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O Espectro do Caos: nos passos da arte urbana paulistana entre 1970 e 1990
O Espectro do Caos: nos passos da arte urbana paulistana entre 1970 e 1990
O Espectro do Caos: nos passos da arte urbana paulistana entre 1970 e 1990
E-book191 páginas3 horas

O Espectro do Caos: nos passos da arte urbana paulistana entre 1970 e 1990

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Sobre este e-book

Nesta reedição e ligeira adaptação do texto de sua pesquisa de mestrado, Camila Narduchi nos conduz a um passado não tão distante da cidade de São Paulo, numa breve caminhada em meio a peculiares eventos históricos e indivíduos que atravessaram o surgimento da arte urbana na capital paulista.
Abrangendo um grande período da ditadura militar no Brasil das décadas de 70 e 80, acompanhamos as transformações da cidade e seus inúmeros desdobramentos e nos deparamos com informações que estimulam uma análise autônoma, muitas vezes lidando com uma inesperada oscilação de nossas próprias convicções.
Permeada por elementos contemporâneos e uma admirável lucidez presente, a narrativa vai saltando pelo tempo e pelos acontecimentos numa cronologia pouco linear e, em vários momentos, mesmo involuntariamente, a autora nos leva a uma questão atual: o que de fato mudou?
Sua investigação nos incita constantemente a tecer perguntas e a enfrentar contradições. O teor discretamente radical de algumas observações coloca à prova nossa própria passividade diante dos fatos, fazendo surgir um encantamento quase instantâneo pela complexa arte de rua que a autora nos leva a redescobrir.
A partir do olhar cuidadoso que Camila nos convida a ter sobre as inscrições em meio urbano, mas também sobre os seres humanos por trás dessas inscrições, após o término da leitura apenas uma coisa é certa: os muros das cidades jamais serão os mesmos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de ago. de 2021
ISBN9786525206363
O Espectro do Caos: nos passos da arte urbana paulistana entre 1970 e 1990

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    O Espectro do Caos - Camila Narduchi

    CAPÍTULO I - A ARTE URBANA PAULISTANA: ENTRE CONCEITOS E DISPUTA DE ESPAÇOS

    A arte não reproduz o visível; ela torna visível.

    PAUL KLEE¹³

    Neste capítulo, o propósito principal parte da escolha de apresentar alguns dos muitos caminhos da arte urbana paulistana (que por muito tempo foi sinônimo de arte urbana brasileira em sua esfera emergente), entrelaçados e associados à própria dinâmica da cidade de São Paulo. Destacando os pontos sensíveis à discussão – como a relação desse espaço urbano, o recorte cronológico e a expressão de seus grupos –, podemos nos concentrar em aspectos relevantes dessa arte urbana e sua disputa de espaços sem que, obrigatoriamente, se faça necessário esmiuçar suas origens em detalhes ou se basear numa construção e problematização imagéticas, uma vez que isso já foi feito por vários artistas, críticos e também por acadêmicos em áreas diferenciadas das artes, da comunicação, da sociologia e outras.¹⁴

    RECONFIGURAÇÕES ESPACIAIS E O MOVIMENTO STREET ART NO BRASIL

    Quando falamos de arte urbana, do inglês street art, apesar desta englobar uma grande diversidade de expressões artísticas, no presente trabalho me concentrei em explorar uma de suas vertentes em particular: o graffiti. Pesquisando sobre o termo, podemos encontrar uma considerável gama de explanações e literaturas acerca de sua origem, porém aqui o foco será no empréstimo do termo em italiano (graffito, no singular, graffiti, no plural) que é amplamente utilizado também em outras línguas, para dar nome a inscrições feitas com tinta, spray e outros materiais em muros, paredes, ou qualquer outra superfície não convencional e, de preferência, em locais públicos. Em português, a palavra grafite, como vou me referir a esta prática em vários momentos ao longo do texto, é utilizada para designar, entre outras definições, palavras, frases ou desenhos escritos em muros e paredes como mensagens, como contestação ou simplesmente de caráter obsceno.¹⁵

