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D'Ale: meus sonhos, meu futebol, minha vida, meu legado: Biografia oficial de Andrés Nicolás D'Alessandro: um depoimento a Diego Borinsky
D'Ale: meus sonhos, meu futebol, minha vida, meu legado: Biografia oficial de Andrés Nicolás D'Alessandro: um depoimento a Diego Borinsky
D'Ale: meus sonhos, meu futebol, minha vida, meu legado: Biografia oficial de Andrés Nicolás D'Alessandro: um depoimento a Diego Borinsky
E-book382 páginas7 horas

D'Ale: meus sonhos, meu futebol, minha vida, meu legado: Biografia oficial de Andrés Nicolás D'Alessandro: um depoimento a Diego Borinsky

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Sobre este e-book

O livro traz a história vitoriosa do jogador de futebol D'Alessandro. O atleta narra sua trajetória em depoimento ao jornalista e biógrafo Diego Borinsky. Com um texto ágil e no melhor dos estilos, a obra começa com o sonho de um jovem de ser jogador de futebol. Aborda a infância na Argentina, a relação com a família – a educação de um futuro atleta passa pela estrutura familiar –, que D'Alessandro teve como base para a vida toda. O livro conta como nasce um craque, como é forjado um grande jogador, sua relação com a vida, seu convívio social. Tudo. A obra vem com depoimentos de pessoas que marcaram sua trajetória como cidadão e atleta. Relata sua participação em grandes clubes até culminar no Sport Club Internacional, onde teve a passagem mais bem-sucedida. Ainda, sua contribuição social em ações que o elevam ainda mais como cidadão – por exemplo, ao participar ativamente no Instituto do Câncer Infantil (ICI). Um livro, uma vida à espera de leitores.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de abr. de 2021
ISBN9786557590263
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    D'Ale - Andrés Nicolás D'Alessandro

    (N.T.)

    1

    INFÂNCIA

    Bola, ilusões, travessuras, dificuldades. O bairro, minha avó, o baby, os primeiros socos. Racing, River, La Boba, mandato e pressões.

    Peladas

    Nasci com uma bola debaixo do braço. Desde menino, meu pai me ensinou a jogar na rua. Ele me atirava a bola e eu devolvia, várias vezes, para ir melhorando a técnica. Minha mãe também é muito futeboleira e me acompanhava em todos os lugares.

    Passei a infância jogando. Em diferentes clubes de baby e também no bairro, na viela Maturín, que ficava perto de casa. Montávamos duas goleiras e jogávamos bem tranquilos, quase não passavam carros porque era uma rua sem saída. O chão era de paralelepípedos pequenos, dava para jogar bem, mas não era tão fácil dominar a bola, então perdíamos um pouco o controle. Ficávamos jogando até de noite, e os vizinhos não reclamavam.

    Às vezes havia campeonatos e eu ia com os garotos competir na Plaza Los Andes, Plaza Irlanda, Plaza Boyacá. Eles sempre me convidavam porque eu jogava bem, e eu ia porque adorava futebol. Andresito, quer jogar?, perguntavam. Eu sempre aceitava. No clube La Paternal, jogávamos quando o ecônomo deixava: se a bola entrava no bufê ou batia na porta, ele nos despachava correndo. Os velhos que jogavam cartas também não gostavam porque se incomodavam com o barulho. Às vezes podia; outras, não.

    Muitas vezes jogava no bairro com os garotos maiores. Eu era franzino, miúdo, não davam um tostão por mim, mas, quando a bola rolava, diziam: Opa, este é bom, que venha para nós. Os meninos do bairro me levavam e, se alguém me agredia, me defendiam. Também ia com os colegas da escola. Tínhamos uma equipe forte e ganhávamos sempre. Uma ou duas vezes nos demos mal. A primeira, quando fomos jogar em Lugano: era pela cancha, vencemos a partida e os adversários não quiseram pagar. Não foi tão grave assim, tivemos de ir e ponto final. A outra foi com os garotos da escola em La Lucarna, num campinho de grama sintética, partida que disputamos contra os meninos de uma praça chamada La Pampa. Eram da torcida do Argentinos Juniors. Ganhamos, depois houve um alvoroço lá fora, mas saímos todos ilesos, ha, ha.

