitos gerais aos quais o método é aplicado. Portanto, ao ler os livros, o pesquisador terá que ser capaz de diferenciar entre informações e ideias. O nível da informação representa um papel preponderante, por exemplo, no método histórico-documental. No método filosófico de pesquisa, no entanto, representa apenas um papel secundário e ocasional. A definição do objetivo da pesquisa é de extrema importância, porque é chamado a desempenhar um papel diretriz no processo de análise e seleção de materiais.

    Como vimos, o método filosófico de pesquisa trabalha principalmente com ideias que são registradas em livros e artigos. O pesquisador, portanto, passará bastante tempo coletando dados e, consequentemente, muito em breve ficará sobrecarregado com a quantidade, sem saber o que fazer com eles. O que podemos fazer quando todas as informações são importantes e relevantes, mas em grande quantidade? O primeiro passo é limitar e delimitar o objeto da pesquisa. Talvez o tópico seja amplo demais e deva ser reduzido a limites razoáveis. Mas, mesmo assim, na maioria dos casos, o pesquisador logo será cercado por uma grande quantidade de informações. O que fazer em tal situação? A resposta é simples: o primeiro passo no processamento de dados é a seleção. O pesquisador deve filtrar os dados para distinguir aqueles que são necessários daqueles que não são. Qual será a peneira a ser usada para executar essa seleção? A peneira é o objeto ou propósito específico da pesquisa. A finalidade ditará claramente não apenas quais dados usar e quais excluir, mas também determinar as etapas necessárias a serem seguidas na pesquisa. Ou seja, o objeto ou propósito determinará o procedimento e a organização do relatório de pesquisa por escrito.

    Para que o objeto da pesquisa possa atuar dessa maneira, o pesquisador deve ser capaz de visualizar a anatomia do objeto estudado com a maior precisão possível. Esse passo requer familiaridade, não com livros ou ideias, mas com aquilo a que essas ideias se referem. Daí o problema desse passo: por definição, o método filosófico de pesquisa é dirigido a ideias ou conjuntos de ideias abstratas, isto é, que não possuem uma referência visível direta à qual se dirigir para determinar as partes ou o processo da pesquisa por meio de observação direta. A grande maioria dos objetos de pesquisa específicos não é simples, mas composta de várias partes. Como exemplo disso, este capítulo é suficiente. Qual é o seu propósito? Bem, como eu disse no início, o propósito é elucidar o método filosófico de pesquisa. Como estou procedendo para alcançar meu objetivo? Estou fazendo isso em partes. Essas partes foram escolhidas arbitrariamente só porque não podemos dizer tudo ao mesmo tempo? Não, na verdade, nas seções preliminares, tentei mostrar que as partes que escolhi pertencem à natureza da coisa abstrata que estou analisando. De que forma determinei que essas são as partes essenciais que pertencem à anatomia do método filosófico de pesquisa? Isso só foi possível por meio da minha imersão não apenas na teoria, mas também na prática do objeto que estou estudando, isto é, a pesquisa filosófica. Essa familiaridade permite que o pesquisador perceba o que uma leitura superficial dos livros raramente deixará explícito. Perceber a anatomia do objeto da pesquisa é importante, pois abre o panorama não apenas para as partes que compõem a questão que estamos estudando, mas, ao mesmo tempo, nos revela como o que estamos estudando se conecta naturalmente com outras questões ou objetos de estudo. Entre essas conexões naturais estão os princípios de interpretação que consideraremos a seguir.

    PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO

    Os princípios de interpretação aplicam-se a todos os métodos de pesquisa e também àqueles que desenvolvem teorias científicas nas ciências factuais e nas humanidades. A existência e o papel que esses princípios desempenham em nosso conhecimento foram detectados e analisados tecnicamente, especialmente no século 20. Contudo, implicitamente, os princípios de interpretação sempre determinaram o pensamento filosófico e científico da humanidade. Para o propósito específico deste capítulo, tentarei apenas alertar o pesquisador sobre a existência e a função desses princípios. Deixarei para outra oportunidade a discussão mais detalhada de seu conteúdo, interpretação e desenvolvimento histórico.

    Para entender o que são e o que fazem os princípios de interpretação, precisamos primeiro situar onde eles se encontram. Na seção anterior, vimos que, do ponto de vista do pesquisador, o objeto está na frente. Bem, do mesmo ponto de vista, os princípios da pesquisa estão atrás, nas costas do pesquisador. É precisamente por causa dessa localização que geralmente não percebemos a sua existência e o papel que desempenham em nossa pesquisa.

