"Eu Sei Fazer Pão!": Individuação e Emancipação do Trabalhador
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"Eu Sei Fazer Pão!" - Angelita Monteiro Menezes
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES
Dedico este trabalho à minha alma inquieta,
que nunca me deixou estacionar no caminho.
AGRADECIMENTOS
A gratidão desbloqueia a abundância da vida. Ela torna o que temos em suficiente, e mais. Ela torna a negação em aceitação, caos em ordem, confusão em claridade. Ela pode transformar uma refeição em um banquete, uma casa em um lar, um estranho em um amigo. A gratidão dá sentido ao nosso passado, traz paz para o hoje, e cria uma visão para o amanhã.
(Melody Beattie)
Extremamente grata à Renata Cunha Wenth, pelo carinho, orientações e modelo de ser humano e profissional que quero ter sempre como referência para meu trabalho.
Do mesmo modo agradeço a Humberto Oliveira, pelo incentivo e disponibilidade para prefaciar este trabalho.
Ao meu querido amigo Phd José Euclimar Xavier de Menezes, intelectual incrível e que tem me ensinado muito ao longo desses 22 anos de parceria de trabalho e que me honra escrevendo o prefácio desse livro.
Gratidão à AJB/IAAP – Associação Junguiana do Brasil / International Association for Analytical Psychology –, por meu processo formativo e caminhada no universo da Psicologia Analítica e ao Instituto Junguiano de Brasília, e a toda a diretoria, os professores e colegas, pelo companheirismo, ética e solidariedade durante a minha jornada.
A minha querida Tania Maria de Almeida Franco, mestra e amiga, por ter iluminado minha jornada desde a graduação, me ensinando qual o caminho e comportamento do verdadeiro sábio. Gratidão!
Aos meus clientes, toda a minha reverência pela confiança que me é dada na condução de suas buscas e dedicação aos mistérios da alma.
À Ana Sueli Vieira e Amauri Munguba Cardoso, por terem me ensinado que o vínculo é a melhor ferramenta no ato terapêutico. Gratidão e toda minha reverência!
Aos meus alunos e alunas que me tornam uma pesquisadora voraz e uma professora feliz pela troca de conhecimento e parceria no ambiente acadêmico.
A todos(as) os(as) trabalhadores(as) que confiaram no meu trabalho e atestaram que nada foi em vão! Vocês são guerreiros e guerreiras vitoriosos(as)!
A minhas filhas, Renata e Daniela, razões da minha vida, amor incondicional, minhas maiores motivadoras e cúmplices de minha jornada.
Ao meu marido, espelho retroverso que me faz crescer a cada dia por meio do amor. Autor das feridas que curam. Gratidão!
A minha família de origem e às famílias de escolha que estão presentes em minha vida a todo o tempo. Especialmente a minha Bisa, Memém
(in memoriam), que nascida em 13/05/1888, contava-me histórias sobre sua vida de artesã de sapatos, com brilho nos olhos e muito orgulho do seu saber fazer
.
Meu amigo, meu irmão, Ary Falcão, minha gratidão pelo presente imensurável da ilustração da capa deste livro. Não existem palavras que descrevam minha alegria em saber que da nossa amizade de mais de 40 anos nascem frutos tão divinos! Obrigada, obrigada, obrigada!!
A Carl Gustav Jung, por ter tido uma vida cheia de sentido!
Daquilo que eu sei, nem tudo me deu clareza, nem tudo foi permitido, nem tudo me deu certeza [...]. Não fechei os olhos, não tapei os ouvidos. Cherei, toquei, provei. Ah! Eu usei todos os sentidos, só não lavei as mãos e é por isso que me sinto cada vez mais limpo.
(Ivan Lins)
PREFÁCIO
Esta obra chega numa boa hora para nos ajudar a esclarecer os desconfortos
que temos vivido diante do desrespeito ao trabalhador
e nos fortificar na luta pela defesa de seus direitos!
Humbertho Oliveira
Neste livro, Angelita tem como objetivo apresentar contribuições da Psicologia Analítica para o caminho de libertação do trabalhador através de sua vivência de sofrimento e prazer no trabalho. E ela o faz profundamente!
Partindo de sua vasta experiência na clínica psicoterápica do trabalho, a autora nos convida a colocar em questão a história da relação do ser humano com o trabalho apresentando-a pelo viés da unilateralização psíquica, mais especificamente o viés da dicotomia entre razão e natureza. O que importa na análise e no trabalho de Angelita é sempre a compreensão das relações de trabalho e os limites e potencialidades de quem trabalha. Tematizando a questão do poder, através do conceito de complexo de poder, relacionando-o à genealogia do sofrimento no trabalho, apresenta como fundamental a implicação do trabalhador no seu processo de individuação para que possa garantir sua libertação.
