As Adolescências Periféricas:: Uma Pesquisa-Ação Integral/Transpessoal
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As Adolescências Periféricas: - Paula Roberta Vieira Eskinazi
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO PSICOPEDAGOGIA
À memória de René Barbier, exemplo vivo da educação como um modo de vida existencial-integral-transpessoal
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todas e todos os adolescentes que participaram ativamente da construção deste estudo. Seus olhares nos encantaram.
Ao Neimfa e à comunidade do Coque, pelo acolhimento ao longo de todos esses anos de parcerias e sonhos compartilhados.
Ao Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por meio do Programa de Extensão Observatório das Periferias, e ao Núcleo de Pesquisa Educação e Espiritualidade do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, pelo tempo e incentivo à continuidade das investigações nas periferias do Recife.
Ao Laboratório Icar e à Universidade Claude Bernard Lyon 1 – Espe – pelo acolhimento ao longo do trabalho.
Ao Prof. Dr. René Barbier, que nos acolheu diversas vezes em sua biblioteca em Paris. Seu imenso coração generoso transbordou amor e alegria ao contemplar as sementes de seu trabalho presente nos olhares de vida dos adolescentes.
APRESENTAÇÃO
Parece inegável o quanto a temática das adolescências vem adquirindo uma importância fundamental não apenas para as psicologias do desenvolvimento, mas principalmente para a Educação, a Sociologia e as políticas públicas. A questão é que, nas últimas décadas, a problematização em torno do que é adolescer nas periferias aparece diretamente imbricada com os cenários de violência que assolam o cenário (inter)nacional. Não casualmente, os adolescentes periféricos são recorrentemente pensados como objetos específicos de intervenção e controle por parte do Estado.
É nessa associação direta com os episódios de violência que as adolescências periféricas vêm se constituindo nos livros, políticas e mídias como um problema social a ser resolvido. Como efeito, passamos a nos relacionar com esses sujeitos e seus espaços, desde o lugar do risco e da vulnerabilidade, acabando por marcar suas subjetividades como potencialmente perigosas.
No entanto, o que pensam esses adolescentes acerca de suas vidas na periferia? Que outros olhares são possíveis e que outras imagens nos são reveladas quando intercambiamos pontos de vistas? O que ainda pode ser dito, contado, vivido para além do que foi batido pelo supremo veredito
?
Pois bem, este livro procura atravessar as fronteiras das naturalizações, generalizações e reducionismos em torno das adolescências. No esforço de problematizar as formas hegemônicas pelas quais os adolescentes periféricos vêm sendo pensados, esta obra apresenta as experiências formativas em Educação e Psicologia vivenciadas no âmbito do Programa de Extensão Observatório das Periferias da UFPE, que, em parceria com a organização social Neimfa, o Laboratório Icar e a Universidade Claude Bernard Lyon 1 – Espe –, desenvolveram intervenções na favela do Coque, Recife-PE, junto a adolescentes da própria comunidade.
Os autores, por meio das conversas e encontros com esses jovens, oferecem subsídios para pensar as intervenções nas periferias para além dos estereótipos de risco e periculosidade – apresentados atualmente nos discursos das políticas públicas –, apontando como a participação em experiências da sociedade civil pode contribuir para repensar o papel da formação humana no tocante às transformações sociais.
As adolescências periféricas, portanto, despontam como possibilidades de reinvenção de si e do entorno por meio de um olhar integral que congrega perspectivas subjetivas, desde as teorias do desenvolvimento até as ciências contemplativas; perspectivas objetivas do adolescer por meio da valorização do corpo e seus processos neurais, biológicos e maturacionais e um olhar intra e intersubjetivo nas suas dimensões sócio-históricas.
Por fim, uma leitura franco-brasileira das experiências vivenciadas abre espaço para múltiplos olhares em torno das adolescências e caminhos de resistência vividos pelos adolescentes nas periferias; permitindo-os e permitindo-nos, assim, sonhar consigo, instalar coragem para inventar outras maneiras de ser e novos modos de se narrar diante de uma cultura que insiste em marcar, de antemão, o nosso lugar.
Os autores
PREFÁCIO
Um pesquisador, por vezes, tem a oportunidade de descobrir uma pesquisa externa que lhe incita uma questão inquietante. Por que não existiriam muito mais pesquisas como esta nas ciências humanas e sociais?
Eu me defrontei com esse tipo de problemática, há muito tempo, quando tive conhecimento da pesquisa conduzida pelos membros do ATD Quart Monde com universitários, publicada sob o nome de Croisement dessavoirs
(Edições de l’Atelier, Edições Quart Monde, reedição 2008). Uma das minhas doutorandas, Geneviève Defraigne Tardieu, realizou uma pesquisa-ação de ampla escala relativa a uma extensa prática de animação e de história da universidade popular ATD Quart Monde
, no qual eu tive o privilégio de participar parcialmente (Tardieu, L’Université populaire Quart Monde. La construction du savoir émancipatoire
, PUF, 2012. Prêmio de tese René Rémond 2011, da Universidade Paris Ouest Nanterre La Défense).
A pesquisa, ora apresentada, conduzida pelo meu colega da Universidade Federal de Pernambuco, no Nordeste do Brasil, é, mais do que nunca, dessa mesma ordem. Trata-se de uma pesquisa que parte de uma representação social estereotipada envolvendo os jovens das periferias das cidades, no Brasil, frequentemente denominadas ou chamadas de favelas.
