Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Degrau por degrau
Degrau por degrau
Degrau por degrau
E-book300 páginas8 horas

Degrau por degrau

Nota: 5 de 5 estrelas

5/5

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

"Minha mãe me deu uma bola de vôlei, mas ela achava que era de futebol. Através desta bola eu conquistei um monte
de coisas na vida. Se meu sonho se tornou realidade, acho que o sonho de qualquer pessoa pode se tornar também." É
com essas palavras que Serginho Escadinha, um dos maiores atletas brasileiros de todos os tempos, define a realização
de seus sonhos através do esporte.
Empacotador, office boy, vendedor ambulante de produtos de limpeza, o paranaense que chegou a São Paulo na infância,
sobreviveu com a família na periferia paulistana, perdeu amigos para o tráfico e a violência, mas também construiu laços
que cultiva até hoje. "Uba-uba-uba, Escadinha é Pirituba!" era o grito de amigos e vizinhos que acompanharam de perto
a ascensão do jovem baixinho que não tinha altura para dar uma cortada ou fazer um bloqueio. Mas, indo atrás de cada
bola como se fosse um prato de comida, se transformou no melhor líbero que o voleibol mundial já viu.
Serginho é referência, mas não apenas no esporte, quando inúmeras vezes foi além de suas forças. Ele representa o
brasileiro que tinha tudo para dar errado, mas que não acreditou nas negativas que ouviu, valorizou cada oportunidade
e, dessa forma, conquistou o respeito e a admiração de milhões de torcedores mundo afora. Nesta biografia ricamente
ilustrada, ele conta sua vida em detalhes e faz revelações inéditas dos bastidores do vôlei.
IdiomaPortuguês
EditoraPlaneta
Data de lançamento1 de jun. de 2017
ISBN9788542210613
Degrau por degrau

Relacionado a Degrau por degrau

Ebooks relacionados

Biografia e memórias para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Degrau por degrau

Nota: 5 de 5 estrelas
5/5

2 avaliações0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Degrau por degrau - Daniel Bortoletto

    dificuldades

    1

    NASCIMENTO, INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA EM PIRITUBA

    No dia 15 de outubro de 1975, nasceu Valdeci. Filho do meio de dona Didi e seu Domingos, dois trabalhadores rurais radicados na região de Diamante do Norte, noroeste do Paraná, localizada perto da divisa com São Paulo e também não muito distante do Mato Grosso do Sul.

    Um lugar conhecido pela fertilidade da terra, logo ocupada em boa parte pelas plantações de café graças ao fluxo de migrantes dos estados próximos. O nome Diamante foi dado, na década de 1950, por moradores que encontraram cristais de rocha em um córrego da região, mas acreditavam ter descoberto a famosa pedra preciosa. Logicamente não ficaram milionários da noite para o dia.

    Didi e Domingos se conheceram em uma colônia de trabalhadores, onde plantavam e colhiam café. Ela tinha apenas 16 anos. Ele, 21.

    Na casa simples da família, com paredes de madeira e sem piso cimentado, aconteceu o parto de Valdeci, que teve ajuda de uma parteira da região, já que o menino apressadinho não esperou o pai ir para a cidade, de bicicleta, buscar um médico.

    A vida da família Dutra dos Santos era dura. Viviam numa casa de um cômodo. Suezi, a primeira filha, havia nascido um ano antes. E as dificuldades para sustentar todos aumentavam dia após dia.

    Grande parte do dinheiro que ganhávamos ia para o bolso dos patrões. Ficávamos com muito pouco, relembra dona Didi, nascida no interior de São Paulo.

    Valdeci, uma semana depois do nascimento, virou Sérgio. E assim foi registrado, em homenagem ao jornalista Sérgio Chapelin, então apresentador do Jornal Nacional, programa icônico da TV Globo visto por dona Didi na casa das vizinhas, em uma televisão em preto e branco.

    Ele não tinha cara de Valdeci. Então resolvi mudar, conta a mãe.

    Nos primeiros meses de vida, o pequeno Sérgio ganhou o apelido de Pelém, em referência à sonoridade do sobrenome do âncora do jornal global.

    Fiquei feliz em saber que alguém admira tanto o meu trabalho a ponto de colocar meu nome em um filho, é gratificante, diz o jornalista com mais de quarenta anos de profissão, que também virou nome de uma rua na Bahia.

    A dificuldade da vida na roça fez com que Domingos e Didi pensassem em deixar Diamante do Norte e partir rumo aos sonhos e às oportunidades da cidade grande. Ela não gostava da ideia. Tinha como exemplo o pai, Francisco, um pernambucano, e a mãe, Eva, baiana de nascimento, que tiveram outros seis filhos e sempre viveram da terra.