Segundo a autora, podemos ver que o que ocorre é que à medida que o ser humano se afasta da natureza, [...] cria-se uma negação de si próprio
(MENEZES, 2020, p. 42), passando a ser aquecido nas forjas do capitalismo, na voracidade do consumo, numa busca confusa de consistência do si mesmo. E essa confusão diz respeito ao quanto esse caminho capitalista produz uma transformação do homem em máquina produtiva e [portanto] distante da sua consciência
. Nada mais atual. Por sinal, se faz cada vez mais terrivelmente atual, exatamente quando nossa sociedade, num ápice dessa onda consumista, desse superideal capitalista, abraça confusamente o projeto neoliberal da extrema direita escolhendo um governo liderado por um fundamentalista do neoliberalismo, um representante da defesa do individualismo extremo, da instituição do privilégio como ética máxima – aquela que diz que ser melhor é definitivamente ter mais.
Angelita compartilha pérolas da escrita de Jung para referir-se a esse traço nevrálgico das relações do trabalho citando-as muito apropriadamente. Uma dessas falas de Jung, veremos adiante no devido contexto deste livro, aqui antecipo um extrato apenas para sugerir ao leitor a sua importância. Na citação da autora, Jung diz que o trabalhador paga com prejuízo de sua própria pessoa a sua participação na fábrica; troca sua liberdade de movimento pelo aprisionamento no local de trabalho
; e quando sente o apelo de qualquer exigência espiritual, recebe prontas sentenças de fé políticas e o suplemento de algum saber especializado
. É muitíssimo fundamental essa citação e a análise da autora, lembra-me O operário em construção (1956), os versos ainda atualíssimos de Vinicius de Moraes.
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
[...]
O trabalhador é aqui visto como aquele que pode perder o poder de decisão sobre o seu trabalho
, a sua autoestima, a noção da importância do seu esforço e até mesmo a dignidade, subordinando-se ao complexo de poder, admitindo as coerções, as ameaças, as manipulações, os enredamentos ou os logros. Apresentando a noção hillmaniana de trabalho como instinto, Angelita convida-nos a buscar fazer do trabalho o lugar do prazer, da gratificação instintiva
, da alegria. Isso significa, por fim, o exercício de uma forma mais sutil e menos aviltante de poder
(MENEZES, 202⁰, p. ⁷⁹).
Citando outras pérolas sociológicas de Jung, a autora acredita que os tempos de uma dependência social dos fatores de oscilação do mercado e dos salários
que vivemos está gerando um indivíduo instável, inseguro e facilmente influenciável
(MENEZES, 2020, p. 81). E que há então a possibilidade da irrupção de forças que tirem o indivíduo do estado de ‘congelamento’ e o coloca diante da própria responsabilidade psíquica
(MENEZES, 2020, p. 81). Isso significa que os indivíduos precisam assumir a responsabilidade pelas mudanças que desejam em si e no mundo que o cerca
ao invés de investir num poder externo que propicia o surgimento de figura mítica de grande poder influenciador de massas desordenadas e alienadas de seu próprio poder
(MENEZES, 202⁰, p. ⁸²).
[...]
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
[...]
(MORAES, 1956)
Daí, é preciso que o trabalhador se una aos seus parceiros para promover mudanças. É preciso que ceda ao processo de individuação, o que significa precisamente a realização melhor e mais completa das qualidades coletivas do ser humano
(MENEZES, 2020, p. 115), diz a autora. Para ela, o humano é um ser social e como tal existe a necessidade frequente de ir ao encontro do social, pois nele a psique encontra a complementação do seu processo de desenvolvimento
(p. 116).
A clínica do trabalho, nessa perspectiva da autora, implica na construção de uma articulação do mundo psíquico com o mundo social e não está a serviço do capitalismo, do individualismo. Ela está a serviço no chão da fábrica
. Ela coloca em questão a falta de sentido do mundo contemporâneo compreendendo seu modo de produção e de massificação
(MENEZES, 2020, p. 129).
A história do padeiro, um dos atendidos em sua clínica, relatada tão sensivelmente por Angelita, aqui não antecipo, só recomendo uma leitura contrita, lá bem no último capítulo. Um capítulo que trata da desigualdade de renda, raça/cor, gênero
, das injustiças sociais
, da pobreza extrema
, das disparidades regionais
do Brasil e de como tudo isso se relaciona de uma maneira visceral com o papel da psique no mundo, "uma vez que o ser humano não