No senso comum, fala-se de bom grado sobre violência, drogas, machismo, alienação. Quase nunca se fala de uma abertura muito mais positiva e criativa para novas formas de socialização, sociabilidade
, como afirma Michel Maffesoli.
O que é a adolescência vivida segundo os habitantes mais jovens nessas comunidades marginalizadas? O que eles pensam de suas vidas, suas alegrias, suas relações, o âmbito do seu potencial, apesar da violência que pode existir? Será que eles realmente pensam que estão trancados, sem recursos, num espaço sem liberdade e sem calor humano?
A pesquisa-ação existencial brasileira abraça essas questões. Ela recusa-se a tratar a pesquisa como um conhecimento puramente racional, separado da dimensão econômica social, sem abertura para uma dinâmica implicada e mais espiritual, embora laica e oculta.
No âmbito da cooperação internacional, esta pesquisa foi realizada no Brasil por Aurino Lima Ferreira, professor do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e sua equipe. Ele desenvolve atividades de pesquisa, extensão e de ensino na associação Núcleo Educacional Irmãos Menores Francisco de Assis (Neimfa), na favela do Coque, Recife, estando vinculado ao Núcleo de Pesquisa Educação e Espiritualidade do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE. Na França, é conduzida por Nadja Acioly-Régnier, do Laboratório Icare da Universidade Claude Bernard Lyon 1 – Espe.
Este livro é o resultado do trabalho realizado a partir de um estágio pós-doutoral na Universidade de Lyon 1, sob a direção de Nadja Acioly-Régnier. Sendo uma extensão da pesquisa iniciada em 2010 e que teve o apoio do Laboratoire Santé Individu Société, no seu início, e na sua finalização do Laboratório Icar, da Universidade de Lyon e do programa de extensão Observatório das Periferias
da UFPE, envolvendo alunos de ambas as instituições.
Esta pesquisa-ação foi realizada com 23 adolescentes moradores da comunidade do Coque, considerada uma das favelas mais estigmatizadas e perigosas do Recife. O objetivo principal desta pesquisa consiste em apresentar as etapas de uma experiência de pesquisa-ação integral e transpessoal, a partir de uma intervenção junto a um grupo transpessoal, a fim de questionar o lugar do adolescente nas periferias.
Essa experiência foi realizada no Núcleo Educacional Irmãos Menores Francisco de Assis (Neimfa), uma associação civil sem fins lucrativos, localizada na favela do Coque. Nesse espaço, foram desenvolvidas ações de formação de jovens a partir de grupos usando a abordagem transpessoal, capaz de ajudar na construção de uma resistência à exclusão vivenciada pelos adolescentes de periferia.
Ultrapassando a ideia de uma adolescência naturalizada e baseada em crises ou patologias, este trabalho com adolescentes foi realizado com o modelo teórico de abordagens não duais e integrais, buscando manter um olhar não fragmentado do sujeito, de acordo com o pensamento de Ken Wilber.
Este estudo parte da hipótese que os adolescentes estão numa perspectiva de desenvolvimento integral, em que as dimensões sócio-históricas e culturais são acrescentadas à dimensão subjetiva e em sua contrapartida objetiva.
Os autores escolheram o termo adolescências
para complexificar e pluralizar suas visões, indicando assim a impossibilidade de se ter uma visão consensual, permanente e substancial das características que os definem. Eles apontam o uso do termo adolescência numa perspectiva psicológica, sem, contudo, aderir a uma psicologização
e a um aprisionamento, a um modelo de desenvolvimento, e sem excluir a necessidade de problematizar esse termo com o de juventude.
Os autores empregam o adjetivo periféricas
a fim de denunciar certas práticas de submissão subjetivas que buscam homogeneizar esses sujeitos, relacionados ao risco e à vulnerabilidade, enfatizando o poder dos espaços criativos nas favelas.
A pesquisa-ação integral e transpessoal não hesita em inventar ou a empregar métodos de investigação muito mais focados na força criativa dos jovens em questão. É dessa forma que os pesquisadores vão valorizar a oportunidade de as pessoas fotografarem o próprio cotidiano ou ainda de desenharem seus encontros e suas relações.
A partir dessa produção particular e específica, em termos de impacto, as entrevistas realizadas mostram que os jovens se apropriam do espaço de uma forma criativa com o jogo, a música e a celebração das festas. A dança, nessas comunidades, é como o borbulhar de uma água fervente, como revelado por uma palavra analógica com um tipo de linguagem corporal: o frevo
, expressão artística brasileira, dançado principalmente durante o carnaval no estado de Pernambuco, e que vem de ferver
em português, bouillir
em francês. A amizade é o centro das relações na favela. Mais do que em qualquer outro lugar, ela constitui a base, ou melhor, a água viva da socialização.
Nunca diremos o bastante no que diz respeito à inventividade encontrada frequentemente na linguagem e nos meios de sobrevivência de sujeitos em condição social problemática. Essa é também a conclusão a que cheguei em minhas inúmeras pesquisas-ações no último século. Ocorreu-me que a história da pesquisa-ação se desenvolveu em três momentos da existência. A primeira fase, de