Comentários à Lei Anticorrupção: Análise da Lei 12.846/13
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Sobre este e-book
Ao longo da obra o autor faz correlações com as demais normas ínsitas no microssistema da tutela coletiva em virtude da transversalidade dos temas.
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Comentários à Lei Anticorrupção - Fabrício Rocha Bastos
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Regulamentação legislativa para fins de combate à corrupção já existe há décadas em nosso sistema jurídico.
O Decreto-Lei 3.240/41 permitia a decretação do sequestro de bens de pessoas indicadas por crimes que acarretassem prejuízo ao erário.
A Lei 3.164/1957, conhecida como Lei Pitombo-Godói Ilha, estabelecia, em seu art. 1.º, "a possibilidade de sequestro e perda, em favor da Fazenda Pública, dos bens adquiridos pelo servidor público, por influência ou abuso de cargo ou função pública, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal." A preocupação central da referida legislação era sancionar os servidores públicos por atos de enriquecimento ilícito.
Posteriormente, a Lei 3.502/1958, denominada Lei Bilac Pinto, pretendeu regular "o sequestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargo ou função". Em sentido semelhante à Lei 3.164/57, o escopo principal da Lei 3.502/1958 era punir os agentes públicos por atos de enriquecimento ilícito.¹
Ressalte-se que as aludidas leis - Leis 3.164/1957 e 3.502/1958 cuidavam apenas do enriquecimento ilícito e foram revogadas expressamente pelo art. 25 da Lei 8.429/1992.
Atualmente, poderão ser utilizadas as normas da Lei 1.079/50, Lei 4.717/65, Decreto-Lei 201/67, Lei 7.347/85, lei 8.429/92 e a Lei Complementar 135/2010 como regras que servirão de orientação e solução de eventuais omissões e, claro, com o objetivo de efetivar o princípio constitucional da moralidade administrativa².
No âmbito penal³, por outro lado, além do capítulo referente aos crimes contra a Administração Pública (arts. 312 ao 359-H, do Código Penal), foram criadas duas novidades importantes na seara das condutas relacionadas a atos de amplitude internacional:
i) a lei 10.467/2002 que passou a prever no Código Penal o crime de corrupção ativa em transação comercial internacional (arts. 337-B ao 337-D, do Código Penal), mas a responsabilização fica adstrita somente às pessoas naturais;
ii) a lei 10.467/2002 modificou o art. 1º da lei 9.613/98 criando o tipo penal de corrupção de funcionário público estrangeiro como crime antecedente para a lavagem de dinheiro.
Existem outros marcos legais de combate à corrupção, tais como:
i) Lei 9.784/99;
ii) Lei 8.112/90;
iii) Lei 8.666/93;
iv) Lei 10.520/02;
v) Lei Complementar 101/00;
vi) Lei 12.527/11;
vii) Lei 12.813/13.
A Lei Anticorrupção Empresarial⁴ (Lei nº 12.846/2013) representa o cumprimento, por parte do Brasil, do compromisso internacional firmado a partir da assinatura de duas Convenções, são elas:
Em ambos os diplomas internacionais, objetiva-se responsabilizar as pessoas jurídicas corruptoras com sanções nas esferas cível, administrativa e penal. Tais diplomas internacionais servem, inclusive, como suporte para a interpretação das normas legais nacionais.⁵
Com o advento da Lei Anticorrupção Empresarial (LAC), as sociedades empresárias estão obrigadas a prevenir atos considerados lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira, sob pena de sanções.
Nesse panorama, o princípio da moralidade administrativa ganhou "eficácia exógena⁶", pois transcende o âmbito da Administração Pública para condicionar, também, a atuação de pessoas jurídicas que com ela se relacionam.
Para tanto, a LAC inovou ao prever⁷:
Juntamente com outros diplomas legais do microssistema da tutela coletiva, a LAC integra o microssistema de tutela do patrimônio público ou sistema jurídico anticorrupção.⁸ O conjunto das normas legais que pretende combater a corrupção é multisetorial e agrega regras penais, administrativas, cíveis e políticas.⁹
O caráter poliédrico dos comportamentos de corrupção exige a necessidade de buscar uma coerência sistêmica da aplicação das regras previstas no microssistema de tutela do patrimônio público, com a possibilidade de complementar as regras já existentes.¹⁰ Ademais, os padrões éticos, a eficiência administrativa e o controle da gestão pública são características indissociáveis da gestão pública pós-moderna.¹¹
Apesar de exigir, em algumas hipóteses, a presença de ente público e, até mesmo, de funcionário público, a Lei nº 12.846/13, na maioria dos casos, visa punir os atos praticados por particulares que tenham nítido interesse de beneficiar o agente econômico não vinculado ao Poder Público.
Logo, dois critérios são estabelecidos para sua aplicação:
i) ofensa a interesse da Administração Pública, seja nacional ou estrangeira; e
ii) praticada no interesse ou em benefício, exclusivo ou não, da PJ de direito privado.
Destarte, as punições transcendem práticas estatais, alcançando principalmente comportamentos empresariais, que representam condutas desonestas e ofensivas aos interesses públicos.
Impende salientar, por oportuno, que a LAC segue a tendência mundial de ampliação da jurisdição administrativa sobre a penal permitindo a aplicação das sanções administrativas como mais efetivas do que as penais.¹²
Ora, a LAC sanciona no âmbito administrativo as condutas de corrupção ativa empresarial. Trata-se, portanto, de um critério punitivo que prefere as sanções administrativas em detrimento das penais, mas não as afasta.¹³
1.2 APLICAÇÃO DA LAC NO TEMPO
De acordo com o artigo 31 da Lei nº 12.846/2013, sua vigência tem início 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.
Não há dispositivo que determine a aplicação retroativa da LAC, por isso somente os atos praticados após sua entrada em vigor estarão sujeitos às sanções nela instituídas.¹⁴
Todavia, é possível que infrações permanentes ou continuadas sejam alcançadas pela referida lei, conforme dispõe o art. 25.
Isto porque, em ambas as hipóteses, a vigência da lei é anterior à cessação da continuidade ou da permanência, uma vez que o agente persistiu na prática ilícita mesmo depois da entrada em vigor da nova lei.¹⁵
Por analogia, aplica-se a regra esculpida na Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência."
Imperiosa a diferenciação dessas duas modalidades de infração:
No que tange aos aspectos processuais, a LAC tem aplicabilidade imediata aos processos pendentes, desde que observados os efeitos dos atos processuais já praticados e as situações jurídicas já consolidadas sob a égide da norma anterior, os quais serão regulados pela lei do tempo de sua consumação (art. 14, do CPC).
1.3 APLICAÇÃO DA LAC NO ESPAÇO
Tendo em vista o Princípio da Igualdade Soberana¹⁶ de todos os países, a aplicação das leis deve se restringir ao território nacional circunscrito pelas fronteiras do Estado, estabelecendo-se, portanto, a territorialidade como regra.
Por outro lado, a LAC impõe, visando atender aos compromissos assumidos pelo Brasil com a assinatura e ratificação da Convenção da OCDE¹⁷, a extraterritorialidade quando os atos lesivos forem praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, mesmo para aqueles cometidos no exterior (art. 28). Apesar de algumas críticas doutrinárias à criação desta extraterritorialidade¹⁸, não como sustentar, em primeira análise, qualquer inconstitucionalidade com o fim de afastar a aplicação da