O sentido do humano: Entre fenomenologia, psicologia e psicopatologia
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O sentido do humano - Angela Ales Bello
Angela Ales Bello
O SENTIDO DO HUMANO
ENTRE FENOMENOLOGIA, PSICOLOGIA E PSICOPATOLOGIA
Sumário
Capa
Folha de rosto
Apresentação
Prefácio
Introdução
Primeira Parte – Antropologia filosófica e psicologia: a proposta fenomenológica
Capítulo I – Qual é o estatuto epistemológico para a psicologia? O ponto de vista de Edmund Husserl
1. O papel da psicologia na fenomenologia de Husserl
2. O método fenomenológico
3. Reduções fenomenológicas: a via cartesiana e a via da psicologia Reduções fenomenológicas: a via cartesiana e a via da psicologia
4. O atribulado relacionamento entre fenomenologia e psicologia
4.1 Especificidade da psicologia
4.1.1 Psicologia pura e psicologia transcendental
4.1.2 O que significa psique
?
4.1.3 A nova psicologia fenomenológica
4.2 Afinidade entre psicologia e fenomenologia?
5. A psicologia fenomenológica depois de Husserl
Capítulo II – Como ler a psique? Psicologia e fenomenologia em Edith Stein
1. Psique e causalidade
2. Motivações
3. O estatuto psicológico da psicologia
Segunda Parte – A psicopatologia fenomenológica
Capítulo I – Os transtornos da psique – A psicopatologia fenomenológica de Ludwig Binswanger
1. Sobre fenomenologia
2. O encontro com Heidegger
3. O retorno a Husserl
4. Antropologia e fenomenologia: Husserl e Freud
5. A relação com Heidegger: qual antropologia?
6. A psicopatologia fenomenológica
7. O papel de Binswanger na história do pensamento
Capítulo II – O encontro com a existência em sofrimento – Bruno Callieri, herdeiro de Binswanger
1. Binswanger como guia
2. Intersubjetividade, temporalidade e vivências
3. A contribuição original de Bruno Callieri à psicopatologia fenomenológica
Capítulo III – Critérios interpretativos da existência psicopatológica
1. A identidade do sujeito
2. O tema da entropatia
3. Sentir
a singularidade
4. Da filosofia à psicopatologia
Capítulo IV – Psicologia, psicopatologia, religião
1. Psicologia da religião
2. Psicopatologia da religião
Para concluir e prosseguir
Bibliografia
Coleção
Créditos
Landmarks
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Half Title Page
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Table of Contents
Footnotes
Chapter
Chapter
O SENTIDO DO HUMANO
ENTRE FENOMENOLOGIA, PSICOLOGIA E PSICOPATOLOGIA
APRESENTAÇÃO
A discussão sobre os temas relativos à psicologia da religião e a psicopatologia fenomenológica constitui o centro de interesse deste livro. Ele é dedicado pela autora aos amigos brasileiros psicólogos e psicoterapeutas. Nesta obra o sentido da experiência religiosa para o ser humano é investigado tanto do ponto de vista psicológico quanto filosófico-fenomenológico e, em particular, a partir do tema da psicopatologia das religiões.
Para Ales Bello a psicologia da religião é uma das disciplinas por meio das quais se confirma quanto a religiosidade constitui um centro de orientação para o ser humano. Como a história desta disciplina é muito breve, ela opta por apresentar os traços essenciais que a caracterizam por meio de algumas figuras representativas, como é o caso de Gordon W. Allport (1897-1967) nos Estados Unidos e o de Antoine Vergote (1921-2013) no âmbito europeu, ilustrando como ambos tiveram preocupações com relação ao estatuto epistemológico do referido território de pesquisa e eram conscientes da extrema complexidade do fenômeno religioso. Na linha de Allport, por exemplo, pode-se dizer que a religião oferece uma visão que dá unidade à vida e, de fato, segundo ele, a psicologia não pode impedir a compreensão das capacidades religiosas do homem, se quer ser, no pleno sentido da palavra, um logos da psique humana. Em Vergote, por outro lado, é interessante notar a ênfase no aspecto da religião como algo observável por meio das vivências dos sujeitos e caracterizado pelos nexos de influência recíproca entre os elementos psíquicos e os símbolos da religião que devem ser considerados em qualquer interpretação. Para Ales Bello, a contribuição desse autor encontra-se no fato de ele não sustentar que a religião se identifica com um comportamento puramente psíquico, mas descobrir que o encontro do ser humano com a potência religiosa produz seus efeitos a tal ponto de os símbolos imprimirem o seu próprio selo no psiquismo. Desse modo, a religião não é uma criação psíquica, mas um dado presente no ambiente que exige do indivíduo uma tomada de posição frente a tais símbolos, podendo acolhê-los, valorizá-los e vivificá-los, ou também rejeitá-los; mas tanto a fé quanto o comportamento de rejeição tornam-se objetos de estudo da psicologia da religião.
