Nas Entrelinhas de um Defeito de Cor
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Nas Entrelinhas de um Defeito de Cor - Marcelo Cruz Dalcom Júnior
Aos meus.
AGRADECIMENTOS
Se você está lendo esta página é porque eu consegui. E não foi fácil chegar até aqui. Do processo seletivo, passando pela aprovação até a conclusão do Mestrado, foi um longo caminho percorrido. Nada foi fácil, nem tampouco tranquilo. A sola do pé conhece toda a sujeira da estrada
(provérbio africano).
Quero agradecer a todos aqueles que sempre confiaram em mim, desde sempre.
À minha família e aos meus verdadeiros amigos, sempre. Sempre mesmo.
"E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas.
É tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente
Onde quer que a gente vá.
É tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho
Por mais que pense estar..." (Caminhos do coração – Gonzaguinha.)
Aos meus pais, por me terem dado educação, valores e por me terem ensinado a andar. A meu pai (in memoriam), que onde quer que esteja, nunca deixou de me amar, nem de confiar em mim. Pai, meu amor eterno. À minha mãe, amor incondicional. Mãe, você que me gerou e me alfabetizou, ensinando-me a ler, viu como aprendi direitinho? A vocês que, muitas vezes, renunciaram aos seus sonhos para que eu pudesse realizar o meu, partilho a alegria deste momento.
A todos os meus familiares, irmãos, primos, tios, sobrinhos. Não citarei nomes, para não me esquecer de ninguém. Mas há aquelas pessoas especiais que diretamente me incentivaram. Aos modelos em que procuro me espelhar sempre: aos meus avós maternos Detinha (in memoriam) e Ângelo (in memoriam), amor incondicional eterno, e por me terem ensinado a ser nobre, na essência da palavra. Que falta vocês me fazem! Vó Nerina pela garra, perseverança e otimismo contagiantes até hoje; Vô Foch (in memoriam) pelos silêncios, sons, por tudo.
Aos irmãos que Deus colocou em minha vida e escolhi para conviver: Adriana Amaral, Hélio Ramalho e Manuel Espinosa (in memoriam). Amor incondicional, sempre. A distância não nos separa. Seus corações estão comigo e o meu com vocês. A Binho (Gabriel), meu irmão amado, pela paciência cotidiana. À prima Deca (Andrea Dalcom), amiga de todas as horas e conselheira. Aos meus compadres-primos Sylvia Dalcom e Nédio Pereira, por me terem dado a honra de ser padrinho da Júlia, e por serem amigos e conselheiros. A Piu, Priscila Dalcom, que, por ser minha primeira afilhada tem suas vantagens, meu primeiro amor. A tia Emília, tia Itana, tia Luiza (minha Dinda) e tia Célia Pedreira (in memoriam), pelas vibrações e todas as preces. Aos meus sogros que, mesmos distantes, estão por perto. À tia Ana Margarida, minha conselheira virtual. A Marília Matos, pelas leituras, conversas, feedbacks e conselhos. Amo vocês.
À Prof.ª Dr.ª Lícia Soares de Souza (UNEB), minha orientadora e exemplo profissional, por não ter permitido que eu interrompesse o processo e pela confiança. Quando ‘crescer’, eu quero ser como você.
Aos professores, funcionários e colegas do Curso de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UNEB, em especial à Prof.ª Dra. Verbena Cordeiro. À Prof.ª Dr.ª Vera Mota, pelas aulas de Literatura e Psicanálise com Freud e Lacan, que estarão para sempre em minha memória. Aos professores Rosa Helena, Carlos Magalhães, Sílvio Roberto Oliveira, Márcia Rios, Sayonara Amaral e a Camila, Geisa, Danilo, pela solicitude e solidariedade perante minhas dificuldades.
Aos professores Evelina Hoisel e Carlos Augusto Magalhães, que aceitaram compor minha banca de qualificação e de defesa, pelas sugestões e análises significativas às quais tentarei atender na versão definitiva do texto.
Aos alunos da turma do Mestrado, principalmente aos da Linha 1, de Literatura, pela paciência e companheirismo. A Taíse Macedo, Eliete Gusmão, Thaís Pelegrini, por lerem meus textos, corrigirem, por me aconselharem, por ter confiado em mim.
À colega e amiga de infância Patrícia Barros Moraes, por me ter apresentado ao livro Um Defeito de Cor.
A Ana Maria Gonçalves, por ter escrito Um Defeito de cor, por me ter apresentado a Kehinde e, ainda, pelo carinho e bate-papo regado a café naquele entardecer encantado em Cachoeira, Bahia.
Mais uma vez ao Hélio Ramalho, pelo estímulo, mesmo quando o cansaço parecia me abater e, principalmente, pela confiança e o carinho de sempre.
Com vocês, queridos, divido a alegria desta experiência.
Quando não souberes para onde ir, olha para trás e sabe pelo menos de onde vens
(Provérbio africano).
Canta a tua aldeia e serás universal.