    Eu sempre via os garotos da torcida do Argentinos. Eu frequentava o campo e conhecia todos. Muitas vezes ia como visitante e os doidos cuidavam de mim, chamavam-me de Andresito e, quando eu não tinha dinheiro para pagar a entrada, me deixavam entrar com eles. Todas essas experiências são inesquecíveis. Jogar no bairro é uma coisa especial.

    Tempos difíceis

    Meu pai trabalhou a vida toda com automóveis. Foi funileiro e mecânico por mais de vinte anos. Labutava muitas horas, voltava para casa todo sujo de graxa e com as mãos ásperas. Às vezes eu ia visitá-lo na oficina. Era bem complicado, por exemplo, consertar o para-lama de um Falcon amassado; não era como o dos carros de hoje, que parecem feitos de papelão. Algumas noites eu entrava furtivamente nos churrascos que eles faziam na oficina, e isso me deixava feliz.

    Depois da oficina, meu pai foi motorista de táxi. Passava quinze horas por dia naquela lata velha que comprou por financiamento: todo mês tinha de pagar as prestações. Quando fui para o Wolfsburg, como o clube era da Volkswagen e meu pai entendia de carros, montamos uma loja de peças para ele administrar. Lembro-me bem dos carros que tivemos: Fiat 125, Peugeot 504, Falcon e Renault 19.

    Minha mãe trabalhou na área administrativa de várias escolas, incluindo a Scholem Aleichem, da comunidade judaica. Muitas vezes ela me levava junto porque eu não tinha com quem ficar.

    Meus pais não deixaram que me faltasse nada. Sempre tive minhas chuteiras para jogar futebol. Um par só, mas tinha. Não sobrava nada. Sei muito bem o esforço que fizeram para que eu me tornasse jogador de futebol. Trabalhavam horas extras para pagar a prestação do clube de baby, que não era uma fortuna, mas pesava. Eles me acompanhavam aonde quer que eu fosse, saíam mais cedo do trabalho para ir me ver, pagavam as passagens para assistir ao River jogando no Mundialitos em cidades do interior do país, economizavam para comprar meus tênis. Na época, estava na moda o Bamba, da Adidas, mas eu demorei para ganhá-los; eles compravam o que podiam.

    Não pude participar da viagem de formatura do curso fundamental, para Villa Carlos Paz, em Córdoba, porque meus pais não tinham dinheiro. Na formatura do curso secundário, sim, fizemos a viagem típica: para Bariloche, com os meninos do colégio Vieytes. A época do curso secundário foi espetacular. A maioria dos meus amigos, que ainda conservo, é do Vieytes. Estudei lá por quatro anos, e o quinto fiz no Instituto River Plate. No Vieytes, cabulávamos algumas aulas. Ligava para casa e dizia para minha mãe: Agora temos provas, são sete alunos que não vão entrar, e eu sou o oitavo, ha, ha. Nunca faltei sem avisar minha mãe. Geralmente íamos jogar boliche.

    Quando me venderam para a Alemanha, consegui comprar a casa dos meus pais, e foi nessa ocasião que os dois saíram do país pela primeira vez. Viajaram de avião, conheceram vários lugares, e tudo isso me deixou muito feliz. Foi uma maneira de retribuir-lhes tanto sacrifício.

    Fragata, 2159

    Até eu ser vendido para a Alemanha, nunca havíamos tido casa própria. Lembro-me, ainda criança, de ter acompanhado meu pai mais de uma vez para pagar o aluguel. Quando meus pais se casaram, foram morar na casa de meus avós paternos. A casa tinha dois quartos, quintal, sala de jantar, cozinha e banheiro. Foi ali que me criei. Em um quarto dormiam meus pais, em outro meus avós, e meu irmão e eu nos ajeitávamos em duas camas que ficavam na sala.

    Quando assinei meu primeiro contrato no River, pudemos nos mudar para uma casa mais confortável, com um quarto para cada um, quintal e churrasqueira. Mas ainda pagando aluguel. Logo depois que me instalei na Alemanha, consegui comprar uma casa para mim, outra para meus pais e outra para meu irmão. Sempre em La Paternal, porque meus pais viveram lá desde crianças e não queriam sair do bairro.