    Eles educaram os sete filhos trabalhando na roça. Eu até juntei um dinheirinho na época e joguei na loteria. Mas não ganhei. Se ganhasse não sairia de lá de jeito nenhum. Meu esposo queria dar uma vida melhor para todos nós e arrumou um emprego em São Paulo. Como naquela época a mulher seguia sempre o homem, eu aceitei a mudança, lembra dona Didi.

    Eles decidiram partir, mas não todos juntos. Suezi ficaria com os avós por mais um tempo. Sérgio tinha apenas nove meses e seguiria com Didi e Domingos para São Paulo. E viveu, nos braços da mãe, uma pequena aventura.

    A primeira parte da viagem do Paraná para São Paulo foi atravessar o rio Paranapanema em um pequeno bote, já que a balsa que costumava fazer a travessia estava impossibilitada por causa de uma cheia na região. Uma decisão arriscada, já que a segurança era precária.

    Aquilo poderia ter virado com todos dentro. Foi um perigo mesmo, admite dona Didi.

    Partiram os três, sem malas, apenas com algumas roupas dentro de sacolas. A chegada à capital paulista não poderia ter sido mais traumática para a família. Era inverno. O trio sofreu bastante nas primeiras semanas, sobretudo a mãe, ao ver o pequeno Sérgio tremer. Ele vivia nos braços dela, em busca do calor humano para se aquecer.

    Tinha neblina, muita serração, fazia um frio de rachar. Nós não tínhamos cobertores e passamos por maus momentos, lembra ela.

    Eles foram morar em Pirituba, região populosa e carente da Zona Norte da capital. Não imaginavam que dali nunca mais iriam sair. Domingos arrumou um emprego para manusear couro, mas o trabalho durou pouco e a família não teve o que comemorar. O cheiro ruim e os machucados nas mãos abreviaram a passagem dele pelo local. Foram apenas três dias na empresa.

    Didi cuidava de Sérgio. Domingos tentava mas tinha dificuldade para arrumar outro emprego. Sem dinheiro para pagar o aluguel, aceitou morar em uma pequena casa dentro de uma empresa. Carregava cimento e virou uma espécie de caseiro, o faz-tudo do lugar. A família passou três anos ali e, nesse período, aumentou. Silvanei, o caçula, nasceu em São Paulo.

    Eu não podia trabalhar porque tinha que ficar com as crianças. Tenho muito orgulho do meu esposo, pois ele criou os três filhos ganhando apenas um salário mínimo. Aprendi muito com meu pai e minha mãe, sempre na roça, mas que conseguiram educar sete filhos. Então eu também poderia conseguir, conta dona Didi.

    As dificuldades financeiras fizeram a família se unir cada vez mais. Almoçavam e jantavam juntos todos os dias. E na mesa, naquela hora sagrada, os filhos aprendiam na prática uma lição da vida.

    Meu pai se sacrificava para trazer comida para casa, e nós três dividíamos tudo. Crescemos assim. Não passávamos fome, mas às vezes a quantidade não dava para todo mundo. Se alguém estava com mais fome, o outro dava um pouco da sua parte, diz Nei, o irmão caçula.

    Felicidade é o mesmo sentimento expressado por Serginho ao relembrar aquele período. Crianças brincando pelas ruas de terra do bairro, ignorando as dificuldades da vida e os perigos que os rondavam.

    Minha infância foi muito boa. Era muita brincadeira na rua, com os amigos. Eu aproveitei demais a minha infância e isso eu carrego para o resto da vida. Sabe, é o improviso que a vida impõe e você aprende com isso. Posso dizer que fui muito feliz. Eu tinha muitos amigos na rua, brincava o tempo inteiro. Essa vivência da rua eu conquistei quando era moleque mesmo.

    Pega-pega, esconde-esconde, queimada, pipa. Não importava a brincadeira. O importante era estar perto dos amigos. Naqueles momentos as dificuldades da vida não eram suficientes para tirar o sorriso do rosto das crianças.

    As brincadeiras aconteciam perto de nossa casa, numa ladeirinha com chão de terra. Ali quase não passava carro, então nós podíamos brincar sem muitas preocupações. Ficávamos até escurecer, quando meus pais nos chamavam para entrar. Era uma vida muito boa, diz Suezi.

    Nei assina embaixo: Nós três tivemos uma infância feliz e saudável. Isso é uma coisa que carrego comigo até hoje.