Nos estudos de Allport, de Vergote, de Aletti e de Fizzotti se pode constatar, conforme anota Ales Bello, algumas afinidades com o modo de entender a análise da psique e da experiência religiosa proposta pela escola fenomenológica. Estes estudiosos compreendem o comportamento religioso na sua dinamicidade e a partir de um processo que abarca a totalidade da existência do sujeito e o envolve desde a esfera racional àquela dos afetos, valores e sentimentos. No entanto, a ligação mais direta com a análise filosófico-fenomenológica provém dos estudiosos que se dedicaram a observar a dinâmica dos distúrbios psíquicos. É o caso, por exemplo, de Bruno Callieri, que dedicou-se a investigar as experiências de percepção do fim do mundo cujo aspecto catastrófico é acompanhado da presença de vivências religiosas que permitem a quem as experimenta aproximar-se de cenários diversos com relação ao mundo da vida no qual estamos imersos.
Por meio de um rigoroso diálogo com todos os autores da escola fenomenológica, com os antropólogos culturais, com os historiadores da religião, psiquiatras e psicólogos da religião – particularmente Allport, Vergote, Aletti e Fizotti –, Ales Bello oferece às ciências humanas uma perspectiva analítica e teórica para as investigações do campo religioso. As marcas da sua pesquisa se expressam pela harmonia entre o espírito crítico e o posicionamento construtivo na proposição do conhecimento. Além disso, é um trabalho caracterizado por uma exigência de reconhecimento de que na base da cultura humanista e científica se encontra a centralidade do ser humano. Por esta razão, ela faz a escolha por uma perspectiva teórica não redutiva, como é aquela proposta pela descrição de Husserl, Stein e seus discípulos, por entender que nesta abordagem é possível tornar mais clara a complexidade e a estratificação do ser humano no vasto universo de suas manifestações.
Márcio Luiz Fernandes
PREFÁCIO
Aos meus amigos brasileiros
psicólogos e psicoterapeutas,
com gratidão.
A dedicação deste livro aos psicólogos e psicoterapeutas brasileiros não é ocasional, mas em grande parte está ligada à gênese desta minha pesquisa. Desde 2001, nas minhas viagens anuais ao Brasil, como professora visitante, lecionei prevalentemente nas faculdades de psicologia de algumas universidades estaduais e federais brasileiras, em particular em Belo Horizonte e em São Paulo. A minha formação pessoal é filosófica, com especialização fenomenológica, portanto, coerentemente, a minha presença naquelas faculdades poderia parecer fora de lugar para quem a observava do ponto de vista da mentalidade italiana ou europeia. Mas o interessante, que me solicita a falar da minha experiência, é que no ano de 2001 fui convidada para tratar de questões concernentes à antropologia filosófico-fenomenológica na Faculdade de Filosofia da Universidade Sagrado Coração de Bauru (SP), na ocasião de um congresso, e notei a presença de numerosos professores de psicologia. Em seguida, foram alguns deles que me pediram para dar cursos nas suas faculdades.