    Em casa, colocávamos um balde em cima da geladeira, porque o teto era de zinco e tinha uns furinhos. Só havia um banheiro para nós seis, com vaso sanitário e chuveiro; os dentes, escovávamos numa pia que ficava lá fora, no quintal. Quando fazia frio, esquentávamos uma latinha com álcool num canto do banheiro para nos aquecermos um pouco. Na sala de jantar ficava a mesa e a televisão Subaru com doze botõezinhos de metal: quando chovia, não se podia mudar de canal porque dava choque, ha, ha. Nesse cômodo ficavam as duas camas em que meu irmão e eu dormíamos. Eu vivia batendo as pernas na geladeira, lembro-me bem disso.

    Sempre fiz questão de que meus filhos conhecessem o lugar onde fui criado, para que valorizem o que têm, saibam que nem sempre vivemos como eles vivem hoje, entendam o valor do sacrifício e que nem tudo cai do céu. Quando estamos de férias em Buenos Aires, sempre passamos na frente da casa onde morei na infância, na oficina onde meu pai trabalhava, na travessa onde eu jogava bola. Ali em frente, num sótão, minha avó costurava jalecos de médico e toalhas. Passo muitas vezes de carro com meus filhos e vou lhes mostrando tudo. O bairro está quase igual.

    Eu vivia na rua Fragata Presidente Sarmiento, 2159. Na verdade, tatuei esse número nas costas. Na tatuagem, se vê uma casa com árvores, um menino caminhando com a bola nos pés, uma porta e a placa com o número 2159. Toda vez que passo por ali, fico emocionado com as recordações. Gostaria que meus filhos vivessem essa fase de chutar bola na rua e disputar jogos caseiros. Foi inestimável, não troco isso por nada. Adorávamos andar de bicicleta. Nunca pude ter uma, era um sonho para mim. Lembro perfeitamente que havia as Haro Shredder, modelos Vector e Master; eram bicicletas impressionantes. Cristian, um dos meus grandes amigos da rua, tinha uma. Apesar de só ter uma das mãos, fazia de tudo naquela bicicleta, era um craque. Uma vez montou uma bicicleta para mim – não era uma Haro Shredder, mas achei maravilhosa. Um gesto lindo! Cristian e Javier, dois grandes amigos.

    Outra coisa que nunca esquecerei eram aqueles jantares na Pizzaria Ferreiro, onde meu pai me levava depois de assistir ao Racing. Essa é uma parada obrigatória quando estou na Argentina. Vou com meus pais e meus filhos, e os donos ainda são os mesmos. É uma dessas pizzarias tradicionais. Começamos com a de presunto e pimentão, depois pedimos a de cebola, a de cancha¹, de tudo um pouco. Gosto de conservar esses hábitos agradáveis.

    Avós

    Eduardo e Beatriz, meus avós paternos, sempre moraram conosco. Na verdade, nós vivemos na casa deles. Meu avô tinha uma ferraria: lembro do tamanho impressionante de seus dedos, com as unhas levantadas de tanto mexer com ferro. Ele sofreu de demência senil. No fim da vida, parecia uma criança: abaixava-se até nós e brigava por um pedaço de pão com manteiga. Então, saía para caminhar, se perdia e tínhamos que ir buscá-lo.

    Minha avó Beatriz contribuiu bastante para nossa educação, porque meus pais trabalhavam muito. Às vezes nos deseducava, como costumam fazer os avós. Aos domingos, era ela quem cozinhava. Eu adorava suas massas: capeletti, canelone, tudo delicioso! Depois, minha mãe a substituiu. Suas milanesas são espetaculares!

    Na adolescência, eu conversava bastante com minha avó. Quando voltava para casa chorando porque tinha perdido o jogo ou porque não me colocavam no River, ela me levava ao seu quarto e dizia para não me preocupar, pois eu seria jogador de futebol. Era muito religiosa, e muito companheira também. Rezava e rezava. Quando entrei na Primera, ela passou a guardar todos os recortes de jornais e revistas sobre mim debaixo do colchão.