    Por que dizemos que o objeto a ser pesquisado está diante de nós? Simplesmente porque o objeto da pesquisa é parte de nossa experiência atual. Da mesma forma, dizemos que os princípios da interpretação estão atrás do pesquisador porque fazem parte de sua experiência passada. A existência de princípios de interpretação como parte da experiência passada do ser humano em geral e do pesquisador em particular foi explicada no século 20 especialmente por Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer¹⁷. O que, estando atrás de nós, vem a representar o papel de princípio de interpretação? Simplesmente a soma total de nossas experiências passadas. Como essas experiências determinam o que entendemos como princípios, e como vêm conosco do passado, elas também são chamadas de pressuposições. Em ciências experimentais, essa dimensão é geralmente reconhecida em sua dimensão negativa como preconceito ou viés, que deve ser eliminado para evitar distorções na compreensão do objeto da pesquisa. O exame cuidadoso de nossa experiência passada, a fim de identificar noções que não se aplicam ao objeto em estudo e cuja aplicação, portanto, distorceria nossas conclusões, permanece indispensável a todo pesquisador.

    Entretanto, não chegamos no momento de processar os materiais coletados para a pesquisa sem pressuposições ou princípios, pois isso equivaleria a trabalhar com uma mente vazia, totalmente incapaz de processar os dados e chegar ao seu objeto pré-estabelecido. Há, portanto, um sentido positivo em que nossa experiência anterior representa um papel necessário em qualquer metodologia e, consequentemente, no método filosófico de pesquisa. Refiro-me aos preconceitos que são necessários para processar (compreender, analisar e sintetizar) os dados que coletamos e selecionamos para nossa pesquisa.

    Os princípios ou pressuposições desempenham um papel importante no método filosófico de pesquisa, ainda que, infelizmente, passem despercebidos por muitos pesquisadores. Essa importância está no modo como a razão humana trabalha na criação de ideias e conjuntos de ideias. Durante muitos séculos acreditou-se que a mente tinha a capacidade de capturar a realidade objetivamente e sem qualquer distorção. Para que tal conhecimento ocorresse, a eliminação de preconceitos e a concentração da razão em seu objeto eram necessários. De acordo com a teoria clássica, a razão recebe passivamente a informação do objeto ou objetos externos, formando a ideia na mente humana. Como as ideias eram formadas exclusivamente com conteúdos provenientes do objeto, elas eram consideradas objetivas, distinguindo-as das ideias subjetivas, que incluem também parte de nossas próprias imaginações e experiências do passado.

    No século 20, a hermenêutica filosófica concentrou-se em estudar o modo como as ideias criadas, não pela natureza, mas pelos seres humanos, são interpretadas. Esse tipo de ideia é justamente aquela que é estudada no método de pesquisa filosófica. A hermenêutica filosófica concluiu que todas as ideias formadas pelos seres humanos incluem necessariamente contribuições do sujeito. Este não é o lugar para descrever as razões e apresentar os expoentes dessa tendência, nem para avaliar os méritos relativos da posição clássica versus a posição hermenêutica ou pós-moderna. O importante para o nosso propósito, neste capítulo, é a consciência de que as ideias humanas são o resultado de informações provenientes do objeto e do sujeito. Vários termos são usados para se referir às contribuições vindas do sujeito. Alguns deles são, por exemplo, pressuposições, pressupostos e princípios.

    Reconhecendo essa particularidade do funcionamento da razão humana, o pesquisador deve proceder com cautela para não cair no erro de processar as ideias de um autor com as pressuposições pessoais que traz à pesquisa. Quem supõe que todo ser humano entende as palavras e conceitos exatamente como ele não está em condições de usar o método filosófico de pesquisa. Portanto, uma importante pressuposição metodológica que a pesquisa filosófica requer é a identificação de ideias assumidas explícita ou implicitamente (pressuposições ou princípios) pelas ideias que estão sendo pesquisadas. Essa tarefa não é fácil, porque muitos autores não expressam com clareza as ideias presumidas. O pesquisador torna-se, mais uma vez, um detetive em busca de pistas que possam guiá-lo ao tipo de ideias que o autor assume em sua apresentação do que está sendo pesquisado como objeto. Essa tarefa requer tempo, paciência e, muitas vezes, a leitura de centenas de páginas até que se descubra a pepita de ouro que revela as ideias que condicionaram a formação da ideia ou ideias que fazem parte do objeto específico de toda pesquisa filosófica.