    As crianças felizes e saudáveis foram crescendo e vendo de perto as mazelas da periferia. A mãe procurava manter a rédea curta. Não queria perder os filhos para o mundo. E na vizinhança esse mundo era bem perigoso. Ela fazia questão de manter vivas as raízes familiares com base nos ensinamentos dos avós do interior. Uma vez por ano faziam o percurso de volta a Diamante do Norte para visitar aqueles exemplos de vida. Era o presente de Natal do trio. Sérgio era sempre o mais empolgado.

    Isso é muito claro na minha cabeça até hoje. Chegavam as férias escolares e meu pai ia até a rodoviária do Tietê comprar as passagens. A gente não via a hora de chegar ao Paraná para ver o nosso avô. Era algo que eu esperava o ano inteiro. Nós três ficávamos trinta, quarenta dias lá e eu não queria voltar para São Paulo. Eles sempre moraram em zona rural, em sítio, trabalhando em fazenda, a família inteira era assim. Se meus pais não tivessem vindo para São Paulo, estariam na roça. Minha mãe sempre teve uma ligação muito forte com a família dela. Ela foi criada dentro de uma fazenda, então dificilmente ela perderia o laço.

    A alegria de dona Didi e seu Domingos era ver os três filhos correndo com os pés descalços, brincando na terra, conhecendo criações de animais, ajudando nos afazeres domésticos e ouvindo os conselhos dos mais velhos.

    Eles voltavam todos sujos, só com os olhos de fora. Voltavam cansados, mas sempre muito felizes, vibra dona Didi.

    Ela, porém, já começava a ter a difícil tarefa de explicar as diferenças entre as classes sociais. Por que minha amiga tem uma boneca e eu não tenho?, queria saber Suezi. Sérgio e Nei também babavam nos brinquedos de alguns amigos e, a cada aniversário, sonhavam em ganhar algo parecido.

    Aos 7 anos, Sérgio ficou doente. Para a mãe, o culpado foi um Velotrol, um tipo de triciclo que alguns amigos possuíam, um sucesso no início da década de 1980. O menino queria muito ganhar o seu para brincar nas ladeiras do bairro. Era tanta vontade que ele começou a tentar ajudar no sustento da família, vendendo juju (conhecido como sacolé ou gelinho em algumas regiões do Brasil) durante os jogos de várzea. Nem sempre recebia o dinheiro dos compradores. Mesmo com algumas moedas no bolso, chorava ao voltar para casa. Dona Didi consolava o garoto.

    Domingos fez um esforço nas finanças da família para realizar o primeiro sonho do filho. O Velotrol cor de abóbora foi o xodó do menino Sérgio por vários meses.

    O coitado teve até febre antes de ganhar, de tanto que queria. O pai conseguiu comprar e foi uma felicidade só lá em casa. Ele pegava, ia para todos os lugares com o Velotrol. Tinha aquelas pernas compridas e ficava pedalando pelo bairro, todo feliz, conta a mãe, orgulhosa.

    Sérgio largava o brinquedo apenas para jogar bola com os amigos de Pirituba. Esse era outro presente que a mãe podia comprar para ele sem comprometer demais as finanças da família. Na feira livre do bairro, onde garantia com alguma pechincha os alimentos para casa, ela escolhia sempre o mesmo modelo. Bastava a bola furar para ela juntar uns trocados e repor o brinquedo predileto de Sérgio.

    Era uma imitação barata de uma bola da moda, mas ele ficava tão feliz. Eu achava que era de futebol, mas na verdade era de vôlei.

    E ela, sem querer, apresentou assim um novo esporte para o filho. Naquela época, meados da década de 1980, o Brasil ainda não era uma potência do vôlei. Surgia uma primeira geração talentosa, com Renan, William, Montanaro, Bernard, Xandó… O esporte deixava de ser amador para começar a se profissionalizar, com equipes bancadas por grandes empresas: Atlântico/Boavista, Pirelli, Supergasbras. Um vice-campeonato mundial e uma medalha de prata olímpica ajudaram a catapultar aqueles jogadores para a fama, fazendo o vôlei ganhar espaço na mídia, criando fãs e abrindo os olhos de novos patrocinadores.

    Sérgio e Nei, que tinham apenas dois anos de diferença, estavam sempre jogando juntos. Tinham uma tática toda especial para que a bola durasse muito tempo e dona Didi não ficasse brava após mais uma baixa. Cortavam pedaços de borracha de mangueiras velhas e cobriam as lanças dos portões dos vizinhos. Aqueles perigos para as crianças eram uma necessidade da comunidade para tentar evitar a bandidagem da região.