    Morreu em 2005, quando eu jogava no Wolfsburg. Havia feito um transplante de rins e viveu uns dois anos de altos e baixos. Quando seu estado piorou demais, minha mãe me ligou na Alemanha para me avisar. Então olhei para o técnico, Eric Gerets, o belga que havia enfrentado a Seleção Argentina no Mundial de 1986, e disse: Minha avó está morrendo, vou embora. Ele não gostou, pediu para eu ficar mais alguns dias, pois havia partidas importantes. Não posso esperar, respondi. E fui. Não me importava que me dessem uma multa, que me alijassem do time, nada importava. Eu queria vê-la. Como não havia voo direto de lá, contratei um rapaz para me acompanhar dirigindo o mais rápido possível até Frankfurt; de lá, fui para Amsterdã e voei para Buenos Aires. Cheguei e ela morreu no dia seguinte.

    Muita gente acredita que a vida de um jogador de futebol é maravilhosa. Ela te dá um monte de coisas, sim, mas também te priva de outras. O futebol te leva para vários lugares; às vezes, você pode escolher para onde ir, e outras não. No meu caso, escolhi ir para a Alemanha, achei que era o momento e que significava um salto para mim. Mas também estava deixando muitas coisas para trás: como minha avó querida, com problemas de saúde. Em compensação, meus pais ficaram com uma vida melhor do que a de antes, mas também me entristeci por minha avó. E essas situações que afligem um jogador nem sempre são percebidas ou divulgadas.

    Algum tempo depois de minha avó Beatriz falecer, fiz uma tatuagem em homenagem a ela: tenho seu rosto no peito e a palavra Nona no ombro. Foi difícil para mim aceitar sua morte. Toda vez que comentavam ou falavam algo sobre ela, ou me perguntavam a respeito numa entrevista, pronto: começava a chorar. Hoje, lido melhor com isso. Um pouco melhor.

    Cicatrizes

    Coitados dos meus pais: a verdade é que os assustei bastante quando garoto, fazendo-os correr demais. Se somarmos todas as minhas cicatrizes, tenho mais pontos do que o Liverpool de Klopp.²

    Para começar, nasci prematuro, antes da data prevista. Eu sou assim: ansioso, hiperativo, não consigo ficar quieto. Ao que parece, não via a hora de sair. E vim com defeito de fábrica, com problema no piloro. Tive de ser operado vinte dias depois de nascer. Ainda tenho a cicatriz na barriga.

    Na escola, eu era bagunceiro. Não demais, mas vivia inquieto, com vontade de aprontar. Na Escuela Provincia de Mendoza, no curso primário, em La Paternal, o pátio era pequeno e não se podia correr no recreio. Mas eu corria, é claro, sempre chutando alguma coisa. Ou me escondia no banheiro para cabular a aula de música. D’Alessandro, já para a diretoria!: eu sabia de cor essa frase, ouvia toda hora. Uma vez dei um pontapé no dedo de uma menina e o quebrei. Sem querer, é claro; pura brutalidade. Chamava-se Gabriela, e foi uma confusão enorme.

    Do primário, me lembro de que jogávamos beisebol com um cabo de vassoura nas aulas de Educação Física e de que nos eventos me escalavam para o que fosse necessário. Eu era bem cara de pau, não tinha vergonha de fazer nada. Uma vez dancei fantasiado de russo, outra toquei bumbo – estava sempre pronto para o que desse e viesse. Essa é a minha personalidade, e sempre fui assim.

    Voltando às cicatrizes, uma que me marcou muito foi quando bati o olho direito na estante do quarto de meus avós. Eu gostava de jogar ali: subia na cama, atirava a bola na parede e voava para pegá-la. Bom, um dia errei no cálculo, dei uma cabeçada no móvel e tivemos que correr para o hospital com meu olho direito sangrando.

