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O Midrash na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios: uma análise do ponto de vista cultural de Paulo
O Midrash na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios: uma análise do ponto de vista cultural de Paulo
O Midrash na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios: uma análise do ponto de vista cultural de Paulo
E-book201 páginas3 horas

O Midrash na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios: uma análise do ponto de vista cultural de Paulo

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Sobre este e-book

Nesta dissertação o autor se propõe a mostrar, num primeiro momento, com exemplos, alguns aspectos formais da literatura midráshica empregados por Paulo em seus escritos. Para isso, demonstra a inserção do apóstolo nas culturas grega, romana e judaica; mais precisamente rabínica. Apresenta também um panorama da literatura judaica, por ocasião do apostolado de Paulo, destacando a importância do Antigo Testamento para o judaísmo de então. Enquanto assim procede, trata da continuidade e descontinuidade entre os Testamentos e discute a questão cronológica dos textos rabínicos. Analisa algumas citações do Antigo Testamento feitas pelo apóstolo, evidenciando as semelhanças entre elas e a literatura judaica. Finalmente, analisa o texto de 1 CORÍNTIOS 10, explicando-o exegeticamente, historicamente e teologicamente. Assim procedendo, percebe o apóstolo Paulo como alguém livre para empregar recursos da literatura judaica. Entretanto, o objetivo de Paulo ao empregar tais recursos é evidenciar especificamente a pessoa de Cristo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de jul. de 2021
ISBN9786525203379
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    O Midrash na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios - Zilmar C. Hotti

    CAPÍTULO I. Traços culturais de Paulo

    A fim de analisar a literatura midráshica, termo derivado do substantivo Midrash⁴ objetivo dessa dissertação, na Primeira Epístola aos Coríntios, é necessário que se mostre o quanto o apóstolo Paulo estava inserido e contextualizado na época em que viveu. O objetivo, nesta primeira parte, é demonstrar uma dependência natural do apóstolo em relação à cultura vigente, e providenciar a base necessária para conhecer um pouco da personalidade do apóstolo, sobretudo no aspecto de como ele poderia utilizar seus conhecimentos culturais.

    Isto se deve principalmente ao fato perceptível, nas sagradas escrituras, de Paulo ter citado pessoas e textos que não se encontram ipsis litteris na Bíblia Hebraica. Notam-se, então, os usos que Paulo faz da LXX e de filósofos da época em vários textos que serão comentados nesta dissertação.

    Paulo como homem de seu tempo, poderia utilizar a cultura grega, romana e judaica (especialmente a literatura rabínica).

    Iniciar-se-á, para maior clareza e para permitir melhor compreensão da matéria a tratar, pela inserção de Paulo na cultura grega. Necessário se faz à guisa de categorização e esclarecimento, ressaltar que aqui se entende cultura como definiu Maria Lúcia de Arruda Aranha: "Em antropologia, cultura significa tudo que o homem produz ao construir sua existência: as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais"⁵. Este conceito de cultura coloca o apóstolo Paulo como produtor da cultura grega visto que fazia parte do seu cabedal de conhecimento tal modo de existência. O mesmo pode-se afirmar em relação às culturas judaica e romana.

    1.1. Paulo e a cultura grega.

    Alguns autores entendem que Paulo não era adepto da cultura grega, pois, quando dela se utilizou, o fez não para advogá-la e sim para contrariá-la. Carriker, por exemplo, afirma que:

    Paulo não demonstra nenhum conhecimento, ou pelo menos apreço pela literatura clássica, apenas algumas máximas e expressões⁶ populares. Provavelmente não tenha sido educado no uso da retórica, pelo menos não segue as convenções retóricas formais. Em suma, mesmo tendo a familiaridade com o mundo grego, Paulo permaneceu culturalmente judeu, do início ao fim.⁷

    A discussão sobre se Paulo era ou não um helenista⁸ pode abranger um longo estudo, especialmente na sua Primeira Epístola aos Coríntios onde, visivelmente, utiliza termos que poderiam ter equivalência filosófica grega.

    Além do fato de que, na epístola em questão, Paulo menciona tais termos, percebe-se, que muitas vezes, ao citar trechos das Escrituras Sagradas, utiliza a versão dos LXX. A comprovação de tal afirmação pode ser conferida no estudo que Carlos Oswaldo Pinto faz, analisando as citações da LXX ocorridas em Romanos, nos capítulos nove, dez e onze⁹.

    É bem verdade que, ao dar sua própria biografia, Paulo afirma ser judeu de Tarso e cumpridor de todos os rituais da lei, e que, se fosse o caso, poderia orgulhar-se do fato de ser fariseu, ala bastante radical do judaísmo (Fp 3.5-6). Contudo, como o próprio texto onde afirma seu judaísmo farisaico indica, o apóstolo havia considerado tais cousas como perda. Ademais, nota-se a preferência de Paulo em utilizar a forma grega do seu nome, como quase todos os judeus que viviam no mundo grego faziam¹⁰.

