O Filho da Bruxa

De Marcia Kupstas e Claudio Duarte

Muitas vezes sem ter com quem dividir dúvidas e riscos, algumas mães precisam fazer mágica para educar os filhos. Resumindo: para não deixar a peteca cair, é preciso, antes de qualquer coisa, ter o dom da criatividade à flor da pele. E exercê-lo sempre.
Esse é o caso da mãe de Zacarias, protagonista de O filho da bruxa, de Marcia Kupstas. O menino garante que ela é uma bruxa. Mas não daquelas feias ou velhas, rodeada de morcegos e caldeirões. Trata-se de uma pessoa comum, exceto pelos poderes mágicos. Por meio deles, oferece ao filho emoções únicas. Tem, por exemplo, um escorpião venenoso que corta as unhas do menino. Já no castigo do sótão, ele costuma fazer confidências com um sábio dragão com mais de 1.000 anos. No quintal de casa, encontra fadas que temem gatos falantes. E para falar a verdade, lá, até a comida é bem diferente da que Zacarias costuma encontrar na casa de seus amigos. Já imaginaram a mistura de purê de batata e arroz com pedaços de besouro? Que delícia! Mas é na hora da brincadeira que a festa se completa, com a mãe conseguindo transportá-lo para dentro de seu desenho predileto para viver eletrizantes aventuras.
Assim como os adultos, as crianças não escapam aos problemas. Também elas têm a parte que lhes cabe de desconforto no dia a dia. Mas só que os pequenos levam vantagem sobre os grandes. Afinal são eles os maiores fazedores de fantasia. Munição não lhes falta para vencer os obstáculos que a sorte cisma em jogar no meio de seus caminhos.
Entre encantos e magias, o que sobressai na narrativa de Marcia Kupstas são as relações familiares: a falta da figura paterna e autoridade materna influindo na criação dos filhos.

• Idioma: Português
• Editora: Rocco Digital
• Data de lançamento: 1 de jan. de 2004
• ISBN: 9788564126909

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MARCIA KUPSTAS

O filho da bruxa

Ilustrações

CLÁUDIO DUARTE

1

Começa a história

Minha mãe é uma bruxa. Não pense que ela é feia ou velha, ou tem morcegos e usa caldeirões. Ela só é bruxa. Essa é a natureza dela. Como tem gente que tem seis dedos numa mão ou tem alergia a camarão, ficando com a barriga estufada quando come, ou tem pelos nas orelhas, ou pelos feios nas costas. Ela nasceu bruxa e nada vai mudar isso.

Não é tão ruim ter mãe-bruxa. Quer dizer, não sei para as outras crianças. Pode dar vergonha ter um pai muito peludo nas costas, parecendo gorila na praia. Mas é seu pai, né? Você não vai deixar de gostar dele por causa disso. Também não deixo de gostar da minha mãe só porque ela é bruxa. Ela só é... diferente.

Não sei direito quando descobri esse atributo dela. Acho que bem novinho, quando estava brincando no parque. Nessas ocasiões, as mães sempre ficavam conversando entre elas, mas, é claro, dando um jeito de ficar com um olho em cima do neném, na maior marcação. Era só a gente querer fazer uma coisa legal, como comer areia ou engatinhar atrás de uma lagarta ou colocar o balde na cabeça do outro, pronto! Lá vinha uma mãe falando Não pode! Para com isso! Joga isso fora! Caca, caca!

Mamãe, não. Ficava sentada lá no banco, fazia um passe de mágica... e a lagarta desviava do caminho (melhor ainda: ela saía correndo, zuuuuc! mamãe botava a lagarta num segundo em cima de uma árvore bem longe). Se fosse areia que eu ia comer, ela até achava um bom jeito de temperar com chantilly, por exemplo. E se era alguma criança que colocava o balde na minha cabeça, ela fazia um gesto e, sem que as outras mães vissem, o balde ia depressinha pra cima da cabeça de quem tinha colocado em mim.

Isso ela fazia quando eu era bem pequeno, mas eu lembro. Acho que é uma característica que os filhos de bruxas possuem: a gente se lembra de tudo.

Depois, tem o Dragão. Ah, o Dragão mora no sótão lá de casa. Porque a casa também é casa de bruxa: um sobrado enorme, com hera nas paredes, que vem passando de mãe para filha. Foi a casa da mãe da minha mãe e da mãe dela. Engraçado isso, a gente nunca conhece os bruxos, só as bruxas. É a desvantagem de ter mãe-bruxa. Acho que os pais-bruxos vão cedo embora fazer feitiços em outros reinos e lugares, deixando as mães-bruxas tomando conta da gente...

Eu já ia falando do Dragão e nem me apresentei direito. Sou o Zacarias. É um nome danado de estranho, pelo menos nunca conheci outro menino com o nome de Zacarias. Zaca, me chamam na escola. Mas mamãe não, sempre me chama pelo nome inteiro: Za-ca-ri-as... e sempre esticando o S final, Zacariasssss. Acho que todo filho de bruxa tem nome estranho.

Como mamãe é loura de cabelos curtos, alta e de olhos azuis, e eu sou moreno, de cabelos encaracolados e de olhos bem negros, acho que puxei ao papai. Ele também devia ser narigudo, pois meu nariz é fino e comprido e o da mamãe não. Acho que os bruxos devem ter nariz assim, por isso também sobrou pra mim.

Ter