    Outra ocasião em que fiz meus pais saírem correndo foi quando prendi o dedo mindinho na porta da piscina aquecida que haviam construído no bairro, ao lado do clube La Paternal. A piscina chamava-se El Madison, e eu passava muito tempo ali com os meninos. Ficara amigo do gerente, e muitas vezes ele me deixava entrar escondido, ha, ha. Era uma instalação bem bonita, a melhor do bairro na época, com quadra de grama sintética, mesa de pingue-pongue e restaurante. Eu me encontrava ali com os meninos, mas não sempre, porque era preciso pagar entrada e não tínhamos um tostão. Quando o gerente não nos deixava entrar de graça, esgueirávamo-nos por um campo pelos fundos, pela rua Manuel Rodríguez.

    Uma vez me apoiei na porta que dava acesso à piscina, alguém entrou e, com o movimento, meu dedo mindinho ficou esmagado lá dentro. Foi foda, meu dedo virou uma pasta. Chamaram minha mãe, que novamente me levou para o hospital, e por sorte não perdi a primeira falange do dedinho da mão esquerda. Fui atendido por um médico – acho que seu sobrenome era Banchero, um fenômeno! – que reconstruiu meu mindinho. Ele não ficou normal, mas melhorou bastante e recuperei até a unha.

    Jogando no bairro, também ganhei outra cicatriz na mão, batendo com toda a força na ponta do azulejo de um portão. Acho que levei quatro pontos. Outra vez cortei a língua brincando em cima de um carrinho, e tenho a marca até hoje. Além disso, levei várias pancadas na cabeça, como seria de se esperar pelo tamanho dela, ha, ha. Milhares de galos. Um deles fiz em casa e foi terrível: parecia que eu tinha duas cabeças.

    Em compensação, depois de todos esses acidentes nunca sofri uma lesão grave no futebol. Mas uma coisa é certa: quando criança, fiz muitíssimos pontos. Sentia-me campeão.

    24 advertências

    Na escola, eu não era malcriado – mas estava entre os bagunceiros, não posso negar. No curso secundário, tive dificuldade principalmente com duas matérias. Uma era o inglês. Sempre penei com essa língua, e no terceiro ano havia uma professora que, ao ver minha dificuldade… me complicou um pouco mais ainda. Supercompetente, ha, ha. Em um trimestre, tirei notas 6, 6 e 1; não entendia o porquê daquele 1, achava que era um erro, mas a professora me explicou que se referia a uma prova oral. Discuti um tempão com ela, até que, de repente, gritei: A senhora está louca! A senhora está bêbada!. Para quê? Fui direto para a diretoria e chamaram meus pais – mas eles, coitados, já estavam acostumados. O diretor, de sobrenome Deluqui, ou algo assim, os recebeu. Ele era militar, não foi fácil. Tomei uma suspensão de dois dias e 24 advertências. Ou seja: não podia nem espirrar que me expulsariam do colégio. Com a corda no pescoço, passei a me comportar como um duque. A partir dali, o inglês foi meu companheiro de viagem durante toda a minha vida, graças à professora Eusinde. Finalmente a derrotei em 2018, quando estive na Argentina para completar as matérias que restavam e terminar o colégio no River.

    Outra matéria que me deu trabalho no Vieytes, embora pareça incrível, foi Educação Física. Por causa dos treinamentos no River, às vezes não podia assistir às aulas, e o professor não entendia. Ou talvez fosse torcedor do Boca, não sei. No fim, tive de fazer umas provas adicionais de algo que eu já sabia e praticava no River ou no bairro, como exercícios de futebol, basquete e vôlei. Coisas que acontecem.

    O baby

    Sempre acreditei que todo mundo tem um dom, e o meu é jogar bola. Depois, bom, eu amava o futebol e, desde bem pequeno, quando estava chateado, começava a chutar bola na parede de casa ou no corredor comprido que dava para a rua. Chutava bola de futebol, de tênis, qualquer uma. Os vizinhos queriam me matar.

    A pessoa tem um dom, mas depois vai ajustando-o. O baby foi minha escola. No início, você joga na rua, e então acaba formando uma equipe e passa a competir e a compartilhar. Os pais nos educam e nos incutem valores, no colégio nos ensinam, mas não é fácil participar de um grupo. Na infância, somos bastante individualistas: todos querem pegar a bola e ser os melhores. É no primeiro clube que aparece o técnico para mostrar como é importante formar uma equipe.