A razão do interesse dos colegas brasileiros, na realidade, não me surpreendeu, porque os meus estudos, ligados sobretudo aos fenomenólogos Edmund Husserl e Edith Stein, me haviam convencido do fato de que, em relação às ciências humanas e à psicologia, era necessária uma preparação antropológico-filosófica de base para quem as praticava; na verdade, se não se conhece o ser humano, como se pode orientar na compreensão das suas produções culturais e das suas manifestações peculiares? Tinha-me surpreendido, ao contrário, que tudo isso era claro para os psicólogos e psicoterapeutas brasileiros, orientados por aquilo que eles definiam como pesquisa qualitativa
em psicologia, isto é, uma pesquisa orientada para o sentido humanístico em vez de científico, estando este último ligado ao método das ciências físico-matemáticas ou naturais.
Nessa direção se clareava o interesse que tinham pela fenomenologia e o desejo de aprofundá-la. Assim, nos últimos quinze anos, o trabalho que desenvolvemos juntos me permitiu aprofundar sempre mais as relações entre a antropologia fenomenológica e a psicologia. No meu caminho de pesquisa, também recebi ajuda do encontro, a partir dos anos 1980, com psiquiatras de orientação fenomenológica e psicanalítica da Itália que frequentavam e frequentam o Centro Italiano de Pesquisas Fenomenológicas, por mim fundado nos anos 1970, a partir de uma seção dedicada à relação com as ciências humanas e a psicologia.
O livro que segue recolhe os resultados dos meus estudos desse âmbito e procura mostrar as relações entre as três pesquisas – a fenomenológica, a psicológica e a psicopatológica – para oferecer um panorama histórico e ideias teóricas a quem queira prosseguir no caminho, a meu ver, muito profícuo para a compreensão do humano.
INTRODUÇÃO
No clima positivista, instaurado na Europa entre o final do século XIX e os primeiros decênios do XX, eram numerosas as reações contra a mentalidade científica nos ambientes filosóficos dos diversos países europeus. Na Alemanha, a nação que um século antes parecia ter ocupado uma posição de guia no âmbito dos estudos filosóficos, junto ao renovado interesse pelos fenômenos culturais, defendido por Wilhelm Dilthey, estava sendo delineada a pesquisa fenomenológica de Edmund Husserl. Ele não se limitava a contrapor o interesse pelos estudos humanísticos àqueles científicos – estes últimos exaltados pelo positivismo –, mas, tendo um conhecimento aprofundado das ciências matemáticas e físicas, foi capaz de lançar uma crítica que se moveu a partir do coração da pesquisa científica e se fundou em uma nova teorização.
Não se tratava, porém, de analisar somente o valor das ciências da natureza e redimensionar suas pretensões para representar um conhecimento absoluto, mas de captar o significado do papel e da posição das ciências do espírito – depois prevaleceu a definição anglo-saxônica ciências humanas
– para a compreensão dos aspectos salientes do ser humano na sua singularidade e do contexto social. Ao lado dessas últimas, contudo, em uma posição que não tinha e não tem em nossos dias uma exata colocação, estava se delineando a psicologia, combatida entre o uniformizar-se ao paradigma das ciências físico-matemáticas e o escolher definitivamente uma via humanística. Distinguiam-se, na verdade, duas tendências: a primeira, que se ressentia mais pela influência do positivismo, e a segunda, que se ligava a uma visão do mundo cujo interesse pelo especificamente humano gerava uma atitude de busca de tipo qualitativo.
E essa não é uma história do passado
; na realidade, apesar das transformações internas e os contatos entre as duas correntes, tal é a situação também do tempo presente, no início do terceiro milênio, e isso exige, da parte do pesquisador e do operador, uma escolha de campo. Mas para efetuá-la, é necessário dar conta do processo histórico, do qual a situação nasceu, e captar a gênese e o valor dos problemas teoréticos que se encontram na base das diversas teorias.
Nesta obra, pretende-se buscar a origem das questões que se referem à relação entre filosofia, psicologia e ciências. Pode-se perguntar por que a filosofia. A resposta está contida nas páginas seguintes, por meio das quais se poderá constatar que a reflexão filosófica teve um papel significativo, porque se configura como o terreno crítico
, sobre o qual se colocam as questões comparativas entre as disciplinas e se elaboram os conceitos de fundo que guiam também as outras pesquisas. Sem tal aprofundamento, todas as ciências vivem acriticamente e são incapazes de investigar seus pressupostos; essas devem, certamente, prosseguir seu caminho em modo autônomo, mas com a consciência da sua gênese, do seu valor, das suas finalidades.