    1.1.1. Paulo, apóstolo aos gentios.

    O termo gentio alcança não apenas o povo grego, mas inúmeros outros povos. Quando da sua conversão, o apóstolo recebeu a incumbência do próprio Senhor de ser pregador não somente aos Judeus, mas também, e, principalmente (At 9.15) aos gentios e, como afirma Cerfaux:

    A tradição conservou para são Paulo que ele reivindicava Apóstolo dos gentios. Voltou-se resolutamente gregos e tornou-se um deles para os ganhar, o fato de ele tê-lo conseguido é a melhor prova de que falava a língua deles. Judeu com os judeus, ele foi grego com os gregos… Não somente falava a língua dos gregos utilizando seus termos e seus conceitos, mas tornou sua a alma deles, a fim de que, por sua vez, eles fizessem sua a linguagem de Cristo¹¹.

    O fato de Paulo receber esta incumbência e tê-la executado, de utilizar o seu nome na língua helênica e ter acesso ao mundo gentio, são provas suficientes da inserção do apóstolo na cultura grega. A propósito, na sequencia, analisa-se o conhecimento de Paulo acerca da filosofia grega para corroborar com a afirmação acima.

    1.1.2. Paulo e a filosofia grega.

    Na sua primeira Epístola aos Coríntios, o próprio apóstolo afirma que procedeu para com os judeus e também com aqueles que estavam sem lei como se fosse um deles. Assim, fez-se de fraco para ganhar os fracos. O contexto desta afirmação, sem dúvida, relaciona os judeus àqueles que têm lei, e os gentios (gregos)¹², àqueles que são fracos e sem lei.

    Pela afirmação de Paulo, percebe-se o seu conhecimento da lei judaica, mas também sua inserção no mundo dos gentios com o propósito de evangelização. O relacionamento do apóstolo com a filosofia grega é percebido no seu encontro com filósofos estoicos e epicuristas, narrado por Lucas, em At. 17.16-31, ocasião em que debate¹³ com os mesmos.

    Epicuro havia fundado sua filosofia por volta de 341-270 a.C, e a opinião dos filósofos epicuristas era de que os deuses não existiam e, se existiam, não influenciavam a vida e o mundo dos homens. Epicuro ensinava ainda ser bom para o homem viver de maneira simples e procurar os prazeres mentais, portanto, o conceito dos epicuristas acerca do prazer e da tranquilidade era nobre. Eles criam também que nada está determinado e persistindo o acaso e cabe ao homem moldar seu próprio futuro ou destino¹⁴.

    Os estoicos¹⁵, por outro lado, fomentavam a razão como princípio inerente da estruturação do universo: concluindo-se, daí que o homem deve viver por esta razão. Além disso, tinham um conceito panteístico de Deus como alma do mundo¹⁶ e ressaltavam a autossuficiência do homem e a obediência aos deveres do cidadão. Afirmavam ainda não haver ressurreição do corpo físico. O fundador da escola estoica de pensamento foi Zenão (342-270.a.C)¹⁷; um fenício de nascimento que sobreviveu a um naufrágio conseguindo estabelecer-se em Atenas¹⁸.

    A abordagem de Paulo aos filósofos em Atenas é descrita por Marshal como relembrando a atividade de Sócrates¹⁹ que argumentava com quem se dispusesse a ouvi-lo. Sócrates, principal filósofo da Grécia antiga, viveu entre 470-399 a, C. O método de debate deste filósofo consistia em a ironia e na chamada maiêutica, sendo que, num primeiro momento argumentava com perguntas (ironia) para mostrar a falta de conhecimento do debatente, depois trazia ou dava à luz (maiêutica) nova ideias ao aluno-aprendiz. O tratamento dado a Paulo pelos filósofos de Atenas, em princípio, foi o desprezo. Todavia, o apóstolo foi eloquente o suficiente para despertar nos mesmos o interesse pela sua doutrina.

    O fator de destaque em relação ao exposto acima é que, apesar de sua doutrina nova e diferenciada, Paulo mostra conhecimento da filosofia estoica, inclusive cita um dos seus poetas, Arato, nascido na Sicília²⁰ (At. 17: 28). pois somos também da sua progénie Paulo cita de Arato o verso 5 de um poema²¹ sobre Zeus. O estoico Cleantes, também em hino a Zeus, escreve em termos muito semelhantes²². A descrição que Cleantes faz de Zeus, principal deus grego, lembra o Deus Javé, numa consciência de grande divindade criadora e sustentadora da criação. Na verdade, a descrição de Cleantes é quase uma concepção monoteísta de Zeus como sendo único. Cleantes é filosófico também pois o hino a Zeus contém concepções da visão do mundo físico e ético próprios do estoicismo. O estoicismo concebia o universo como ser vivo, sendo deus a alma deste universo e o sol o seu coração. A semelhança entre Arato e Cleantes com relação a Zeus denota que se fundavam em tradições comuns. Com efeito, Arato conheceu e conviveu com Zenão, o fundador do estoicismo, e o sucessor deste foi precisamente Cleantes.