    Tecnicamente, o baby me ensinou quase tudo o que sei hoje: habilidade e manejo em espaços reduzidos, toque de primeira, domínio da bola, decisão rápida, clareza mental. No baby também marquei muitos gols de bico, que repetiria na Primera, e gols de conchinha, erguendo a bola sem pegar muito forte, porque os goleiros eram baixinhos, não chegavam na trave. Às vezes há exceções à regra, mas em geral os bons jogadores passaram pelo baby.

    Os anos que fiquei no baby foram a melhor época para mim. Não havia pressão, e eu jogava só para me divertir. Esperávamos o fim de semana para reunir os amigos e participar dos campeonatos. Chegávamos ao clube às duas da tarde e voltávamos às onze da noite, porque os pais, que também se tornavam amigos, iam buscar as crianças e acabávamos jantando todos ali. Eram outros tempos, outra vida. Nós nos divertíamos muito, podíamos jogar no clube, mas também na rua. E sempre com a bola. A gente talvez brincasse também de pega-pega ou esconde-esconde. E verdade ou consequência, porque já estávamos interessados em alguma menina.

    Eu passei por vários clubes de baby: Racing de Villa del Parque, La Paternal, Jorge Newbery, Añasco, Unión Italiana, Parque, Estrella de Maldonado, Saavedra. Com o Jorge Newbery, tivemos um desempenho brilhante na FAFI, a liga de baby mais forte: de um total de 60 pontos, marcamos 59 – só empatamos uma partida, um 4 a 4 contra o Caballito Juniors. Num mesmo final de semana, eu jogava no sábado e no domingo por clubes diferentes. Tory Gómez é o técnico de quem mais me lembro: foi quem mais me ensinou, aperfeiçoando meu modo de jogar.

    Também me recordo de ter jogado durante um ano, aos domingos de manhã, na Paróquia Santa Inês, uma igreja perto de casa que tinha uma quadrinha de futebol. Lá também fomos campeões. Eu ia para todo lugar com meu melhor amigo, Chinito Diego Cabral, que hoje é técnico de futsal em Vélez. Éramos unha e carne, meu grande parceiro. Também compartilhamos muitas equipes com Martín González, o Toto, um grande goleiro, e com Tano Ramundo, lateral direito. Não posso esquecer de um campeonato que conseguimos vencer com a Unión Italiana. Jogávamos nos domingos à tarde em Ciudadela. Ganhamos por 5 a 4 a final no Parque, com um gol do Toto, numa jogada típica do baby: corner – cobrado o escanteio, um companheiro abre as pernas por trás do goleiro e mete uma bomba. Lembro-me disso como se tivesse acontecido ontem. A época do baby era maravilhosa, só pensávamos em jogar. Não consigo evitar um sentimento de nostalgia.

    Fominha

    Um vídeo de quando eu jogava no baby viralizou na internet: um senhor me aborda para uma entrevista no vestiário, eu com a camisa vermelha e verde do Parque. Eu me apresento, cumprimento a todos, digo que meu ídolo é Rubén Paz, e no final o sujeito me pergunta se vou passar mais a bola, porque meus companheiros diziam que eu era um pouco fominha. Depois, aparecem imagens de minhas jogadas no baby. Na verdade, eu era mesmo um pouco fominha – estava sempre querendo mais. Às vezes, isso ainda acontece, mas hoje tenho mais experiência e minhas decisões são mais pensadas. No baby, quando eu me livrava de um, vinha outro, então o driblava. Adorava ter a bola, às vezes precisava tocá-la e não a tocava. De fato, o jogador que é habilidoso, que sabe dominar a bola, tem muita confiança em si mesmo. Ele confia mais em si do que no companheiro.

    Às vezes, eu perdia a bola por fazer uma das minhas, e meus companheiros me recriminavam. Os treinadores também, vez ou outra, me diziam: Passe a bola, ou coisas do tipo. Por fim, um dia me afastei e parei de jogar no Jorge Newbery porque discuti com Tory Gómez, o treinador que me carregava para todo lugar. Desde menino, sempre fui assim.