    Fomos aprendendo com o tempo e após muitas bolas perdidas. Mas não era o único perigo. De vez em quando a bola caía na casa de um vizinho e ele não estava lá na hora. Depois de um tempo voltávamos lá para buscar. Mas o cachorro tinha mordido e furado a bola. Ficávamos muito tristes, lembra Nei.

    Outra forma de brincar era transformar o varal de dona Didi, no pequeno quintal da casa dos Dutra dos Santos, em rede. Quando apenas um dos irmãos estava disponível para brincar, a parede virava o adversário. O problema é que ela sempre vencia…

    Dona Didi e seu Domingos não abriam mão da educação dos filhos. Todos poderiam praticar esportes, mas deveriam estudar e conseguir boas notas na escola pública da região, a Otto de Barros Vidal. Foi lá que o menino Sérgio foi apresentado à Educação Física. Ele já tinha habilidade com os pés e adorava jogar futebol com a bola de vôlei. Mas também tentava dar toques e manchetes, ficando na base de uma ladeira, jogando a bola para cima e esperando que ela voltasse para repetir os fundamentos da modalidade.

    Nei conta:

    Quando ele estava na sexta série, nós percebemos que ele levava jeito mesmo para o vôlei. Começou a ganhar as primeiras medalhas. Eu jogava junto, mas não tinha a mesma determinação que o Sérgio. Ele sempre foi muito competitivo e desde aquela época queria ganhar, mostrar que era capaz, vencer no vôlei.

    O esporte era a esperança de dona Didi e seu Domingos para que os filhos ficassem longe do mundo do crime. As crianças cresceram vendo corpos crivados de bala ou esfaqueados na esquina de casa. Conviveram com todo tipo de bandido. Pirituba era um local perigoso. A mãe não permitia, por exemplo, que os filhos fossem andar de bicicleta, montada com peças encontradas em depósitos da região, com os meninos do bairro. Temia que um deles fosse e não voltasse para casa. Para Serginho, um determinado horário do dia era o mais complicado:

    Minha infância foi boa demais, porém, na época, era muito perigoso morar ali. Eu me lembro que à noite eu tinha muito medo. Eu escutava um cachorro latir e já me apavorava. Me escondia embaixo do lençol, do cobertor. Perdi muitos amigos nessa época. Foram muitas mortes mesmo. Quando anoitecia, ficava aquele silêncio. Então, quando escutava o cachorro latindo, achava que alguém estava prestes a morrer. Muitas coisas aconteciam no período da noite no meu bairro e isso me deixava aterrorizado. Se eu escutasse um tiro, então, ficava quietinho.

    Na base da conversa e da sinceridade, os pais deixavam claro para Suezi, Sérgio e Silvanei: Vocês terão vários caminhos para escolher. Mas apenas um deles é o certo.

    Perdemos amigos, muitos colegas de escola, gente conhecida… Um moleque ia jantar na nossa casa na terça. Na quarta ele aparecia morto. E não foram poucos. Minha mãe sempre falava que o esporte era nossa válvula de escape e não deveríamos andar com gente ruim, conta Nei.

    Eram traficantes, ladrões de banco, bandidos que roubavam carros. Várias categorias de criminosos estavam ali, ao lado dos irmãos que jogavam vôlei na esquina.

    Eu dava conselhos, conversava muito com eles. E cuidava demais dos meus filhos. Estava sempre preocupada. Tenho muito orgulho por eles terem me obedecido, diz dona Didi, que se preocupava a ponto de fazer questão de todos os dias ir buscar os filhos na escola.

    A educação e a marcação constante de dona Didi deram resultado. Nei revela que os criminosos respeitavam os Dutra dos Santos: Nunca convidaram a gente para fazer nada de errado. Nem ofereciam drogas. Eles respeitavam meu pai e minha mãe, tanto que nunca mexeram com a gente. Viam que éramos simples e honestos.

    Para Serginho havia outra explicação para o tratamento diferenciado que a família recebia no bairro: o dote culinário da mãe.

    Meus pais sempre foram muito queridos no bairro. Tanto é que a casa da minha mãe sempre ficava com a porta aberta e nunca entraram para roubar nada. Minha mãe sempre gostou de fazer bolo, muitos dos meus amigos iam lá só para comer, porque sabiam que na casa da dona Didi tinha bolo todo dia.

    Para ele o preferido até hoje é o bolo de cenoura com cobertura de chocolate.

    O esporte também ajudava Sérgio a não se envolver com os bandidos da região. Rápido e habilidoso, ele arrumava espaço entre os mais velhos para disputar as peladas de futebol.