    Quando se fala de grafite, se formos analisar puramente sua definição de pintar ou desenhar em muros, a literatura nos indica que poderíamos, então, considerar escritos da Roma antiga como tal, ou, de acordo com Aparecida Luzia A. Zuin, poderíamos começar pelas pinturas do movimento muralista no México, dos anos 1920 aos anos 1940.¹⁶ Zuin ressalta também a importância de Paris em 1968 para a expansão desse movimento, quando relembra a utilização dos sprays pelos estudantes parisienses, que buscavam ir contra um sistema que, por lei, proibia esse tipo de registro nos espaços públicos e o condenava à sarjeta, ou a locais que o remetiam a uma ideia de sujeira e abandono.¹⁷ Porém, por mais importantes e relevantes que essas datas e movimentos artísticos tenham sido, a ideia aqui é abordar o grafite como linguagem urbana e, portanto, partiremos dos primeiros registros dessa escrita em termos mais contemporâneos (ou, de certa forma, quando o movimento ganhou visibilidade), o que coloca a cidade de Nova Iorque na década de 60 como o ponto de partida.¹⁸

    O movimento começou no final dos anos 1960, estando diretamente ligado à cultura do hip hop. É considerado um dos quatro elementos dessa cultura, junto com os MCs (ou rappers), DJs e B-Boys, que com suas batidas, versos e break dancing compunham então as formas de expressão vindas do Bronx, bairro de Nova Iorque.¹⁹ O grafite passa a colocar os vagões de trens e metrôs da cidade como tela nas mãos de jovens que escreviam seus nomes de rua – um tipo de assinatura – a fim de obter notoriedade e popularidade. Vale ressaltar que essas assinaturas, que ficaram conhecidas como tags, têm caráter de anonimato, como um codinome. Eventualmente, criou-se uma espécie de competição para ter sua tag espalhada pelo maior número de lugares possíveis, fazendo uso de uma estética muito peculiar na utilização das tintas e cores, e na aplicação de técnicas particulares de pintura. Zuin respalda essas afirmações, chamando a atenção para o que viria a ser, mais à frente, o caráter ilegal e característico da atividade:

    Esses textos, pintados no espaço urbano, surgiram primeiro nos guetos de Nova York e se estenderam pelo Bronx. Os traços coloridos nos muros iam aparecendo aos poucos e se espalhavam no metrô e nos ônibus. Essa forma de comunicação foi tomando corpo e, com dinamismo, alastrou-se por muitos lugares no país, o que não demorou muito para ser perseguida e controlada pelos órgãos governamentais.²⁰

    Após a Segunda Guerra Mundial, com a popularização dos materiais em aerossol, como perfumes e desodorantes, a aplicação de tintas em spray ocupa o lugar de outras técnicas de pintura, o que confere também maior velocidade e movimento às inscrições desejadas.²¹ Essas inscrições se expandiram de frases, ou das simples reproduções repetitivas de assinaturas, para abraçar conteúdos em desenhos e composições que expressassem opiniões, anseios, desejos, e até humor.

    A ressignificação da cidade e a tentativa de subversão de regras impostas são um objetivo claro dessa forma de expressão artística nada tradicional que se populariza, no Brasil, ao longo das décadas de 1970 e 1980. Porém, antes de tratarmos disso diretamente, precisamos voltar um pouco na história da capital paulista, nosso local de análise.

    Ainda na segunda metade do século XIX, teve início um processo contínuo de abandono dos bairros centrais em São Paulo,²² que desde então começava a irradiar de seu centro, e já na década de 70 o processo de ampliação da mancha urbana se encontrava extremamente intensificado. Devido à expansão industrial descentralizada para além da Área Metropolitana e a um crescimento populacional extremamente acelerado,²³ os anos 1970, de onde pretendo começar essa discussão, se revelam como o despontar de tantas outras ressignificações, especialmente na dimensão social e artística da cidade.

    Em seu livro, o artista Celso Gitahy conta uma anedota curiosa, que ilustra a proporção que essas intervenções foram tomando na cidade; quando retoma a fala de certos adolescentes adeptos dos sprays, ele narra que esses jovens afirmavam ter um objetivo: o de continuar a guerra.²⁴ Uma guerra feita com o movimento frenético das bombas de tinta que tentam interferir na paisagem – colocando uma marca que parece dizer eu estive aqui – para então modificá-la e pertencer a ela, quase como uma reação à hegemonia imposta ao espaço público.

    De fato, a transformação do espaço (e dos usos desse espaço) causa espanto e mudanças não só na dinâmica de como nos relacionamos diretamente com ele, mas traz também uma necessidade de reestruturação da própria cidade. Essa reestruturação, que como já foi dito se seguiu e se intensificou especialmente nos anos 1970, pressupõe uma nova organização espacial e distribuição social, destacando uma característica de profundo investimento do capital em condomínios exclusivos, e o surgimento dos primeiros shoppings centers e das autoestradas, que passaram então a demonstrar essa "ratificação moderna do padrão setorial

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