    Nesse vídeo, fica claro por que me deram o apelido de Cabezón, ha, ha. E eu não tinha só a cabeça grande, mas também os incisivos superiores. Meus dentes caninos custaram para nascer, saíram tarde e mal posicionados. Por isso, precisei usar aparelho por um bom tempo, minha mãe me levava ao ortodontista. Quando adulto, voltei a usar aparelho por dois anos, até que os dentes se ajustaram.

    Na parte final desse famoso vídeo, apareço no Monumental, aos dez anos, declarando que meu sonho era chegar à Primera do River e à Seleção Argentina com todos os companheiros da minha categoria. Isso mostrava minha inocência: nessas horas, você tem essa ilusão de grupo, esse desejo de caminhar juntos movidos pela amizade. Com o passar dos anos, entende que isso definitivamente não acontecerá e que a maioria vai ficar pelo caminho.

    Parque e Argentinos

    Todos queriam chegar ao Parque. Era o clube de baby mais forte. A elite. Dali saíram Redondo, Riquelme, Sorín, o Cuchu Cambiasso, Gago, o Pocho Insúa. Naquela época, o Parque era vinculado ao Argentinos, ou seja, os meninos passavam da quadra pequena do Parque para a grande do Bicho.³ Eles sempre tinham os melhores jogadores. Então, fui encaminhado ao Parque. Logicamente, levantei as mãos para o céu, era o máximo para mim… Mas me afastei um ano depois.

    As categorias 80 e 81 eram enormes. Havia duas equipes por categoria: uma competia na FAFI, a liga top, e a outra, na PLAFI, na qual eu me encontrava. Naquele ano também joguei no Argentinos – treinávamos na antiga Boyacá, uma quadra de terra com arquibancada de madeira. Na verdade, não voltava do treino muito satisfeito: quando praticávamos, eu participava só um pouquinho ou me colocavam numa posição na qual não me sentia muito confortável, porque era uma categoria bem montadinha e não havia lugar para mim. Em geral, jogava como lateral esquerdo. Mas não era como no baby, cuja quadra era pequena e me escalavam como zagueiro, com a camisa 3, para que começasse a jogar no fundo, mas logo acabava na área adversária.

    Um dia, ao ver que eu estava chateado, meu pai, sem me avisar, pediu licença no trabalho e foi assistir ao treino. Naquela noite, em casa, ele me disse: Você não vai mais, não pode jogar como lateral. Meu pai tinha uma visão clara de onde o jogo podia render mais ou menos; em quadra grande, para ser lateral, é preciso marcar, correr, chegar, ter força, e eu não tinha essas características, era muito fraquinho. Então, ele me tirou do time e avisou o pessoal do Argentinos. Meu pai sempre foi um homem de poucas palavras. Minha passagem pelo Parque e pelo Argentinos foi muito breve. Por isso, quando falo do baby, lembro-me principalmente do Jorge Newbery, do Racing de Villa del Parque e do Estrella de Maldonado, porque nesses joguei muito mais. Meu destino seguinte seria o River.

    Gorjetas, fliperamas e festas

    Trabalhei quando era criança. Não me matei de trabalhar nem carreguei malas no porto, mas alguma coisa eu fazia, sempre com a intenção de ganhar uns trocados para poder sair à noite ou ir ao fliperama. Por um tempo ajudei meu tio, que era encanador. Eu o acompanhava até as casas, fazia roscas de cano, macho e fêmea, e dava uma mão no que ele precisasse. O que mais fiz foi entregar pizza, nas noites de quinta a domingo. Chamava-se Pizzería Bahía e ficava a uma quadra de casa. Também trabalhei em outra pizzaria em frente ao clube Comunicaciones. Meu pai não me deixava andar de moto, então eu ia de bicicleta – vai saber como chegava a pizza no destino, ha, ha. O pessoal me conhecia porque eu fazia entregas no bairro. Ganhava muitas gorjetas, sempre conquistava a simpatia das pessoas com meu jeito de ser, meio charmoso. Era Andresito para cá, Andresito para lá, e, se não me davam trocados, eu dizia: Da próxima vez poderia me dar algo para o fim de semana, senhora?. Um peso, dois pesos, sabe o que eram dois pesos naquela época? Eu me criei num videogame, e a ficha custava dez centavos! Além do mais, chegava ao final em todos os jogos, cada ficha durava meia hora ou quarenta minutos; eu era viciado, ha, ha.