    Aos poucos, a fama de bom jogador se espalhou pela região, e Sérgio passou a ser disputado por várias equipes. Tal condição fazia com que ele fosse tratado de maneira especial pelos donos dos times, que, em alguns casos, eram os principais criminosos do pedaço.

    Numa época todos os times do bairro queriam que eu jogasse. E os times da várzea eram comandados pelos ‘caras’ e eu tinha o respeito deles. Eles falavam: ‘Vai lá buscar o Sérgio para o jogo’. Vinham de carro, me buscavam, me levavam para os campos de várzea. Todo fim de semana eu já sabia que os caras iriam me pegar cedo. Eu jogava e depois me deixavam em casa, me levando de carro. Sempre tive esse respeito e ninguém mexia com a gente lá de casa. E eu não mexia com ninguém também, porém sempre aconteciam brigas, acerto de contas. Vi muitos amigos mortos. Era muito ruim, pois você não podia fazer nada.

    Um estudante nota 6, um jogador de várzea nota 9, um filho nota 10. Serginho também começou a trabalhar para ajudar seu Domingos e dona Didi no sustento da casa. Pedia indicações para os amigos do bairro. A mãe também fazia questão de pedir aos conhecidos que avisassem se soubessem de alguma oportunidade. O filho do meio estava pronto para aprender a profissão que fosse.

    Aos 12 anos, Serginho teve o primeiro emprego ali mesmo, em Pirituba, no principal supermercado da região.

    Era próximo da nossa casa. Eu estudava de manhã e ficava na parte da tarde lá no supermercado, empacotando as coisas, arrumando prateleiras. Uma vez por mês chegava o caminhão e abastecia o supermercado inteiro. Então eu tinha de ficar ali esperando para ajudar a descarregar tudo.

    O pouco dinheiro recebido no fim do mês tinha destino certo: Eu não sei dizer quanto ganhava na época, era pouco, mas eu dava tudo para a minha mãe. Era a minha forma de ajudar a pagar as contas da casa.

    Por mais que os dias de Sérgio fossem atarefados, o vôlei persistia. Era aquela paixão platônica, irresistível. Sempre havia espaço para ele. E muito por conta da irmã, Suezi.

    Na escola, ela disputava campeonatos com garotas de outras turmas. E quase sempre tinha como espectadores os dois irmãos. De vez em quando até pintava uma chance para que eles completassem o time das meninas. Relata Suezi:

    Ninguém ali gostava de perder, então os jogos eram bem competitivos. Nós adorávamos jogar. Era quase um vício. E o vôlei preenchia um espaço importante nas nossas vidas. Evitava que nós nos misturássemos com certas pessoas. Nossos pais sempre nos orientaram para evitar isso, pensando mais no esporte. Tínhamos um parâmetro, uma linha a seguir. E, como a família era muito unida, conseguimos.

    Depois de alguns meses trabalhando no supermercado, o garoto Sérgio recebeu uma nova oferta. E não tinha ainda nada a ver com o vôlei. Dona Rosa, uma das vizinhas, tinha um bar e precisava de alguém de confiança para cuidar do estabelecimento. O garoto foi convidado, conversou com os pais e aceitou a responsabilidade.

    A nova função fez Serginho amadurecer rapidamente. Passava o dia ouvindo histórias de vidas sofridas, lidando com todo tipo de gente e precisando impor o respeito para não ser passado para trás.

    Esses bares de bairros mais pobres de São Paulo são frequentados basicamente por homens, não tinha mulher. E lá tinha de tudo: ladrão, gente honesta, muitas pessoas carentes ao extremo. Eu gostava de ficar escutando os papos. Começava a entender o palavreado dos caras, pescava histórias de maldade, acontecia tudo muito perto de mim.

    Dona Rosa, com plena confiança no funcionário, deixava Serginho com a responsabilidade de controlar o caixa do bar. E, rapidamente, ele percebeu que aquela função era perigosa.

    Eu não tinha muita noção de dinheiro, pois vivia com muito pouco, mas eu fazia tudo certinho. Quando o caixa começava a encher, pedia para alguém chamar a dona Rosa, que morava ali na rua do bar mesmo. ‘Fala para ela subir aqui logo’, eu dizia. Eu não sabia se os caras estavam de olho, se não estavam ali no bar para roubar. Nessa época tinha muito homem parado tomando pinga, rabo de galo. Alguns chegavam sem grana. Eu tinha um caderno e anotava tudo que eles compravam fiado. O duro era a dona Rosa receber depois.

    Serginho trabalhou no bar até os 14 anos de idade. Na escola, tinha bastante dificuldade para passar de ano, tanto que chegou a

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1