    Neste ponto, a anatomia do objeto nos guia à arqueologia das pressuposições. Usamos a palavra arqueologia para nos referirmos à subdisciplina da história que estuda os objetos produzidos pelo homem nas civilizações que desapareceram. A palavra arqueologia vem do grego arché e logos. Significa, literalmente, estudo do princípio. Pode, portanto, ser aplicada com precisão ao estudo dos princípios ou pressuposições do conhecimento humano. Essa arqueologia do conhecimento tem como propósito desenterrar as pressuposições que condicionaram a formação das ideias que estamos pesquisando por meio do método filosófico de pesquisa. A busca deve começar com a determinação da anatomia do problema ou assunto que estamos pesquisando. Como já foi dito, determinamos a anatomia de um assunto ou ideia visualizando seu referente. Ao perceber as partes que compõem o assunto que estamos estudando, podemos analisar nosso objeto e perceber as conexões externas que essas partes estabelecem. As conexões exteriores nos levam diretamente às pressuposições imediatas e, delas, às mediadas ou mais gerais. As pressuposições mediadas variam de acordo com seus objetos imediatos e disciplinas às quais pertencem. Por essa razão, neste capítulo, vou me referir apenas às pressuposições mediadas ou gerais que se aplicam a todas as ciências.

    Para encontrar a pepita de ouro, é preciso saber o que se está procurando, caso contrário, vamos ler centenas de páginas em vão. O que se busca são as pressuposições das ideias. As pressuposições geralmente são ideias mais gerais do que aquelas que estamos estudando como objeto específico da pesquisa. Por exemplo, a ideia de homem afeta todas as ciências humanas, enquanto a ideia de amarelo afetará apenas um pequeno aspecto da estética ou das artes plásticas. Portanto, o pesquisador precisa saber não apenas que as pressuposições que busca são mais gerais do que as que ele está pesquisando, mas também quais são as ideias gerais que, interpretadas de modo distinto, influenciam toda a formulação de ideias. Nesta exposição, vou enumerar essas ideias sem tentar explicar por que ou como as selecionei. Basta dizer que o que apresentarei a seguir é o resultado de séculos de desenvolvimento das ciências humanas e que as disciplinas filosóficas as estudaram com bastante cuidado e precisão.

    O leitor provavelmente chamaria de cosmovisão o que vou expor a seguir. Na realidade, há um conjunto de ideias bastante gerais que servem de pano de fundo para a formação e interpretação de toda ideia humana. Refiro-me às ideias de ser, Deus, mundo e natureza humana. Como pode ser visto imediatamente nessa descrição, a categoria cosmovisão corresponde apropriadamente à ideia de mundo. Portanto, os pesquisadores que usam a palavra cosmovisão para se referir ao arcabouço ideológico geral que determina o conteúdo de ideias e palavras devem lembrar que cosmovisão inclui mais do que uma referência ao mundo em que vivemos (cosmologia). No entanto, em sentido amplo, a cosmovisão inclui naturalmente o todo e, portanto, as ideias de ser, Deus e natureza humana. A natureza geral dessas pressuposições coloca-as dentro das disciplinas filosóficas. Por essa característica, o pesquisador que usa o método filosófico de pesquisa precisará ter, pelo menos, um conhecimento elementar de disciplinas filosóficas, particularmente ontologia e epistemologia.

    É importante lembrar que essas ideias gerais (ou cosmovisão) foram, são e serão interpretadas de várias maneiras por diferentes autores. Daí a necessidade de o pesquisador determinar o sentido em que essas ideias são compreendidas por cada autor estudado no processo da pesquisa. Essas diferenças determinam a utilidade metodológica do conhecimento das pressuposições. Vamos mencionar dois aspectos da pesquisa nos quais a determinação das pressuposições desempenha um papel importante no que diz respeito à diferenciação e avaliação das ideias de cada autor.

    A diferenciação ou distinção de ideias e ensinamentos é de grande importância no método filosófico de pesquisa. Mais cedo ou mais tarde, o pesquisador descobrirá que, na maioria dos casos, há inúmeras opiniões acerca dos mesmos problemas ou referentes. O pesquisador precisa compreender as causas das diferenças e semelhanças existentes entre as distintas formulações de ideias que parecem semelhantes ou por vezes contraditórias. Nessa tarefa, a determinação dos princípios de interpretação assumidos pelo autor de cada ideia desempenha um papel decisivo. A razão para a importância de descobrir os princípios de interpretação assumidos pelos autores de ideias é que esses princípios são causas particulares que determinam o significado que os autores dão aos seus conceitos e posições. Determinar o conteúdo específico dos princípios sobre os quais cada autor formula seus conceitos e

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