    Paulo, provavelmente, viu nesses textos pagãos intuições de uma concepção de divindade semelhante à do Deus único Javé. Certo tipo de revelação que pagãos podiam ter e, como bom orador, atingiu o seu público dirigindo-se às concepções comumente partilhadas por este.

    1.1.3. Um exemplo da cultura grega utilizada por Paulo em sua Primeira Epístola aos Coríntios.

    A finalidade agora não é fazer uma pesquisa extensiva a respeito destes exemplos; trata-se, no entanto, de perceber o apóstolo como alguém totalmente inserido e contextualizado no seu meio ambiente: por isso, ver-se-á apenas um termo²³ (palavra) que, sem dúvida, evidencia tal fato. O termo sabedoria (σοφία) é utilizado com vários significados. Referindo-se a Cristo, em 1Co 1.24, 30; 2. 6 Paulo contrapõe a sabedoria que supostamente os gregos tinham com a sabedoria de Deus, (Θεοῡ σοφία ; σοφίιαν δὲ οὐ τοῡ αἰῶνοσ) A cultura e o conhecimento dos gregos eram amplos e abrangiam as áreas da matemática, geometria, medicina, astronomia, música, e a forma de discursar com eloquência. Esta última, designada de retórica. O conhecimento dos gregos também alcançava outras matérias, que compreendem a vida civil nas assembleias, nos tribunais e em outros eventos, como festividades e efemérides. Paulo se refere a esta retórica ou sabedoria de palavras (σοφία λογοῡ) em 1 Co 1.17 e 2. 1, 4, 13. O comentário de Paulo, até certo ponto, depreciativo a respeito da sabedoria dos gregos, como afirma Augustus Nicodemus, sugere que os coríntios haviam desenvolvido ou ainda mantinham certo gosto pelos argumentos lógicos e retóricos na pregação²⁴. Isto explicaria uma preferência por pregadores que se aproximavam do estilo dos sofistas itinerantes, e também a primazia de uma ala da Igreja em Corinto por Apolo que era eloquente e provavelmente teria sido treinado entre os judeus de Alexandria²⁵.

    O exposto até aqui fornece base suficiente para se perceber o apóstolo Paulo como alguém que não temia em utilizar seus conhecimentos a fim de levar seus ouvintes a entenderem a mensagem cristã. Sem dúvida, fê-lo utilizando seu conhecimento da cultura grega. Isto posto, sem levar em consideração a questão do grego koinè, que era comum a todos os cidadãos daquela época, finaliza-se este tópico afirmando com F. F. Bruce que:

    A influencia pagã do helenismo foi mantida a distância do círculo no qual Paulo recebeu sua educação, mas todos os sábios conheciam grego e eram capazes de dar aos seus alunos cursos profilácticos em linguagem e cultura grega. Simeão, o filho de Gamaliel, é dito ter tido muitos alunos que estudaram a sabedoria dos gregos ao lado de muitos outros que estudaram a Torah, e não é necessário duvidarmos que Gamaliel, o ancião, também os tinha como alunos. É bastante provável que Paulo adquiriu os rudimentos do saber grego na escola de Gamaliel. Mas, ao seu retorno para Tarsis, através do resto de sua vida ativa, foi exposto ao estilo grego em uma cidade após a outra (…) o helenismo exerceu uma influência decisiva em sua mente. Nós podemos perceber em seus escritos conceitos e expressões, trazidas especialmente do estoicismo popular²⁶.

    1.2. Paulo e a cultura romana.

    Separar a cultura romana da grega é praticamente impossível, pois esta influenciou em muito o Império Romano. Portanto, percebendo a cultura como definida anteriormente, a construção da sociedade romana e sua organização política e jurídica constituem-se em um ponto extremamente cultural. Paulo esteve inserido nesta cultura e dela se serviu quando defendeu sua cidadania romana.

    1.2.1. Paulo e a cidadania romana.

    Da cidadania romana faziam parte as responsabilidades, mas também os privilégios. No âmbito das responsabilidades, estava a de servir nas legiões do exército²⁷. Nos dias do apóstolo Paulo, a cidadania romana era algo cobiçado pela sociedade devido a algumas vantagens entre as quais se destacavam: o privilégio de ser julgado por um tribunal romano, o voto nas assembleias romanas, a isenção de taxas militares. Além disso, o cidadão romano não podia ser chicoteado; todavia, é possível que houvesse uma excepção a esta regra (no caso do judeu, por exemplo)²⁸.

    Havia algumas maneiras de se tornar um cidadão romano: uma delas era nascer numa família de magistrados: já que havia uma lei garantindo o direito dos magistrados ganharem a cidadania; passando-a aos seus filhos, pais, mães; mulheres, e netos, mesmo depois que tais magistrados deixassem a carreira. Outra forma de se ganhar a cidadania romana era através do serviço militar. Ao imperador também era permitido conceder a tão cobiçada cidadania como favor individual²⁹. Uma forma especial de se obter a cidadania romana era nascer numa cidade, mesmo que estrangeira, mas que a ela fosse outorgada globalmente a franquia romana. A cidade de nascimento do apóstolo havia recebido por

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