Acredito que, entre as várias posições filosóficas, a fenomenologia deu uma contribuição notável para o esclarecimento sobre a pesquisa científica. Retornar às fontes da pesquisa fenomenológica permite, portanto, não só compreender em que consiste a fenomenologia, mas sobretudo descobrir a relação de proximidade que os fenomenólogos clássicos
– em primeiro lugar Edmund Husserl, o fundador da escola – colocaram entre pesquisa filosófica e psicologia. Pode-se dizer que, em certa medida, a fenomenologia nasceu como resposta às solicitações provenientes da psicologia e que a sua grande ambição – entre suas numerosas finalidades teoréticas – foi, e é ainda, a de dar à pesquisa psicológica as indicações necessárias para instituir o seu caminho. Certamente a escolha está endereçada para uma psicologia qualitativa, que pergunta o que é a psique e o que são os atos psíquicos, sem reduzi-los a elementos puramente quantitativos.
Sabe-se que a elaboração fenomenológica tem desfrutado um sucesso maior no âmbito da psicopatologia antes que da psicologia, mas pretendo mostrar, em primeiro lugar, a importância da filosofia fenomenológica para a compreensão da psique, a fim de esclarecer minuciosamente qual é a estrutura que oferece, em tal modo, uma contribuição às investigações específicas que sobre esta se baseiam.
Fenomenologia, psicologia e psicanálise: um nó problemático, em que é oportuno retornar às suas origens, ao tempo em que Husserl e Freud seguiam as lições de Franz Brentano. É lá que se elabora uma investigação sobre a interioridade, que tomará diversas vias, as quais, porém, ainda são desconhecidas. E desse nó se desemaranham muitos fios. Em ambiente alemão: Max Scheler, contemporâneo de Husserl; Edith Stein, que continua a investigação sobre a psique, sentindo também a influência de um pensador pouco conhecido, mas muito estimado no interior da escola fenomenológica de Gottingen e de Friburgo, Alexanser Pfänder; enfim, Martin Heidegger, que discutirá mais diretamente com os desenvolvimentos da psicanálise nos seminários de Zollikon. Em ambiente francês, a atenção aponta sobre Maurice Merleau-Ponty e sobre Paul Ricoeur, os quais pertencem às gerações sucessivas e assistem à grande expansão das correntes psicanalíticas.
Nas páginas que seguem, me concentrarei, em primeiro lugar, sobre Husserl e analisarei a contribuição peculiar que a sua discípula Edith Stein deu à pesquisa sobre a psique, sublinhando em particular seu projeto de oferecer uma base teórica útil aos psicólogos. Já acenei ao fato de que a fenomenologia teve uma notável incidência teórica e prática sobre a psicopatologia e, portanto, indicarei os objetivos da sua utilização, assim como emergem de Ludwig Binswanger, o fundador da psicopatologia fenomenológica.
Prosseguirei com a análise de um expoente da corrente denominada psicopatologia fenomenológica, examinando a contribuição de Bruno Callieri. Certamente outros psicopatólogos estrangeiros e italianos têm produzido notáveis resultados teóricos: recorda-se, entre outros, no território italiano, Lorenzo Calvi – herdeiro direto de Danilo Carniello, o primeiro que tornou Binswanger conhecido na Itália –, Eugênio Borna, Arnaldo Ballerini e, entre os expoentes da geração mais recente, Gilberto Di Petta. Seria interessante examinar, também, suas análises que, mesmo mantendo uma linha unitária, fornecem aprofundamentos e especificações muito válidas, que esclarecem esse complexo, variado, muitas vezes enigmático mundo representado pelos distúrbios mentais. Recuperarei em parte suas propostas, averiguando aquele campo peculiar representado pela psicologia e psicopatologia da religião, para chamar atenção para um fenômeno, aquele da experiência religiosa, que há muito tempo é negligenciado e que merece, na minha opinião, uma atenta análise.