    A partida de sinuca custava um peso. Ainda me lembro dos nomes dos fliperamas em que nos encontrávamos: Los Play, Paloko – este também tinha boliche –, Los Crazy, Popeye, todos próximos um do outro. Em um deles conheci a Erica, que se tornou minha esposa. No fim das contas, ir ao fliperama era uma desculpa para encontrar a garotada, conversar, jogar pebolim e sinuca, tomar uma cerveja na porta. Éramos vinte ou trinta garotos e perambulávamos de um lado para o outro. Na adolescência, vi de tudo no bairro: drogas, um monte de coisas. Por sorte, fui ajuizado o suficiente e nunca me envolvi com nada. Não experimentei nem um baseado, mas vi muita gente fumando. Os meninos, inclusive, como sabiam que eu logo ingressaria na Primera do River, me poupavam e não aprontavam perto de mim. Alguns acabaram se complicando e até foram presos, como descobri depois.

    Com o passar do tempo, fomos nos distanciando, mas sempre pergunto aos amigos sobre o paradeiro dos outros. Há pouco tempo, fomos jogar no Uruguai contra o Nacional pela Libertadores. Guacho Seba, o Uru, veio me cumprimentar durante o treino no campo do Danubio e acabou levando uma camisa do Inter. Hoje ele mora no Uruguai com a família, e ficamos ali relembrando antigas aventuras. Muito gostoso, são coisas que a gente não esquece.

    Outra diversão que adorávamos eram as festinhas. Naquele tempo, havia bastante rivalidade entre os bairros: Villa Crespo, Floresta, Paternal, Villa del Parque, era tudo perto, mas cada bairro tinha sua danceteria e também sua equipe de futebol, Atlanta, Argentinos, All Boys… Na Villa Crespo ficava o La Embajada, um lugar horrível, mas era difícil ir como visitante, ha, ha. Na Floresta havia o Mamona y Xelha, depois íamos a algum outro como Pizza Banana, Maybe, em Castelar, Sunset, Chankanab (em San Martín), Coyote, Sultraim, La Metro, Konga e El Santo, em Costa Salguero, ha, ha. Como podem ver, eu adorava e me lembro bem desses nomes.

    Os meninos do fliperama se dividiam em dois grupos: Los Grandes e Los Guachos, de acordo com a idade. Em geral nos separávamos para ir dançar, mas quando estávamos todos juntos, éramos vinte pernas, como se dizia, ha, ha. Sempre rolava uma briguinha em algum lugar, uns tapas aqui e ali, mas não passava disso. Hoje não se pode brigar em uma festa, vai saber como acaba?

    Calos

    Gabriel Rodríguez me viu em um campeonato no baby e disse ao meu pai que eu levava jeito. Contou a ele que estava montando a categoria 81 do River e que gostaria de contar comigo. Titi Montes estava junto, era um desses empresários que percorriam todas as quadras de baby. Titi era um cara incrível, se preocupava com os meninos, se a família nos acompanharia e tal. Queria saber se tínhamos almoçado e, se a resposta fosse negativa, comprava do próprio bolso um sanduíche para comermos antes da partida.

    Não é fácil passar da quadra de baby para a quadra grande. Você não pode pisar e voltar, pisar e voltar, os passes não são mais de um metro, e sim de dez ou vinte. Eu tinha dúvidas, mas por sorte consegui me adaptar rápido quando cheguei ao River, aos nove anos. O uniforme ficava enorme em mim. Entrei como volante pela esquerda em um esquema 4-3-3.

    Nas categorias de base costuma haver bastante egoísmo. Na minha época, existia uma espécie de rixa entre os meninos do interior que viviam na pensão do clube e os outros. Era notório. O River investia nos garotos da pensão, dando-lhes alojamento e comida, e eles tinham de jogar. Para os demais, era mais difícil. Depois, quando você está perto do time de aspirantes e sabe que o técnico

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