Leon Tostoi
Table of Contents
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Prefácio
Primeiros Passos
1 Um Defeito De Cor, Ana Maria Gonçalves E A Representação Da História: Entrecruzamentos Possíveis
1.1 Literatura E História: Entrecruzamentos Possíveis
1.2 O Romance Histórico E A Metaficção Historiográfica
1.3 O Modelo Latino-Americano E O Brasileiro
1.4 O Romance Estudado
1.5 A História De Kehinde
1.6 Um Romance Novo
2 Nas Entrelinhas De Um Defeito De Cor
2.1 A Memória Como Estratégia Da Narrativa
2.2 A Construção Das Personagens Mãe E Filho Na Trama De Ana Maria Gonçalves
2.3 As Vozes Bakhtinianas: Entre Dialogismos, Polifonias E Cronotopos
2.4 O Fio Das Travessias E Mobilidades
À Guisa De Conclusão
Referências
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
Prefácio
Marcelo Dalcom começa seu livro enfatizando o fenômeno da serendipidade
, como acaso feliz, pelo qual Ana Maria Gonçalves compôs este produto cultural intitulado Um defeito de cor. Quando dizemos um produto cultural
é porque estamos diante de um fato mais que literário, e sim de uma confluência de conhecimentos históricos, sociológicos, antropológicos, geográficos e psicológicos. Quantos livros na Literatura Brasileira abordaram a questão espinhosa da escravidão? Vários. Nenhum, entretanto, empreendeu um diálogo tão enriquecedor entre uma obra de ficção e as formações culturais do Brasil, revelando fatos desconhecidos que nunca estudamos em nenhuma disciplina acadêmica. O que os estudiosos nomeiam, no presente, como apagamento violento da história do país pode ser observado na leitura deste livro de Ana Maria Gonçalves. Em outras palavras, muitas lacunas são preenchidas em relação a séculos de vivência entre povos de culturas diversificadas que coabitaram com relações de forças assimétricas, produzindo a dominação cruel de um povo sobre o outro.
O autor inicia seu livro dissertando sobre os entrecruzamentos possíveis entre Literatura e História. Com efeito, Ana Maria inaugura, na literatura brasileira, o gênero roman-fleuve ou saga, que é um romance com muitos personagens e ações. Segundo Zila Bernd (2012), as outras grandes sagas do Brasil são Tambores de São Luis, de José Montello, e Viva o Povo Brasileiro de Joao Ubaldo Ribeiro. Um defeito de cor é, porém, a primeira obra a narrar os episódios da escravidão do ponto de vista de quem mais sofreu este cruel processo: as mulheres por serem vítimas constantes de vítimas de violação e estupro.
Nesse processo de sofrimento, a personagem Kehinde lembra episódios da memória histórica, através dos fragmentos deixados pela herança de seus antepassados, resgatando, assim, as vozes e os saberes de sua mãe, avó, e bisavó. São reconstruídas na narrativa partes cruciais de uma memória histórica, como fatos da história do negro no Brasil, omitidos pela história oficial, e a memória familiar, que restaura ensinamentos da sabedoria das gerações que a antecederam. Um defeito de cor nasceu de pesquisa bibliográfica e de arquivos, frutos de um longo trabalho de levantamento de dados sobre a escravidão, realizado no Brasil, e nos Estados Unidos. Estes são elementos que Marcelo Dalcom enfatiza como especificidades relevantes de uma obra que oferece ao povo brasileiro material profícuo sobre sua fundação e sobre a formação de suas variadas identidades, que se se entrecruzam no feixe de hibridismo e de mestiçagem caracterizando os países das Américas.
Este livro aborda o romance histórico de uma forma original. Não é um gênero que encare apenas a descrição dos costumes e valores de um povo em um determinado momento de sua história, não é somente a representação de eventos históricos grandiosos como sempre quis a tradição, herdada de Sir Walter Scott, ele é tampouco a história das vidas de indivíduos comuns em situações de crises extremas. E, óbvio, o gênero não representa a história particular de grandes figuras históricas. O gênero inclui todos esses elementos, mas tão-somente sob a condição de que eles tenham sido organizados em discursos descontínuos aptos a refletir as fontes sobre as quais se edificam inúmeros fatos históricos que a história canônica se esforçou em apagar.
O espaço da dispersão da memória histórica contemporânea, Marcelo vai caracterizar pelo já prestigioso conceito da Metaficção historiográfica. A arte do romance histórico não consiste na vivida representação de nenhum herói, armado e condecorado, mas simplesmente em uma estética literária que resgata criticamente a História, subvertendo-a e lidando com seus fatos de modo metaficcional, interrogando-os, em procedimentos exponenciais da narrativa pós-moderna.
O autor acentua, dessa maneira, o processo de construção das memórias com a descrição das três travessias empreendidas por Kehinde que se configuram como memórias transatlânticas, aptas a gerar encontros transculturais significativos. A primeira travessia concerne à desterritorialização da protagonista, viagem forçada no tumbeiro, e o trauma da chegada ao entreposto onde se vendia escravos. Kehinde deve assumir a língua portuguesa e a religião católica, portar um novo nome e desalojar sua identidade africana na